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ENTRE O REAL E A FICÇÃO:
AS MARCAS LITERÁRIAS NO JORNALISMO DE ELIANE BRUM
Márcio Eduardo Borges1
Resumo
A literatura sempre esteve presente na história da humanidade, nas mais diversas formas, seja
como registro da vida do homem, como forma de comunicação entre pessoas, entretenimento,
arte e também como informação. Ao cumprir tantas funções, a literatura é terreno fértil de
criação e possibilita que outros campos de atuação se apropriem de seus métodos de
construção, como ocorre com a produção da jornalista Eliane Brum. Este artigo pretende
analisar como a profissional utiliza artifícios narrativos em suas reportagens e coloca em
prática o chamado jornalismo literário.
Palavras-chave: Literatura. Jornalismo. Jornalismo literário.
Introdução
Contar histórias é uma atividade que nasceu com a humanidade, quase tão inata como
aprender a caminhar ou a falar. Nas primeiras civilizações, as lendas serviam para educar o
povo, doutriná-los e, sobretudo, manter vivas as tradições de determinados grupos sociais;
tendo, portanto, características da modalidade oral.
Mais tarde, o homem passou a registrar as suas histórias de diversas maneiras, como
evidenciam as pinturas rupestres espalhadas por todo o globo e, a partir daí, a invenção dos
métodos de escrita – dos egípcios, dos asiáticos, dos gregos – reforçou a relevância da
manutenção dessas histórias.
Continuamente, esses registros também evoluíram e passaram a tratar não apenas das
lendas já existentes dentro dos grupos sociais e das manifestações culturais, mas tornaram-se
1
Jornalista graduado pela Universidade do Vale do Sapucaí e pós-graduado em Português – Língua e literatura
pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: marcio.eborges@hotmail.com
um espaço amplo de criação. Com isso, aparecem os primeiros registros de literatura escrita,
encontradas em narrativas épicas na antiga Mesopotâmia, na Índia, Grécia Antiga e, ainda, em
textos filosóficos na China.
O autor John Steinbeck (1962), em seu discurso de agradecimento, ao ser laureado
com o Prêmio Nobel, observou que a literatura é tão antiga quanto a fala e que ela surgiu a
partir da necessidade humana, e não mudou, a não ser por ter se tornado mais necessária.
Assim como ocorre com as outras atividades intelectuais, a literatura conhecida hoje
sofreu uma série de mudanças ao longo do tempo, mudanças essas que alteraram o seu
conceito a cada século em que ela se fez presente, ampliando as suas funções e modificando a
sua definição.
Diante desse cenário, a construção de um conceito para definir o que é literatura é
ainda objeto de estudo de diversos pensadores e pesquisadores, sobretudo pela quantidade de
funções atribuídas a ela: difundir informações, registrar uma ação, entreter, entre tantas
outras.
Além disso, os métodos de construções literárias, a poética, o ritmo, a linguagem e
tantas outras características tornaram-se um campo fértil para auxiliar outras áreas do saber. É
o que acontece, por exemplo, no jornalismo.
Este artigo pretende, portanto, apontar, em três reportagens da jornalista Eliane Brum2
,
de quais elementos da linguagem literária a profissional se apropriou na produção de seu
conteúdo jornalístico e quais efeitos, a partir da análise de textos, essa utilização pode surtir
quando da leitura e difusão desse material.
Antes de essa análise ser apresentada, o artigo ainda mostrará um breve panorama da
literatura, à luz de teóricos e estudiosos como Terry Eagleton, René Wellek, Umberto Eco,
Antonio Candido, dentre outros, e a inserção de conceitos recentes, como o jornalismo
literário trabalhado por Edvaldo Pereira Lima e o romance-reportagem de Rildo Cosson. A
fim de relacionar o trabalho de jornalista, o texto traz também uma visão geral sobre o
jornalismo e quais os métodos de construção adotados nas redações tradicionais, quando da
produção de notícias e reportagens para serem publicados no jornal impresso diário. Para
tanto, lança-se mão de trabalhos realizados por nomes como Ricardo Noblat e Nilson Lage.
2
Eliane Brum é uma premiada jornalista brasileira, nascida no Rio Grande do Sul, que atuou em jornais locais e
também em veículos de alcance nacional, como a revista Época e o portal brasileiro do El País, no qual escreve
atualmente. Recebeu o Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 2007, pela obra A vida que ninguém vê, livro que
reúne reportagens, cujo método de escrita motivou este artigo. Escreveu também o livro-reportagem Coluna
Prestes – o avesso da lenda, a série de reportagens em O olho da rua e A menina quebrada, a quase
autobiografia Meus desacontecimentos e a estreia na ficção com Uma Duas.
Importante salientar que este artigo não apresenta caráter conclusivo, tampouco busca
balizar-se por uma única definição para literatura. A proposta procura apontar de forma
concisa quais os conceitos mais trabalhados e como a linguagem literária ultrapassa barreiras
e sobrevive além da ficção.
Em busca de um conceito
Toda ciência necessita de um objeto definido para estudo. Ao investigar sobre
literatura, o pesquisador se depara com uma pergunta inicial que, embora aparente haver
resposta óbvia, pode desestabilizá-lo: o que é literatura?
Ainda que uma definição comum seja algo como “aquilo que é escrito”, o vocábulo é
associado tradicionalmente a trabalhos de ficção, em prosa ou verso, e apresenta uma
distinção das demais peças escritas, o que torna a diferença entre ambos um verdadeiro
desafio. Os textos literários, no entanto, sobretudo aqueles que ficaram imortalizados como
clássicos, pertencem a um grupo específico: o cânone literário – uma coleção de trabalhos
cuja qualidade foi considerada, de comum acordo, excepcional, formado quase que
inteiramente por trabalhos tidos como clássicos da literatura europeia ocidental.
Os textos inaugurais da literatura ocidental, a Ilíada e Odisseia, grandes poemas
épicos tradicionalmente atribuídos a Homero, traziam em sua constituição as três principais
considerações sobre literatura: a sua origem – como ensinamento dos deuses; a sua natureza –
a narrativa tem poder especial de encantamento; e, ainda, a sua função – reconstruir com
fidelidade as ações dos heróis.
Apesar dessas considerações ainda nortearam os estudos sobre o tema, novos
conceitos foram surgindo, e com efusão maior a partir do século XIX. Em sua obra Teoria da
literatura: uma introdução, Terry Eagleton apresenta a literatura como um arranjo
diferenciado da linguagem do dia-a-dia, composição que distancia tecnicamente as duas
formas de expressão.
A literatura é a escrita que, nas palavras do crítico russo Roman
Jakobson, representa uma violência organizada contra a fala comum.
A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se
sistematicamente da fala cotidiana. (EAGLETON, 2003, p.3)
Em outras palavras, a literatura, vista por esse ângulo, estaria presente na vida das
pessoas como forma de criar quase que uma realidade ficcional, marcando sentidos novos a
ações corriqueiras e também criando ambientes e condições alheios à vida real. A literatura é
vista por esse viés também por autores como Roger Samuel. Em obra organizada por esse
autor, ele reúne trabalhos que trazem à linguagem literária a característica central de ruptura
com a realidade, ao mesmo tempo em que se apresenta integrada a ela. Essa espécie de função
poderia explicar por que os livros possuem tamanho poder de encantamento e alude ao que já
era conhecido na Grécia Antiga, a partir dos trabalhos de Homero.
A literatura como ficção é quase autônoma da realidade. Ela denuncia
a realidade de fora (através da forma, tanto quanto através do
conteúdo, pois é a forma que expressa o conteúdo). A literatura
desrealiza a realidade, para quebrar o monopólio da realidade em
definir e questionar o que é real, porque a realidade concreta está
mascarada, mistificada, alienada. O homem na sociedade não é livre e
vive uma realidade distorcida e alienada. Ou seja, o literário assenta na
divergência entre a essência e a aparência; o que a sociedade considera
como real é essa aparência da realidade, que é falsa, mas que é tomada
como verdadeira. [...] (SAMUEL, 1985, p. 14)
René Wellek e Austin Warren vão além e comparam o arranjo da linguagem na
literatura à produção científica. Para os dois autores, a literatura está relacionada à estrutura
histórica da linguagem e não se resume a ser apenas referencial, mas também teria um caráter
persuasivo, ao influenciar, modificar o leitor.
A linguagem literária, comparada com a científica, parecerá deficiente
nalguns aspectos. Abunda em ambiguidades; como qualquer outra
linguagem histórica, está cheia de homônimos e de categorias
arbitrárias ou irracionais como o gênero gramatical [...] é uma
linguagem altamente conotativa. [...] Existe outra diferença importante
entre a linguagem literária e a científica: na primeira, o próprio signo,
o simbolismo sonoro da palavra é acentuado (significante, Saussure).
Inventaram-se todas as espécies de técnicas para chamar a atenção
sobre ele, tais como o metro, a aliteração e as tessituras sonoras.
(WELLEK e WARREN, 1971, p. 15)
Essa definição, trabalhada pelos dois estudiosos, comunga com o trabalho de Umberto
Eco que, em sua obra Sobre a literatura, traz uma interessante afirmação e que insere a
literatura como arte e atividade indispensáveis ao ser humano e também à formação de um
povo: “a literatura, contribuindo para formar a língua, cria identidade e comunidade [2003, p.
13]”.
O estudioso italiano ainda apresenta o que pode ser interpretado como uma visão
moderna das funções da literatura. Para ele, as obras literárias obrigam o leitor a fazer um
exercício constante de interpretação, mas não aquela interpretação convencional, como a que
ocorre nos textos produzidos exclusivamente para informar ou registrar determinado
acontecimento. Eco acredita que o leitor precisa ser fiel e respeitar a liberdade de
interpretação, pois a literatura apresenta algo a mais do que as palavras impressas expressam.
Os textos literários não somente dizem explicitamente aquilo que
nunca poderemos colocar em dúvida, mas, à diferença do mundo,
assinalam com soberana autoridade aquilo que neles deve ser
assumido como relevante e aquilo que não podemos tomar como
ponto de partida para interpretações livres. (ECO, 2003, p. 13)
De modo geral, embora diversos autores apresentem a sua definição própria para
conceituar o termo literatura, nenhuma versão consegue esgotar o assunto, tendo em vista a
infinidade de aplicações possíveis para a linguagem literária, que é versátil o bastante para
transitar desde histórias infantis a trabalhos acadêmicos e, até mesmo, no jornalismo.
O jornalismo literário
Assim como ocorre com a literatura, os estudantes e pesquisadores do jornalismo
também se veem às voltas com os conceitos que rondam essa ciência aplicada. Para sanar a
questão, é possível recorrer às definições do conteúdo jornalístico. Surgem, então, as noções
de notícia, nota, reportagem, artigos, editoriais, entre outros.
No entanto, ainda que as definições sejam imprecisas, os profissionais mantêm
padrões específicos ao produzir conteúdos para os veículos de comunicação. Essa maneira de
construir a notícia é chamada de pirâmide invertida, na qual as informações mais importantes
para a matéria aparecem logo no primeiro parágrafo, chamado de lead, e respondem a
perguntas como: quem, o quê, onde, como e por que. Essa forma de organizar a notícia traz
agilidade na informação, ao traduzir os acontecimentos de maneira concisa e objetiva. Sobre
essa questão, aponta Nilson Lage:
O texto jornalístico procura conter informação conceitual, o que
significa suprimir usos linguísticos pobres de valores referenciais,
como as frases feitas da linguagem cartorária. Sua descrição não se
pode limitar ao fornecimento de fórmulas rígidas, porque elas não dão
conta da variedade de situações encontradas no mundo objetivo e
tendem a envelhecer rapidamente. A questão teórica consiste em
estabelecer princípios (a) tão gerais que permitam a constante
atualização da linguagem e (b) relacionados com os objetivos, o modo
e as condições de produção do texto. (LAGE, 1986, p.36).
