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Irmão Yun / Paul Hattaway
OO
HOMEMHOMEM
DODO CÉUCÉU
A história emocionante de um cristão chinês que levou sua fé às últimas conseqüências
DO ORIGINAL
The Heavenly Man
Índice
Prefácio................................................................................................................3
Prólogo................................................................................................................5
Introdução............................................................................................................6
1. Um início modesto..........................................................................................8
2. Fome saciada.................................................................................................12
3. "Vá para o Oeste e para o Sul"......................................................................18
4. Deus abençoa toda a minha família...............................................................23
5. O Caminho da Perseguição...........................................................................26
6. "O Deus de Pedro é o seu Deus"...................................................................32
7. Deus quer todo o meu coração......................................................................38
8. "Aquiete-se e saiba que eu sou Deus''...........................................................42
9. Pelo vale da morte.........................................................................................51
10. A prova de fogo...........................................................................................58
11. O fim do jejum.............................................................................................66
12. Deus me dá um filho e muitos irmãos.........................................................72
13. Uma alma preciosa ao Senhor.....................................................................77
14. Esperança para o futuro...............................................................................85
15. Um cemitério coberto de espinhos..............................................................91
16. Deus derrama seu tremendo poder............................................................105
17. Preso pela segunda vez..............................................................................112
18. Uma dolorosa visita da família..................................................................118
19. A distribuidora do óleo de Deus................................................................124
20. O caminho para a unidade.........................................................................132
21. Preso pela terceira vez - o pior momento da minha vida..........................137
22. Uma fuga milagrosa..................................................................................142
23. Deixando a cortina de bambu....................................................................149
24. De volta a Jerusalém..................................................................................157
25. Reflexões sobre os quatro anos no Ocidente.............................................165
26. Outro tipo de perseguição..........................................................................171
27. Mudança súbita nos planos........................................................................176
28. Uma semente no solo................................................................................182
29. Um futuro tão brilhante quanto as promessas de Deus.............................191
Sobre os autores...............................................................................................195
Prefácio
Faz mais de mil anos que o evangelho do Senhor Jesus Cristo vem se espalhando
pela China, passando por altos e baixos, vitórias e provações.
A perseguição ao povo de Deus começou em 1949 e ainda hoje as igrejas sofrem
todo tipo de ataque. Desse ano até 1958, o governo já havia fechado todas as igrejas. A
esposa de Mao, Jiang Qing, chegou a fazer esta declaração a visitantes estrangeiros:
"O cristianismo chinês está hoje confinado à ala histórica do museu. Está morto e
enterrado."
Na década de 1970, uma delegação cristã norte-americana que visitara o país
relatou:
"Não restou nem um único cristão na China."
No início da Bíblia, lemos que a Terra "estava sem forma e vazia; havia trevas
sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas" (Gn 1.2). Isso
se aplica à situação da igreja chinesa naquela época. Estava morta, pelo menos na
superfície. Ninguém ousava proclamar "Jesus é o Senhor". A igreja fora assolada de alto
a baixo e, para todos os efeitos, havia morrido.
"Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa; e fez separação
entre a luz e as trevas." (Gn 1.3,4-) Felizmente o Deus a quem servimos sabe ressuscitar
os mortos! Creio que ele permitiu que o governo ateu destruísse a velha estrutura da
igreja chinesa para depois reconstruí-la de acordo com sua vontade. E, do pouco que
tinha no início, ele tem feito muito!
O simples fato de existir hoje uma força de dezenas de milhões de crentes
chineses mostra não apenas a existência de Deus, mas também seu poder inigualável.
Na década de 1970, como um botão de flor fechado durante muito tempo, a igreja
chinesa começou a se abrir e a revelar novamente ao mundo sua beleza e seu modo de
viver. Nessa época, um jovem chamado Yun, que morava na Província de Henan, no sul
do país, encontrou-se com Jesus Cristo e entregou a ele sua vida, aceitando-o como seu
Salvador e Senhor. E Deus tomou posse da vida dele de maneira espantosa.
O Irmão Yun, nestes quase trinta anos de provação, tem visto a graça do Senhor
sendo derramada em sua vida e transbordando em bênçãos para muitos outros. Deus
escolheu esse grande guerreiro e obreiro fiel para ser um dos líderes de sua geração.
Muitos sinais, milagres e maravilhas seguem seu ministério, e provam que ele é um
apóstolo da fé (2 Co 12.12). Yun é íntegro, de caráter impecável, homem digno, bom
marido e bom pai. A alegria do Senhor é sua força em todo tempo. Seu sorriso
contagiante ilumina qualquer ambiente em que se encontre.
Meu coração foi profundamente tocado enquanto eu lia o livro do Irmão Yun.
Apesar de termos trabalhado lado a lado durante vinte anos na China, parece que, antes
dessa leitura, eu não o conhecia.
Sou testemunha de que as histórias deste livro são verdadeiras. Presenciei muitos
dos eventos aqui narrados. Sinto-me honrado por ser o amigo e colaborador mais próxi-
mo ao Irmão Yun. Embora ele sempre tenha me respeitado como seu pastor e seu líder
espiritual, o respeito é mútuo.
Quando me casei, convidei-o para dirigir a cerimônia e abençoar minha união.
Li este livro com gratidão a Deus e recomendo a leitura como um testemunho
verídico das grandes obras que Deus tem efetuado na igreja da China.
- Xu Yongze
Presidente da Comunidade Sinim de Líderes
da Igreja Doméstica da China
Prólogo
Li o livro do Irmão Yun com alegria, de um só fôlego e com muita empolgação.
Tive a sensação de voltar a essa época agitada e revivi lembranças preciosas.
Eu e o Irmão Yun nascemos na mesma região, frequentamos a mesma igreja e
trabalhamos juntos no campo. Juntos, choramos, nos alegramos, pregamos e fomos
rejeitados. Comemos e dormimos ao ar livre, permanecendo unidos em tempos bons e
ruins. Nós nos amávamos como se fôssemos irmãos de sangue.
Trabalhamos juntos muitos anos, até sermos presos em Nanyang. Na prisão, nos
colocaram em celas distintas, mas gritávamos pelos corredores, esperando que o outro
ouvisse e fosse encorajado. Tentávamos fazer chegar às mãos um do outro bilhetes para
fortalecer nossa fé.
O testemunho de Yun foi escrito com sangue e lágrimas. A jornada dele incluiu
lutas terríveis. Mas, em vez de reclamar e murmurar, ele aprendeu a avançar em oração
contra os obstáculos, sempre de joelhos diante de Deus.
Os crentes chineses pensam nele como um bravo que sempre ora de joelhos,
levantando as mãos ao Senhor em gratidão enquanto lágrimas correm por seu rosto. Na
cadeia, Yun enfrentou grande sofrimento. Mas, afinal, Deus não apenas lhe abriu o
portão de ferro da prisão, como também passou a usá-lo para abençoar a igreja deste
novo século - tanto a chinesa como a ocidental.
O Irmão Yun tem o dom de entrar em contato com crentes de igrejas diferentes e,
com bondade, ajudá-los a formar uma unidade. Deus o tem usado como um fio para unir
tecidos de várias cores e formar uma bela colcha. Nos últimos anos, nossos caminhos
tomaram direções opostas, e algumas vezes cheguei até a censurá-lo de longe. Mas logo
depois ouvi os relatos de como Deus estava usando-o, e fiquei sabendo do caminho que
ele havia seguido com fidelidade. Então fui tomado de admiração por ele e corei de
vergonha ao mesmo tempo em que censurei a mim mesmo.
Na igreja chinesa, vi muitos servos de Deus surgirem cheios de poder e
autoridade, mas, no Irmão Yun, percebi um servo de Jesus que sempre vem em
humildade e mansidão, refletindo o coração do Filho do Homem, que não veio para ser
servido, e sim para servir e entregar sua vida.
Oro para que você, leitor, goste tanto deste livro quanto eu, e para que seja
desafiado, assim como eu fui.
- Zhang Rongliang
Igreja Doméstica Fangcheng, China
Introdução
Em 2001, numa tarde quente de setembro, um pequeno grupo de cristãos reuniu-
se no Aeroporto Internacional de Bangcoc para receber o Irmão Yun. Fazia mais de oito
meses que não víamos seu rosto sorridente, pois ele havia sido preso em janeiro daquele
ano. Nos primeiros dias na prisão, os guardas o espancaram tanto que quase o mataram.
Depois disso saiu sua sentença - foi condenado a sete anos de prisão. De vez em quando
seus amigos, espalhados por todo o mundo, recebiam uma mensagem vinda da cadeia.
Uma delas dizia: "Deus me colocou neste lugar para testemunhar. Aqui há muita gente
que precisa de Jesus. Vou ficar exatamente o tempo que ele determinou. Não vou sair
nem um minuto antes nem ficar um minuto a mais. Quando ele decidir que meu
ministério na prisão acabou, vou sair".
Yun foi libertado milagrosamente, no tempo perfeito de Deus, depois de cumprir
apenas sete meses e sete dias da sentença de sete anos.
Agora estávamos no aeroporto, aguardando sua chegada. Será que viria doente,
cansado e abatido, depois de uma provação tão terrível?
De repente, Yun apareceu no portão de desembarque, muito diferente do que
prevíramos. O rosto brilhava, e o sorriso ia de uma orelha a outra.
"Louvado seja Deus! Aleluia!" foram suas primeiras palavras. "Glória a Deus!"
Nós nos demos as mãos e curvamos a cabeça em oração de gratidão. Enquanto
isso os demais passageiros passavam por nós apressadamente, rumo aos balcões do
aeroporto, olhando-nos espantados.
O Irmão Yun é conhecido em toda a China como o "Homem do Céu", por causa
de um incidente ocorrido em 1984, quando se recusou a revelar às autoridades sua
verdadeira identidade para não colocar em perigo outros cristãos. Diante das ameaças e
da violência do Departamento de Segurança Pública, em vez de dizer seu nome e
endereço, ele gritava:
"Sou um homem do céu! Meu lar é o céu!"
Os crentes, que ainda estavam reunidos em uma casa próxima, ouviram os gritos e
perceberam que era um aviso. Fugiram e, por isso, escaparam da prisão.
Em sinal de respeito à coragem e ao amor de Yun pelo corpo de Cristo, os crentes
da igreja doméstica da China o chamam até hoje de "Homem do Céu".
Yun é o primeiro a reconhecer que há muita coisa nele que não tem nada de
celestial! Como todos nós, enfrenta tentações e fraquezas, mas ele sabe que, sem a graça
de Jesus, não tem nenhum valor. Uma vez, ele disse a Deling, sua esposa:
"Não somos absolutamente nada. Não temos nada de que nos orgulhar. Não
possuímos habilidades nem coisa alguma a oferecer a Deus. O fato de ele decidir nos
usar decorre unicamente de sua graça. Não é mérito nosso. Não poderíamos nem pensar
em nos queixar se ele resolvesse levantar outras pessoas para cumprir seus propósitos,
sem nunca mais nos usar."
Oswald Chambers escreveu: "Se você der a Deus o direito de controlar sua vida,
ele fará de você um experimento santo. E os experimentos dele sempre dão certo". Com
toda certeza isso se aplica ao Irmão Yun. Desde que se encontrou com Jesus Cristo, ele
vem se empenhando em servi-lo de todo o coração. Conhecer suas experiências e apren-
dizado pode servir de encorajamento para cristãos - de qualquer parte do mundo - que
estejam empenhados em seguir o Senhor Jesus.
O testemunho do Irmão Yun reflete a fidelidade e a bondade de Deus. Mostra que
o Senhor pegou um garoto faminto de uma vila pobre da Província de Henan, na China,
e o usou para abalar o mundo. E em vez de se fixar nos muitos milagres ou nos
sofrimentos que presenciou e experimentou, Yun prefere contemplar o caráter e a beleza
de Jesus Cristo. Deseja que todo o mundo conheça Jesus como ele conhece, não como
uma figura histórica e distante, mas como o Deus todo-poderoso, capaz de todas as
coisas, sempre presente, cheio de amor.
Enquanto eu fazia pesquisas para este livro, entrevistei dezenas de crentes na
China. Eram pessoas que tinham presenciado os eventos narrados aqui ou haviam
constatado a veracidade deles. Intercalei em todo o livro pequenas contribuições de
Deling (esposa de Yun) e de alguns líderes da igreja doméstica da China. Essas porções
ajudarão o leitor a ver por outra perspectiva episódios cruciais da vida de Yun, ao
mesmo tempo em que darão uma imagem mais completa das situações. A maior parte
das reflexões de Deling foi feita enquanto seu marido estava preso por amor ao
evangelho.
Alguém disse:
"Não são os grandes homens que transformam o mundo, mas sim os fracos,
nas mãos de um grande Deus."
Quem conhece o Irmão Yun sabe que ele é um servo humilde de Deus, que não
deseja que nada em sua vida traga glória para si mesmo nem para qualquer outro ho-
mem.
O Irmão Yun deseja que sua história conduza toda atenção e toda glória para o
único Homem do Céu - o Senhor Jesus Cristo.
- Paul Hattaway
1. Um início modesto
Meu nome é Liu Zhenying, mas os meus amigos cristãos me chamam de Irmão
Yun. Certa manhã, no outono de 1999, acordei na cidade de Bergen, no oeste da
Noruega. Sentia meu coração pulsando, tamanha era a minha animação. Eu estivera pre-
gando em igrejas da Escandinávia. Testemunhei sobre as igrejas domésticas chinesas e
convidei os cristãos a nos unirmos para evangelizar não só a China, mas todas as
nações. E, nessa manhã, as pessoas que me hospedavam haviam me perguntado se eu
gostaria de visitar o túmulo de Marie Monsen, ali em Bergen. Ela fora uma grande
missionária luterana, a quem Deus muito usou para avivar a igreja em várias partes do
meu país no período de 1901 a 1932. O ministério dela exerceu influência
principalmente na porção sul da Província de Henan, minha terra natal.
Fisicamente, a Senhorita Monsen tinha baixa estatura, mas, para o reino de Deus,
ela era uma gigante. A igreja chinesa, além de receber o impacto de suas palavras, foi
profundamente desafiada por sua vida de sacrifício. Seu compromisso com Jesus Cristo
era total. Ela o seguia com determinação, e mostrou como sofrer pelo Senhor e perse-
verar nele.
Deus usou Marie Monsen poderosamente, de modo que muitos milagres, sinais e
maravilhas acompanhavam seu ministério. Em 1932, ela completou sua missão na
China. Nesse ano ela voltou para a Noruega, para cuidar dos pais idosos. Nunca mais
retornou ao nosso país, mas seu legado de fé inabalável e de zelo constante permanece
vivo até hoje. Além disso, a igreja chinesa aprendeu com ela que é necessário ter o
coração completamente comprometido com a causa de Cristo.
