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[...] os falantes não combinam os elementos do modo como querem, já que sua
língua apresenta restrições quanto a esse processo. Quando pretendemos, por
exemplo, utilizar a desinência -s para designar o plural de um vocábulo em
português, sabemos que devemos encaixá-la no final desse vocábulo, e não no
início ou no meio(casa/casas).Restrições de combinação desse tipo existem em
todos os níveis gramaticais e se aplicam a todos os elementos linguísticos.
Vejamos como isso ocorre no nível da frase:
a) O aluno trabalho o trabalho
b) O trabalho o aluno entregou
c) ?Entregou o aluno o trabalho.
d) *Aluno o entregou trabalho o
3. Neste ponto já sabemos que os falantes não combinam unidades de qualquer
modo. Eles seguem tendências de colocação que parecem estar associadas ao
conhecimento geral que possuem de sua própria língua, que lhes permite
formular e compreender frase sem contextos específicos de comunicação.
Resta agora saber qual é a natureza desse conhecimento ou, mais
especificamente, dessas restrições de combinação. Desde a Antiguidade
Clássica, os estudiosos da linguagem vêm sugerindo interpretações que
reflitam a natureza e funcionamento das línguas, bem como propostas de
sistematização descritiva apoiadas nessas interpretações. Com a evolução dos
estudos linguísticos, essas interpretações foram sendo aperfeiçoadas,
abandonadas e até mesmo retomadas em função de novas descobertas
científicas. O conjunto dessas interpretações e descrições acerca do
funcionamento da língua recebe o nome de gramática.
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4. 3
Aqui é importante fazermos uma distinção entre dois sentidos do termo
gramática". Por um lado, esse vocábulo pode ser usado para designar o
funcionamento da própria língua, que é o objeto a ser descrito pelo cientista.
Nesse sentido, gramática diz respeito ao conjunto e à natureza dos elementos
que compõem uma língua e às restrições que comandam sua união para formar
unidades maiores nos contextos reais de uso. Por outro lado, o termo é utilizado
para designar os estudos que buscam descrevera natureza desses elementos e
suas restrições de combinação. Nesse segundo sentido, "gramática' se refere
aos modelos teóricos criados pelos cientistas a fim de explicar o funcionamento
da língua. Quando aqui falarmos em concepções de gramática, como a
gramática tradicional, a gramática histórico-comparativa, entre outras,
estaremos utilizando o segundo sentido.
5. Gramática
Tradicional
A gramática tradicional, também chamada de gramática normativa ou gramática escolar, é aquela
que estudamos na escola desde pequenos. Nossos professores de português nos ensinam a
reconhecer os elementos constituintes formadores dos vocábulos (radicais, afixos, etc.), a fazer
análise sintática, a utilizar a concordância adequada, sempre recomendando correção no uso que
fazemos de nossa língua. Entretanto, raramente nos é dito o que é esse estudo, qual sua origem,
como ele se desenvolveu e com que finalidades. Tentaremos aqui, de modo bastante resumido,
suprir essas informações, buscando argumentar que, principalmente por apresentar uma visão
preconceituosa do uso da linguagem, a gramática tradicional não fornece ao estudioso da
linguagem uma teoria adequada para descrever o funcionamento gramatical das línguas. A
chamada gramática tradicional, utilizada como modelo teórico para a abordagem e o ensino da
nossa língua nas escolas, tem origem em uma tradição de estudos de base filosófica que se iniciou
na Grécia antiga.
6. Gramática
Tradicional
Os filósofos gregos se Interessaram por estudar a linguagem, entre outros motivos, porque queriam
entender alguns aspectos associados à relação entre a linguagem, o pensamento e a realidade.
Desse modo, os gregos discutiram questões como, por exemplo, a relação entre as palavras e as
coisas que elas designam: alguns viam nas palavras a imagem exata do mundo, outros, vendo-as
como criações arbitrárias dos seres humanos, consideravam-nas incapazes de refletir, de modo
perfeito, a realidade.
7. Gramática histórico-
comparativa
Na primeira metade do século XIX, toma força na Alemanha uma tendência nova de
estudar as línguas chamada de gramática histórico-comparativa, que pode ser definida,
em linhas gerais, como uma proposta de comparar elementos gramaticais de línguas de
origem comum a fim de detectar a estrutura da língua original da qual elas se
desenvolveram. Essa nova abordagem dos fenômenos da linguagem surgiu a partir da
constatação da grande semelhança do sânscrito, língua antiga da Índia, com o latim,
com o grego e com uma grande quantidade de línguas europeias. Essa semelhança
pode ser ilustrada com os termos correspondentes ao sentido da palavra portuguesa
"mãe' (mulher que gera filhos): maatar, em sånscrito; māter, em latim; mēter, em grego;
mother, em inglês, mutter, em alemão.
8. Gramática histórico-
comparativa
Considera-se que essa tendência marca o início de uma nova ciência, a linguística, já
que pela primeira vez um grupo de cientistas se interessa por analisaras características
inerentes às línguas naturais, sem interesses filosóficos ou normativos, mas observando
critérios estritamente linguísticos. O interesse em analisar a estrutura das diferentes
línguas surgiu, principalmente, a partir de Gottfried Wilhelm von Leibniz, filósofo e
matemático alemão que, no início do século XVII, chamou atenção para a necessidade
de se estabelecer em estudos comparativos sobre as línguas, abandonando ideias
preconcebidas acerca da essência da linguagem. Isso viria a dar o caráter empírico - e,
ao mesmo tempo, comparativo - que marca as pesquisas linguísticas do século XIX.
