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      Por: Hevlyn Celso
      Fotos: Thiago Henrique


      Superação e inclusão por meio




     da MÚ ICA
      PROJETOS INOVADORES LEVAM O ENSINO MUSICAL                              A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA




         K
                   eila está aflita. Sua aula começou e ela       impede de fazer o que mais gosta, aprender a tocar
                   está atrasada. Após olhar repetidas ve-        órgão e sonhar em ser uma organista profissional.
                    zes para o relógio de pulso, faz sinais em    Mas seu aprendizado somente tornou-se possível
      Libras para que sua mãe a libere. Como não é aten-          pela iniciativa do professor de música e regente
      dida prontamente, arregala os olhos e bate os dedos         Fábio Bonvenuto, 42 anos.
      no relógio, num gesto universal de impaciência. Uma           Aos 17 anos, ele assumiu a regência da banda
      vez livre, abre um sorriso e sai correndo, feliz, até en-   de sua escola e na universidade estagiou em uma
      trar em sua sala. O local em questão é o Conservató-        entidade que atendia pessoas com várias deficiên-
      rio Municipal de Guarulhos (SP). Keila, 21 anos, tem        cias, que o levaram a se engajar, desde então, em
      deficiência auditiva em razão da rubéola contraída          trabalhos sociais envolvendo a inclusão.
      pela mãe durante sua gestação; entretanto, isso não a         Em 2010, Fábio recebeu o Prêmio Professor em
                                                                  Destaque, concedido pela Secretaria Municipal de
                                                                  Educação de São Paulo, pelo projeto Música do
                                                                  Silêncio, no qual desenvolveu um método de en-
                                                                  sino de música e inclusão para pessoas com defi-
                                                                  ciência auditiva e ouvintes.
                                                                    O projeto começou em 2005, numa escola pau-
                                                                  lista para pessoas com deficiência auditiva, que
                                                                  recebeu por engano um convite para participar de
                                                                  um concurso de bandas. Ao invés de desfazer o mal-
                                                                  -entendido, a diretora consultou a opinião dos alu-
                                                                  nos e vários se interessaram. Quando soube que eles
                                                                  procuravam um professor de música, Fábio candi-
                                                                  datou-se ao cargo. Concursado nas duas cidades,
Keila, atenta às explicações do professor Fábio                   enxergou no desafio uma grande oportunidade.

72   revista incluir • maio/junho 201
                                    1
Bruna, o carinho e a paciência do professor e tam-
                                                             bém da família são fundamentais para o sucesso
                                                             das aulas. “Eu sei que ela gosta muito dele. Tem
                                                             hora que é difícil lidar com ela, mas ele já se acos-
                                                             tumou. Quero que ela faça tudo o que tem desejo
                                                             de fazer e, enquanto eu tiver força, vou apoiar no
                                                             que eu puder.”
                                                                Fábio não impõe o aprendizado da música para
                                                             os alunos com deficiência auditiva, mas todos que
                                                             se interessam, podem aprender, apesar das limi-
                                                             tações. “A maior dificuldade está em perceber as
                                                             alturas do som, reconhecer as frequências, mas é
                                                             um trabalho a longo prazo. No entanto, é possí-
                                                             vel aprender pela vibração do som no corpo, prin-
O professor Fábio, premiado por projeto inclusivo
                                                             cipalmente pelos tons mais graves”, diz ele, que
                                                             destaca a percussionista e compositora escocesa
     Após realizar diversas pesquisas e estudar Libras,
                                                             Evelyn Glennie, que perdeu a audição aos 12 anos.
  verificou que instrumentos de percussão eram os mais
                                                             “Ela sempre se apresenta descalça, em cima de um
  indicados para o ensino. Hoje, o grupo é formado por
                                                             tablado de madeira, pois isto facilita a percepção
  60 alunos e costuma apresentar-se em diversos locais.
                                                             das vibrações.”
     A necessidade de desenvolver um trabalho para
                                                                Questionado sobre como é possível para um
  pessoas com deficiência visual surgiu quando um rapaz
                                                             aluno com deficiência auditiva dar unidade ao
  procurou o Núcleo de Inclusão do conservatório. Com
                                                             som que produz, ele garante que é uma questão
  isso, Fábio aprendeu braille e musicografia e apresen-
                                                             de prestar atenção na vibração do instrumento e
  tou os projetos para Guarulhos, transformando o con-
  servatório da cidade em referência de inclusão.            na regência com a sinalização comum e em Libras.
                                                             “Um exemplo disso foi numa apresentação do
                                                             Música do Silêncio. A banda estava tocando e, em
  Aprendizagem pelos sentidos
                                                             um momento, eles tinham que diminuir o som e
     Voltemos à sala de aula; enquanto Keila tira dú-
                                                             deixar bem fraquinho. Um aluno ouvinte estava
  vidas com o professor, seu amigo Ediarlem Barbosa
                                                             desatento, a banda inteira diminuiu e ele conti-
  Pomponet Silva, 19 anos, que possui deficiência múl-
  tipla, toca um tambor e Bruna Caroline Neiva Ramos,        nuou forte, mas uma aluna com deficiência auditi-
  17 anos, com deficiência visual, dedilha o teclado.        va estava tão inteirada, que percebeu o erro e cha-
  A mãe de Keila, a costureira Jailze Gonçalves Guima-       mou a atenção do colega.”
  rães, fala sobre a ansiedade da filha. “A semana inteira      A interação dos alunos é total, pois sempre
  ela passa bem, mas quando chega o sábado, fica con-        arrumam um jeito de se comunicar, diz Fábio.
  tando os minutos para a aula, não posso marcar nada        “Os ouvintes buscam formas de aprender Libras,
  para esse dia.”                                            e passam a conversar com aqueles que têm defi-
     Marlene Barbosa de Souza Silva, mãe de Ediarlem,        ciência auditiva; quando não conseguem, comu-
  elogia o músico. “Fábio é bem paciente e eles gostam.”     nicam-se por mensagens de celular, e saem até
  Já para a dona de casa Luzmar Neves Neiva, mãe de          uns namoricos entre eles assim”, conta. >