Naquele dia eu teria o imenso privilégio de visitar o túmulo dela, em sua terra
natal. Fiquei imaginando se outro crente chinês já tivera tal oportunidade. Quando ela
chegou em nossa região da China, havia poucos cristãos, e a igreja era fraca. Hoje são
milhões de crentes. E, em nome deles, eu pretendia agradecer a Deus pela vida da sua
missionária.
Subimos de carro pelo cemitério. Ele ficava ao lado de uma colina, num vale
estreito cortado por um riacho. Depois de estacionar, andamos por alguns minutos,
tentando encontrar o nome dela em uma das centenas de lápides. Como não
conseguimos, fomos ao escritório, em busca de informações. O administrador não
reconheceu o nome dela, então procurou no livro de registros de sepultamentos. Depois
de folhear um pouco, disse uma coisa que achei difícil de acreditar:
"Marie Monsen foi mesmo enterrada aqui, em 1962, mas faz muitos anos que
ninguém cuida do túmulo dela. Hoje é só um local vazio, sem lápide."
Na cultura chinesa, respeitamos por várias gerações a memória de pessoas que se
tornam notáveis pelos seus feitos. Por isso, jamais imaginei que uma coisa dessas
pudesse acontecer. Os crentes que me acompanhavam explicaram que ainda a tinham
em alta consideração e que a honravam de outras formas, como, por exemplo,
publicando a biografia dela décadas após sua morte. Mesmo com tudo isso, para mim, o
túmulo sem marca era um insulto que deveria ser reparado.
Fiquei profundamente ofendido. Com o coração pesado, disse em tom sério aos
noruegueses que me acompanhavam:
"Vocês precisam honrar essa mulher de Deus! Vou dar a vocês um prazo de dois
anos para construírem um túmulo e uma lápide em memória de Marie Monsen. Se não
fizerem isso, vou dar um jeito de arrumar uns irmãos chineses para virem a pé da China
até aqui para que o façam! Muitos crentes no meu país sabem trabalhar bem com
pedras. Eles aprenderam o ofício nos anos em que estiveram em campos de trabalhos
forçados por causa do evangelho. Se vocês não dão a devida importância, eles terão o
maior prazer de vir fazer o serviço!"
*******
Nasci em 1958, ano bissexto no calendário chinês. Eu sou o quarto de cinco
irmãos. Vim ao mundo em uma vila rural tradicional, chamada Liu Lao Zhuang, na
Comarca de Nanyang, no sul da Província de Henan na China.
Henan tem mais de cem milhões de habitantes - é a província mais populosa do
país. A despeito disso, havia muito espaço quando eu era criança - várias colinas a
escalar e árvores para subir. A vida era difícil, mas eu me lembro de me divertir bastante
na minha infância.
Nossa vila tinha 600 habitantes, e todos trabalhavam no campo. E assim até hoje.
Não houve muitas mudanças por lá. Plantávamos principalmente batata, milho e trigo.
Além disso, cultivávamos repolho e algumas raízes comestíveis.
Morávamos numa casa simples, de barro, com o telhado de palha. A chuva sempre
dava um jeito de encontrar buracos no telhado e, no inverno, o vento gelado
normalmente soprava pelas frestas das paredes. Não tínhamos dinheiro para comprar
carvão. Assim, quando a temperatura caía abaixo de zero, queimávamos palha de milho
para nos aquecer.
No verão, o calor e a umidade eram tão intensos que ninguém conseguia dormir
dentro da casa, pois quase não era ventilada. Por isso, arrastávamos as camas para fora e
nos juntávamos aos vizinhos para dormir ao ar livre, numa temperatura amena.
"Henan" significa "sul do rio". O grande Rio Amarelo corta a região norte da
província. Há séculos, as cheias frequentes vêm infligindo sofrimento às populações
ribeirinhas. Sabíamos disso quando eu era criança, mas, para nós, o norte de Henan
ficava a milhões de quilômetros.
Nossa vila se aninhava nas colinas ao sul da província, longe de inundações
devastadoras e de influências externas. Nossa única preocupação era a safra seguinte. A
vida toda girava em torno do ciclo de arar, plantar, regar e colher. Meu pai dizia que o
trabalho árduo só produzia o suficiente para comer. A labuta no campo exigia todas as
mãos disponíveis, então fui convocado para ajudar, com meus irmãos e irmãs, desde
bem pequeno. Como consequência, não pude frequentar a escola por muito tempo.
Nas outras regiões da China, os nativos de Henan têm fama de serem teimosos
como mulas. Talvez tenha sido por causa dessa teimosia que a província não abraçou o
cristianismo quando os primeiros missionários protestantes chegaram, em 1884. Muitos
deles trabalharam em Henan sem alcançar resultados visíveis. Em 1922, depois de
quase quarenta anos de esforço missionário, havia apenas 12.400 convertidos em toda a
região.
A sociedade ridicularizava e condenava ao ostracismo os que aceitavam a religião
dos "diabos estrangeiros". Frequentemente a oposição adotava atitudes mais violentas.
Espancavam os cristãos. E muitos crentes morreram por causa da fé. Os missionários
também foram perseguidos. Grande parte do povo os considerava ferramentas do im-
perialismo e do colonialismo. Acreditava que haviam sido enviados por seus países para
controlar o coração e a mente do povo chinês enquanto seus governantes saqueavam os
recursos naturais da terra.
A violência contra os estrangeiros chegou ao clímax em 1900, quando uma
sociedade secreta chamada "Boxers" instigou um ataque nacional contra eles. A maioria
conseguiu fugir da carnificina, porém muitos viviam em áreas remotas no interior da
China, longe da segurança das cidades litorâneas. Os Boxers massacraram com
crueldade mais de 150 missionários e milhares de chineses que haviam se convertido
pelo trabalho deles.
Essas pessoas valentes tinham vindo para servir nossa nação e, com sacrifício,
trazer o amor do Senhor Jesus para nós. E foram massacradas. Vieram compartilhar
Cristo e melhorar nossa vida com a construção de hospitais, orfanatos e escolas. Como
recompensa, demos a morte a elas.
Depois de tudo isso, alguns julgaram que os acontecimentos de 1900 seriam
suficientes para deixar os missionários apavorados, sem jamais pensar em voltar à
China.
Estavam enganados.
No dia 1º de setembro de 1901, um grande navio atracou no porto de Xangai.
Marie Monsen, uma jovem norueguesa, solteira, desceu pela prancha e pisou o solo
chinês pela primeira vez. Ela fazia parte da nova onda missionária que, inspirada pelos
martírios do ano anterior, havia dedicado a vida ao serviço de tempo integral na China.
Ela passou mais de trinta anos no país. Durante algum tempo, morou na minha
comarca, Nanyang. Ali encontrou um pequeno grupo de crentes que havia nascido lá e o
treinou.
Marie Monsen era diferente da maioria dos missionários. Ela não se importava
muito em causar boa impressão nos líderes da igreja chinesa. Muitas vezes, dizia:
"Vocês são hipócritas! Confessam Jesus Cristo com os lábios, mas o coração de
vocês não está totalmente comprometido com ele! Arrependam-se, antes que seja tarde
para escapar do julgamento divino!"
Ela trouxe fogo do altar de Deus.
Monsen disse aos cristãos que não bastava estudar a vida dos convertidos, mas
que todos precisavam nascer de novo para entrar no reino do céu. Assim, tirou a ênfase
do conhecimento intelectual e mostrou que cada indivíduo é responsável diante de Deus
pela própria vida espiritual. Ela viajava pelo centro da China, e em toda parte por onde
passava corações se convenciam do pecado, e o fogo do avivamento varria as vilas.
Na década de 1940, outro missionário ocidental pregou o evangelho à minha mãe.
Ela tinha vinte anos na época. E embora não tenha entendido tudo, foi profundamente
tocada. O de que mais gostava era cantar os hinos e ouvir as histórias bíblicas que as
equipes evangelísticas itinerantes contavam. Logo começou a frequentar a igreja e
entregou a vida a Jesus Cristo.
Em 1949, a China tornou-se um país comunista. Em poucos anos, missionários
foram expulsos; templos, fechados; e milhares de pastores chineses, presos. Muitos
morreram. Minha mãe viu os missionários deixarem Nanyang no início da década de
1950. Ela nunca se esqueceu do modo como foram levados na direção da costa sob
guarda armada. Eles tinham os olhos cheios de lágrima, pois viam o ministério que
realizavam para o Senhor ser bruscamente interrompido.
Em 1950, em uma única cidade, Wenzhou, na Província de Zhejiang, 49 pastores
foram mandados para campos de trabalhos forçados próximos à fronteira com a Rússia.
A pena de muitos chegou a vinte anos de cadeia, pelo "crime" de pregar o evangelho.
Dos 49, apenas um voltou para casa. Todos os outros morreram na prisão.
Na região em que nasci, Nanyang, crentes, que se recusaram a negar a Cristo,
foram crucificados nas paredes das igrejas. Outros foram acorrentados a veículos e
cavalos e arrastados até morrer.
Um pastor foi preso e depois amarrado a uma longa corda. As autoridades, iradas
porque o homem de Deus não renunciava à fé, usaram um tipo de guindaste para içá-lo
bem alto. Diante de centenas de testemunhas, que o acusavam falsamente de ser
"contra-revolucionário", perguntaram-lhe pela última vez se negaria a fé. Ele gritou em
resposta:
"Não! Jamais vou negar o Senhor que me salvou!"
Em seguida, soltaram a corda, e ele caiu com grande impacto no chão.
Apesar da violência da queda, os torturadores constataram que ele não havia
morrido. Então levantaram-no de novo pela corda, deixando-o cair mais uma vez para
terminar o serviço. O pastor morreu para esta vida, mas vive no céu, com a recompensa
daqueles que são fiéis até o fim.
E a vida não era difícil apenas para os cristãos. Mao lançou o projeto chamado
"Grande Salto Para a Frente", com o qual levou a fome a todo o país. Foi, na verdade,
um grande retrocesso. Estima-se que em Henan, minha província, oito milhões de
pessoas tenham morrido de fome.
Nesse período difícil, a pequena e inexperiente igreja da minha cidade, Nanyang,
se dispersou. Era um rebanho sem pastor. Minha mãe também abandonou a igreja. Nas
décadas que se seguiram, ela esqueceu a maior parte do que aprendera na juventude.
Ficara totalmente privada da Palavra de Deus e da comunhão com outros cristãos. O
relacionamento dela com o Senhor se esfriou.
****
No dia 1º de setembro de 2001 - exatamente 100 anos depois que Marie Monsen
chegou à China para iniciar sua carreira missionária - mais de 300 cristãos noruegueses
se reuniram no cemitério de Bergen para uma oração especial e uma cerimônia de
dedicação. Foi descerrada uma bela lápide em memória de Monsen, adquirida com
contribuições de várias igrejas e ofertas individuais de muitos cristãos.
O monumento apresenta a fotografia de Marie Monsen e seu nome em chinês.
Além disso, traz:
MARIE MONSEN 1878 -1962
MISSIONÁRIA NA CHINA 1901 -1932
Quando contei na China que o túmulo de Marie Monsen havia sido reconstruído,
os crentes ficaram gratos e também aliviados.
Temos de relembrar sempre o sacrifício dos que Deus usou para estabelecer seu
reino. Eles merecem honra e respeito.
2. Fome saciada
"Ouvi-me, terras do mar, e vós, povos de longe, escutai! O Senhor me chamou desde o meu nascimento,
desde o ventre de minha mãe fez menção do meu nome." (Is 49.1.)
Eu tinha 16 anos de idade quando o Senhor me chamou para segui-lo. Foi em
1974, e a Revolução Cultural ainda assolava a China.
Meu pai estava doente. Sofria de um tipo grave de asma, que evoluiu para câncer
de pulmão. A doença chegara ao estômago. O médico falou para ele que não havia cura
e que morreria logo. E, para a minha mãe, disse:
"Não há esperança para o seu marido. Vá para casa e prepare-se para a morte
dele."
Meu pai passava as noites prostrado na cama, mal podendo respirar. Como era
muito supersticioso, pediu a uns vizinhos que fossem chamar um sacerdote taoísta para
expulsar os demônios do corpo dele. Ele acreditava que a enfermidade era um castigo
dos demônios.
A doença dele consumiu tudo que tínhamos: dinheiro, bens e energia. Ficamos tão
pobres que só pude ir à escola quando já tinha nove anos, e precisei deixá-la aos 16.
Para sobrevivermos, eu e meus irmãos tínhamos de pedir comida aos vizinhos.
Meu pai fora capitão no exército nacionalista. Durante a Revolução Cultural, os
outros habitantes da vila o odiavam e o perseguiam, pois ele havia lutado contra os
comunistas. Matara muitos homens nas batalhas, e quase morrera. Ele tinha doze
cicatrizes de balas em uma das pernas.
Quando nasci, ele me deu o nome de "Zhenying", que significa "herói da tropa".
A reputação do meu pai era horrível. Os vizinhos o evitavam por causa de seu
temperamento violento. Durante a Revolução Cultural, a Guarda Vermelha fez
acusações contra ele. Em consequência disso, ele se submeteu a muitos interrogatórios e
foi espancado várias vezes. Firmado em sua coragem, recusou-se a confessar os
"crimes" e não respondia quando lhe perguntavam quantos homens havia matado. Muito
teimoso, preferia apanhar até a morte a dizer o que eles queriam ouvir.
Meu pai tinha dois lados. A maioria das pessoas só conhecia o lado que era bem
manifesto - duro e mal-humorado. Os dois maiores ensinamentos que transmitiu aos
filhos foram: primeiro, temos de ser cruéis e insensíveis com os outros; e, segundo,
temos de trabalhar muito.
No entanto eu me lembro também de um lado gentil. Ele sempre tentou proteger a
esposa e os filhos das ameaças externas. De modo geral, tínhamos um relacionamento
muito bom.
Esperávamos que ele recuperasse a saúde, mas ele foi piorando. Minha mãe
enfrentava grande pressão diante da terrível possibilidade de criar cinco filhos sozinha.
Ela não sabia o que aconteceria conosco se meu pai morresse. A situação era tão
desesperadora que ela chegou a pensar em suicídio.
Certa noite, estava deitada em sua cama, meio dormindo, meio acordada. De
repente, ouviu uma voz muito clara, carinhosa e compassiva lhe dizer: "Jesus ama
você". Ajoelhou-se no chão e, em lágrimas, arrependeu-se dos pecados e dedicou outra
vez sua vida ao Senhor Jesus Cristo. Como o filho pródigo, ela voltou para a casa de
Deus.
Chamou imediatamente a família para orar a Jesus.
"Jesus é a única esperança para o papai", falou.