Mas essa versão do jornalismo é recente, tendo começado nas redações a partir dos
anos 50, com o movimento iniciado nos Estados Unidos, conhecido como New Journalism,
daí a razão do nome lead ter se mantido sem tradução nos demais países. Antes desse
movimento, que trouxe a ideia da pirâmide invertida como forma adequada de produzir as
notícias e para garantir certa imparcialidade, os profissionais instintivamente faziam grande
intervenção subjetiva no texto, o que contraria a arte de informar, conforme aponta Ricardo
Noblat:
Um jornal é ou deveria ser um espelho da consciência crítica de uma
comunidade em determinado espaço de tempo. Um espelho que reflita
com nitidez a dimensão aproximada ou real dessa consciência. E que
não tema jamais ampliá-la. Pois se não lhe faltarem talento e coragem,
refletirá tão-somente uma consciência que de todo ainda não
amanheceu. Mas que acabará por amanhecer. (NOBLAT, 2002, p. 21)
Além disso, era comum a presença de escritores de ficção ocupando espaço nas
redações. Essa presença, entretanto, não foi negativa, tampouco característica exclusiva do
país norte-americano. No Brasil, renomados autores como Machado de Assis, José de
Alencar, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Rubem Braga, Fernando Sabino,
Clarice Lispector e tantos outros se aventuraram pelo universo das notícias, quase ao mesmo
tempo em que se dedicavam aos romances e demais produções literárias que os
imortalizaram, muitas delas publicadas inicialmente nas notas dos jornais, em capítulos, por
meio dos chamados folhetins, outra forma de utilização da literatura no jornalismo. Sobre esse
tipo de publicação, Marlyse Meyer definiu:
Justamente para atingir esse público mais amplo fora a via-mestra da
publicação em série, esta vai acabar suscitando uma forma novelesca
específica, aquela precisamente com que o termo folhetim vai acabar
se confundindo. A almejada adequação ao grande público, a
necessidade do corte sistemático num momento que deixe a atenção e
o “suspense” levam não só a novas concepções de estrutura (por
exemplo, o problema dos fins dos capítulos ou de série, a distribuição
da matéria seguindo aquele esquema interativo tão bem evidenciado
por Eco) como a uma simplificação na caracterização dos
personagens, muito romântica na sua distribuição maniqueísta, assim
como a uma série de outros cacoetes estilísticos. Verifica-se, além
disso, genial adaptação técnica do “suspense” e ao rápido e amplo
ritmo folhetinesco dos grandes temas românticos: o herói vingador ou
purificador, a jovem defloradora e pura, os terríveis homens do mal,
os grandes mitos modernos da cidade devoradora, a História e as
histórias fabulosas etc (MEYER, 1996, p. 31).
Esse intercâmbio de áreas estreitou ainda mais os laços entre literatura e jornalismo e
gerou obras que pertencem ao cânone dos dois, como é o caso de Os sertões, do autor
brasileiro Euclides da Cunha. O volume retrata a Guerra de Canudos com tamanha precisão
de detalhes que traz uma mistura entre literatura, jornalismo, sociologia, filosofia, história,
geografia, geologia e, até mesmo, antropologia, além de ser construído com uma linguagem
recheada de técnicas narrativas. A essa interseção deu-se o nome, recentemente, de jornalismo
literário.
No Brasil, o grande responsável por teorizar a nova modalidade é o pesquisador,
escritor e jornalista Edvaldo Pereira Lima. Em seu livro intitulado Páginas ampliadas – o
jornalismo literário como extensão do jornalismo e da literatura, o autor estabelece uma
relação quase intrínseca entre as duas formas de contar histórias e, longe de incitar fórmulas,
ele aponta quais aspectos devem ser levados em conta na hora de se produzir um livro-
reportagem, definindo um conceito próprio.
O livro-reportagem é o veículo de comunicação impressa não-
periódico que apresenta reportagens em grau de amplitude superior ao
tratamento costumeiro dos meios de comunicação jornalística
periódicos. (...) distingue-se das demais publicações classificadas
como livro por três condições essenciais: quanto ao conteúdo,
corresponde ao real, ao factual; quanto ao tratamento, linguagem
jornalística e, quanto à função, quando se desdobram desde o objetivo
fundamental de informar, orientar, explicar. (LIMA, 2009, p. 26)
O diferencial do livro-reportagem está em seu poder de captar a atenção do leitor de
forma atrativa, afetando suas sensações, fazendo com que ele se abstraia, no momento da
leitura, de sua própria realidade para pertencer ao universo daquilo que lhe é apresentado. “Ao
articular um livro-reportagem, o autor inicia um jogo implícito com quem o lê. O jogo
consiste em captar o leitor, atraí-lo do seu mundo mental e emocional [...]” [LIMA, 2009, p.
25]. Outro conceito relevante é o de romance-reportagem, trazido por Rildo Cosson, que, para
o autor: “(...) pode ser visto como um gênero que resultou do entrecruzamento do gênero
‘literário’ com o gênero ‘não-literário’ da reportagem, ou em outras palavras, da intersecção
das marcas constitutivas e condicionadoras da narrativa romanesca e da narrativa jornalística”
[COSSON, 2001, p. 32] .
Nanami Sato complementa esse pensamento e defende que o jornalismo literário
parece ser a única modalidade a cumprir com maestria a função de informar e envolver o
leitor – e nesse caso também espectador – acerca do que é narrado, tendo em vista que a
construção jornalística convencional, sobretudo aquela aplicada ao jornalismo diário e
impresso, não consegue ampliar a visão de quem lê, apenas limitando o seu acesso ao que é
apresentado no texto de maneira concisa e rápida.
[...] porque ao contar essas histórias do cotidiano o jornalista-escritor
não segue (necessariamente) os paradigmas/as normas do discurso
jornalístico. Ou seja, a imparcialidade, a isenção, a neutralidade e a
objetividade perseguidas no jornalismo diário podem e são deixadas
de lado. Assim, ao fazer sua narrativa, o jornalista-escritor abandona o
estilo seco, duro dos jornais diários e recorre (sem perdas
informacionais) a elementos literários. ‘À literatura cabe fazer com
que o recorte da realidade atue como uma explosão que abra uma
realidade muito mais ampla. À literatura cabe abrir horizontes’.
(SATO, 2002, p. 45)
Antonio Cândido, com uma infinidade de estudos sobre literatura, embora não tenha
trabalhado com o conceito de jornalismo literário, deu a sua contribuição com outro gênero
textual que é comumente comparado a ele, sobretudo por sua forte presença nos jornais ao
longo dos séculos XIX e XX: a crônica. O autor considera esse gênero textual como um
distanciamento positivo da linguagem dura do jornalismo tradicional, imprimindo ao texto
uma singularidade especial.
Ao longo deste percurso, foi largando cada vez mais a intenção de
informar e comentar (deixada a outros tipos de jornalismo), para ficar
sobretudo com a de divertir. A linguagem se tornou mais leve, mais
descompromissada e (fato decisivo) se afastou da lógica
argumentativa ou da crítica política, para penetrar poesia adentro.
Creio que a fórmula moderna, onde entra um fato miúdo e um toque
humorístico, com o seu quantum satis de poesia, representa o
amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo mesma
(grifo do autor). (CANDIDO, 1992, p. 15)
Assim como os ficcionistas foram perdendo espaço nos veículos de jornalismo
impresso, quando da incorporação de técnicas cada vez mais objetivas de produção, a crônica
foi conquistando admiradores no meio literário e fez grandes nomes como Carlos Drummond
de Andrade, Luís Fernando Veríssimo, Clarice Lispector e Rubem Braga, por exemplo. Na
mesma direção, o jornalismo literário que, embora apresente construção voltada também à
informação, cresceu nas revistas de circulação semanal, quinzenal e mensal e, sobretudo, nos
livros.
Na atualidade, a jornalista brasileira Eliane Brum se destaca por sua produção de
reportagens com linguagem literária. Entre os seus trabalhos, está o livro-reportagem A vida
que ninguém vê, um compêndio de reportagens, originalmente publicadas aos sábados no
jornal Zero Hora, de Porto Alegre, das quais três delas serão analisadas a seguir, a fim de
apontar quais características da literatura a profissional utiliza na elaboração de seu trabalho
jornalístico.
Reportagens literárias ou crônicas jornalísticas de Eliane Brum
O jornalismo é formado por diversas modalidades de texto. Os veículos diários, em
especial os jornais impressos, necessitam de agilidade na transmissão das informações,
portanto, prezam pelas notas e notícias – textos construídos pelos jornalistas com base no
método da pirâmide invertida. Dentro desse contexto, as reportagens, outra modalidade, têm a
missão de levar o tema da notícia quase que ao esgotamento, pois evidencia, além do fato
presente narrado, os seus desdobramentos e ainda investiga os acontecimentos anteriores a
ele. Além disso, a reportagem possibilita mais liberdade de construção textual para o autor.
No livro A aventura da reportagem, os jornalistas Gilberto Dimenstein e Ricardo
Kotscho fornecem uma verdadeira aula sobre reportagem, ao mostrar os conceitos dessa
modalidade de escrita jornalística na prática. Os profissionais rememoram momentos de suas
carreiras nos quais tiveram que enfrentar grandes desafios ao construírem reportagens. No
livro, Kotscho, que ficou conhecido numa das redações onde trabalhou como “repórter
pipoqueiro” realizava uma espécie de jornalismo às avessas, pois escolhia como entrevistados
pessoas diferentes das fontes oficias – que são aquelas diretamente ligadas ao fato narrado.
“Enquanto todo mundo corria para um lado, em cima dos protagonistas das matérias, eu
caminhava para o lado oposto, pegando o lado dos coadjuvantes, dos figurantes, dos
anônimos que só ajudam a compor o cenário” [DIMENSTEIN e KOTSCHO, 1990, p. 67].
A produção de Kotscho representa um meio-termo entre o jornalismo tradicional e o
jornalismo literário, isso porque na definição das personagens/entrevistados para as suas
reportagens, ele faz o caminho inverso do jornalismo convencional e ouve quem está à
margem da notícia; no entanto, ao produzir o conteúdo, segue um padrão redacional que, para
a imprensa tradicional, é quase normativo. Otto Groth esquematiza como leis:
Primeira lei: quanto mais amplamente se utilize a Universalidade na
matéria de um periódico, mais extensa será a difusão do mesmo, sua
acessibilidade geral quanto ao número potencial de leitores; ou então,
quanto mais estreito for o círculo ideal da Universalidade, mais
estreito será o circuito da Difusão.
Segunda lei: quanto mais Atualidade se queira dar à matéria de um
periódico, mais frequentemente deverá ser publicado (mais alta deve
ser sua tiragem). Ou então, quanto menor é o espaço de tempo que
medeia entre o fato e a publicação, mais curto será o período entre
edições. Quanto maior for o tempo entre o acontecer e a sua
publicação, mais amplos serão os períodos de aparição.
Terceira lei: Quanto mais intensa – ou extensa – seja a Acessibilidade
do periódico, mais extensa – ou limitada – deve ser também
determinada sua Universalidade.
Quarta lei: quanto mais curtos (ou longos) forem determinados os
períodos entre duas publicações de um periódico, mais frequente
aparecerá, mais atual (ou menos atual) será sua matéria.
Quinta lei: Quanto mais Universal e Atual for um periódico, mais
frequentemente de aparecer e maior será sua acessibilidade geral, seu
público potencial. (GROTH, 1963 apud MEDINA, 1988)
Seguindo essa lógica, a produção jornalística é vista mais em seu caráter
mercadológico, a fim de ganhar público, audiência e, em consequência, aumentar o número de
vendas do periódico.
Ao definir a linha editorial de determinado veículo de comunicação, as equipes de
trabalho nivelam os profissionais, por meio de manuais de procedimento e redação e elencam
quais fatores são os mais relevantes: a periodicidade (quantas vezes vai circular), a tiragem
(quantos serão impressos), a atualidade, a universalidade (qual alcance determinada
publicação pode vir a ter). Ou seja, as notícias têm a função de informar, mas são
consideradas ao mesmo tempo como produtos, logo são fabricadas conforme a demanda.