                                                                                revista incluir • maio/junho 201
                                                                                                               1   73
alternativa

                                                                  Segundo ele, o estudo da musicografia faz par-
                                                               te da teoria e precisa do complemento das aulas
                                                               práticas. Assim que o aluno está preparado, passa
                                                               para as salas comuns, com um professor regular
                                                               de acordo com a escolha do instrumento musical.
                                                                  Outra questão que Fábio destacou é que al-
                                                               guns alunos com deficiência visual optaram por
                                                               seguir carreira e tornaram-se músicos profissio-
                                                               nais, como aconteceu com a pianista e cantora
                                                               Tatiane Di Paula, que gravou um CD de MPB, e
                                                               com a cantora, flautista e violonista Luzia Lúcia
                                                               Soares, que produziu um CD gospel.
                                                                  O diretor do conservatório, Paulo de Moraes, 48
 O professor desenvolveu técnica para Ediarlem                 anos, afirma que o projeto foi o primeiro a implan-
                                                               tar esse tipo de curso em Guarulhos, sendo a única
                                                               escola de música no Estado de São Paulo a oferecê-
                                                               -lo com a produção de material pelos alunos.
                                                                  Para ele, o atendimento dado ao aluno estende-
                                                               -se às famílias, pois é uma forma de ampliar as op-
                                                               ções de lazer, muitas vezes restritas. “É diferente,
                                                               por exemplo, de ensinar uma pessoa com deficiên-
                                                               cia visual a operar uma máquina na indústria. Ela
                                                               se sentirá útil, mas dentro da arte, há esse degrau
                                                               a mais, porque a pessoa terá acesso à cultura e, de
                                                               certa maneira, aumentará as possibilidades de ter
                                                               prazer com a vida, ser mais feliz.”
                                                                  Já Fábio garante que seu trabalho não seria pos-
                                                               sível sem o apoio das famílias. “Pessoas com defi-
 Com deficiência visual, Bruna ouve as explicações de Fábio     ciência que não têm uma família presente estão
                                                               fadadas a não ter um desenvolvimento pleno
                                                               das suas capacidades, porque há uma limitação,
      Musibraille
                                                               apesar delas terem potencial. Dependerá da fa-
         A aula seguinte é de musicografia em braille, mé-
                                                               mília decidir se essa pessoa irá atingir e ultra-
      todo de escrita da partitura em que os alunos com
                                                               passar esses limites ou não.”
      deficiência visual utilizam um programa sonoro de
      computador que os auxilia no estudo. O software é
                                                               Serviço:
      o Musibraille (disponível para download no blog do
                                                               Conservatório Municipal de Arte
      professor), desenvolvido pelos mesmos criadores do       Av. Tiradentes, 2.521 – 1o Andar
      DOSVOX e distribuído gratuitamente. De acordo com        Vila São Jorge – Guarulhos/SP
      Fábio, um software semelhante não sai por menos de       Tel: (11) 2087-7440
      5 mil dólares, e cada partitura, em braille, pode che-   Fábio Bonvenuto
      gar a 2.500 reais.                                       www.fabiobonvenuto.blogspot.com