Contou o que tinha acontecido, e todos entregamos a vida a Deus. Depois,
colocamos as mãos sobre nosso pai e passamos o resto da noite gritando uma oração
bem simples:
"Jesus, cura o papai! Jesus, cura o papai!"
Logo na manhã seguinte, meu pai percebeu que estava bem melhor! Pela primeira
vez, em meses, sentiu vontade de comer. Em uma semana, estava totalmente
recuperado, sem nenhum vestígio do câncer! Foi um verdadeiro milagre.
Com esse episódio, nossa família experimentou um avivamento, e nossa vida
mudou de forma drástica. Foi um tempo de tanto poder que, até hoje, quase 30 anos
depois que Jesus curou meu pai, todos os cinco filhos continuam seguindo a Deus.
Meus pais ficaram tão gratos pelo que o Senhor havia feito que imediatamente
quiseram compartilhar as boas-novas com todos da vila. Naquela época, era proibido
realizar reuniões em público, mas eles tiveram uma idéia para resolver esse problema.
Mandaram que fôssemos convidar parentes e amigos para irem à nossa casa.
As pessoas chegaram sem saber por que haviam sido chamadas. Muitos
deduziram que meu pai tinha morrido, de modo que foram vestidas para o enterro!
Todos se espantaram ao vê-lo na porta, recebendo os visitantes, parecendo gozar de
saúde perfeita. Quando todos chegaram, meus pais os convidaram a entrar. Trancaram a
porta e cobriram as janelas. Então explicaram como ocorrera a cura por meio da oração
a Jesus. Todos os presentes se ajoelharam no chão e, com alegria, aceitaram a Jesus
como Salvador e Senhor.
Foi um tempo empolgante. Eu não apenas recebi Jesus como meu Salvador
pessoal, mas também passei a desejar servi-lo de todo o meu coração.
Minha mãe não sabia ler nem escrever, e mesmo assim foi a primeira pregadora
da nossa comunidade. Liderava uma pequena igreja em nossa casa. Não lembrava
muitos versículos, mas sempre insistia conosco para fixarmos a atenção em Jesus.
Clamávamos a ele, que nos ajudava em sua grande misericórdia. Lembro-me daqueles
dias e fico espantado ao perceber como Deus usou minha mãe a despeito de ela não
saber ler. O coração dela estava totalmente entregue a Jesus. Alguns dos maiores líderes
das igrejas domésticas da China hoje tiveram seu primeiro encontro com Deus através
do ministério da minha mãe.
A princípio, eu não sabia exatamente quem era Jesus, mas tinha visto que ele
curara meu pai e libertara minha família. Em confiança, entreguei-me ao Deus que
curara meu pai e nos salvara. Perguntava frequentemente à minha mãe quem era Jesus.
Ela me dizia:
"É o Filho de Deus, que morreu por nós na cruz, levando todos os nossos pecados
e doenças. Tudo que ele ensinou está escrito na Bíblia."
Perguntei se havia sobrado alguma dessas palavras de Jesus para eu ler. Ela
respondeu:
"Não. Acabaram todas. Não sobrou nada dos ensinamentos dele."
Isso aconteceu durante a Revolução Cultural, quando não havia Bíblias na China.
Desde o dia dessa conversa, passei a desejar intensamente possuir uma Bíblia.
Perguntei à minha mãe e a alguns cristãos como era uma Bíblia, mas ninguém sabia.
Uma pessoa havia visto porções dela copiadas à mão e folhas com hinos, mas ninguém
vira uma inteira. Apenas os mais velhos se lembravam de terem visto, muitos anos
antes, exemplares dela. A Palavra de Deus era algo raro naquela terra.
Eu sentia fome da Bíblia. Vendo meu desespero, minha mãe se lembrou de um
homem já idoso que vivia em outra vila. Antes da Revolução Cultural, ele fora pastor.
Percorremos juntos o longo caminho que levava à casa dele. Assim que o
encontramos, falamos o que desejávamos:
- Nós queremos ver uma Bíblia. O senhor tem uma?
Imediatamente ele se mostrou amedrontado. Havia passado quase 20 anos preso
por causa da fé. Reparou em mim e viu que eu era muito jovem, pobre, de roupas
esfarrapadas e pés descalços. Sentiu pena, mas nem assim atendeu o meu pedido.
Eu não o culpo por sua atitude. Naquela época, havia pouquíssimas Bíblias na
China. Ninguém tinha permissão para ler outro livro além do pequeno livro vermelho de
Mao. Se alguém o pegasse com uma Bíblia, ela seria queimada e ele e sua família,
espancados com crueldade no meio da vila.
Aquele senhor idoso me disse apenas isto:
"A Bíblia é um livro celestial. Se você quiser uma, vai ter de orar ao Deus do céu.
Só ele pode lhe dar uma. Deus é fiel. Sempre responde aos que o buscam de todo o
coração."
Acreditei totalmente nas palavras do pastor.
Enquanto voltávamos para casa, peguei uma pedra e a levei para o meu quarto.
Toda noite me ajoelhava nela para orar. Era uma prece simples:
"Senhor, por favor, me dá uma Bíblia. Amém."
Eu ainda não sabia orar, mas continuei, por mais de um mês.
Não aconteceu nada. Não apareceu nenhuma Bíblia.
Voltei à casa do pastor; dessa vez, sozinho. Falei para ele:
- Orei a Deus, como o senhor disse, mas ainda não recebi a Bíblia que tanto quero.
Por favor, por favor, mostre a sua para mim. Vou dar só uma olhadinha e pronto! Nem
preciso tocar nela. O senhor segura, e eu vou ficar feliz só de olhar. Se o senhor deixar,
eu copio algumas palavras e volto feliz para a minha casa.
Ele, percebendo a ansiedade do meu coração, me aconselhou de novo:
- Se você está falando sério, então, além de se ajoelhar e orar ao Senhor, precisa
incluir nisso o jejum e o pranto. Quanto mais você chorar, mais rápido vai conseguir sua
Bíblia.
Desde esse dia, me recusava a comer de manhã e de tarde. A noite, aceitava
apenas uma pequena tigela de arroz cozido. Chorava como uma criança faminta, que
clama ao Pai celestial para ser saciada pela Palavra. Nos cem dias que se seguiram, orei
por uma Bíblia até não aguentar mais. Para os meus pais, eu estava enlouquecendo.
Olhando para o passado, eu diria que foi a experiência mais difícil que enfrentei.
Então, um dia, algo aconteceu. Às quatro horas da madrugada, depois de meses
implorando a Deus em oração, recebi uma visão do Senhor enquanto estava ajoelhado
ao lado da minha cama.
Na visão eu subia uma colina íngreme, tentando empurrar um carrinho pesado. Ia
para uma vila, onde pretendia pedir alimento para minha família. Minha luta era intensa,
pois me encontrava faminto e fraco devido ao jejum constante. O carrinho velho estava
a ponto de rolar por cima de mim.
Nesse momento vi três homens descendo a colina na minha direção. Um deles era
velho, de ar bondoso, com uma longa barba. Ele empurrava um carrinho cheio de pães
frescos. Os outros dois caminhavam, um de cada lado do carro. Ao me ver, o idoso
sentiu muita pena e demonstrou compaixão.
- Você está com fome? perguntou ele.
- Sim. Não tenho nada para comer. Estou indo arrumar comida para minha
família, respondi.
E eu chorei, pois minha família era extremamente pobre. Por causa da doença do
meu pai, havíamos vendido tudo de valor para comprar remédios. Tínhamos pouca coisa
para comer e, durante vários anos, fomos obrigados a pedir ajuda aos amigos e vizinhos.
Quando aquele homem me perguntou se eu estava com fome, só consegui chorar. E ele
demonstrou amor e compaixão como eu nunca havia visto.
Ele pegou no carrinho um pacote vermelho contendo pão, e pediu que os outros
dois, que eram seus servos, o entregassem para mim. Em seguida falou:
"Coma imediatamente."
Abri o embrulho e vi que o pão era fresco. Quando coloquei o pão doce na boca,
imediatamente ele se transformou em uma Bíblia! Na visão, ajoelhei-me no mesmo
instante, segurando minha Bíblia, e gritei ao Senhor para lhe agradecer:
"Senhor, teu nome é digno de louvor! Não desprezaste minha oração. Permitiste
que eu recebesse esta Bíblia. Quero te servir pelo resto da minha vida."
Logo acordei e passei a procurar a Bíblia pela casa. O resto da família ainda
dormia. A visão havia sido tão real que, ao descobrir que fora apenas um sonho, fui
tomado de uma angústia profunda e não controlei o choro. Meus pais vieram correndo
do quarto para ver o que havia acontecido. Achavam que eu tinha enlouquecido depois
de tanto jejum e oração. Contei a visão, mas, quanto mais eu falava, mais eles pensavam
que eu estava doido! Minha mãe falou:
"O dia ainda não raiou, e ninguém veio aqui em casa. A porta está trancada."
Meu pai me segurou com força. E, com lágrimas nos olhos, clamou a Deus:
"Querido Senhor, tem misericórdia do meu filho. Por favor, não permitas que ele
enlouqueça. Prefiro ficar doente de novo se isso evitar que ele fique doido. Por favor, dá
uma Bíblia ao meu filho!"
Nós três nos ajoelhamos e choramos juntos, de braços dados.
De repente, ouvi uma batida fraca na porta. Uma voz muito gentil chamou meu
nome. Corri até lá e, com a porta ainda trancada, perguntei:
- Você está trazendo pão para mim? A voz replicou:
- Sim, temos um banquete para você. Reconheci imediatamente a voz que ouvira
na visão. Abri logo a porta e lá estavam, bem na minha frente, os
dois servos que eu vira. Um deles carregava um pacote vermelho. Meu coração
disparou. Abri o embrulho e segurei a minha própria Bíblia!
Os dois partiram apressadamente, antes mesmo de o sol nascer.
Apertei a Bíblia contra o peito e caí de joelhos do lado de fora da casa. Não
parava de agradecer a Deus! Prometi a Jesus que, daquele momento em diante,
devoraria sua Palavra como uma criança faminta.
Depois fiquei sabendo o nome dos dois homens. Um era o Irmão Wang e o outro,
o Irmão Sung. Eles tinham vindo de uma vila distante. Falaram-me sobre um
evangelista que eu não conhecia e que havia sofrido terrivelmente pelo Senhor durante a
Revolução Cultural, quase morrendo por causa das torturas.
Cerca de três meses antes do dia em que recebi minha Bíblia, o evangelista tivera
uma visão do Senhor. Ele viu um jovem, a quem deveria dar a Bíblia que havia escondi-
do. Viu também nossa casa e a localização dela na vila.
Como muitos cristãos daquela época, ele colocara a Bíblia em uma lata e a
enterrara em um buraco bem fundo. Tinha a esperança de que chegasse o dia em que
poderia desenterrá-la e voltar a lê-la. A despeito da visão, só alguns meses depois
decidiu obedecer a Deus. Pediu a dois cristãos para me entregarem a Bíblia. Então eles
caminharam a noite inteira até chegarem à minha casa.
Daquele momento em diante, passei a orar a Jesus com mais fé. Confiava de todo
o coração que as palavras da Bíblia eram palavras que Deus dirigia a mim. Não me
separava da minha Bíblia. Até quando dormia, eu a segurava sobre o peito. Passei de
fato a devorar seus ensinamentos como uma criança faminta.
Foi o primeiro presente que recebi de Deus em resposta a uma oração.
*****
DELING: Na mesma época em que Deus preparava meu marido para uma vida
de serviço ao evangelho, também me chamou e começou a me preparar para ser
companheira de Yun. Nasci em 1962, em Nanyang, Província de Henan, numa vila
chamada Yenzhang, a alguns quilômetros da vila de Yun.
Minha família era extremamente pobre. Somos sete filhos, e mal tínhamos o que
vestir e comer.
Quando penso em minha infância, lembro-me de momentos de felicidade
misturados a outros de luta pela sobrevivência. Nossa plantação ficava a l,5km da
nossa casa. Todos os dias fazíamos esse trajeto a pé, carregando ferramentas e
implementos agrícolas muito pesados. E era diariamente também que levávamos os
animais para lá e os trazíamos de volta.
Era obrigação das crianças carregar o algodão colhido até em casa, em duas
cestas pesadas que ficavam suspensas nas pontas de uma vara. íamos pelo caminho
escorregando e deslizando na lama. Algumas vezes, levávamos mais de uma hora
para conseguir chegar em casa com a carga. Era um serviço pesado, bastante árduo.
A luta contra a hemofilia dominava minha vida. Quando eu me cortava, o sangue
levava um longo período para estancar. Para mim, era como se eu precisasse ficar o
tempo todo enrolando os pés e as mãos em trapos para deter alguma hemorragia.
Minha mãe não suportou a pressão intensa que enfrentava. Ela adoeceu
mentalmente. Passava bem o dia, mas, à noite, nós a ouvíamos conversar sozinha,
além de rir e chorar. Algumas vezes, falava com as paredes, como se elas fossem
gente.
Certo dia, ela se converteu ao evangelho. A partir daí a paz de Deus foi aos
poucos tomando conta dela e devolvendo-lhe a sanidade. Isso representou um
testemunho poderoso para a nossa família e para os vizinhos.
Eu me aproximei de Jesus por causa da minha doença. Uma vizinha nossa, uma
senhora cristã, me apresentou uma promessa simples:
"Se você crer em Jesus, ele vai curar você."
Aos 18 anos, entreguei minha vida a Jesus Cristo.
Já em minha primeira noite como convertida fui levada a uma reunião da igreja
doméstica. O Departamento de Segurança Pública apareceu e tivemos de fugir a pé,
na escuridão. Foi essa minha iniciação nas "implicações" de seguir o Senhor!
Poucos dias depois do meu batismo, recebi uma visão clara do Senhor enquanto
dormia. Alguém me conduziu a um lago de águas cristalinas. Em seguida mandou que
eu lavasse as mãos e os pés cobertos de feridas por causa da minha doença.
Mergulhei as mãos e os pés cheios de cicatrizes na água e vi minha pele
completamente curada e renovada. Ao acordar, na manhã seguinte, minha pele estava
como a de um recém-nascido! O que ocorrera na visão havia acontecido de verdade
enquanto eu dormia!
Desde então, nunca mais sofri com a hemofilia.
Por causa desse grande milagre, o Senhor foi sempre muito real para mim.
Mesmo quando nossa vida ficava muito difícil e enfrentávamos perseguições todos os
dias, eu me comprometi a seguir Jesus, a despeito do preço que tivesse de pagar.
Outras duas jovens se converteram na mesma época que eu. Participávamos
juntas das reuniões, que aconteciam em várias partes do distrito. Frequentemente
andávamos mais de uma hora para chegar ao local. Depois das reuniões, era comum
eu voltar para casa sozinha. E isso representava um grande perigo, pois à noite, além
de estar escuro, havia malfeitores e cães loucos soltos na rua.