Nesse cenário, a reportagem ganha, então, o grande desafio de conquistar leitores, ao
contar uma história diferente daquela moldada pela notícia em forma de pirâmide invertida e,
embora ainda constitua um produto de uma empresa jornalística, o seu valor mercadológico
fica em segundo plano. O jornalista ganha mais espaço para produzir – de tempo e de
caracteres – e pode incorporar ao seu texto outras técnicas, capazes de alcançar os efeitos
desejados. Conforme observa Medina (1998, p. 91), “falar de reportagem é entrar diretamente
nos problemas de comunicação humana”. O termo se presta para todas as situações, já que o
ato de viver é comunicação. É o que faz Eliane Brum, conforme se verá a seguir, por meio da
breve análise de três reportagens do livro A vida que ninguém vê.
Esse livro é a reunião de 23 reportagens produzidas pela jornalista ao longo de 1999,
numa coluna publicada aos sábados no jornal gaúcho Zero Hora. Ao fazer de gente comum e
acontecimentos quase cotidianos, notícia, Eliane Brum explora e une jornalismo e literatura.
Já na orelha do livro, o editor resume: “É a trajetória de uma repórter em busca do
extraordinário de cada vida – só aparentemente – ordinária. É o avesso do jornalismo padrão”.
No prefácio da obra, assinado pelo também jornalista Marcelo Reich, ele conta como
fez a Eliane Brum o convite para desvendar uma Porto Alegre pouco conhecido dos gaúchos,
a partir de histórias de pessoas comuns e suas vidas cotidianas. Ao comentar sobre o resultado
do trabalho, ele propõe uma reflexão sobre o jornalismo e a influência da literatura: “[...] Um
dia, quem sabe, algum desses acadêmicos de comunicação que se debruçam sobre aquelas
teses herméticas deslocadas da vida real das redações também encare a tarefa de trazer à luz
como Eliane traçou uma parte da história do jornalismo brasileiro ao escrever notáveis
reportagens (ou seriam crônicas?) extirpadas das ruas anônimas”.
Adiante, o autor do prefácio ainda revela uma característica peculiar da jornalista
Eliane Brum que sela de vez a relação que ela estabelece entre o saber, o fazer jornalístico e a
linguagem literária, transformados em arte. E faz isso com figuras de linguagem. “Eliane é
assim, confiável e profissional ao mesmo tempo. Olhos, ouvidos e, principalmente, coração
aberto diante da informação em estado bruto. Era graças a esta combinação rara que a vida de
quem milhares iriam conhecer no sábado seguinte rasgava-se diante do bloco de anotações da
repórter”.
Em outro momento, ainda no prefácio, Marcelo Reich dá ao trabalho de Eliane Brum a
característica de “misto de crônica, reportagem e coluna”, fazendo, por meio de seu texto, a
captura e o registro de “cenas corriqueiras em forma de crônicas da vida real”. Nesse
contexto, é possível inserir a observação da professora Sandra Pesavento que, em seu artigo
intitulado Crônica: a leitura sensível do tempo, aponta a crônica como gênero literário mais
próximo do jornalismo, sobretudo por seu caráter temporal, que afronta a realidade imediata.
A leitura da crônica de jornal não é feita para durar e, assim como é
consumida, pode, por sua vez, ser esquecida. Como é sabido, a crônica
vem de “cronos” (tempo), e não há como deixar de fazer a associação
metafórica do gênero com o terrível deus que devorava seus filhos
para conservar seu poder. Numa inversão de significantes, o tempo
implacável, com o seu cotidiano que se repõe cada dia, exige da
crônica a captação do instante, do momento fugaz, da palavra dita, do
gesto esboçado. Devorada pela velocidade do progresso, a crônica é,
por sua vez, a forma de registro que não aspira a permanecer na
memória, tal como as notícias de jornal, que, uma vez lidas, são
comentadas, esquecidas ou delas se guarda uma vaga lembrança desta
ou daquela ideia ou imagem. [...] carregando consigo o ritmo
alucinante da vida moderna [...] o escritor é alguém capaz de realizar
uma operação metonímica no seu texto, fazendo do incidente miúdo a
chave para a compreensão do mundo e da vida. (PESAVENTO, 1997,
p. 30)
Desse modo, as reportagens de Eliane Brum, com características típicas de crônica,
cumprem o seu papel de dar voz a figuras anônimas, ao mesmo tempo em que denuncia
problemas sociais: “[...] elas mantêm o ar despreocupado [...] entram fundo no significado dos
atos e sentimentos dos homens, mas podem levar longe a crítica social” [CANDIDO, 1992].
Análises
Publicada originalmente em 26 de junho de 1999, a reportagem Enterro de pobre
conta a trajetória de Antonio Antunes e a história já começa pelo desfecho: a morte de um
filho que ele nem chegou a conhecer, porque nasceu morto. Após enterrar o filho em caixão
doado e terra emprestada, a personagem segue a vida já prenunciando novas tragédias, pois
assim como as dores da esposa grávida foram negligenciadas pelo atendimento do serviço
público de saúde, ele sabe que, diante de sua condição de vida, essa realidade é um ciclo
fadado a se repetir. E é exatamente isso que a construção textual de Eliane Brum sugere.
O texto é composto por períodos curtos, a pontuação é recheada de pontos finais
constantes que lembram a história da própria personagem, interrompida, encurtada pela
pobreza. Esse recurso lembra os microcapítulos digressivos utilizados por Machado de Assis
em Memórias Póstumas de Brás Cubas, no qual o autor rompe com a estrutura do romance
tradicional, ao inserir recortes explicativos de texto.
O título da reportagem, Enterro de pobre, apresenta uma ambiguidade, só decifrada
pelo leitor com a última frase do texto: “A diferença maior é que o enterro de pobre é triste
menos pela morte e mais pela vida”. Aqui, Eliane Brum atribui diversos sentidos ao vocábulo
“enterro”, que pode ser compreendido como o próprio sepultamento e também como a
invisibilidade trazida pela pobreza.
A reportagem começa com uma constatação, a presença de um adjetivo: “Não há nada
mais triste do que enterro de pobre” e uma referência bíblica: “um homem esculpido pelo
barro de uma humildade mais antiga do que ele”. Conforme já elencado, ao articular o texto
para o jornal, a jornalista deixa de atribuir qualidades aos personagens, centrando-se em
apenas contar os fatos de maneira objetiva. Ao utilizar adjetivos e uma alusão à origem
bíblica do homem, Eliane Brum se aproxima da literatura.
O uso de verbos de ação diversos àqueles utilizados no jornalismo tradicional brinca
com a semântica e atribui novo sentido às orações. Além disso, a repetição de um advérbio,
incomum ao jornalismo tradicional, cumpre a função do grau superlativo dos adjetivos, que
também é evitado nas redações e intensifica o sentimento da personagem: “E disse com tal
dor, tal desesperança, que a frase açoitou o cemitério da pobreza”. Há, ainda, na sequência,
uma sentença que exprime uma definição criada pela própria jornalista/autora: “Porque uma
frase só existe quando é a extensão da alma de quem a diz. É a soma das palavras e da
tragédia que contém. Se não for assim, é só uma falsidade de vogais e consoantes, um
desperdício de som e de espaço”.
Em outra passagem, há uma omissão e posterior aparição do sobrenome. “Quem diz é
Antonio, um homem esculpido pelo barro da humildade [...] Quem diz é Antonio Antunes”.
Nesse trecho, é possível perceber que, ao suprimir o sobrenome na primeira sentença, Eliane
leva o leitor a compreender a sua personagem como a representação de todos os homens como
ele, e ao nomeá-lo em seguida, coloca-o como herói que vive para sobreviver.
Ao fazer de um homem comum a matéria-prima para a sua reportagem, a repórter
evidencia a diferença social e econômica, e a relação de poder e submissão, que não é apenas
uma impressão subjetiva da sua personagem, mas confirmada através da tessitura da história e
dá forma a outra função da linguagem literária: a de assinalar com soberana autoridade aquilo
que [...] deve ser assumido como relevante [ECO, 2003, p.13]. “Um homem que tem
vergonha de falar e, quando fala, teme falar alto demais. E quando levanta os olhos, tem
medo de ofender o rosto do patrão apenas pela ousadia de erguê-los”. A jornalista/autora
ainda revela ao leitor que não foi apenas a causa mortis que ceifou a vida do filho de Antonio
Antunes, mas que a desigualdade social tem culpa: “Acabara de sepultar o filho que
dificilmente morreria se o pai não fosse pobre”.
Na passagem “[...] o sabiá que cantava do outro lado do muro silenciou como se
adivinhasse que a frase de morte era a vida de um homem”, Eliane Brum transforma em
personagem um animal, trazendo à sua reportagem uma característica peculiar das fábulas,
nas quais a natureza é personificada e apresenta uma moral e/ou ensinamento como desfecho.
Além disso, a aparição do animal lembra os romances regionalistas brasileiros, nos quais os
animais têm papel decisivo, representando o ambiente da narrativa e ainda revelando traços
psicológicos das próprias personagens humanas. O fragmento ainda evoca instintivamente a
imagem da Canção do Exílio, célebre poema de Gonçalves Dias, no qual é possível
estabelecer um paralelo entre o “cá”, sendo a pobreza/exílio e o “lá” como a vida sem
dificuldades/a pátria amada.
Eliane Brum usa também outro recurso interessante de ser observado: a repetição de
palavras e expressões, como ocorre com a expressão que dá nome ao texto: “enterro de pobre”
aparece, pelo menos, quatro vezes ao longo das quatro páginas de texto, além de figurar ainda
com variações como “morte de pobre” e “gente pobre”. Na literatura, esse recurso redundante
cria ritmo e uma atmosfera propícia para o desenrolar da ação. No jornalismo tradicional, no
entanto, esse tipo de escrita é evitado. Outro caso relevante acontece em: “E tudo isso
quilômetros a pé, porque dinheiro para a passagem não tinha. E tudo isso de estômago
vazio, porque dinheiro para a passagem não tinha”. Nesse fragmento, o ritmo criado pela
repetição sistemática alude ao próprio caminhar descompassado de um homem que, mesmo
com fome, cansado e sem posses, possui uma força sobre-humana para cuidar da família e
alude também às dificuldades constantes de quem vive na pobreza.
Eliane Brum também usa a metalinguagem na passagem “esse texto poderia acabar
aqui, porque tudo já estaria dito. Mas às vezes é preciso contar uma história de mais de um
jeito para que seja entendido por inteiro”. Esse artifício é utilizado quando o autor vê a
necessidade de se refletir sobre a própria linguagem. Nesse trecho, a jornalista aponta a
necessidade de continuar a história de sua personagem, revisitando o passado recente que
culminou na ação narrada por ela – o filho natimorto – e ainda traçar uma triste constatação: o
eterno ciclo do pobre, fadado a se repetir.
Ao longo de sua narração, a jornalista/autora transforma suas personagens comuns em
verdadeiros heróis cumprindo sua jornada, e o faz lançando mão de recursos estilísticos que
capturam o leitor e fazem com que ele se sinta integrado à história narrada e à vida da
personagem, que, a despeito de outros tantos que sobrevivem nas lendas, mitos e romances,
existe e batalha na vida real. “E lá continua até hoje, com o pai duelando no saguão contra a
morte”. Com essa frase, Eliane Brum conta a história de Antonio, mas também escancara a
realidade da saúde pública, numa crítica suavizada por figuras de linguagem.
Quase no desfecho do texto, a frase “E assim sucessivamente há 500 anos”, Brum
denuncia que a desigualdade social no país está longe de ser rasa como a cova do filho de
Antonio Antunes e que ela existe desde os períodos coloniais.
Outra observação importante é que a figura da mãe, protagonista por ter gerado os
filhos de Antonio, desaparece da história, permanecendo em segundo plano. Essa
característica é típica das epopeias, nas quais cabe a mulher os cuidados com o lar, enquanto o
homem vai para a guerra e para a luta com o desconhecido.
Ao final da reportagem, que também é crônica e até conto, a jornalista/autora
sentencia: “A diferença maior é que o enterro de pobre é triste menos pela morte e mais
pela vida”.