9. Gramática histórico-
comparativa
Costuma-se dizer também que a gramática histórico-comparativa se desenvolveu em
função dos seguintes fatores:
a) O surgimento do Romantismo naAlemanha, [...] O sentimento romântico levou os
primeiros comparatistas a tentar reconstruir, através do método comparativo, um
estado de língua original, considerado idealmente perfeito em função de uma
concepção da época de que a mudança era uma espécie de degeneração de um
estado de língua primitivo [...]
b) b) A descoberta do sânscrito, antiga língua da India, que se mostrou muito, parecida
com as línguas da Europa. [...] c)
OsurgimentodasideiasdeDarwin,quetiveraminfluênciasobreopensamento científico da
época. Seguindo a tendência de incorporar as novas descobertas das ciências
10. Gramática histórico-
comparativa
c) O surgimento da ideias de Darwin, que tiveram influência sobre o pensamento
científico da época. Seguindo a tendência de incorporar as novas descobertas das
ciências naturais, alguns linguistas adotaram inicialmente as concepções darwinianas
sobre a origem das espécies e a seleção-natural, que explicariam as mudanças nas
línguas, assim como seu desaparecimento.
11. Gramática
Estrutural
A tendência de analisar as línguas, conhecida como gramática estrutural, ou estruturalismo, se
desenvolveu na primeira metade do século XX, sob a influência das ideias de Ferdinand de
Saussure, divulgadas através da publicação póstuma de seu livro, o Curso de linguística geral.
Essas ideias revolucionaram os estudos da época, dando às pesquisas em linguística, sobretudo na
Europa, uma nova direção, distinta da que caracterizava a gramática histórico-comparativa. Nos
Estados Unidos, estruturalismo se desenvolveu através do trabalho de Leonard Bloomfield (ver o
capítulo "Estruturalismo").
Assim como ocorre, de um modo geral, com as escolas linguísticas, a gramática estrutural não
constitui um movimento unificado. Entretanto, podemos caracterizar essa escola, em linhas gerais,
com no uma tendência de descrever a estrutura gramatical das línguas, vendo-as como um sistema
autônomo, cujas partes se organizam em uma rede de relações de acordo com leis internas, ou
seja, inerentes ao próprio sistema. Para compreendermos bem essa definição, é interessante
lembrarmos a distinção entre langue e parole" proposta por Saussure, que, como vimos, é o
precursor dessa tendência nos estudos da linguagem.
12. Gramática
Estrutural
Desenvolvendo um pouco mais essa noção tão importante para a compreensão da concepção
estrutural de gramática, podemos relacionar a concepção saussuriana de sistema a três aspectos
importantes:
a) a existência de um conjunto de elementos;
b) b) o fato de que cada elemento só tem valor em relação a outros, organizando-se solidariamente
em um todo, que deve sempre ter prioridade sobre as partes que contém;
c) a existência de um conjunto de regras que comanda a combinação dos elementos para formar
unidades maiores.
O fato de que as línguas apresentam um conjunto de elementos e que estes se unem formando
unidades maiores não é a novidade dessa proposta. Foi a ideia indicada no item (b) que melhor
representou a proposta saussuriana e que serviu de base para o desenvolvimento dos estudos
posteriores. A tendência comparatista de trabalhar com unidades isoladas é abandonada em favor
de uma metodologia em que a relação entre os elementos dentro do sistema passa a ser essencial
para a compreensão da estrutura das línguas.
13. Gramática
Estrutural
O segundo fato a ser destacado em relação à dicotomia entre langue e parole ć a atitude assumida
por Saussure de propor a langue como objeto de estudo da linguística, retirando a parole do campo
de interesse dessa ciência. Para ele, os atos comunicativos individuais são assistemáticos e
ilimitados, e uma ciência só pode estudar aquilo que é recorrente e sistemático. No caso da
linguagem, a sistematicidade e a recorrência estão na langue, que se mantém subjacente aos atos
individuais.
Isso significa que, na concepção saussuriana, o estudo linguístico deve deixar de lado os aspectos
interativos associados ao ato concreto da comunicação entre os indivíduos, restringindo-se a
observar o conhecimento compartilhado que os interlocutores possuem e sem o qual a
comunicação entre eles seria impossfvel: o sistema linguístico. A questão é saber qual a natureza
dos elementos formadores do sistema e como eles se agrupam para lhe dar uma estrutura peculiar.
14. Gramática
Estrutural
Voltando aos três aspectos básicos associados à noção de sistema apresentados anteriormente,
podemos dizer que a análise estrutural das línguas busca descrever cada um deles. Assim, ao
analisar uma língua, o estruturalista busca constatar que elementos constituem o sistema daquela
língua, assim como observar como eles se organizam dentro desse sistema e como eles se unem
para formar unidades maiores. Como esses dados se concretizam de modo diferente em línguas
diferentes, a gramática estrutural via nesse processo uma natureza convencional e se limitava a
descrever as diferentes línguas.