Deus realizou um grande milagre para me proteger e me ajudar naqueles
primeiros dias. Muitas noites, voltando para casa, eu via uma luz a uns dez metros na
minha frente, no meu caminho, como se alguém estivesse carregando uma lanterna e
me mostrando por onde eu deveria passar. Era comum eu me perder na escuridão
cerrada, mas aí via a luz, como uma pequena estrela, me mostrando como voltar ao
caminho certo. Ela não era constante, mas aparecia sempre que eu estava indo na
direção errada.
Por causa de muitas experiências semelhantes a essa, minha fé cresceu
rapidamente.
3. "Vá para o Oeste e para o Sul"
Eu lia a Palavra de Deus todos os dias, desde a manhã até tarde da noite. Quando
era necessário ir trabalhar na plantação, embrulhava a Bíblia, colocava-a por dentro da
roupa e aproveitava todas as oportunidades para assentar e ler. Na hora de dormir,
levava-a para minha cama e a colocava sobre o peito.
A princípio, foi difícil ler, porque eu só havia frequentado a escola por três anos.
Além disso, meu exemplar era em chinês tradicional, e eu tinha aprendido a escrita
simplificada. Encontrei um dicionário e, com muito esforço, fui procurando um
caractere de cada vez e assim avancei na leitura.
Depois que consegui ler a Bíblia inteira, passei a decorar um capítulo por dia.
Depois de 28 dias, eu já sabia de cor todo o Evangelho de Mateus. Li rapidamente os
outros três Evangelhos antes de passar para o livro de Atos e começar a decorá-lo.
Certa manhã, por volta das 9:00h, estava lendo o primeiro capítulo de Atos e
comecei a meditar no versículo 8: "Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito
Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e
Samaria e até aos confins da terra".
Eu não sabia muito bem quem era o Espírito Santo. Corri para perguntar à minha
mãe, mas ela também não sabia. Disse simplesmente:
"Já falei para você tudo que lembro. Por que você não pede a Deus o Espírito
Santo do jeito que você orou pela Bíblia?"
Minha mãe não sabia ler, de modo que seu conhecimento da Bíblia não era muito
profundo. Conseguia apenas recitar uns poucos versículos que ouvira de outros crentes.
Foi um momento decisivo em minha vida. Eu desejava a presença e o poder de
Deus, e agora estava entendendo a importância de conhecer a Palavra escrita.
Orei ao Senhor:
"Preciso do poder do Espírito Santo. Estou disposto a ser sua testemunha."
Após a oração, o Espírito me encheu de alegria. Uma revelação profunda do amor
e da presença dele inundou meu ser. Antes eu não gostava de cantar, mas depois disso
muitas canções de adoração começaram a brotar dos meus lábios. Eram palavras que eu
nem conhecia. Mais tarde eu as escrevi. E até hoje as igrejas domésticas da China can-
tam esses hinos.
Passei a esperar a direção do Senhor, e uma coisa maravilhosa aconteceu. Certa
noite, por volta das 10:00h - antes de meus pais irem se deitar - acabei meu período de
oração e decorei o capítulo 12 de Atos. Quando já estava deitado em minha cama, senti
alguém cutucar meu ombro e ouvi uma voz:
- Yun, vou mandar você para o Oeste e para o Sul, a fim de que seja minha
testemunha.
Pensei que fosse minha mãe. Pulei da cama, fui até o quarto dos meus pais e
perguntei:
- A senhora me chamou? Quem cutucou meu ombro?
- Nenhum de nós dois chamou você. Vá dormir, respondeu minha mãe.
Orei de novo e me deitei.
Meia hora depois, ouvi uma voz clara que insistia comigo:
- Yun, você irá para o Oeste e para o Sul a fim de proclamar o evangelho. Será
minha testemunha e falará em meu nome.
Levantei-me imediatamente e contei à minha mãe o que havia acontecido. Ela
mandou que eu voltasse para a cama e que ficasse calmo. Estava com medo, de novo, de
que eu enlouquecesse!
Ajoelhei-me e orei ao Senhor:
- Jesus, se estás falando comigo, estou pronto para ouvir. Se estiveres me
chamando para pregar as boas-novas, vou obedecer, de boa vontade, ao teu chamado
para minha vida.
Na madrugada seguinte, por volta das 4:00h, recebi um sonho do Senhor. Vi o
mesmo homem idoso cheio de amor que me dera o pão na visão anterior. Ele veio
andando em minha direção com os olhos fixos nos meus e disse:
"Você deve ir rumo ao Oeste e ao Sul para proclamar o evangelho e ser
testemunha do Senhor."
Vi ainda uma enorme reunião, com milhares de pessoas. O senhor idoso irradiava
grande autoridade diante da multidão. Disse-me ele:
"Você será minha testemunha para eles."
Eu não sabia o que fazer. Uma mulher endemoninhada que estava na reunião veio
em minha direção. O homem falou:
"Coloque suas mãos sobre ela e expulse os demônios em nome de Jesus."
E fiz isso no sonho. A mulher se contorcia, como se estivesse nos espasmos da
morte. Depois, foi totalmente liberta das forças demoníacas que a controlavam. Todos
ficaram espantados, porque ninguém nunca havia visto uma coisa como aquela.
De repente, ainda no sonho, um jovem saiu da multidão e perguntou:
- Você é o Irmão Yun? Nossos irmãos estão orando e jejuando por você há três
dias. Esperamos que você venha pregar o evangelho para nós. Precisamos
desesperadamente que você venha à nossa vila.
O jovem me contou seu nome, idade e a vila em que morava. Senti-me tocado e
disse a ele:
- Irei lá amanhã.
Assim que o dia raiou, chamei meus pais e contei-lhes que iria pregar o
evangelho, pois Jesus Cristo havia me mandado fazer isso. Minha mãe perguntou aonde
eu ia. Respondi:
"Na noite passada o Senhor falou comigo três vezes. Ele me disse: 'Vá para o
Oeste e para o Sul pregar o evangelho'. E eu vou ser obediente ao chamado celestial."
Eu sabia que o sonho tinha vindo de Deus, então estava confiante de que tudo
aconteceria como havia sido mostrado. Disse à minha mãe:
"Hoje, depois que eu sair, vai chegar aqui um rapaz vindo do Sul. Ele tem 24 anos
e estará usando camisa branca e calça cinza com remendos nos joelhos. Os cristãos da
vila em que ele mora estão orando e jejuando há três dias. Eles precisam que eu vá lá
testemunhar do Senhor. Eu o vi esta noite no sonho. Prometi que irei com ele para o
Oeste e para o Sul."
Minha mãe não entendeu nada do que falei, então expliquei com clareza:
"Um rapaz chamado Yu Jing Chai virá aqui em casa hoje. Por favor, fique aqui
para recebê-lo. Não o deixe ir embora antes que eu volte."
Naquela manhã, parti da minha vila, andando no sentido Oeste. Cruzei uma ponte,
e encontrei-me com um cristão idoso chamado Yang. Ele me perguntou aonde eu ia e
respondi:
"Hoje de manhã, Deus falou comigo três vezes. Ele quer que eu pregue o
evangelho no Oeste e no Sul."
O coração do Irmão Yang foi profundamente tocado. Ele disse:
- Eu estava indo exatamente ver você. Recebi a incumbência de levá-lo rumo ao
Oeste, até a Vila Gao, para você compartilhar o evangelho. Os irmãos e irmãs de lá
ouviram contar como você orou e recebeu um livro do céu. Queremos que você
compartilhe conosco o que está escrito nele. Estamos em jejum e oração por você há
três dias. Eles me mandaram vir aqui para levar você até lá.
Era tempo da colheita, de modo que o pessoal estava trabalhando nas plantações
quando chegamos. Mas, ao nos aproximarmos, o Irmão Yang disse a eles:
"Vejam, este é o homem por quem vocês estão orando."
Imediatamente eles largaram as ferramentas e correram para perto de nós.
Entramos todos numa casa. Assentei-me no chão e os demais se apertaram à
minha volta. Eu estava nervoso, porque nunca tinha falado para um grupo. Trinta ou
quarenta rostos me fitavam, me esquadrinhando com os olhos, ansiosos para ouvir a
Palavra de Deus. Estavam mesmo famintos da verdade. Já havia alguns convertidos na
Vila Gao, mas a maioria ainda não era crente.
Fiquei assentado, com os olhos bem fechados e segurei a Bíblia acima da cabeça.
Então declarei:
"Esta é a Bíblia. O anjo do Senhor a mandou para mim em resposta às minhas
orações. Se vocês quiserem uma Bíblia, terão de orar e buscar a Deus como eu fiz."
Todos olharam para mim de boca aberta, atônitos. A forma que Deus usou para me
dar a Bíblia causou grande espanto. Eles queriam que eu os ensinasse. Naquela época,
eu não conhecia o significado de "pregar". Só sabia recitar os versículos que havia
decorado. Por isso recitei todo o Evangelho de Mateus em voz alta, do capítulo 1 ao 28.
Não sabia se os ouvintes estavam entendendo. Para não me perder nem esquecer
de nada, repeti tudo bem depressa, deixando as palavras fluírem como um rio.
Quando terminei, estava cheio do Espírito Santo. Nesse momento cantei alguns
cânticos das Escrituras, músicas que eu nem conhecia.
Ao abrir os olhos, descobri que a Palavra de Deus havia cativado todos os
presentes. O Espírito Santo estava convencendo-os dos pecados. Todos se ajoelharam e
se arrependeram, com lágrimas correndo pelo rosto. Naquela noite, embora eu tivesse
apenas 16 anos, aprendi que a Palavra de Deus é poderosa. Quando a compartilhamos
com o coração ardente, muitos são alcançados. Logo na primeira reunião, graças ao
poder de Deus, dezenas de pessoas entregaram o coração a Jesus.
Eles insistiram comigo para ficar e continuar a ler a Bíblia. Mas eu disse a eles:
"Deus me mandou ir testemunhar no Sul também."
A explicação não lhes agradou. E eles não queriam me deixar partir! Por isso,
fiquei e recitei para eles os doze primeiros capítulos de Atos. Prometi que depois que
decorasse mais eu voltaria e repetiria tudo para eles.
Enquanto me preparava para partir de Gao, uma jovem se aproximou e me
perguntou:
- Você disse que vai para o Sul. Para onde, exatamen-te?
- Lá no Sul mora um homem chamado Yu Jing Chai. Eu prometi a ele hoje de
manhã que o acompanharia até sua vila.
A mulher ficou surpresa e me perguntou se eu o conhecia.
- Sim, eu o conheço, repliquei.
- De onde? indagou ela.
- Eu o conheci em um sonho que o Senhor me deu hoje de manhã, expliquei.
Ela começou a chorar bem na minha frente e falou:
- Yu Jing Chai é meu irmão!
Ela fora a primeira da sua família a se converter. Levara a mãe e o irmão a
conhecerem o Senhor. Embora morassem em lugares diferentes, os três haviam jejuado
e orado por mim durante três dias. O Senhor organizara tudo isso, e de um jeito que só
ele é capaz de fazer. O Espírito Santo estava agindo de forma maravilhosa.
Os habitantes de Gao se despediram de mim com amor, com os olhos cheios de
lágrimas.
E algo extraordinário aconteceu quando tomei o caminho para casa. Gao fica a
uns 6km da minha vila. A maior parte do caminho é em trilhas estreitas, então o
percurso pode levar até duas horas. Eu sabia que Yu Jing Chai provavelmente estava me
aguardando na minha casa, portanto achei melhor correr para ele não esperar muito.
Fui repetindo versículos da Bíblia em voz alta enquanto corria e não prestei
atenção ao caminho. Não senti nem notei nada diferente. Mas o fato é que entrei na
minha vila sem que o tempo tivesse passado! O caminho que levaria mais de uma hora
gastou apenas alguns minutos.
Embora seja difícil explicar, essa experiência é inesquecível. Creio que Deus
repetiu o milagre que realizara com Filipe, em Atos 8.39,40: "... O Espírito do Senhor
arrebatou a Filipe... Filipe veio a achar-se em Azoto; e, passando além, evangelizava
todas as cidades até chegar a Cesaréia".
Cheguei em casa e encontrei minha mãe exultante. Nem me chamou pelo meu
verdadeiro nome, mas de Samuel. Ela chorava:
- Samuel, Samuel, o jovem de quem você falou hoje de manhã, Yu Jing Chai, veio
aqui. A roupa dele era exatamente como você descreveu.
Perguntei onde ele estava, mas ela me disse que ele tinha ido embora. Exclamei:
- Ah, mãe, eu pedi para a senhora não deixar que ele partisse! Eu prometi a ele, no
sonho, que iria pregar o evangelho na vila dele.
Minha mãe me acalmou, dizendo:
- Não se preocupe! Seja paciente e espere eu terminar de falar. Quando esse
querido rapaz chegou hoje à tarde, vi que era o jovem de quem você tinha falado de
manhã. O nome dele é Yu Jing Chai mesmo. Perguntei se ele se chamava Irmão Yu. Ele
ficou muito surpreso e perguntou como eu sabia o nome dele. Então perguntei: "Você é
Yu Jing Chai?" Ele ficou temeroso, e quis saber como eu sabia o nome dele todo.
Perguntei-lhe: "Você veio pedir a meu filho que vá com você para o Sul para
compartilhar o evangelho?"
Bom, resumindo, o Irmão Yu ficou atônito e indagou a ela:
- Como a senhora sabe?
Minha mãe explicou:
- Os irmãos estão orando e jejuando há três dias pedindo que meu filho vá pregar
o evangelho para vocês. Ele já prometeu que irá, mas foi ao Oeste de manhã. Estará de
volta no fim da tarde. Você não quer se assentar e tomar um copo de água?
Ao ouvir isso, Yu ficou tão feliz que deu meia-volta e correu para casa. Saiu com
tanta pressa que até esqueceu o chapéu de palha! Disse que voltaria no fim da tarde para
me levar.
No instante em que o sol estava se pondo, Yu Jing Chai entrou em nosso jardim.
Achava-se todo suado por causa da longa corrida. Era exatamente como eu o vira no
sonho da noite anterior. Peguei a mão dele e falei:
"Você é o Irmão Yu, e, com outras pessoas, está orando há três dias para que eu vá
até vocês. Eu o encontrei hoje de manhã, no meu sonho. Saiba que Jesus ama você. Eu
vou acompanhá-lo até sua casa."
Nós nos abraçamos e choramos juntos. Minha mãe parou de questionar minha
sanidade. Depois, estendeu as mãos sobre nós e nos abençoou enquanto partíamos, na
escuridão, rumo à vila ao Sul. Lá, voltei a recitar todos os versículos que havia
decorado.