Na reportagem O encantador de cavalos, publicada em 26 de março de 1999, Brum
narra as aventuras de um menino diagnosticado com hiperatividade e déficit de atenção, cuja
única alegria era estar perto de cavalos. Aqui, é possível perceber o limite estabelecido mais
uma vez pela diferença econômica e social. Enquanto algumas crianças têm condições
financeiras de realizar a equoterapia, que utiliza cavalos para auxiliar em aspectos sociais e
psicológicos, a personagem de Eliane Brum é proibida até mesmo de ficar perto deles. E, ao
se apropriar de um animal que pertencia a um vizinho carroceiro, tão pobre quanto ele, o
menino ganha um inimigo e, nesse impasse, a doença toma forma e dita o caminho do jovem.
Eliane Brum inicia o texto com uma imagem cinematográfica dirigida ao leitor: “Um
menino tem a sua cabeça a prêmio pelas ruas de Porto Alegre. Chamado ladrão de cavalos.
Como nos faroestes”.
Mais à frente, ela sustenta: “A realidade do menino não é a da porta da frente, mas a
das cocheiras”. Nessa frase, repleta de linguagem figurada, Eliane Brum mostra a pobreza
como problema colateral no Brasil. Ao colocar a porta da frente como local de entrada nobre e
a cocheira como via de acesso da escória, além de fazer alusão à afeição do menino pelos
cavalos, ela sugere implicitamente a relação casa grande x senzala, que perdurou por séculos
no país, entre os donos de terra e seus escravos, e que ainda persiste atualmente, mas
transfigurada em capital e poder de compra.
Em outro momento, as figuras de linguagem dominam boa parte da narrativa e a
jornalista/autora nos apresenta passagens como: “Os cascos da realidade esmagaram os
sonhos do menino” e “fugiu de muletas em busca de seu Pégasus”, nesta última evocando,
ainda, seres mitológicos. Esse tipo de narrativa está distante do jornalismo tradicional que
troca as metáforas por ações objetivas, a fim de que o leitor possa ser informado sem uma
possível interferência das impressões de quem redige o texto.
A tragédia da família, que chegou a perder o lar num incêndio, é convertida em cena
de romance, cheia de tensão. “Quando o menino tinha cinco anos e a égua dois, ele estava
sozinho em casa com a irmã menor e acendeu uma vela para dissipar a escuridão que lhe
metia medo. A vela lhe escapou das mãos, o barraco incendiou-se. Não sobrou nada, exceto o
menino, que o pai arrancou do meio das chamas”.
Quase ao final da reportagem, Eliane Brum, mais uma vez, critica os serviços sociais e
evidencia a pobreza: “A família não tinha dinheiro para comprar o remédio que lhe
garantiria uma ‘vida normal’. O Conselho Tutelar, às voltas com meninos abandonados,
drogados e violados, não sabia o que fazer com um menino que tinha a mesma obsessão de
Alexandre, o Grande”. A menção ao rei da Grécia Antiga ainda alude à imagem positiva de
um menino marginalizado pela sociedade.
Assim como acontece na reportagem anterior, a construção é repleta de frases curtas,
muitas delas com apenas duas ou três palavras. No jornalismo, as orações devem sempre
seguir um padrão específico, composto por sujeito, verbo e predicado, numa ordem fixa, o
que traz ao texto concisão, objetividade. Na literatura, entretanto, a liberdade de criação
permite tanto a inversão desses elementos como a omissão de algum deles. Na reportagem O
encantador de cavalos, a escrita é entrecortada e a leitura, apesar dos inúmeros pontos finais,
é rápida, quase que num fôlego só, o que lembra o trotar dos cavalos e a personagem central
em fuga.
É no penúltimo parágrafo que o leitor pode perceber a semelhança com o jornalismo
diário, quando a jornalista/autora insere uma pequena fala de seu entrevistado: “- Eu vejo um
cavalo e meu coração começa a bater desesperado. Não gosto nem de bola nem de bicicleta.
Só de cavalos. Quando eu durmo, continuo sonhando com cavalos. Sinto isso”. Mas essa
impressão logo se esvai com o fechamento da história/reportagem, quando, de novo, com uma
sutileza e, ao mesmo tempo, rigidez, o leitor parece estar diante apenas de literatura,
sobretudo pela referência a uma lenda, por meio da qual, mais uma vez, a autora associa o
menino a um herói: “E se foi. Um cavaleiro solitário aos dez anos de idade, jurado de morte,
agarrado às crinas da única fantasia capaz de salvá-lo da loucura de uma infância em
cinzas”.
Em outra reportagem, O colecionador das almas sobradas, originalmente publicada
em 29 de maio de 1999, Eliane conta a história doe senhor Oscar Kulemkamp, morador da rua
Bagé, em Porto Alegre, e um acumulador. Ele leva para casa tudo o que encontra pelo
caminho. Essa obsessão fica evidente logo no título, pois a jornalista escolhe a presença do
um artigo definido (das almas sobradas), dando a ideia de totalidade. Com uma linguagem
marcante, a jornalista/autora transforma esse problema do idoso em metáfora e cria no leitor
um sentimento de empatia. O texto já se inicia crítico e apresenta a sua principal censura, que
é a sociedade de consumo: “Ele é o pedaço de caos na ordem cósmica da Bagé. O triângulo
no meio da fileira de quadrados. O protesto bruto à sociedade de consumo, descartável e
implacável”.
Logo no primeiro parágrafo, o uso do futuro do pretérito aliado à primeira frase do
parágrafo seguinte, traz tom de suspense à reportagem: “A Bagé, em Porto Alegre, seria uma
rua igual a todas as outras do bairro Petrópolis. Seria, não fosse o número 81 [...] Ninguém
sabe dizer quando foi que Oscar Kulemkamp iniciou sua resistência”; tom esse que constrói
na mente do leitor uma imagem pitoresca da personagem central, apresentada adiante. E esse
suspense não se encerra com o final da reportagem: “Talvez seja esse o mistério do número
81”.
Conforme a história de Oscar é contada, a jornalista elenca alguns objetos que ele
recolhe pelo caminho e leva para casa. Ela, no entanto, usa um recurso de construção muito
comum na literatura, a personificação, que é atribuir características e ações humanas a objetos
e animais: “Começou resgatando banquinhos amputados e lhes devolvendo as pernas [...]
brinquedos abandonados”.
Ao apresentar Oscar, Eliane Brum torna a personagem um herói que abraça aquilo que
as pessoas já deixaram de lado e faz dele, um ser humano até então invisível, um protagonista
cumprindo sua jornada. “Acabou tomando para si a missão de juntar os pedaços da cidade (...)
Oscar Kulemkamp apropriou-se dessas vidas jogadas fora. E salvou-as do aterro sanitário do
esquecimento”.
Mais tarde, de maneira sutil, o texto revela a possível origem da obsessão de Oscar.
Outra vez a personagem comum é aproximada do leitor, ao evidenciar que ele buscou nos
objetos descartados o esquecimento das suas tristezas. Todas essas figuras de linguagem e
construção distanciam-se, no entanto, do jornalismo tradicional, mas surtem o efeito de
informar e causar no leitor um incômodo. “Não fosse reinventar o mundo, Oscar
Kulemkamp seria dono apenas de uma vida que partiu. Como a mulher, quatro anos atrás.
E uma filha, de câncer”.
Em outro momento, Eliane Brum traz à tona uma condição que é comum de muitos
idosos no país: a falta de assistência, que se estende até mesmo à própria família. E ela
apresenta essa condição com mais metáforas. “E não fosse recolher restos de existências
alheias, teria somente os dois filhos que compartilham de sua caverna – um que vive nas
trevas e jamais sai de casa, outro que às vezes o ameaça de morte. Os quatro filhos que
casaram e não compreendem a sua obsessão”. Ao nominar o domicílio de Oscar como
caverna, a jornalista faz referência à repulsa de uma sociedade que afasta aqueles que não se
enquadram em seu modo convencional de vida. A casa de Oscar, no entanto, recebe outra
denominação durante a reportagem, como ocorre no fragmento “O casulo de Oscar
Kulemkamp não parou mais de crescer”; aqui, é possível intuir que a mania da personagem é
o início de sua transformação interior, que se completa: “Dando valor ao que não tinha, Oscar
Kulemkamp deu valor a si mesmo”.
A jornalista/autora também narra a recepção do hábito de Oscar pelos vizinhos, ora
incomodados – a ponto de chamar o departamento de limpeza pública para vasculhar a casa
do velho, o que o deixou consternado; ora preocupados – tanto que um deles deixa uma
mangueira pronta para socorrer no caso de um incêndio acometer a casa.
Em outra passagem, Brum faz questão de recordar a profissão que Oscar exercia e o
nome do estabelecimento onde ele trabalhava parece implicitamente explicar os seus hábitos.
“Garçom a maior parte dos seus 85 anos, as mesas que serviu já não existem. São nomes do
passado, quase pó, como o Restaurante Sherazade. Histórias não mais contadas, ruas que já
se foram, personagens que só povoam os cemitérios”. O nome do restaurante recorda a
emblemática personagem dos contos árabes As mil e uma noites, que passava os dias contando
histórias para sobreviver, o mesmo que faz Oscar Kulemkamp, que carrega para casa objetos
– e histórias - que foram esquecidos e rejeitados para reconstruí-los, recontá-los.
Ao encerrar a reportagem, o desfecho criado por Eliane Brum é poético. Novamente
ela carrega o texto com repetição de palavras; nesse caso, com o nome da personagem, que
aparece o tempo todo na narrativa, como forma de criar identidade e empatia com o leitor.
Além disso, ela subverte o sentido da casa dele de caverna, atribuído pelos vizinhos e o
transforma. “O número 81 da rua Bagé é o castelo de um homem que inventou um mundo
sem sombras. Dando valor ao que não tinha, Oscar Kulemkamp deu valor a si mesmo.
Colecionando vidas jogadas fora, Oscar Kulemkamp salvou a sua. Talvez seja esse o
mistério do número 81. E talvez por isso seja tão assustador”.
Considerações finais
À guisa de conclusão, resta salientar que o presente artigo teve como objetivo mostrar
como a linguagem literária é versátil e evidenciar a sua utilização no jornalismo, por meio da
produção da jornalista Eliane Brum. Para tanto, foi apresentado uma breve contextualização
sobre os conceitos de literatura, do jornalismo, as mudanças de ambos através dos tempos e a
relação estreita entre as duas modalidades de escrita, ambas habitadas por escritores que
foram imortalizados por suas obras.
Com o que foi apresentado, foi possível conhecer um pouco sobre o chamado
jornalismo literário, modalidade com definição recente, que incorpora a construção da
narrativa literária em grandes reportagens. É legítimo inferir, assim, que haverá sempre
espaço para a literatura e para o jornalismo, na medida em que ciência/arte se dispuserem a se
reinventar e os seus autores não tiverem receio de incorporar novas técnicas de produção.
Além disso, vimos que o uso da linguagem literária na composição das reportagens da
jornalista Eliane Brum permite à autora amplificar a crítica social em seus trabalhos e produz
um efeito dicotômico: alivia a rudeza da objetividade jornalística ao mesmo em que imprime
no leitor uma inquietação diante da notícia que lhe é narrada. Essa reação - desencadeada
pelas reportagens e apontadas ao longo da análise – evidenciam as principais características
da linguagem literária, que podem ser sintetizadas em: complexidade – ausência de
compromisso com os sentidos previamente estabelecidos, extrapolando o nível semântico;
liberdade de criação – o artista pode criar novas maneiras de expressar-se, desvinculando-se
dos padrões convencionais da língua, bem como da gramática normativa; e variabilidade,
tendo em vista que a literatura acompanha as mudanças culturais dos indivíduos e sociedade.
BETWEEN REALITY AND FICTION:
LITERARY BRANDS IN JOURNALISM OF ELIANE BRUM
Abstract
Literature has always been present in humanity, in many ways, either as a record of human
life as a means of communication between people, entertainment as well as information. To
fulfill many functions, literature is fertile ground for breeding and enables other fields of
activity to appropriate their construction methods, as with the production of the journalist
Eliane Brum. This article aims to analyze the professional uses narrative devices in your
report and puts into practice the so-called literary journalism.
Keywords: Literature. Journalism. Literary journalism.
Referências
BRUM, E. A vida que ninguém vê. Arquipélago Editorial Ltda, 2006.