74   revista incluir • maio/junho 201
                                    1

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  • 1. alternativa Por: Hevlyn Celso Fotos: Thiago Henrique Superação e inclusão por meio da MÚ ICA PROJETOS INOVADORES LEVAM O ENSINO MUSICAL A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA K eila está aflita. Sua aula começou e ela impede de fazer o que mais gosta, aprender a tocar está atrasada. Após olhar repetidas ve- órgão e sonhar em ser uma organista profissional. zes para o relógio de pulso, faz sinais em Mas seu aprendizado somente tornou-se possível Libras para que sua mãe a libere. Como não é aten- pela iniciativa do professor de música e regente dida prontamente, arregala os olhos e bate os dedos Fábio Bonvenuto, 42 anos. no relógio, num gesto universal de impaciência. Uma Aos 17 anos, ele assumiu a regência da banda vez livre, abre um sorriso e sai correndo, feliz, até en- de sua escola e na universidade estagiou em uma trar em sua sala. O local em questão é o Conservató- entidade que atendia pessoas com várias deficiên- rio Municipal de Guarulhos (SP). Keila, 21 anos, tem cias, que o levaram a se engajar, desde então, em deficiência auditiva em razão da rubéola contraída trabalhos sociais envolvendo a inclusão. pela mãe durante sua gestação; entretanto, isso não a Em 2010, Fábio recebeu o Prêmio Professor em Destaque, concedido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, pelo projeto Música do Silêncio, no qual desenvolveu um método de en- sino de música e inclusão para pessoas com defi- ciência auditiva e ouvintes. O projeto começou em 2005, numa escola pau- lista para pessoas com deficiência auditiva, que recebeu por engano um convite para participar de um concurso de bandas. Ao invés de desfazer o mal- -entendido, a diretora consultou a opinião dos alu- nos e vários se interessaram. Quando soube que eles procuravam um professor de música, Fábio candi- datou-se ao cargo. Concursado nas duas cidades, Keila, atenta às explicações do professor Fábio enxergou no desafio uma grande oportunidade. 72 revista incluir • maio/junho 201 1
  • 2. Bruna, o carinho e a paciência do professor e tam- bém da família são fundamentais para o sucesso das aulas. “Eu sei que ela gosta muito dele. Tem hora que é difícil lidar com ela, mas ele já se acos- tumou. Quero que ela faça tudo o que tem desejo de fazer e, enquanto eu tiver força, vou apoiar no que eu puder.” Fábio não impõe o aprendizado da música para os alunos com deficiência auditiva, mas todos que se interessam, podem aprender, apesar das limi- tações. “A maior dificuldade está em perceber as alturas do som, reconhecer as frequências, mas é um trabalho a longo prazo. No entanto, é possí- vel aprender pela vibração do som no corpo, prin- O professor Fábio, premiado por projeto inclusivo cipalmente pelos tons mais graves”, diz ele, que destaca a percussionista e compositora escocesa Após realizar diversas pesquisas e estudar Libras, Evelyn Glennie, que perdeu a audição aos 12 anos. verificou que instrumentos de percussão eram os mais “Ela sempre se apresenta descalça, em cima de um indicados para o ensino. Hoje, o grupo é formado por tablado de madeira, pois isto facilita a percepção 60 alunos e costuma apresentar-se em diversos locais. das vibrações.” A necessidade de desenvolver um trabalho para Questionado sobre como é possível para um pessoas com deficiência visual surgiu quando um rapaz aluno com deficiência auditiva dar unidade ao procurou o Núcleo de Inclusão do conservatório. Com som que produz, ele garante que é uma questão isso, Fábio aprendeu braille e musicografia e apresen- de prestar atenção na vibração do instrumento e tou os projetos para Guarulhos, transformando o con- servatório da cidade em referência de inclusão. na regência com a sinalização