O fogo do evangelho passou a arder em nossa região naquele dia. Não apenas no
Oeste, mas também no Sul. Muita perseguição e grande sofrimento pela fé nos aguar-
davam no futuro, mas, naqueles primeiros dias, tudo era doce e maravilhoso.
Deus derramou seu Espírito sobre muitas almas desesperadas. Como sedentos no
deserto, bebiam com alegria a água da Palavra de Deus. Embora eu fosse apenas um
adolescente, o Senhor me capacitou a levar mais de duas mil pessoas a Jesus em meu
primeiro ano de convertido.
Naquela época, meu entendimento de "Oeste e Sul" se limitava à região em volta
da nossa vila. Aos poucos, pela graça de Deus, o território foi se expandido à medida
que os anos passavam, e chegou a incluir toda a China e até outros países.
*****
Na primeira vez em que compartilhei o evangelho na Vila de Gao, o Senhor me
deu cânticos baseados nas Escrituras para entoar na reunião. As pessoas anotaram as le-
tras para lembrarem depois.
Uma das músicas era o trecho do Evangelho de Mateus em que Jesus nos instrui a
voltarmos a face esquerda a quem nos bater na direita. Outra ensinava a nos
regozijarmos quando formos perseguidos por causa do evangelho. Havia ainda outra
que dizia que jamais devemos ser como Judas, que negou seu Mestre.
O fato de tanta gente se converter ao mesmo tempo chamou a atenção das
autoridades. Todos os crentes em Gao foram presos e levados para o posto policial. Os
policiais faziam perguntas e exigiam respostas:
- Quem trouxe o nome de Jesus para vocês? Como foi que todos vocês
começaram a acreditar nessas superstições?
Os crentes estavam cheios de uma alegria arrebatadora. E só diziam:
- Não seremos como Judas! Jamais trairemos o Senhor Jesus!
Os policiais começaram a bater neles, e eles ficaram ainda mais alegres. Falavam:
- Por favor, senhor, bata também na outra face! Os cristãos riam e se regozijavam.
Por fim, os policiais cansaram de bater neles e concluíram:
- Vocês, cristãos, são todos loucos!
Fizeram algumas advertências, e mandaram todos para casa.
4. Deus abençoa toda a minha família
Sou grato a Deus porque ele salvou toda a minha família. Meu pai partiu para o
céu alguns anos depois de ser milagrosamente curado do câncer.
Sofri e me alegrei ao mesmo tempo. Sofri por tê-lo perdido tão cedo, mas fiquei
feliz porque o Senhor o salvou. Deus usou a enfermidade do meu pai para levar toda
nossa família ao pé da cruz.
Minha mãe era exatamente como a profetisa Ana. Ela "adorava noite e dia em
jejuns e orações" (Lc 2.37).
Agradeço a Deus, porque ele me deu não apenas pais maravilhosos, mas também
uma esposa virtuosa. A Bíblia diz: "Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor muito
excede o de finas jóias. O coração do seu marido confia nela, e não haverá falta de
ganho. Ela lhe faz bem e não mal, todos os dias da sua vida" (Pv 31.10-12).
Deus, em sua graça, preparou uma esposa assim e a deu para mim!
Deling decidiu se casar comigo por causa do seu amor e obediência a Deus.
Nossas mães combinaram o casamento. A mãe dela é uma mulher sincera e honrada, e
ama o Senhor.
Em nosso primeiro encontro, eu disse a Deling:
- Deus me escolheu para ser testemunha dele e segui-lo através de dificuldades
imensas, no caminho da cruz. Não tenho dinheiro, e as autoridades estão sempre me
perseguindo. Você quer mesmo se casar comigo?
- Não se preocupe. Nunca abandonarei você. Vamos nos unir e serviremos juntos
ao Senhor, respondeu ela.
Fomos ao cartório de registro civil. Respondemos a algumas perguntas e
preenchemos os formulários com nossos nomes. Ao terminarmos, o funcionário pediu a
Deling para sair e me esperar do lado de fora. Depois mandou que eu fosse para outra
sala. Ele havia notado que meu nome constava da relação de "Procurados" do
Departamento de Segurança Pública. Logo, vários policiais chegaram e me levaram
preso.
Foi assim que começou nossa vida conjugal. E, apesar de tudo, Deling nunca me
abandonou nem lamentou a existência para a qual Deus a chamou. Decidiu percorrer o
caminho da cruz.
Desde que nos casamos, Deling tem enfrentado pressões tremendas de sua
família, da comunidade, das autoridades, enfim, de toda parte. E, mesmo assim,
permaneceu totalmente fiel. Decidiu ficar comigo e chegou a sofrer na prisão por causa
do Senhor.
Eu não poderia ter melhor esposa e parceira!
Poucos dias depois do nosso casamento, pegamos um ônibus para ir a uma
reunião importante de líderes. Do lado de fora da rodoviária, o líder do Departamento
de Assuntos Religiosos me reconheceu. Agarrou-me pelo colarinho e falou:
- Fique quieto! Você não vai a lugar nenhum. Vai comigo para o escritório do
Departamento de Segurança Pública (DSP).
Pegou também a maleta de Deling. De repente, o Espírito do Senhor me mandou
correr. Gritei para Deling:
- Corra!
Com um salto, livrei-me do policial antes que ele se desse conta do que estava
acontecendo. Ele largou a maleta e correu atrás de mim. Corria e gritava:
- Espião! Peguem o espião!
O tumulto se instalou na rodoviária. Pulei por cima de um muro e escapei da
multidão. Foi um milagre. Depois, me contaram que o muro era alto demais e que uma
pessoa nunca conseguiria pular por cima dele.
Durante a confusão, Deling também conseguiu escapar.
O DSP recuperou a maleta da minha esposa e encontrou o endereço da reunião.
Policiais foram até lá e prenderam vários líderes que já haviam chegado.
*****
DELING: Gostaria de contar como conheci Yun. Depois da minha conversão, fui
a uma vila próxima da minha, onde, uma vez por ano, era realizado um grande culto
com batismos. Eu também, nova convertida, seria batizada.
Era novembro, e já fazia bastante frio. Por motivos de segurança, o batismo
começou por volta da meia-noite. Achávamos que os funcionários do DSP jamais
deixariam a cama quentinha no meio da noite fria para nos prender, mas estávamos
enganados. Por volta de 1:00h da madrugada eles chegaram e levaram mais de cem
cristãos.
O Irmão Yun era um dos que estavam batizando os convertidos. O DSP mandou
fazermos duas filas para anotar os nomes e identificar cada um. Yun também se
encontrava na fila, mas escapou quando os funcionários estavam distraídos. Foi como
se Deus os tivesse cegado para que eles não enxergassem Yun.
Eu já o vira algumas vezes, nas reuniões de domingo à noite na casa dele. Mas
essa experiência no batismo me causou uma impressão muito forte. Achei que ele era
meio louco!
Nosso casamento foi arranjado por nossas mães, como é nosso costume.
Depois que minha mãe foi curada e salva, ela decidiu que iria encontrar um pregador
para casar comigo, e Yun era o único disponível em toda a região! Minha mãe visitou a
dele, e as duas acertaram tudo.
Essa decisão teve preço elevado para minha mãe. Quando ela contou à minha
família que eu ia me casar com um pregador, meu pai e meus irmãos ficaram furiosos.
Para eles, isso era pior do que me entregar a um mendigo. Sabiam que Yun não tinha
dinheiro e não poderia dar à minha família presentes nem dinheiro, como era o
costume. Tentaram de todas as formas impedir nossa união, mas minha mãe
permaneceu inflexível.
Dessa forma se arranjavam os casamentos em nossa região naquela época.
Embora ainda hoje muitos casamentos sejam combinados, cada vez mais jovens
escolhem, eles mesmos, com quem vão se casar.
Mesmo depois que ficamos noivos, minha família continuou a deixar claro que
não tinha nada a ver com Yun. Sendo assim, embora a vila em que ele morava ficasse
a apenas 1,5km da nossa, não voltamos a nos encontrar nem a conversar antes do
casamento. O pai de Yun morreu antes da nossa união, e não tive a oportunidade de
conhecê-lo.
Quando nos casamos, eu era muito nova, tinha apenas 18 anos. Minha mãe
disse que, apesar de Yun ser um pregador muito pobre, era para eu me casar com ele;
então não questionei. Não tinha a menor idéia do que fosse o casamento. Não havia
como saber o que o futuro reservava para mim. Era apenas uma garota observadora,
muito simples e inocente.
Antes da cerimônia, eu e Yun fomos ao cartório de registro civil para requerer a
licença. Depois que terminamos de preencher toda papelada, aguardei-o do lado de
fora durante muito tempo, mas ele não saiu. Vi que não adiantava ficar esperando e
voltei para casa.
Só mais tarde soube que os funcionários haviam notado, quando ele escrevera
seu nome nos formulários, que ele era procurado pelo DSP por ser pregador ilegal, e
ele havia sido preso na mesma hora! Eles já sabiam que ele estava pregando o
evangelho por toda a província.
Foi assim que a nossa vida em comum começou! Mesmo com a demora que a
prisão dele ocasionou, passou-se pouco mais de um ano entre o dia em que ficamos
noivos e a data do casamento.
Nós nos casamos em 28 de novembro de 1981, um lindo dia ensolarado. O
Presbítero Fu dirigiu a cerimónia na casa de Yun. Foram montadas mais de vinte
mesas que acomodavam de oito a dez convidados cada uma, então havia cerca de
200 pessoas. Seguindo nossa cultura, o casamento foi na casa do noivo, e meus pais
não tiveram permissão de ir. Meus irmãos e todos os parentes de Yun estavam
presentes.
Lembro-me de que houve uma pregação, depois o Presbítero Fu nos abençoou
e, de repente, estávamos casados!
Na lua-de-mel, viajamos junto com uma irmã para uma reunião. Estávamos
acabando de sair da cidade de Nanyang quando o líder do Departamento de Assuntos
Religiosos do nosso distrito reconheceu Yun e agarrou-o pelo colarinho.
Eu e a irmã corremos para o banheiro feminino e começamos a rasgar a Bíblia
de Yun e os livros cristãos. Sabíamos que seria um problema sério se eles
descobrissem que os livros haviam vindo de outros países.
O homem começou a gritar todos os crimes que Yun supostamente cometera e,
na confusão, meu marido conseguiu se safar e fugiu. Encontrei-me com ele mais
tarde, no mesmo dia.
Três ou quatro meses depois, estávamos em uma reunião a cerca de 30km da
nossa casa. Yun havia sido preso mas conseguira fugir. Então, daquele tempo em
diante, tornou-se foragido e não podia voltar para casa. Assim, ficava sempre indo de
um lugar a outro, pregando o evangelho por toda a China.
O Irmão Xu nos apresentou a Zhang Rongliang, que se uniu a Yun para a obra.
Xu e Zhang lideravam redes diferentes de igrejas domésticas, mas o irmão Xu disse
ao meu marido:
"Vá como representante do nosso movimento. Faça novas amizades e seja uma
bênção no grupo de Zhang."
A tensão de saber que meu marido estava constantemente fugindo da polícia
mais as dificuldades cotidianas foram demais para mim. Engravidei, mas sofri um
aborto meses depois. Perdemos um menino.
Era muito penoso ir à estação de trem ou de ônibus e ver nas paredes
fotografias do meu marido como "procurado", um fugitivo da lei.
Por certo há muita ação no cargo de esposa de Yun! Meus instintos femininos
muitas vezes ansiavam por uma existência mais tranquila e uma vida familiar
estruturada, mas a perseguição em geral tornou isso impossível.
5. O Caminho da Perseguição
De forma maravilhosa, Deus ia salvando a muitos e enviando-os como novos
conquistadores de almas. À medida que isso acontecia, a igreja em nossa região foi
crescendo em graça e em número. Contudo a oposição logo se levantou contra nós. A
conversão de tanta gente chamou a atenção das autoridades. Antes de nós, não havia
nem um cristão em nossa vila.
Passaram a perseguir minha mãe, pois acreditavam que ela era a líder de nossa
igreja. Colocaram na cabeça dela um grande chapéu com orelhas de burro e fizeram
com que ela desfilasse com ele pelas ruas. Obrigaram-na a participar de aulas de "re-
educação", para "ajudá-la e reformular suas opiniões incorreras".
Depois que assumi a posição de líder da nossa igreja, a pressão passou dela para
mim. Vinham sempre perguntar onde eu estava, mas ela se limitava a ignorá-los e a
fingir que não estava entendendo o que eles falavam! Depois de algum tempo eles a
deixaram em paz, achando que ela havia enlouquecido.
A primeira vez em que fui preso, eu tinha 17 anos. Nos anos seguintes, em várias
ocasiões, fui detido e interrogado pelo Departamento de Segurança Pública.
Em vez de nos enfraquecer, a perseguição nos fortaleceu. Quanto maior a pressão,
mais fogo e amor havia para espalhar o evangelho. Éramos como os filhos de Israel du-
rante a escravidão no Egito: "Mas, quanto mais os afligiam, tanto mais se multiplicavam
e tanto mais se espalhavam; de maneira que se inquietavam por causa dos filhos de Is-
rael" (Êx 1.12).
Meu pai morreu em 1977. Estava fraco e subnutrido havia muito tempo e, por fim,
aos 66 anos, foi para a presença de Deus. Entretanto o câncer que o Senhor havia curado
em 1974 nunca voltou!
O enterro dele foi um momento de grande emoção para mim. Embora soubesse
que ele era salvo e estava no céu, senti uma saudade imensa, pois ele apoiava meu
ministério e sentia orgulho de mim. Sempre me incentivou a servir ao Senhor de todo o
coração.
No inverno de 1978, começamos a batizar os convertidos. A única maneira segura
que encontramos para fazer isso foi cortar um buraco no rio congelado e batizá-los na
água gélida durante a noite, enquanto os policiais dormiam. Em muitas ocasiões
batizamos centenas de convertidos nos rios e correntes de água do sul de Henan. Às
vezes, Deus realizava um milagre, e ninguém sentia a água gelada. Alguns chegaram a
comentar que ela estava morna!
No fim da década de 70, multidões se convertiam todos os dias. A necessidade de
ensino e crescimento na fé era imensa. Embora eu tivesse pouco mais de 20 anos, era
considerado um líder maduro e era um dos cristãos mais antigos, pois havia me
encontrado com o Senhor em 1974!
O ano de 1980 foi fenomenal para a igreja em Henan. Lembramo-nos desse ano
como a época em que Deus realizou inúmeros milagres grandiosos, muitas curas e falou
de maneira sobrenatural através de muita gente. Vimos, nesse ano maravilhoso, a igreja
crescer tremendamente. Mais tarde, os convertidos de 1980 se tomaram líderes da igreja
de Deus por toda a China. A Província de Henan foi, para a China, uma espécie de
Galiléia - lugar de onde saíram muitos dos discípulos de Jesus.