CANDIDO, Antonio et al. “A vida ao rés-do-chão”. In: ______. A crônica: o gênero, sua
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O jornalismo literário de Eliane Brum

  • 1. ENTRE O REAL E A FICÇÃO: AS MARCAS LITERÁRIAS NO JORNALISMO DE ELIANE BRUM Márcio Eduardo Borges1 Resumo A literatura sempre esteve presente na história da humanidade, nas mais diversas formas, seja como registro da vida do homem, como forma de comunicação entre pessoas, entretenimento, arte e também como informação. Ao cumprir tantas funções, a literatura é terreno fértil de criação e possibilita que outros campos de atuação se apropriem de seus métodos de construção, como ocorre com a produção da jornalista Eliane Brum. Este artigo pretende analisar como a profissional utiliza artifícios narrativos em suas reportagens e coloca em prática o chamado jornalismo literário. Palavras-chave: Literatura. Jornalismo. Jornalismo literário. Introdução Contar histórias é uma atividade que nasceu com a humanidade, quase tão inata como aprender a caminhar ou a falar. Nas primeiras civilizações, as lendas serviam para educar o povo, doutriná-los e, sobretudo, manter vivas as tradições de determinados grupos sociais; tendo, portanto, características da modalidade oral. Mais tarde, o homem passou a registrar as suas histórias de diversas maneiras, como evidenciam as pinturas rupestres espalhadas por todo o globo e, a partir daí, a invenção dos métodos de escrita – dos egípcios, dos asiáticos, dos gregos – reforçou a relevância da manutenção dessas histórias. Continuamente, esses registros também evoluíram e passaram a tratar não apenas das lendas já existentes dentro dos grupos sociais e das manifestações culturais, mas tornaram-se 1 Jornalista graduado pela Universidade do Vale do Sapucaí e pós-graduado em Português – Língua e literatura pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: marcio.eborges@hotmail.com
  • 2. um espaço amplo de criação. Com isso, aparecem os primeiros registros de literatura escrita, encontradas em narrativas épicas na antiga Mesopotâmia, na Índia, Grécia Antiga e, ainda, em textos filosóficos na China. O autor John Steinbeck (1962), em seu discurso de agradecimento, ao ser laureado com o Prêmio Nobel, observou que a literatura é tão antiga quanto a fala e que ela surgiu a partir da necessidade humana, e não mudou, a não ser por ter se tornado mais necessária. Assim como ocorre com as outras atividades intelectuais, a literatura conhecida hoje sofreu uma série de mudanças ao longo do tempo, mudanças essas que alteraram o seu conceito a cada século em que ela se fez presente, ampliando as suas funções e modificando a sua definição. Diante desse cenário, a construção de um conceito para definir o que é literatura é ainda objeto de estudo de diversos pensadores e pesquisadores, sobretudo pela quantidade de funções atribuídas a ela: difundir informações, registrar uma ação, entreter, entre tantas outras. Além disso, os métodos de construções literárias, a poética, o ritmo, a linguagem e tantas outras características tornaram-se um campo fértil para auxiliar outras áreas do saber. É o que acontece, por exemplo, no jornalismo. Este artigo pretende, portanto, apontar, em três reportagens da jornalista Eliane Brum2 , de quais elementos da linguagem literária a profissional se apropriou na produção de seu conteúdo jornalístico e quais efeitos, a partir da análise de textos, essa utilização pode surtir quando da leitura e difusão desse material. Antes de essa análise ser apresentada, o artigo ainda mostrará um breve panorama da literatura, à luz de teóricos e estudiosos como Terry Eagleton, René Wellek, Umberto Eco, Antonio Candido, dentre outros, e a inserção de conceitos recentes, como o jornalismo literário trabalhado por Edvaldo Pereira Lima e o romance-reportagem de Rildo Cosson. A fim de relacionar o trabalho de jornalista, o texto traz também uma visão geral sobre o jornalismo e quais os métodos de construção adotados nas redações tradicionais, quando da produção de notícias e reportagens para serem publicados no jornal impresso diário. Para tanto, lança-se mão de trabalhos realizados por nomes como Ricardo Noblat e Nilson Lage. 2 Eliane Brum é uma premiada jornalista brasileira, nascida no Rio Grande do Sul, que atuou em jornais locais e também em veículos de alcance nacional, como a revista Época e o portal brasileiro do El País, no qual escreve atualmente. Recebeu o Prêmio Jabuti de livro-reportagem em 2007, pela obra A vida que ninguém vê, livro que reúne reportagens, cujo método de escrita motivou este artigo. Escreveu também o livro-reportagem Coluna Prestes – o avesso da lenda, a série de reportagens em O olho da rua e A menina quebrada, a quase autobiografia Meus desacontecimentos e a estreia na ficção com Uma Duas.
  • 3. Importante salientar que este artigo não apresenta caráter conclusivo, tampouco busca balizar-se por uma única definição para literatura. A proposta procura apontar de forma concisa quais os conceitos mais trabalhados e como a linguagem literária ultrapassa barreiras e sobrevive além da ficção. Em busca de um conceito Toda ciência necessita de um objeto definido para estudo. Ao investigar sobre literatura, o pesquisador se depara com uma pergunta inicial que, embora aparente haver resposta óbvia, pode desestabilizá-lo: o que é literatura? Ainda que uma definição comum seja algo como “aquilo que é escrito”, o vocábulo é associado tradicionalmente a trabalhos de ficção, em prosa ou verso, e apresenta uma distinção das demais peças escritas, o que torna a diferença entre ambos um verdadeiro desafio. Os textos literários, no entanto, sobretudo aqueles que ficaram imortalizados como clássicos, pertencem a um grupo específico: o cânone literário – uma coleção de trabalhos cuja qualidade foi considerada, de comum acordo, excepcional, formado quase que inteiramente por trabalhos tidos como clássicos da literatura europeia ocidental. Os textos inaugurais da literatura ocidental, a Ilíada e Odisseia, grandes poemas épicos tradicionalmente atribuídos a Homero, traziam em sua constituição as três principais considerações sobre literatura: a sua origem – como ensinamento dos deuses; a sua natureza – a narrativa tem poder especial de encantamento; e, ainda, a sua função – reconstruir com fidelidade as ações dos heróis. Apesar dessas considerações ainda nortearam os estudos sobre o tema, novos conceitos foram surgindo, e com efusão maior a partir do século XIX. Em sua obra Teoria da literatura: uma introdução, Terry Eagleton apresenta a literatura como um arranjo diferenciado da linguagem do dia-a-dia, composição que distancia tecnicamente as duas formas de expressão. A literatura é a escrita que, nas palavras do crítico russo Roman Jakobson, representa uma violência organizada contra a fala comum. A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. (EAGLETON, 2003, p.3) Em outras palavras, a literatura, vista por esse ângulo, estaria presente na vida das pessoas como forma de criar quase que uma realidade ficcional, marcando sentidos novos a ações corriqueiras e também criando ambientes e condições alheios à vida real. A literatura é
  • 4. vista por esse viés também por autores como Roger Samuel. Em obra organizada por esse autor, ele reúne trabalhos que trazem à linguagem literária a característica central de ruptura com a realidade, ao mesmo tempo em que se apresenta integrada a ela. Essa espécie de função poderia explicar por que os livros possuem tamanho poder de encantamento e alude ao que já era conhecido na Grécia Antiga, a partir dos trabalhos de Homero. A literatura como ficção é quase autônoma da realidade. Ela denuncia a realidade de fora (através da forma, tanto quanto através do conteúdo, pois é a forma que expressa o conteúdo). A literatura desrealiza a realidade, para quebrar o monopólio da realidade em definir e questionar o que é real, porque a realidade concreta está mascarada, mistificada, alienada. O homem na sociedade não é livre e vive uma realidade distorcida e alienada. Ou seja, o literário assenta na divergência entre a essência e a aparência; o que a sociedade considera como real é essa aparência da realidade, que é falsa, mas que é tomada como verdadeira. [...] (SAMUEL, 1985, p. 14) René Wellek e Austin Warren vão além e comparam o arranjo da linguagem na literatura à produção científica. Para os dois autores, a literatura está relacionada à estrutura histórica da linguagem e não se resume a ser apenas referencial, mas também teria um caráter persuasivo, ao influenciar, modificar o leitor. A linguagem literária, comparada com a científica, parecerá deficiente nalguns aspectos. Abunda em ambiguidades; como qualquer outra linguagem histórica, está cheia de homônimos e de categorias arbitrárias ou irracionais como o gênero gramatical [...] é uma linguagem altamente conotativa. [...] Existe outra diferença importante entre a linguagem literária e a científica: na primeira, o próprio signo, o simbolismo sonoro da palavra é acentuado (significante, Saussure). Inventaram-se todas as espécies de técnicas para chamar a atenção sobre ele, tais como o metro, a aliteração e as tessituras sonoras. (WELLEK e WARREN, 1971, p. 15) Essa definição, trabalhada pelos dois estudiosos, comunga com o trabalho de Umberto Eco que, em sua obra Sobre a literatura, traz uma interessante afirmação e que insere a literatura como arte e atividade indispensáveis ao ser humano e também à formação de um povo: “a literatura, contribuindo para formar a língua, cria identidade e comunidade [2003, p. 13]”. O estudioso italiano ainda apresenta o que pode ser interpretado como uma visão moderna das funções da literatura. Para ele, as obras literárias obrigam o leitor a fazer um exercício constante de interpretação, mas não aquela interpretação convencional, como a que
  • 5. ocorre nos textos produzidos exclusivamente para informar ou registrar determinado acontecimento. Eco acredita que o leitor precisa ser fiel e respeitar a liberdade de interpretação, pois a literatura apresenta algo a mais do que as palavras impressas expressam. Os textos literários não somente dizem explicitamente aquilo que nunca poderemos colocar em dúvida, mas, à diferença do mundo, assinalam com soberana autoridade aquilo que neles deve ser assumido como relevante e aquilo que não podemos tomar como ponto de partida para interpretações livres. (ECO, 2003, p. 13) De modo geral, embora diversos autores apresentem a sua definição própria para conceituar o termo literatura, nenhuma versão consegue esgotar o assunto, tendo em vista a infinidade de aplicações possíveis para a linguagem literária, que é versátil o bastante para transitar desde histórias infantis a trabalhos acadêmicos e, até mesmo, no jornalismo. O jornalismo literário Assim como ocorre com a literatura, os estudantes e pesquisadores do jornalismo também se veem às voltas com os conceitos que rondam essa ciência aplicada. Para sanar a questão, é possível recorrer às definições do conteúdo jornalístico. Surgem, então, as noções de notícia, nota, reportagem, artigos, editoriais, entre outros. No entanto, ainda que as definições sejam imprecisas, os profissionais mantêm padrões específicos ao produzir conteúdos para os veículos de comunicação. Essa maneira de construir a notícia é chamada de pirâmide invertida, na qual as informações mais importantes para a matéria aparecem logo no primeiro parágrafo, chamado de lead, e respondem a perguntas como: quem, o quê, onde, como e por que. Essa forma de organizar a notícia traz agilidade na informação, ao traduzir os acontecimentos de maneira concisa e objetiva. Sobre essa questão, aponta Nilson Lage: O texto jornalístico procura conter informação conceitual, o que significa suprimir usos linguísticos pobres de valores referenciais, como as frases feitas da linguagem cartorária. Sua descrição não se pode limitar ao fornecimento de fórmulas rígidas, porque elas não dão conta da variedade de situações encontradas no mundo objetivo e tendem a envelhecer rapidamente. A questão teórica consiste em estabelecer princípios (a) tão gerais que permitam a constante atualização da linguagem e (b) relacionados com os objetivos, o modo e as condições de produção do texto. (LAGE, 1986, p.36).