comum e em Libras. “Um exemplo disso foi numa apresentação do Música do Silêncio. A banda estava tocando e, em Aprendizagem pelos sentidos um momento, eles tinham que diminuir o som e Voltemos à sala de aula; enquanto Keila tira dú- deixar bem fraquinho. Um aluno ouvinte estava vidas com o professor, seu amigo Ediarlem Barbosa desatento, a banda inteira diminuiu e ele conti- Pomponet Silva, 19 anos, que possui deficiência múl- tipla, toca um tambor e Bruna Caroline Neiva Ramos, nuou forte, mas uma aluna com deficiência auditi- 17 anos, com deficiência visual, dedilha o teclado. va estava tão inteirada, que percebeu o erro e cha- A mãe de Keila, a costureira Jailze Gonçalves Guima- mou a atenção do colega.” rães, fala sobre a ansiedade da filha. “A semana inteira A interação dos alunos é total, pois sempre ela passa bem, mas quando chega o sábado, fica con- arrumam um jeito de se comunicar, diz Fábio. tando os minutos para a aula, não posso marcar nada “Os ouvintes buscam formas de aprender Libras, para esse dia.” e passam a conversar com aqueles que têm defi- Marlene Barbosa de Souza Silva, mãe de Ediarlem, ciência auditiva; quando não conseguem, comu- elogia o músico. “Fábio é bem paciente e eles gostam.” nicam-se por mensagens de celular, e saem até Já para a dona de casa Luzmar Neves Neiva, mãe de uns namoricos entre eles assim”, conta. > revista incluir • maio/junho 201 1 73
  • 3. alternativa Segundo ele, o estudo da musicografia faz par- te da teoria e precisa do complemento das aulas práticas. Assim que o aluno está preparado, passa para as salas comuns, com um professor regular de acordo com a escolha do instrumento musical. Outra questão que Fábio destacou é que al- guns alunos com deficiência visual optaram por seguir carreira e tornaram-se músicos profissio- nais, como aconteceu com a pianista e cantora Tatiane Di Paula, que gravou um CD de MPB, e com a cantora, flautista e violonista Luzia Lúcia Soares, que produziu um CD gospel. O diretor do conservatório, Paulo de Moraes, 48 O professor desenvolveu técnica para Ediarlem anos, afirma que o projeto foi o primeiro a implan- tar esse tipo de curso em Guarulhos, sendo a única escola de música no Estado de São Paulo a oferecê- -lo com a produção de material pelos alunos. Para ele, o atendimento dado ao aluno estende- -se às famílias, pois é uma forma de ampliar as op- ções de lazer, muitas vezes restritas. “É diferente, por exemplo, de ensinar uma pessoa com deficiên- cia visual a operar uma máquina na indústria. Ela se sentirá útil, mas dentro da arte, há esse degrau a mais, porque a pessoa terá acesso à cultura e, de certa maneira, aumentará as possibilidades de ter prazer com a vida, ser mais feliz.” Já Fábio garante que seu trabalho não seria pos- sível sem o apoio das famílias. “Pessoas com defi- Com deficiência visual, Bruna ouve as explicações de Fábio ciência que não têm uma família presente estão fadadas a não ter um desenvolvimento pleno das suas capacidades, porque há uma limitação, Musibraille apesar delas terem potencial. Dependerá da fa- A aula seguinte é de musicografia em braille, mé- mília decidir se essa pessoa irá atingir e ultra- todo de escrita da partitura em que os alunos com passar esses limites ou não.” deficiência visual utilizam um programa sonoro de computador que os auxilia no estudo. O software é Serviço: o Musibraille (disponível para download no blog do Conservatório Municipal de Arte professor), desenvolvido pelos mesmos criadores do Av. Tiradentes, 2.521 – 1o Andar DOSVOX e distribuído gratuitamente. De acordo com Vila São Jorge – Guarulhos/SP Fábio, um software semelhante não sai por menos de Tel: (11) 2087-7440 5 mil dólares, e cada partitura, em braille, pode che- Fábio Bonvenuto gar a 2.500 reais. www.fabiobonvenuto.blogspot.com 74 revista incluir • maio/junho 201 1