Perto de Nanyang, centenas de pessoas, tanto cristãs quanto incrédulas, viram um
lindo barco flutuando em um mar de nuvens sobre o local da reunião. Muitos pecadores
se arrependeram e entregaram a vida a Cristo em consequência desse sinal e maravilha.
Na vila de Fen Shuiling ("Colina Divisora de Águas"), também em Nanyang, um
incrédulo estava à morte, devido a uma doença prolongada. A família nunca ouvira o
evangelho. Uma noite, Jesus apareceu a esse homem e disse:
"Meu nome é Jesus. Eu vim para salvar você."
Fen Shuiling fica em uma região montanhosa remota. Os pregadores ainda não a
tinham visitado. Não havia igreja nem pastor, então me surpreendi ao chegar lá e desco-
brir que o evangelho se espalhara por muitas vilas e que dezenas de famílias já haviam
colocado a fé em Cristo. O próprio Jesus pregara o evangelho a eles! Esses novos cren-
tes estavam famintos, desejando receber o ensino da Palavra.
Em dezembro de 1980, poucas semanas antes do Natal, o diabo usou uma nova
forma de tentação e engano. Em lugar de torturas e demonstrações de força, passou a
usar insinuações sutis e artimanhas furtivas. O governo convocou uma reunião de 120
representantes religiosos de todo o país. Foram convidados líderes muçulmanos,
budistas, taoístas e cristãos.
Ainda não sabíamos nada sobre a Igreja dos Três Poderes, que o governo estava
organizando. "Três Poderes" relacionava-se aos três princípios que orientavam o
movimento: autopropagação, auto-sustento e autogoverno. A maioria dos cristãos
considerava isso bom e se regozijava porque parecia estar raiando um novo dia em que
os crentes poderiam adorar em liberdade, sem interferência nem perseguição. Dirigi-me
à reunião completamente aberto à idéia de me unir à nova igreja e liderar o trabalho em
nossa região, caso fosse essa a vontade de Deus.
O Departamento de Assuntos Religiosos (DAR) e o DSP locais organizaram
juntos a reunião. Pretendiam escolher presidente e membros para o comitê de cada
religião. O chefe do DAR me convidou para a reunião porque eu tinha a reputação de
pregar o evangelho e também porque eu possuía uma Bíblia.
Mais de 90% dos delegados queriam que eu fosse presidente da Associação
Cristã, mas alguns me difamaram em público, afirmando que eu não era pastor, pois não
havia frequentado o seminário.
Um homem chamado Ho foi o principal acusador, porque queria o cargo. Alegou
que acreditava em Jesus desde o útero de sua mãe! Contudo era fato notório que ele
negara o Senhor durante a Revolução Cultural e que seguia uma teologia liberal
extremamente centrada no homem.
No decorrer da reunião, anunciou com orgulho que era muito mais qualificado do
que eu, pois frequentara o seminário e até cursara a escola missionária antes de 1949.
Assegurou que era a pessoa certa para assumir a responsabilidade pela igreja em nossa
região.
Ho afirmou que o governo deveria se opor a mim e aos meus colaboradores,
porque íamos por toda parte ilegalmente, pregando o evangelho, curando os enfermos e
expulsando demônios. Disse que tínhamos de parar com isso, porque perturbava a
ordem social e ameaçava a paz e a estabilidade.
Ele gritava comigo, irado. Fiquei calado o quanto aguentei, mas depois senti o
fogo de Deus arder em meu interior, como se deu com Jesus ao confrontar os cambistas
no templo.
Ho terminou sua fala. O líder do DSP se levantou e insistiu com ele para continuar
a acusar os "falsos cristãos, como Yun". Esfregando as mãos com alegria, disse:
- Por favor, conte tudo que o senhor sabe sobre como Yun e seus colaboradores
têm perturbado a ordem social. Confesse a sujeira de seu cristianismo. Conte como
esses falsos pastores estão tentando destruir nossa nação.
Ho sentiu-se honrado e voltou a se colocar em pé. Com orgulho, declarou: - Nós,
os verdadeiros cristãos, temos muitas queixas contra os falsos cristãos como Yun.
Enchi-me de ira ao ver aquele homem difamar e envergonhar a igreja de Deus na
frente de incrédulos. Não consegui mais me conter. Levantei-me e ordenei a ele que, em
nome de Jesus Cristo, calasse a boca!
A reunião virou um tumulto. Eu estava cheio do Espírito Santo e, com palavras
poderosas vindas do Senhor, proclamei:
- Esta reunião não agrada a Deus!
Apontei o dedo para os que alegavam crer em Jesus:
- Vocês deveriam se envergonhar. E serão julgados pelo Senhor. A Bíblia afirma
que crentes e incrédulos não devem estar sob o mesmo jugo. Como poderiam habitar
juntas as trevas e a luz? A igreja de Deus não tem comunhão com os ídolos. O Senhor e
a igreja dele julgarão vocês!
Antes que eu terminasse de falar, irmãos e irmãs cristãos vieram para perto de
mim com lágrimas nos olhos e me empurraram para minha cadeira. Eles imploravam
para que eu me calasse antes que piorasse ainda mais a situação.
O DSP e os líderes religiosos ficaram furiosos. Levantaram-se, bateram com o
punho na mesa e me ameaçaram:
- Por que você acha que pode interromper a reunião? Nunca mais terá permissão
para participar!
Assim que ouvi isso, voltei a me erguer e declarei:
- Vou embora agora. Nunca mais me convidem para uma reunião deste tipo!
Foi assim que o Senhor me levou a dar minha vida pelo evangelho na China e a
trabalhar pelo crescimento das igrejas domésticas. Naquele dia, vi que o reino de Deus
jamais se mistura com a política. O alvo final, declarado, do ensinamento marxista é a
erradicação completa de toda religião. A noiva pura de Cristo nunca poderá ser
controlada por um governo ateu, nem liderada por homens que odeiam o Senhor!
A verdadeira igreja não é uma organização controlada por regras humanas, é uma
coleção santa de pedras vivas, sendo Jesus a pedra angular. Saí da sala me sentindo livre
como um pássaro. Um novo cântico nasceu em meu coração:
Desde que saí de casa eu carrego minha cruz
Indo aos confins da Terra por Jesus
Compartilhei do sofrimento do meu Senhor
Proclamando o evangelho com lágrimas nos olhos
Muitas vezes sob vento e chuva
Lágrimas correram pelo meu rosto.
Há grande peso em meu coração,
Mas o amor de Jesus me guia.
Seu amor e sua graça me encorajam
E me sustentam a cada dia.
Orei:
"Senhor, para onde irei? Senhor, como será meu futuro?"
Imediatamente ele me fez lembrar de Jeremias 1.5-8: "Antes que eu te formasse
no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te
constituí profeta às nações. Então, lhe disse eu: ah! Senhor Deus! Eis que não sei falar,
porque não passo de uma criança. Mas o Senhor me disse: Não digas: Não passo de uma
criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te mandar falarás.
Não temas diante deles, porque eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor".
Nos meses que se seguiram, o Senhor começou a me ensinar a reconhecer a
diferença entre a igreja dele e a Igreja dos Três Poderes.
O governo criara o Movimento Patriótico das Três Autonomias e permitira igrejas
"abertas, legais". Contudo sabíamos que fizera isso apenas para tentar controlar os cris-
tãos e inserir o programa político nas comunidades religiosas.
Consideramos os crentes da Três Poderes pássaros engaiolados. Sim, eles são
capazes de cantar para o Senhor, mas têm as asas cortadas e estão em ambiente
controlado. Só são livres dentro das restrições que lhes foram impostas. Nas igrejas
domésticas, desfrutamos de liberdade para voar para qualquer lugar aonde Deus nos
levar e para cantar do fundo do coração. Fomos libertos da gaiola e não pretendemos
entrar nela de novo!
É fato conhecido que os pássaros presos em gaiolas têm dificuldade para se
reproduzir. Isso também vale para a maioria dos crentes confinados na estrutura da
Igreja dos Três Poderes. Os cristãos das igrejas domésticas amam a liberdade, vagueiam
pelo país, por todos os lugares aonde o Senhor os leva e proclamam o evangelho a todas
as pessoas. E a reprodução ocorre em ritmo bem acelerado!
Sabemos que há gente fiel a Jesus na igreja autorizada pelo governo da China
hoje. Conheço muitos pessoalmente e aprendi a admirá-los. O problema não está nos
pássaros engaiolados nas igrejas Três Poderes, mas sim na liderança corrupta e no poder
político usado para controlar o povo.
Os líderes restringiram ao máximo a liberdade dos pastores e membros da Igreja
dos Três Poderes. Ninguém pode ministrar sem a permissão deles. O evangelismo é
desaconselhado. Todo trabalho com crianças foi proibido. Chegaram a proibir a
pregação de certas porções da Bíblia, como a segunda vinda do Senhor Jesus. Também é
proibido ensinar sobre curas divinas e libertação dos demônios. Todo o livro de
Apocalipse foi banido!
Nós, nas igrejas domésticas, simplesmente não podemos aceitar esse tipo de
controle e interferência. Cremos que Jesus, e não o governo, é o cabeça da igreja.
Rompemos com a Igreja dos Três Poderes e adotamos postura firme contra todas as
tentativas de nos colocar sob o domínio dela.
As autoridades chinesas reagiram com uma longa temporada de "caça aos
pássaros". Não suportam as aves livres que se recusam a acatar seu controle. De vez em
quando conseguem pegar uns pássaros e os prendem atrás de barras de ferro. Mas até
dentro dessas gaiolas os pássaros livres põem ovos e se reproduzem - conquistam
muitas almas para o Senhor nas prisões.
Nessa época, comecei minha carreira no "evangelismo de fuga". Isso significa que
eu pregava o evangelho e fugia logo para outro lugar, com a polícia nos meus
calcanhares, exatamente como Jesus instruiu seus discípulos: "Quando, porém, vos
perseguirem numa cidade, fugi para outra" (Mt 10.23).
Em julho de 1981, escapei por um triz de ir para a cadeia ao ser detido quando
dirigia uma reunião de 120 crentes de igrejas domésticas. O pneu do carro da polícia
que me levava para a delegacia furou, e consegui desaparecer na escuridão. Naquela
noite, prostei-me no solo molhado e clamei a Deus:
"Por que eles nos tratam assim? Por que o Senhor não nos protege?"
O Espírito Santo me fez lembrar de dois textos bíblicos:
"Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em
vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos." (1 Pe 2.21.)
"Embora o Senhor vos dê pão de angústia e água de aflição, contudo, não se
esconderão mais os teus mestres; os teus olhos verão os teus mestres. Quando te
desviares para a direita e quando te desviares para a esquerda, os teus ouvidos ouvirão
atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele." (Is 30.20,21.)
Mais uma vez ele me fez lembrar do chamado para pregar o evangelho no Oeste e
no Sul. A graça de Deus é suficiente para mim, e os caminhos dele são mais elevados
que os meus. Temos de nos submeter a ele e aceitar tudo que ele permitir que aconteça.
Há períodos de paz e outros de lutas e perseguição, mas tudo vem do Senhor, para nos
moldar e nos transformar nos vasos que ele deseja que sejamos.
Naqueles dias muitos de nossos companheiros não podiam ir para casa, porque
eram procurados pela polícia. Se voltassem, seriam presos imediatamente. Por isso,
fugiram para comarcas e cidades diferentes, pregando o evangelho.
Nem minha esposa podia ir para casa. A polícia entrava nos lares e confiscava
nossos pertences. O ministério tornou-se noturno. Nós nos reuníamos à noite e
dormíamos de dia, para diminuir as chances de sermos identificados.
Todos nos sentíamos profundamente encorajados pelo exemplo deixado pela
igreja primitiva. Sabíamos que o que estava acontecendo conosco não era novidade.
Milhares de crentes de todos os séculos haviam sofrido provações semelhantes e ainda
assim tinham perseverado até o fim.
A Palavra do Senhor confortava e fortalecia nosso coração: "Lembrai-vos, porém,
dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e
sofrimentos; ora expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto de tribulações,
ora tornando-vos co-participantes com aqueles que desse modo foram tratados. Porque
não somente vos compadecestes dos encarcerados, como também aceitastes com alegria
o espólio dos vossos bens, tendo ciência de possuirdes vós mesmos patrimônio superior
e durável" (Hb 10.32-34.)
Durante vários séculos o evangelho lutou para se estabelecer na obstinada China.
O solo era rochoso demais e não acolhia a raiz do evangelho. Mas, em seu tempo, Deus
cumpriu seu propósito e estabeleceu a sua igreja. Sofrimento, perseguição e prisão
fizeram o evangelho se espalhar rapidamente pelo país. Se nossa vida fosse fácil,
provavelmente teríamos permanecido cada um em sua vila. No entanto, como
estávamos sempre fugindo para novos lugares, a mensagem se espalhou para muitas
regiões.
O DSP ofereceu uma recompensa pela minha captura. Fui acusado de "perturbar a
ordem social". Havia cartazes com minha foto como "procurado" em todas as estações
de trem e de ônibus, em centenas de postes telegráficos e nos muros. Policiais à paisana
tentavam me encontrar nos locais públicos.
Fui detido várias vezes, mas o Senhor sempre permitia que eu escapasse.
Certa ocasião, realizamos uma grande reunião no celeiro de uma fazenda, numa
região afastada. O Espírito Santo se moveu com tanto poder que os crentes não
conseguiam ir embora, ficaram adorando a Deus a noite toda, todas as noites. Chegou o
dia em que eu precisei dormir. Para me afastar do celeiro, onde a música era muito alta,
resolvi me deitar na plantação de milho que ficava nas redondezas. Dormia
profundamente quando o DSP chegou e prendeu os outros líderes. Foram todos
amontoados nos veículos policiais e levados à delegacia para interrogatório. A polícia
descobrira que eu estava pregando e queria me encontrar. Ficaram sabendo que eu
estava dormindo em algum lugar, mas ninguém sabia que eu estava na plantação.
Os policiais revistaram todos os quartos e prédios, mas não me encontraram.
Então tiveram a idéia de desligar o gerador a diesel, que fazia muito barulho, para me
localizarem na noite silenciosa.
Logo ouviram um barulho na plantação. Era meu ronco!
As botas de bico de metal me acordaram. Contudo eu estava dormindo fora do
celeiro e ninguém podia provar que eu estava envolvido na reunião. Foram obrigados a
me deixar livre.
Esses incidentes foram os primeiros de muitos anos de provações e sofrimento. O
Senhor começou a nos ensinar a andar pelo caminho da perseguição.