  • 6. Mas essa versão do jornalismo é recente, tendo começado nas redações a partir dos anos 50, com o movimento iniciado nos Estados Unidos, conhecido como New Journalism, daí a razão do nome lead ter se mantido sem tradução nos demais países. Antes desse movimento, que trouxe a ideia da pirâmide invertida como forma adequada de produzir as notícias e para garantir certa imparcialidade, os profissionais instintivamente faziam grande intervenção subjetiva no texto, o que contraria a arte de informar, conforme aponta Ricardo Noblat: Um jornal é ou deveria ser um espelho da consciência crítica de uma comunidade em determinado espaço de tempo. Um espelho que reflita com nitidez a dimensão aproximada ou real dessa consciência. E que não tema jamais ampliá-la. Pois se não lhe faltarem talento e coragem, refletirá tão-somente uma consciência que de todo ainda não amanheceu. Mas que acabará por amanhecer. (NOBLAT, 2002, p. 21) Além disso, era comum a presença de escritores de ficção ocupando espaço nas redações. Essa presença, entretanto, não foi negativa, tampouco característica exclusiva do país norte-americano. No Brasil, renomados autores como Machado de Assis, José de Alencar, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Rubem Braga, Fernando Sabino, Clarice Lispector e tantos outros se aventuraram pelo universo das notícias, quase ao mesmo tempo em que se dedicavam aos romances e demais produções literárias que os imortalizaram, muitas delas publicadas inicialmente nas notas dos jornais, em capítulos, por meio dos chamados folhetins, outra forma de utilização da literatura no jornalismo. Sobre esse tipo de publicação, Marlyse Meyer definiu: Justamente para atingir esse público mais amplo fora a via-mestra da publicação em série, esta vai acabar suscitando uma forma novelesca específica, aquela precisamente com que o termo folhetim vai acabar se confundindo. A almejada adequação ao grande público, a necessidade do corte sistemático num momento que deixe a atenção e o “suspense” levam não só a novas concepções de estrutura (por exemplo, o problema dos fins dos capítulos ou de série, a distribuição da matéria seguindo aquele esquema interativo tão bem evidenciado por Eco) como a uma simplificação na caracterização dos personagens, muito romântica na sua distribuição maniqueísta, assim como a uma série de outros cacoetes estilísticos. Verifica-se, além disso, genial adaptação técnica do “suspense” e ao rápido e amplo ritmo folhetinesco dos grandes temas românticos: o herói vingador ou purificador, a jovem defloradora e pura, os terríveis homens do mal, os grandes mitos modernos da cidade devoradora, a História e as histórias fabulosas etc (MEYER, 1996, p. 31).
  • 7. Esse intercâmbio de áreas estreitou ainda mais os laços entre literatura e jornalismo e gerou obras que pertencem ao cânone dos dois, como é o caso de Os sertões, do autor brasileiro Euclides da Cunha. O volume retrata a Guerra de Canudos com tamanha precisão de detalhes que traz uma mistura entre literatura, jornalismo, sociologia, filosofia, história, geografia, geologia e, até mesmo, antropologia, além de ser construído com uma linguagem recheada de técnicas narrativas. A essa interseção deu-se o nome, recentemente, de jornalismo literário. No Brasil, o grande responsável por teorizar a nova modalidade é o pesquisador, escritor e jornalista Edvaldo Pereira Lima. Em seu livro intitulado Páginas ampliadas – o jornalismo literário como extensão do jornalismo e da literatura, o autor estabelece uma relação quase intrínseca entre as duas formas de contar histórias e, longe de incitar fórmulas, ele aponta quais aspectos devem ser levados em conta na hora de se produzir um livro- reportagem, definindo um conceito próprio. O livro-reportagem é o veículo de comunicação impressa não- periódico que apresenta reportagens em grau de amplitude superior ao tratamento costumeiro dos meios de comunicação jornalística periódicos. (...) distingue-se das demais publicações classificadas como livro por três condições essenciais: quanto ao conteúdo, corresponde ao real, ao factual; quanto ao tratamento, linguagem jornalística e, quanto à função, quando se desdobram desde o objetivo fundamental de informar, orientar, explicar. (LIMA, 2009, p. 26) O diferencial do livro-reportagem está em seu poder de captar a atenção do leitor de forma atrativa, afetando suas sensações, fazendo com que ele se abstraia, no momento da leitura, de sua própria realidade para pertencer ao universo daquilo que lhe é apresentado. “Ao articular um livro-reportagem, o autor inicia um jogo implícito com quem o lê. O jogo consiste em captar o leitor, atraí-lo do seu mundo mental e emocional [...]” [LIMA, 2009, p. 25]. Outro conceito relevante é o de romance-reportagem, trazido por Rildo Cosson, que, para o autor: “(...) pode ser visto como um gênero que resultou do entrecruzamento do gênero ‘literário’ com o gênero ‘não-literário’ da reportagem, ou em outras palavras, da intersecção das marcas constitutivas e condicionadoras da narrativa romanesca e da narrativa jornalística” [COSSON, 2001, p. 32] . Nanami Sato complementa esse pensamento e defende que o jornalismo literário parece ser a única modalidade a cumprir com maestria a função de informar e envolver o leitor – e nesse caso também espectador – acerca do que é narrado, tendo em vista que a construção jornalística convencional, sobretudo aquela aplicada ao jornalismo diário e
  • 8. impresso, não consegue ampliar a visão de quem lê, apenas limitando o seu acesso ao que é apresentado no texto de maneira concisa e rápida. [...] porque ao contar essas histórias do cotidiano o jornalista-escritor não segue (necessariamente) os paradigmas/as normas do discurso jornalístico. Ou seja, a imparcialidade, a isenção, a neutralidade e a objetividade perseguidas no jornalismo diário podem e são deixadas de lado. Assim, ao fazer sua narrativa, o jornalista-escritor abandona o estilo seco, duro dos jornais diários e recorre (sem perdas informacionais) a elementos literários. ‘À literatura cabe fazer com que o recorte da realidade atue como uma explosão que abra uma realidade muito mais ampla. À literatura cabe abrir horizontes’. (SATO, 2002, p. 45) Antonio Cândido, com uma infinidade de estudos sobre literatura, embora não tenha trabalhado com o conceito de jornalismo literário, deu a sua contribuição com outro gênero textual que é comumente comparado a ele, sobretudo por sua forte presença nos jornais ao longo dos séculos XIX e XX: a crônica. O autor considera esse gênero textual como um distanciamento positivo da linguagem dura do jornalismo tradicional, imprimindo ao texto uma singularidade especial. Ao longo deste percurso, foi largando cada vez mais a intenção de informar e comentar (deixada a outros tipos de jornalismo), para ficar sobretudo com a de divertir. A linguagem se tornou mais leve, mais descompromissada e (fato decisivo) se afastou da lógica argumentativa ou da crítica política, para penetrar poesia adentro. Creio que a fórmula moderna, onde entra um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu quantum satis de poesia, representa o amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo mesma (grifo do autor). (CANDIDO, 1992, p. 15) Assim como os ficcionistas foram perdendo espaço nos veículos de jornalismo impresso, quando da incorporação de técnicas cada vez mais objetivas de produção, a crônica foi conquistando admiradores no meio literário e fez grandes nomes como Carlos Drummond de Andrade, Luís Fernando Veríssimo, Clarice Lispector e Rubem Braga, por exemplo. Na mesma direção, o jornalismo literário que, embora apresente construção voltada também à informação, cresceu nas revistas de circulação semanal, quinzenal e mensal e, sobretudo, nos livros. Na atualidade, a jornalista brasileira Eliane Brum se destaca por sua produção de reportagens com linguagem literária. Entre os seus trabalhos, está o livro-reportagem A vida que ninguém vê, um compêndio de reportagens, originalmente publicadas aos sábados no
  • 9. jornal Zero Hora, de Porto Alegre, das quais três delas serão analisadas a seguir, a fim de apontar quais características da literatura a profissional utiliza na elaboração de seu trabalho jornalístico. Reportagens literárias ou crônicas jornalísticas de Eliane Brum O jornalismo é formado por diversas modalidades de texto. Os veículos diários, em especial os jornais impressos, necessitam de agilidade na transmissão das informações, portanto, prezam pelas notas e notícias – textos construídos pelos jornalistas com base no método da pirâmide invertida. Dentro desse contexto, as reportagens, outra modalidade, têm a missão de levar o tema da notícia quase que ao esgotamento, pois evidencia, além do fato presente narrado, os seus desdobramentos e ainda investiga os acontecimentos anteriores a ele. Além disso, a reportagem possibilita mais liberdade de construção textual para o autor. No livro A aventura da reportagem, os jornalistas Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho fornecem uma verdadeira aula sobre reportagem, ao mostrar os conceitos dessa modalidade de escrita jornalística na prática. Os profissionais rememoram momentos de suas carreiras nos quais tiveram que enfrentar grandes desafios ao construírem reportagens. No livro, Kotscho, que ficou conhecido numa das redações onde trabalhou como “repórter pipoqueiro” realizava uma espécie de jornalismo às avessas, pois escolhia como entrevistados pessoas diferentes das fontes oficias – que são aquelas diretamente ligadas ao fato narrado. “Enquanto todo mundo corria para um lado, em cima dos protagonistas das matérias, eu caminhava para o lado oposto, pegando o lado dos coadjuvantes, dos figurantes, dos anônimos que só ajudam a compor o cenário” [DIMENSTEIN e KOTSCHO, 1990, p. 67]. A produção de Kotscho representa um meio-termo entre o jornalismo tradicional e o jornalismo literário, isso porque na definição das personagens/entrevistados para as suas reportagens, ele faz o caminho inverso do jornalismo convencional e ouve quem está à margem da notícia; no entanto, ao produzir o conteúdo, segue um padrão redacional que, para a imprensa tradicional, é quase normativo. Otto Groth esquematiza como leis: Primeira lei: quanto mais amplamente se utilize a Universalidade na matéria de um periódico, mais extensa será a difusão do mesmo, sua acessibilidade geral quanto ao número potencial de leitores; ou então, quanto mais estreito for o círculo ideal da Universalidade, mais estreito será o circuito da Difusão. Segunda lei: quanto mais Atualidade se queira dar à matéria de um periódico, mais frequentemente deverá ser publicado (mais alta deve ser sua tiragem). Ou então, quanto menor é o espaço de tempo que
  • 10. medeia entre o fato e a publicação, mais curto será o período entre edições. Quanto maior for o tempo entre o acontecer e a sua publicação, mais amplos serão os períodos de aparição. Terceira lei: Quanto mais intensa – ou extensa – seja a Acessibilidade do periódico, mais extensa – ou limitada – deve ser também determinada sua Universalidade. Quarta lei: quanto mais curtos (ou longos) forem determinados os períodos entre duas publicações de um periódico, mais frequente aparecerá, mais atual (ou menos atual) será sua matéria. Quinta lei: Quanto mais Universal e Atual for um periódico, mais frequentemente de aparecer e maior será sua acessibilidade geral, seu público potencial. (GROTH, 1963 apud MEDINA, 1988) Seguindo essa lógica, a produção jornalística é vista mais em seu caráter mercadológico, a fim de ganhar público, audiência e, em consequência, aumentar o número de vendas do periódico. Ao definir a linha editorial de determinado veículo de comunicação, as equipes de trabalho nivelam os profissionais, por meio de manuais de procedimento e redação e elencam quais fatores são os mais relevantes: a periodicidade (quantas vezes vai circular), a tiragem (quantos serão impressos), a atualidade, a universalidade (qual alcance determinada publicação pode vir a ter). Ou seja, as notícias têm a função de informar, mas são consideradas ao mesmo tempo como produtos, logo são fabricadas conforme a demanda. Nesse cenário, a reportagem ganha, então, o grande desafio de conquistar leitores, ao contar uma história diferente daquela moldada pela notícia em forma de pirâmide invertida e, embora ainda constitua um produto de uma empresa jornalística, o seu valor mercadológico fica em segundo plano. O jornalista ganha mais espaço para produzir – de tempo e de caracteres – e pode incorporar ao seu texto outras técnicas, capazes de alcançar os efeitos desejados. Conforme observa Medina (1998, p. 91), “falar de reportagem é entrar diretamente nos problemas de comunicação humana”. O termo se presta para todas as situações, já que o ato de viver é comunicação. É o que faz Eliane Brum, conforme se verá a seguir, por meio da breve análise de três reportagens do livro A vida que ninguém vê. Esse livro é a reunião de 23 reportagens produzidas pela jornalista ao longo de 1999, numa coluna publicada aos sábados no jornal gaúcho Zero Hora. Ao fazer de gente comum e acontecimentos quase cotidianos, notícia, Eliane Brum explora e une jornalismo e literatura. Já na orelha do livro, o editor resume: “É a trajetória de uma repórter em busca do extraordinário de cada vida – só aparentemente – ordinária. É o avesso do jornalismo padrão”. No prefácio da obra, assinado pelo também jornalista Marcelo Reich, ele conta como fez a Eliane Brum o convite para desvendar uma Porto Alegre pouco conhecido dos gaúchos,
  • 11. a partir de histórias de pessoas comuns e suas vidas cotidianas. Ao comentar sobre o resultado do trabalho, ele propõe uma reflexão sobre o jornalismo e a influência da literatura: “[...] Um dia, quem sabe, algum desses acadêmicos de comunicação que se debruçam sobre aquelas teses herméticas deslocadas da vida real das redações também encare a tarefa de trazer à luz como Eliane traçou uma parte da história do jornalismo brasileiro ao escrever notáveis reportagens (ou seriam crônicas?) extirpadas das ruas anônimas”. Adiante, o autor do prefácio ainda revela uma característica peculiar da jornalista Eliane Brum que sela de vez a relação que ela estabelece entre o saber, o fazer jornalístico e a linguagem literária, transformados em arte. E faz isso com figuras de linguagem. “Eliane é assim, confiável e profissional ao mesmo tempo. Olhos, ouvidos e, principalmente, coração aberto diante da informação em estado bruto. Era graças a esta combinação rara que a vida de quem milhares iriam conhecer no sábado seguinte rasgava-se diante do bloco de anotações da repórter”. Em outro momento, ainda no prefácio, Marcelo Reich dá ao trabalho de Eliane Brum a característica de “misto de crônica, reportagem e coluna”, fazendo, por meio de seu texto, a captura e o registro de “cenas corriqueiras em forma de crônicas da vida real”. Nesse contexto, é possível inserir a observação da professora Sandra Pesavento que, em seu artigo intitulado Crônica: a leitura sensível do tempo, aponta a crônica como gênero literário mais próximo do jornalismo, sobretudo por seu caráter temporal, que afronta a realidade imediata. A leitura da crônica de jornal não é feita para durar e, assim como é consumida, pode, por sua vez, ser esquecida. Como é sabido, a crônica vem de “cronos” (tempo), e não há como deixar de fazer a associação metafórica do gênero com o terrível deus que devorava seus filhos para conservar seu poder. Numa inversão de significantes, o tempo implacável, com o seu cotidiano que se repõe cada dia, exige da crônica a captação do instante, do momento fugaz, da palavra dita, do gesto esboçado. Devorada pela velocidade do progresso, a crônica é, por sua vez, a forma de registro que não aspira a permanecer na memória, tal como as notícias de jornal, que, uma vez lidas, são comentadas, esquecidas ou delas se guarda uma vaga lembrança desta ou daquela ideia ou imagem. [...] carregando consigo o ritmo alucinante da vida moderna [...] o escritor é alguém capaz de realizar uma operação metonímica no seu texto, fazendo do incidente miúdo a chave para a compreensão do mundo e da vida. (PESAVENTO, 1997, p. 30) Desse modo, as reportagens de Eliane Brum, com características típicas de crônica, cumprem o seu papel de dar voz a figuras anônimas, ao mesmo tempo em que denuncia
  • 12. problemas sociais: “[...] elas mantêm o ar despreocupado [...] entram fundo no significado dos atos e sentimentos dos homens, mas podem levar longe a crítica social” [CANDIDO, 1992]. Análises Publicada originalmente em 26 de junho de 1999, a reportagem Enterro de pobre conta a trajetória de Antonio Antunes e a história já começa pelo desfecho: a morte de um filho que ele nem chegou a conhecer, porque nasceu morto. Após enterrar o filho em caixão doado e terra emprestada, a personagem segue a vida já prenunciando novas tragédias, pois assim como as dores da esposa grávida foram negligenciadas pelo atendimento do serviço público de saúde, ele sabe que, diante de sua condição de vida, essa realidade é um ciclo fadado a se repetir. E é exatamente isso que a construção textual de Eliane Brum sugere. O texto é composto por períodos curtos, a pontuação é recheada de pontos finais constantes que lembram a história da própria personagem, interrompida, encurtada pela pobreza. Esse recurso lembra os microcapítulos digressivos utilizados por Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas, no qual o autor rompe com a estrutura do romance tradicional, ao inserir recortes explicativos de texto. O título da reportagem, Enterro de pobre, apresenta uma ambiguidade, só decifrada pelo leitor com a última frase do texto: “A diferença maior é que o enterro de pobre é triste menos pela morte e mais pela vida”. Aqui, Eliane Brum atribui diversos sentidos ao vocábulo “enterro”, que pode ser compreendido como o próprio sepultamento e também como a invisibilidade trazida pela pobreza. A reportagem começa com uma constatação, a presença de um adjetivo: “Não há nada mais triste do que enterro de pobre” e uma referência bíblica: “um homem esculpido pelo barro de uma humildade mais antiga do que ele”. Conforme já elencado, ao articular o texto para o jornal, a jornalista deixa de atribuir qualidades aos personagens, centrando-se em apenas contar os fatos de maneira objetiva. Ao utilizar adjetivos e uma alusão à origem bíblica do homem, Eliane Brum se aproxima da literatura. O uso de verbos de ação diversos àqueles utilizados no jornalismo tradicional brinca com a semântica e atribui novo sentido às orações. Além disso, a repetição de um advérbio, incomum ao jornalismo tradicional, cumpre a função do grau superlativo dos adjetivos, que também é evitado nas redações e intensifica o sentimento da personagem: “E disse com tal dor, tal desesperança, que a frase açoitou o cemitério da pobreza”. Há, ainda, na sequência, uma sentença que exprime uma definição criada pela própria jornalista/autora: “Porque uma
  • 13. frase só existe quando é a extensão da alma de quem a diz. É a soma das palavras e da tragédia que contém. Se não for assim, é só uma falsidade de vogais e consoantes, um desperdício de som e de espaço”. Em outra passagem, há uma omissão e posterior aparição do sobrenome. “Quem diz é Antonio, um homem esculpido pelo barro da humildade [...] Quem diz é Antonio Antunes”. Nesse trecho, é possível perceber que, ao suprimir o sobrenome na primeira sentença, Eliane leva o leitor a compreender a sua personagem como a representação de todos os homens como ele, e ao nomeá-lo em seguida, coloca-o como herói que vive para sobreviver. Ao fazer de um homem comum a matéria-prima para a sua reportagem, a repórter evidencia a diferença social e econômica, e a relação de poder e submissão, que não é apenas uma impressão subjetiva da sua personagem, mas confirmada através da tessitura da história e dá forma a outra função da linguagem literária: a de assinalar com soberana autoridade aquilo que [...] deve ser assumido como relevante [ECO, 2003, p.13]. “Um homem que tem vergonha de falar e, quando fala, teme falar alto demais. E quando levanta os olhos, tem medo de ofender o rosto do patrão apenas pela ousadia de erguê-los”. A jornalista/autora ainda revela ao leitor que não foi apenas a causa mortis que ceifou a vida do filho de Antonio Antunes, mas que a desigualdade social tem culpa: “Acabara de sepultar o filho que dificilmente morreria se o pai não fosse pobre”. Na passagem “[...] o sabiá que cantava do outro lado do muro silenciou como se adivinhasse que a frase de morte era a vida de um homem”, Eliane Brum transforma em personagem um animal, trazendo à sua reportagem uma característica peculiar das fábulas, nas quais a natureza é personificada e apresenta uma moral e/ou ensinamento como desfecho. Além disso, a aparição do animal lembra os romances regionalistas brasileiros, nos quais os animais têm papel decisivo, representando o ambiente da narrativa e ainda revelando traços psicológicos das próprias personagens humanas. O fragmento ainda evoca instintivamente a imagem da Canção do Exílio, célebre poema de Gonçalves Dias, no qual é possível estabelecer um paralelo entre o “cá”, sendo a pobreza/exílio e o “lá” como a vida sem dificuldades/a pátria amada. Eliane Brum usa também outro recurso interessante de ser observado: a repetição de palavras e expressões, como ocorre com a expressão que dá nome ao texto: “enterro de pobre” aparece, pelo menos, quatro vezes ao longo das quatro páginas de texto, além de figurar ainda com variações como “morte de pobre” e “gente pobre”. Na literatura, esse recurso redundante cria ritmo e uma atmosfera propícia para o desenrolar da ação. No jornalismo tradicional, no entanto, esse tipo de escrita é evitado. Outro caso relevante acontece em: “E tudo isso
  • 14. quilômetros a pé, porque dinheiro para a passagem não tinha. E tudo isso de estômago vazio, porque dinheiro para a passagem não tinha”. Nesse fragmento, o ritmo criado pela repetição sistemática alude ao próprio caminhar descompassado de um homem que, mesmo com fome, cansado e sem posses, possui uma força sobre-humana para cuidar da família e alude também às dificuldades constantes de quem vive na pobreza. Eliane Brum também usa a metalinguagem na passagem “esse texto poderia acabar aqui, porque tudo já estaria dito. Mas às vezes é preciso contar uma história de mais de um jeito para que seja entendido por inteiro”. Esse artifício é utilizado quando o autor vê a necessidade de se refletir sobre a própria linguagem. Nesse trecho, a jornalista aponta a necessidade de continuar a história de sua personagem, revisitando o passado recente que culminou na ação narrada por ela – o filho natimorto – e ainda traçar uma triste constatação: o eterno ciclo do pobre, fadado a se repetir. Ao longo de sua narração, a jornalista/autora transforma suas personagens comuns em verdadeiros heróis cumprindo sua jornada, e o faz lançando mão de recursos estilísticos que capturam o leitor e fazem com que ele se sinta integrado à história narrada e à vida da personagem, que, a despeito de outros tantos que sobrevivem nas lendas, mitos e romances, existe e batalha na vida real. “E lá continua até hoje, com o pai duelando no saguão contra a morte”. Com essa frase, Eliane Brum conta a história de Antonio, mas também escancara a realidade da saúde pública, numa crítica suavizada por figuras de linguagem. Quase no desfecho do texto, a frase “E assim sucessivamente há 500 anos”, Brum denuncia que a desigualdade social no país está longe de ser rasa como a cova do filho de Antonio Antunes e que ela existe desde os períodos coloniais. Outra observação importante é que a figura da mãe, protagonista por ter gerado os filhos de Antonio, desaparece da história, permanecendo em segundo plano. Essa característica é típica das epopeias, nas quais cabe a mulher os cuidados com o lar, enquanto o homem vai para a guerra e para a luta com o desconhecido. Ao final da reportagem, que também é crônica e até conto, a jornalista/autora sentencia: “A diferença maior é que o enterro de pobre é triste menos pela morte e mais pela vida”. Na reportagem O encantador de cavalos, publicada em 26 de março de 1999, Brum narra as aventuras de um menino diagnosticado com hiperatividade e déficit de atenção, cuja única alegria era estar perto de cavalos. Aqui, é possível perceber o limite estabelecido mais uma vez pela diferença econômica e social. Enquanto algumas crianças têm condições financeiras de realizar a equoterapia, que utiliza cavalos para auxiliar em aspectos sociais e