*****
DELING: No início da década de 1980, nenhum de nós tinha Bíblia. Havia
centenas de membros nas igrejas, mas possuíamos apenas um Novo Testamento.
Pouco depois, começamos a receber exemplares como resultado da Operação Pérola,
em que cristãos estrangeiros tiveram a coragem de levar um milhão de Bíblias para a
China em um navio. Quando as recebemos, estavam molhadas e tivemos de secá-las
ao sol e separar as páginas, mas isso não nos incomodou. Para nós, as Bíblias eram
mais preciosas do que ouro!
Nesse tempo, Yun se colocou contra a igreja controlada pelo governo, e eu
recebi uma visão do Senhor. Eu caminhava em direção a um espelho na parede, onde
vi que havia duas Bíblias sobre minha cabeça.
Na visão, descobri que podia voar como um pássaro. Estava totalmente livre!
Pousei em uma rocha, com as Bíblias ainda na cabeça. Quando me coloquei sobre a
rocha, homens e mulheres perversos me vaiaram e jogaram sujeira em mim. Queriam
me destruir, mas eu podia voar em segurança no Espírito toda vez que eu precisasse.
O Senhor me mostrou que era esse o tipo de vida que eu teria com meu marido. Por
um lado, seríamos livres no Espírito, mas, por outro, teríamos muitos inimigos que
iriam querer nos perseguir e destruir. Poderíamos voar no Espírito, mas, toda vez que
pousássemos, teríamos esse tipo de experiência.
Foi uma revelação clara da vida que se seguiria. Não entendi a visão naquela
hora, mas com o passar dos anos fui vendo tudo acontecer exatamente como o
Senhor me mostrara.
6. "O Deus de Pedro é o seu Deus"
Uma onda de crimes varreu a China em 1983, com aumento desenfreado de
assassinatos, sequestros, extorsões e prostituição. O governo percebeu que estava per-
dendo o controle e lançou uma campanha anticrime. Centenas de criminosos foram
executados em público.
Infelizmente, as igrejas domésticas também eram consideradas ilegais, por
recusarmos a nos juntar ao Movimento Patriótico das Três Autonomias (MPTA). Assim,
nos tornamos alvo da campanha. As autoridades e o MPTA tachavam os cristãos não-
registrados de "poluentes espirituais". Centenas de líderes de igrejas domésticas foram
capturados e enviados para campos de trabalhos forçados. Em Henan, muitos crentes
foram executados por causa da fé em Jesus.
Durante essa onda de perseguição terrível, o Irmão Xu compartilhou comigo
algumas reflexões importantes. Ele disse:
"Precisamos pensar com cuidado no futuro das nossas igrejas domésticas. Temos
de ser fiéis nas pequenas coisas e ao mesmo tempo acreditar nas grandes coisas de
Deus. Precisamos aprender tudo o que o Senhor quiser nos ensinai em sua Palavra, na
vida, em nossas experiências e no sofrimento. Por isso, será bom iniciar um esforço de
oração e olhar para a misericórdia e a revelação de Deus. Vamos criar centros de
treinamento e levar o evangelho a todas as partes do nosso país. Temos de nos preparar
melhor para equipar as tropas a fim de estabelecer a igreja de Deus."
O Irmão Xu escreveu um livrete intitulado Building up the Chinese House Churda
(Edificando a igreja doméstica chinesa). Nesse trabalho ele resumiu sete princípios
bíblicos importantes em que deveríamos focar nossas atividades. Agradeci a Deus por
termos um projeto definido para avançar. Até ali não tínhamos um plano abrangente
para conquistar toda a China. De 1983 até hoje o evangelho se espalhou, e milhares de
obreiros foram enviados a áreas estratégicas ainda não-alcançadas.
Obedientes à orientação do Espírito Santo, voltamos a atenção para a Província de
Shaanxi, que havia sido pouco evangelizada. As igrejas rurais careciam de ensino sólido
e encorajamento. Em Shaanxi, fica Xian, antiga capital da China. A província tinha a
reputação de ser mais resistente ao evangelho do que as outras.
Fui a uma reunião de oração em Henan, e os líderes me contaram que haviam
recebido uma carta da igreja de Shaanxi. Os irmãos de lá suplicavam que enviássemos
obreiros para ensiná-los a implantar igrejas. Os líderes me falaram:
"Jejuamos e oramos nos últimos dias sobre o pedido deles. Acreditamos, Irmão
Yun, que Deus quer que você vá para o Oeste, para Shaanxi. Queremos que parta
imediatamente com duas colaboradoras. Elas não têm prática de pregar, você pode
ensiná-las no caminho para lá. São guerreiras do evangelho, dedicadas de todo o
coração a salvar almas."
Naquela noite, antes de partirmos para Shaanxi, pedimos a Deus que preparasse o
coração das pessoas para receberem sua Palavra. Enquanto orávamos, tive uma visão
terrível que abalou minha alma. Os outros me contaram que os assustei com um grito:
"Aleluia! O sangue de Jesus venceu você!"
Pararam de orar e me perguntaram qual era o problema. Com a testa coberta de
suor, contei:
"Tive a visão de um mal terrível. Uma criatura medonha, preta, veio atrás de mim.
Tinha a cara horrivelmente contorcida. Prendeu-me no chão e assentou-se em minha
barriga. Eu não conseguia me levantar. Com uma das mãos, agarrou meu pescoço e
começou a me sufocar. Com a outra, pegou um alicate e tentou fechar minha boca. Eu
mal conseguia respirar. Então vi um grande anjo voar em minha direção. Com toda
minha força, enfiei os dedos nos olhos da criatura horrorosa. Ela caiu no chão, e eu fui
carregado em segurança pelo anjo. Então, gritei: 'Aleluia! O sangue de Jesus venceu
você!'"
Depois que contei minha visão, oramos e tomamos a ceia do Senhor. Nós nos
entregamos aos cuidados do nosso Deus. Nós três - as duas jovens e eu - fomos para a
Comarca de Shangnan, em Shaanxi. É um distrito montanhoso e isolado, no extremo
sudeste da província. A maioria da população é paupérrima, e nunca havia visto uma
pessoa de fora antes.
Os crentes foram informados de nossa chegada e organizaram às pressas três dias
de reuniões. Chamaram líderes de várias comarcas. No primeiro dia, falei sobre a histó-
ria e a missão da igreja. No segundo, por volta de l:00h da tarde, perdi a voz. Os crentes
sugeriram que eu descansasse e deixasse minhas colaboradoras falarem em meu lugar.
Pedi à Irmã Juan para pregar sobre a salvação na cruz.
As duas jamais haviam falado em público antes. Nunca tinham nem ficado em pé
diante de um grupo! A Irmã Juan ficou tão nervosa que caiu de joelhos e começou a
chorar. A Bíblia dela caiu no chão. Todos se encheram de compaixão e oraram por ela.
Levaram-me até um quarto para eu descansar. Deitei-me e meditei na mensagem
que pregara de manhã.
De repente, ouvi um barulho muito alto! Policiais do DSP chutaram a porta e
entraram no quarto. Agarraram-me e me prenderam à cama. Um deles se apoiou em
mim e me prendeu com seu peso. Com uma mão apertou minha garganta e com a outra
pegou no bolso sua carteira de identificação e gritou para mim:
"Sou do Departamento de Segurança Pública. E você, de onde é?"
Lembrei-me imediatamente da visão do monstro escuro.
Dois outros policiais pegaram uma corda e amarraram meus braços atrás das
costas. Enrolaram também meu peito, as costas e a cintura. Um deles reparou em uma
cruz vermelha de madeira pendurada na parede. Nela estavam inscritas, na trave
horizontal, estas palavras: "Deus amou o mundo de tal maneira". À direita e à esquerda,
estava escrito: "Ele foi crucificado" e "Levou sobre si nossos pecados".
Eles leram e deram gargalhadas. Arrancaram a cruz da parede e a prenderam às
minhas costas com as cordas. Então começaram a me chutar com fúria. Davam vários
golpes nas minhas pernas, braços, costelas e peito.
O dono da casa aproximou-se e ajoelhou-se na frente dos policiais, implorando a
eles que me libertassem. Disse a eles:
- Este homem é bom. Não fez de nada errado. Por favor, me levem no lugar dele.
Os policiais o chutaram e o empurraram para fora do quarto, gritando:
- Você jamais conseguirá pagar a dívida deste homem. Pela primeira vez eu tive a
honra de carregar literalmente a cruz de Cristo sobre meu corpo! Em triunfo, eles me
fizeram ir, ensanguentado e ferido, para o município de Shangnan. Eu me lembrei do
versículo: "Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último
lugar, como se fôssemos condenados à morte" (1 Co 4.9).
Quando me viram chegar à cidade, amarrado e carregando uma grande cruz
vermelha, surgiu um boato de que o "Jesus de Henan" havia chegado. Muitos se
juntaram para testemunhar um fato tão insólito.
Uma viatura policial avançava devagar à minha frente enquanto eu desfilava pelas
ruas. O alto-falante proclamava: "Este homem veio de Henan para pregar Jesus. Pertur-
bou nossa paz. Fez muita gente ficar confusa. Hoje, o Departamento de Segurança
Pública o capturou. Vamos puni-lo com severidade."
Os policiais me obrigaram a ajoelhar na lama. Depois me socaram no peito e no
rosto e me chutaram seguidamente pelas costas com as botas pesadas. Meu rosto ficou
coberto de sangue. A dor era insuportável, e caí no chão, quase desmaiado.
Eles me levantaram e me obrigaram a cambalear por mais uma rua. Estavam
determinados a fazer de mim um exemplo para o maior número possível de pessoas.
Levantei a cabeça e olhei rapidamente a multidão. Uns sentiam pena e choravam.
Isso fortaleceu muito minha fé. Quando tive oportunidade, falei suavemente a uma mu-
lher:
"Não fique com pena de mim. A senhora deveria chorar pelas almas perdidas do
nosso país."
Ao ouvir minha voz, os espectadores choraram ainda mais. Passei metade do dia
desfilando pelas ruas. Quando anoiteceu, eles me levaram para um grande pátio dentro
do posto policial.
Não afrouxaram as cordas, mas tiraram a cruz das minhas costas. Trancaram-me
numa grande sala de interrogatório. Reparei que a porta era de ferro e havia grade nas
janelas.
Alguns policiais de aspecto maligno entraram. Interrogaram-me com voz grave. O
Senhor falou ao meu coração:
"Teu Pai te protegerá no lugar secreto."
Eles gritaram:
- De que lugar, exatamente, você veio?
- De Henan, respondi.
Então lembrei-me de que eu era procurado em Henan. Não queria dizer meu
nome, minha comarca nem minha cidade porque muitos crentes correriam perigo, então
me calei e decidi não responder a nem mais uma pergunta.
Senti que Deus queria que eu fingisse estar louco, como a Bíblia conta que Davi
fez. Deitei no chão e agi como um doente. Virei os olhos e babei. Não disse nem uma
palavra. Eles ficaram com medo, convencidos de que eu era doido.
Muitos espectadores haviam se aproximado da janela e olhavam para dentro.
Um policial foi até outra sala telefonar para Henan, para tentar descobrir quem eu
era. Os outros o seguiram para ouvir a conversa. Deixaram-me sozinho na sala e fecha-
ram a porta. Como eu estava todo amarrado, acharam que não havia perigo de eu fugir.
Os espectadores também estavam interessados no telefonema e se juntaram na janela da
outra sala para ouvir.
Nesse momento, sem que ninguém olhasse para mim, o Espírito Santo falou ao
meu coração: "O Deus de Pedro é o seu Deus". Lembrei-me de que os anjos haviam
aberto as portas da prisão para o apóstolo fugir. "Os anjos não são, todos eles, espíritos
ministradores enviados para servir aqueles que hão de herdar a salvação?" (Hb 1.14 -
NVI.)
De repente a corda que prendia meus braços às costas se soltou! Não as tirei, mas
as mantive frouxas no lugar. Resolvi tentar fugir e, se fosse pego, diria que queria ir ao
banheiro. Com os braços ainda para trás, girei a maçaneta com a boca e saí da sala!
Aí Deus me deu fé e coragem. Lembrei a mim mesmo de que o sangue de Jesus
Cristo me protegia. Atravessei o grupo de espectadores no pátio. Ninguém me deteve
nem me dirigiu a palavra! Foi como se Deus os cegasse, e eles não me reconhecessem.