  • 15. psicológicos, a personagem de Eliane Brum é proibida até mesmo de ficar perto deles. E, ao se apropriar de um animal que pertencia a um vizinho carroceiro, tão pobre quanto ele, o menino ganha um inimigo e, nesse impasse, a doença toma forma e dita o caminho do jovem. Eliane Brum inicia o texto com uma imagem cinematográfica dirigida ao leitor: “Um menino tem a sua cabeça a prêmio pelas ruas de Porto Alegre. Chamado ladrão de cavalos. Como nos faroestes”. Mais à frente, ela sustenta: “A realidade do menino não é a da porta da frente, mas a das cocheiras”. Nessa frase, repleta de linguagem figurada, Eliane Brum mostra a pobreza como problema colateral no Brasil. Ao colocar a porta da frente como local de entrada nobre e a cocheira como via de acesso da escória, além de fazer alusão à afeição do menino pelos cavalos, ela sugere implicitamente a relação casa grande x senzala, que perdurou por séculos no país, entre os donos de terra e seus escravos, e que ainda persiste atualmente, mas transfigurada em capital e poder de compra. Em outro momento, as figuras de linguagem dominam boa parte da narrativa e a jornalista/autora nos apresenta passagens como: “Os cascos da realidade esmagaram os sonhos do menino” e “fugiu de muletas em busca de seu Pégasus”, nesta última evocando, ainda, seres mitológicos. Esse tipo de narrativa está distante do jornalismo tradicional que troca as metáforas por ações objetivas, a fim de que o leitor possa ser informado sem uma possível interferência das impressões de quem redige o texto. A tragédia da família, que chegou a perder o lar num incêndio, é convertida em cena de romance, cheia de tensão. “Quando o menino tinha cinco anos e a égua dois, ele estava sozinho em casa com a irmã menor e acendeu uma vela para dissipar a escuridão que lhe metia medo. A vela lhe escapou das mãos, o barraco incendiou-se. Não sobrou nada, exceto o menino, que o pai arrancou do meio das chamas”. Quase ao final da reportagem, Eliane Brum, mais uma vez, critica os serviços sociais e evidencia a pobreza: “A família não tinha dinheiro para comprar o remédio que lhe garantiria uma ‘vida normal’. O Conselho Tutelar, às voltas com meninos abandonados, drogados e violados, não sabia o que fazer com um menino que tinha a mesma obsessão de Alexandre, o Grande”. A menção ao rei da Grécia Antiga ainda alude à imagem positiva de um menino marginalizado pela sociedade. Assim como acontece na reportagem anterior, a construção é repleta de frases curtas, muitas delas com apenas duas ou três palavras. No jornalismo, as orações devem sempre seguir um padrão específico, composto por sujeito, verbo e predicado, numa ordem fixa, o que traz ao texto concisão, objetividade. Na literatura, entretanto, a liberdade de criação
  • 16. permite tanto a inversão desses elementos como a omissão de algum deles. Na reportagem O encantador de cavalos, a escrita é entrecortada e a leitura, apesar dos inúmeros pontos finais, é rápida, quase que num fôlego só, o que lembra o trotar dos cavalos e a personagem central em fuga. É no penúltimo parágrafo que o leitor pode perceber a semelhança com o jornalismo diário, quando a jornalista/autora insere uma pequena fala de seu entrevistado: “- Eu vejo um cavalo e meu coração começa a bater desesperado. Não gosto nem de bola nem de bicicleta. Só de cavalos. Quando eu durmo, continuo sonhando com cavalos. Sinto isso”. Mas essa impressão logo se esvai com o fechamento da história/reportagem, quando, de novo, com uma sutileza e, ao mesmo tempo, rigidez, o leitor parece estar diante apenas de literatura, sobretudo pela referência a uma lenda, por meio da qual, mais uma vez, a autora associa o menino a um herói: “E se foi. Um cavaleiro solitário aos dez anos de idade, jurado de morte, agarrado às crinas da única fantasia capaz de salvá-lo da loucura de uma infância em cinzas”. Em outra reportagem, O colecionador das almas sobradas, originalmente publicada em 29 de maio de 1999, Eliane conta a história doe senhor Oscar Kulemkamp, morador da rua Bagé, em Porto Alegre, e um acumulador. Ele leva para casa tudo o que encontra pelo caminho. Essa obsessão fica evidente logo no título, pois a jornalista escolhe a presença do um artigo definido (das almas sobradas), dando a ideia de totalidade. Com uma linguagem marcante, a jornalista/autora transforma esse problema do idoso em metáfora e cria no leitor um sentimento de empatia. O texto já se inicia crítico e apresenta a sua principal censura, que é a sociedade de consumo: “Ele é o pedaço de caos na ordem cósmica da Bagé. O triângulo no meio da fileira de quadrados. O protesto bruto à sociedade de consumo, descartável e implacável”. Logo no primeiro parágrafo, o uso do futuro do pretérito aliado à primeira frase do parágrafo seguinte, traz tom de suspense à reportagem: “A Bagé, em Porto Alegre, seria uma rua igual a todas as outras do bairro Petrópolis. Seria, não fosse o número 81 [...] Ninguém sabe dizer quando foi que Oscar Kulemkamp iniciou sua resistência”; tom esse que constrói na mente do leitor uma imagem pitoresca da personagem central, apresentada adiante. E esse suspense não se encerra com o final da reportagem: “Talvez seja esse o mistério do número 81”. Conforme a história de Oscar é contada, a jornalista elenca alguns objetos que ele recolhe pelo caminho e leva para casa. Ela, no entanto, usa um recurso de construção muito comum na literatura, a personificação, que é atribuir características e ações humanas a objetos
  • 17. e animais: “Começou resgatando banquinhos amputados e lhes devolvendo as pernas [...] brinquedos abandonados”. Ao apresentar Oscar, Eliane Brum torna a personagem um herói que abraça aquilo que as pessoas já deixaram de lado e faz dele, um ser humano até então invisível, um protagonista cumprindo sua jornada. “Acabou tomando para si a missão de juntar os pedaços da cidade (...) Oscar Kulemkamp apropriou-se dessas vidas jogadas fora. E salvou-as do aterro sanitário do esquecimento”. Mais tarde, de maneira sutil, o texto revela a possível origem da obsessão de Oscar. Outra vez a personagem comum é aproximada do leitor, ao evidenciar que ele buscou nos objetos descartados o esquecimento das suas tristezas. Todas essas figuras de linguagem e construção distanciam-se, no entanto, do jornalismo tradicional, mas surtem o efeito de informar e causar no leitor um incômodo. “Não fosse reinventar o mundo, Oscar Kulemkamp seria dono apenas de uma vida que partiu. Como a mulher, quatro anos atrás. E uma filha, de câncer”. Em outro momento, Eliane Brum traz à tona uma condição que é comum de muitos idosos no país: a falta de assistência, que se estende até mesmo à própria família. E ela apresenta essa condição com mais metáforas. “E não fosse recolher restos de existências alheias, teria somente os dois filhos que compartilham de sua caverna – um que vive nas trevas e jamais sai de casa, outro que às vezes o ameaça de morte. Os quatro filhos que casaram e não compreendem a sua obsessão”. Ao nominar o domicílio de Oscar como caverna, a jornalista faz referência à repulsa de uma sociedade que afasta aqueles que não se enquadram em seu modo convencional de vida. A casa de Oscar, no entanto, recebe outra denominação durante a reportagem, como ocorre no fragmento “O casulo de Oscar Kulemkamp não parou mais de crescer”; aqui, é possível intuir que a mania da personagem é o início de sua transformação interior, que se completa: “Dando valor ao que não tinha, Oscar Kulemkamp deu valor a si mesmo”. A jornalista/autora também narra a recepção do hábito de Oscar pelos vizinhos, ora incomodados – a ponto de chamar o departamento de limpeza pública para vasculhar a casa do velho, o que o deixou consternado; ora preocupados – tanto que um deles deixa uma mangueira pronta para socorrer no caso de um incêndio acometer a casa. Em outra passagem, Brum faz questão de recordar a profissão que Oscar exercia e o nome do estabelecimento onde ele trabalhava parece implicitamente explicar os seus hábitos. “Garçom a maior parte dos seus 85 anos, as mesas que serviu já não existem. São nomes do passado, quase pó, como o Restaurante Sherazade. Histórias não mais contadas, ruas que já
  • 18. se foram, personagens que só povoam os cemitérios”. O nome do restaurante recorda a emblemática personagem dos contos árabes As mil e uma noites, que passava os dias contando histórias para sobreviver, o mesmo que faz Oscar Kulemkamp, que carrega para casa objetos – e histórias - que foram esquecidos e rejeitados para reconstruí-los, recontá-los. Ao encerrar a reportagem, o desfecho criado por Eliane Brum é poético. Novamente ela carrega o texto com repetição de palavras; nesse caso, com o nome da personagem, que aparece o tempo todo na narrativa, como forma de criar identidade e empatia com o leitor. Além disso, ela subverte o sentido da casa dele de caverna, atribuído pelos vizinhos e o transforma. “O número 81 da rua Bagé é o castelo de um homem que inventou um mundo sem sombras. Dando valor ao que não tinha, Oscar Kulemkamp deu valor a si mesmo. Colecionando vidas jogadas fora, Oscar Kulemkamp salvou a sua. Talvez seja esse o mistério do número 81. E talvez por isso seja tão assustador”. Considerações finais À guisa de conclusão, resta salientar que o presente artigo teve como objetivo mostrar como a linguagem literária é versátil e evidenciar a sua utilização no jornalismo, por meio da produção da jornalista Eliane Brum. Para tanto, foi apresentado uma breve contextualização sobre os conceitos de literatura, do jornalismo, as mudanças de ambos através dos tempos e a relação estreita entre as duas modalidades de escrita, ambas habitadas por escritores que foram imortalizados por suas obras. Com o que foi apresentado, foi possível conhecer um pouco sobre o chamado jornalismo literário, modalidade com definição recente, que incorpora a construção da narrativa literária em grandes reportagens. É legítimo inferir, assim, que haverá sempre espaço para a literatura e para o jornalismo, na medida em que ciência/arte se dispuserem a se reinventar e os seus autores não tiverem receio de incorporar novas técnicas de produção. Além disso, vimos que o uso da linguagem literária na composição das reportagens da jornalista Eliane Brum permite à autora amplificar a crítica social em seus trabalhos e produz um efeito dicotômico: alivia a rudeza da objetividade jornalística ao mesmo em que imprime no leitor uma inquietação diante da notícia que lhe é narrada. Essa reação - desencadeada pelas reportagens e apontadas ao longo da análise – evidenciam as principais características da linguagem literária, que podem ser sintetizadas em: complexidade – ausência de compromisso com os sentidos previamente estabelecidos, extrapolando o nível semântico; liberdade de criação – o artista pode criar novas maneiras de expressar-se, desvinculando-se
  • 19. dos padrões convencionais da língua, bem como da gramática normativa; e variabilidade, tendo em vista que a literatura acompanha as mudanças culturais dos indivíduos e sociedade. BETWEEN REALITY AND FICTION: LITERARY BRANDS IN JOURNALISM OF ELIANE BRUM Abstract Literature has always been present in humanity, in many ways, either as a record of human life as a means of communication between people, entertainment as well as information. To fulfill many functions, literature is fertile ground for breeding and enables other fields of activity to appropriate their construction methods, as with the production of the journalist Eliane Brum. This article aims to analyze the professional uses narrative devices in your report and puts into practice the so-called literary journalism. Keywords: Literature. Journalism. Literary journalism. Referências BRUM, E. A vida que ninguém vê. Arquipélago Editorial Ltda, 2006. CANDIDO, Antonio et al. “A vida ao rés-do-chão”. In: ______. A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. CARDOSO, J. A. Crônica literária no jornal: história, estrutura e funcionamento. 2008. 104 f. Diss. Dissertação (Mestrado em Literatura e Crítica Literária) - Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2008. COSSON, R. Romance-reportagem: o gênero. São Paulo: Ática, 2001. DIMENSTEIN, Gilberto; KOTSCHO, Ricardo. A aventura da reportagem. Summus Editorial, 1990. EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução Waltensir
  • 20. Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ECO, U. Sobre a literatura. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2003. LAGE, N. Linguagem jornalística. 2 ed. São Paulo: Ática, 2001. LIMA, E. P. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Manole, 2009. MEDINA, C. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. Vol. 24. Summus Editorial, 1988. MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. NOBLAT, R. A arte de fazer um jornal diário. Editora Contexto, 2006. PESAVENTO, S. J. Crônica: a leitura sensível do tempo. Anos 90, v. 5, n. 7, 1997. SATO, N. “Jornalismo, literatura e representação”. In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex (Orgs.). Jornalismo e Literatura - a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002. SAMUEL, Rogel (org.). Manual de Teoria Literária. 6.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da literatura. Lisboa: Publicações Europa-América, 1971.