O Homem do Céu
O Homem do Céu
O Homem do Céu
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O Homem do Céu

  • 1. Irmão Yun / Paul Hattaway OO HOMEMHOMEM DODO CÉUCÉU A história emocionante de um cristão chinês que levou sua fé às últimas conseqüências DO ORIGINAL The Heavenly Man
  • 2. Índice Prefácio................................................................................................................3 Prólogo................................................................................................................5 Introdução............................................................................................................6 1. Um início modesto..........................................................................................8 2. Fome saciada.................................................................................................12 3. "Vá para o Oeste e para o Sul"......................................................................18 4. Deus abençoa toda a minha família...............................................................23 5. O Caminho da Perseguição...........................................................................26 6. "O Deus de Pedro é o seu Deus"...................................................................32 7. Deus quer todo o meu coração......................................................................38 8. "Aquiete-se e saiba que eu sou Deus''...........................................................42 9. Pelo vale da morte.........................................................................................51 10. A prova de fogo...........................................................................................58 11. O fim do jejum.............................................................................................66 12. Deus me dá um filho e muitos irmãos.........................................................72 13. Uma alma preciosa ao Senhor.....................................................................77 14. Esperança para o futuro...............................................................................85 15. Um cemitério coberto de espinhos..............................................................91 16. Deus derrama seu tremendo poder............................................................105 17. Preso pela segunda vez..............................................................................112 18. Uma dolorosa visita da família..................................................................118 19. A distribuidora do óleo de Deus................................................................124 20. O caminho para a unidade.........................................................................132 21. Preso pela terceira vez - o pior momento da minha vida..........................137 22. Uma fuga milagrosa..................................................................................142 23. Deixando a cortina de bambu....................................................................149 24. De volta a Jerusalém..................................................................................157 25. Reflexões sobre os quatro anos no Ocidente.............................................165 26. Outro tipo de perseguição..........................................................................171 27. Mudança súbita nos planos........................................................................176 28. Uma semente no solo................................................................................182 29. Um futuro tão brilhante quanto as promessas de Deus.............................191 Sobre os autores...............................................................................................195
  • 3. Prefácio Faz mais de mil anos que o evangelho do Senhor Jesus Cristo vem se espalhando pela China, passando por altos e baixos, vitórias e provações. A perseguição ao povo de Deus começou em 1949 e ainda hoje as igrejas sofrem todo tipo de ataque. Desse ano até 1958, o governo já havia fechado todas as igrejas. A esposa de Mao, Jiang Qing, chegou a fazer esta declaração a visitantes estrangeiros: "O cristianismo chinês está hoje confinado à ala histórica do museu. Está morto e enterrado." Na década de 1970, uma delegação cristã norte-americana que visitara o país relatou: "Não restou nem um único cristão na China." No início da Bíblia, lemos que a Terra "estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas" (Gn 1.2). Isso se aplica à situação da igreja chinesa naquela época. Estava morta, pelo menos na superfície. Ninguém ousava proclamar "Jesus é o Senhor". A igreja fora assolada de alto a baixo e, para todos os efeitos, havia morrido. "Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas." (Gn 1.3,4-) Felizmente o Deus a quem servimos sabe ressuscitar os mortos! Creio que ele permitiu que o governo ateu destruísse a velha estrutura da igreja chinesa para depois reconstruí-la de acordo com sua vontade. E, do pouco que tinha no início, ele tem feito muito! O simples fato de existir hoje uma força de dezenas de milhões de crentes chineses mostra não apenas a existência de Deus, mas também seu poder inigualável. Na década de 1970, como um botão de flor fechado durante muito tempo, a igreja chinesa começou a se abrir e a revelar novamente ao mundo sua beleza e seu modo de viver. Nessa época, um jovem chamado Yun, que morava na Província de Henan, no sul do país, encontrou-se com Jesus Cristo e entregou a ele sua vida, aceitando-o como seu Salvador e Senhor. E Deus tomou posse da vida dele de maneira espantosa. O Irmão Yun, nestes quase trinta anos de provação, tem visto a graça do Senhor sendo derramada em sua vida e transbordando em bênçãos para muitos outros. Deus escolheu esse grande guerreiro e obreiro fiel para ser um dos líderes de sua geração. Muitos sinais, milagres e maravilhas seguem seu ministério, e provam que ele é um apóstolo da fé (2 Co 12.12). Yun é íntegro, de caráter impecável, homem digno, bom marido e bom pai. A alegria do Senhor é sua força em todo tempo. Seu sorriso contagiante ilumina qualquer ambiente em que se encontre. Meu coração foi profundamente tocado enquanto eu lia o livro do Irmão Yun. Apesar de termos trabalhado lado a lado durante vinte anos na China, parece que, antes dessa leitura, eu não o conhecia. Sou testemunha de que as histórias deste livro são verdadeiras. Presenciei muitos dos eventos aqui narrados. Sinto-me honrado por ser o amigo e colaborador mais próxi- mo ao Irmão Yun. Embora ele sempre tenha me respeitado como seu pastor e seu líder espiritual, o respeito é mútuo. Quando me casei, convidei-o para dirigir a cerimônia e abençoar minha união.
  • 4. Li este livro com gratidão a Deus e recomendo a leitura como um testemunho verídico das grandes obras que Deus tem efetuado na igreja da China. - Xu Yongze Presidente da Comunidade Sinim de Líderes da Igreja Doméstica da China
  • 5. Prólogo Li o livro do Irmão Yun com alegria, de um só fôlego e com muita empolgação. Tive a sensação de voltar a essa época agitada e revivi lembranças preciosas. Eu e o Irmão Yun nascemos na mesma região, frequentamos a mesma igreja e trabalhamos juntos no campo. Juntos, choramos, nos alegramos, pregamos e fomos rejeitados. Comemos e dormimos ao ar livre, permanecendo unidos em tempos bons e ruins. Nós nos amávamos como se fôssemos irmãos de sangue. Trabalhamos juntos muitos anos, até sermos presos em Nanyang. Na prisão, nos colocaram em celas distintas, mas gritávamos pelos corredores, esperando que o outro ouvisse e fosse encorajado. Tentávamos fazer chegar às mãos um do outro bilhetes para fortalecer nossa fé. O testemunho de Yun foi escrito com sangue e lágrimas. A jornada dele incluiu lutas terríveis. Mas, em vez de reclamar e murmurar, ele aprendeu a avançar em oração contra os obstáculos, sempre de joelhos diante de Deus. Os crentes chineses pensam nele como um bravo que sempre ora de joelhos, levantando as mãos ao Senhor em gratidão enquanto lágrimas correm por seu rosto. Na cadeia, Yun enfrentou grande sofrimento. Mas, afinal, Deus não apenas lhe abriu o portão de ferro da prisão, como também passou a usá-lo para abençoar a igreja deste novo século - tanto a chinesa como a ocidental. O Irmão Yun tem o dom de entrar em contato com crentes de igrejas diferentes e, com bondade, ajudá-los a formar uma unidade. Deus o tem usado como um fio para unir tecidos de várias cores e formar uma bela colcha. Nos últimos anos, nossos caminhos tomaram direções opostas, e algumas vezes cheguei até a censurá-lo de longe. Mas logo depois ouvi os relatos de como Deus estava usando-o, e fiquei sabendo do caminho que ele havia seguido com fidelidade. Então fui tomado de admiração por ele e corei de vergonha ao mesmo tempo em que censurei a mim mesmo. Na igreja chinesa, vi muitos servos de Deus surgirem cheios de poder e autoridade, mas, no Irmão Yun, percebi um servo de Jesus que sempre vem em humildade e mansidão, refletindo o coração do Filho do Homem, que não veio para ser servido, e sim para servir e entregar sua vida. Oro para que você, leitor, goste tanto deste livro quanto eu, e para que seja desafiado, assim como eu fui. - Zhang Rongliang Igreja Doméstica Fangcheng, China
  • 6. Introdução Em 2001, numa tarde quente de setembro, um pequeno grupo de cristãos reuniu- se no Aeroporto Internacional de Bangcoc para receber o Irmão Yun. Fazia mais de oito meses que não víamos seu rosto sorridente, pois ele havia sido preso em janeiro daquele ano. Nos primeiros dias na prisão, os guardas o espancaram tanto que quase o mataram. Depois disso saiu sua sentença - foi condenado a sete anos de prisão. De vez em quando seus amigos, espalhados por todo o mundo, recebiam uma mensagem vinda da cadeia. Uma delas dizia: "Deus me colocou neste lugar para testemunhar. Aqui há muita gente que precisa de Jesus. Vou ficar exatamente o tempo que ele determinou. Não vou sair nem um minuto antes nem ficar um minuto a mais. Quando ele decidir que meu ministério na prisão acabou, vou sair". Yun foi libertado milagrosamente, no tempo perfeito de Deus, depois de cumprir apenas sete meses e sete dias da sentença de sete anos. Agora estávamos no aeroporto, aguardando sua chegada. Será que viria doente, cansado e abatido, depois de uma provação tão terrível? De repente, Yun apareceu no portão de desembarque, muito diferente do que prevíramos. O rosto brilhava, e o sorriso ia de uma orelha a outra. "Louvado seja Deus! Aleluia!" foram suas primeiras palavras. "Glória a Deus!" Nós nos demos as mãos e curvamos a cabeça em oração de gratidão. Enquanto isso os demais passageiros passavam por nós apressadamente, rumo aos balcões do aeroporto, olhando-nos espantados. O Irmão Yun é conhecido em toda a China como o "Homem do Céu", por causa de um incidente ocorrido em 1984, quando se recusou a revelar às autoridades sua verdadeira identidade para não colocar em perigo outros cristãos. Diante das ameaças e da violência do Departamento de Segurança Pública, em vez de dizer seu nome e endereço, ele gritava: "Sou um homem do céu! Meu lar é o céu!" Os crentes, que ainda estavam reunidos em uma casa próxima, ouviram os gritos e perceberam que era um aviso. Fugiram e, por isso, escaparam da prisão. Em sinal de respeito à coragem e ao amor de Yun pelo corpo de Cristo, os crentes da igreja doméstica da China o chamam até hoje de "Homem do Céu". Yun é o primeiro a reconhecer que há muita coisa nele que não tem nada de celestial! Como todos nós, enfrenta tentações e fraquezas, mas ele sabe que, sem a graça de Jesus, não tem nenhum valor. Uma vez, ele disse a Deling, sua esposa: "Não somos absolutamente nada. Não temos nada de que nos orgulhar. Não possuímos habilidades nem coisa alguma a oferecer a Deus. O fato de ele decidir nos usar decorre unicamente de sua graça. Não é mérito nosso. Não poderíamos nem pensar em nos queixar se ele resolvesse levantar outras pessoas para cumprir seus propósitos, sem nunca mais nos usar." Oswald Chambers escreveu: "Se você der a Deus o direito de controlar sua vida, ele fará de você um experimento santo. E os experimentos dele sempre dão certo". Com toda certeza isso se aplica ao Irmão Yun. Desde que se encontrou com Jesus Cristo, ele vem se empenhando em servi-lo de todo o coração. Conhecer suas experiências e apren-
  • 7. dizado pode servir de encorajamento para cristãos - de qualquer parte do mundo - que estejam empenhados em seguir o Senhor Jesus. O testemunho do Irmão Yun reflete a fidelidade e a bondade de Deus. Mostra que o Senhor pegou um garoto faminto de uma vila pobre da Província de Henan, na China, e o usou para abalar o mundo. E em vez de se fixar nos muitos milagres ou nos sofrimentos que presenciou e experimentou, Yun prefere contemplar o caráter e a beleza de Jesus Cristo. Deseja que todo o mundo conheça Jesus como ele conhece, não como uma figura histórica e distante, mas como o Deus todo-poderoso, capaz de todas as coisas, sempre presente, cheio de amor. Enquanto eu fazia pesquisas para este livro, entrevistei dezenas de crentes na China. Eram pessoas que tinham presenciado os eventos narrados aqui ou haviam constatado a veracidade deles. Intercalei em todo o livro pequenas contribuições de Deling (esposa de Yun) e de alguns líderes da igreja doméstica da China. Essas porções ajudarão o leitor a ver por outra perspectiva episódios cruciais da vida de Yun, ao mesmo tempo em que darão uma imagem mais completa das situações. A maior parte das reflexões de Deling foi feita enquanto seu marido estava preso por amor ao evangelho. Alguém disse: "Não são os grandes homens que transformam o mundo, mas sim os fracos, nas mãos de um grande Deus." Quem conhece o Irmão Yun sabe que ele é um servo humilde de Deus, que não deseja que nada em sua vida traga glória para si mesmo nem para qualquer outro ho- mem. O Irmão Yun deseja que sua história conduza toda atenção e toda glória para o único Homem do Céu - o Senhor Jesus Cristo. - Paul Hattaway
  • 8. 1. Um início modesto Meu nome é Liu Zhenying, mas os meus amigos cristãos me chamam de Irmão Yun. Certa manhã, no outono de 1999, acordei na cidade de Bergen, no oeste da Noruega. Sentia meu coração pulsando, tamanha era a minha animação. Eu estivera pre- gando em igrejas da Escandinávia. Testemunhei sobre as igrejas domésticas chinesas e convidei os cristãos a nos unirmos para evangelizar não só a China, mas todas as nações. E, nessa manhã, as pessoas que me hospedavam haviam me perguntado se eu gostaria de visitar o túmulo de Marie Monsen, ali em Bergen. Ela fora uma grande missionária luterana, a quem Deus muito usou para avivar a igreja em várias partes do meu país no período de 1901 a 1932. O ministério dela exerceu influência principalmente na porção sul da Província de Henan, minha terra natal. Fisicamente, a Senhorita Monsen tinha baixa estatura, mas, para o reino de Deus, ela era uma gigante. A igreja chinesa, além de receber o impacto de suas palavras, foi profundamente desafiada por sua vida de sacrifício. Seu compromisso com Jesus Cristo era total. Ela o seguia com determinação, e mostrou como sofrer pelo Senhor e perse- verar nele. Deus usou Marie Monsen poderosamente, de modo que muitos milagres, sinais e maravilhas acompanhavam seu ministério. Em 1932, ela completou sua missão na China. Nesse ano ela voltou para a Noruega, para cuidar dos pais idosos. Nunca mais retornou ao nosso país, mas seu legado de fé inabalável e de zelo constante permanece vivo até hoje. Além disso, a igreja chinesa aprendeu com ela que é necessário ter o coração completamente comprometido com a causa de Cristo. Naquele dia eu teria o imenso privilégio de visitar o túmulo dela, em sua terra natal. Fiquei imaginando se outro crente chinês já tivera tal oportunidade. Quando ela chegou em nossa região da China, havia poucos cristãos, e a igreja era fraca. Hoje são milhões de crentes. E, em nome deles, eu pretendia agradecer a Deus pela vida da sua missionária. Subimos de carro pelo cemitério. Ele ficava ao lado de uma colina, num vale estreito cortado por um riacho. Depois de estacionar, andamos por alguns minutos, tentando encontrar o nome dela em uma das centenas de lápides. Como não conseguimos, fomos ao escritório, em busca de informações. O administrador não reconheceu o nome dela, então procurou no livro de registros de sepultamentos. Depois de folhear um pouco, disse uma coisa que achei difícil de acreditar: "Marie Monsen foi mesmo enterrada aqui, em 1962, mas faz muitos anos que ninguém cuida do túmulo dela. Hoje é só um local vazio, sem lápide." Na cultura chinesa, respeitamos por várias gerações a memória de pessoas que se tornam notáveis pelos seus feitos. Por isso, jamais imaginei que uma coisa dessas pudesse acontecer. Os crentes que me acompanhavam explicaram que ainda a tinham em alta consideração e que a honravam de outras formas, como, por exemplo, publicando a biografia dela décadas após sua morte. Mesmo com tudo isso, para mim, o túmulo sem marca era um insulto que deveria ser reparado. Fiquei profundamente ofendido. Com o coração pesado, disse em tom sério aos noruegueses que me acompanhavam:
  • 9. "Vocês precisam honrar essa mulher de Deus! Vou dar a vocês um prazo de dois anos para construírem um túmulo e uma lápide em memória de Marie Monsen. Se não fizerem isso, vou dar um jeito de arrumar uns irmãos chineses para virem a pé da China até aqui para que o façam! Muitos crentes no meu país sabem trabalhar bem com pedras. Eles aprenderam o ofício nos anos em que estiveram em campos de trabalhos forçados por causa do evangelho. Se vocês não dão a devida importância, eles terão o maior prazer de vir fazer o serviço!" ******* Nasci em 1958, ano bissexto no calendário chinês. Eu sou o quarto de cinco irmãos. Vim ao mundo em uma vila rural tradicional, chamada Liu Lao Zhuang, na Comarca de Nanyang, no sul da Província de Henan na China. Henan tem mais de cem milhões de habitantes - é a província mais populosa do país. A despeito disso, havia muito espaço quando eu era criança - várias colinas a escalar e árvores para subir. A vida era difícil, mas eu me lembro de me divertir bastante na minha infância. Nossa vila tinha 600 habitantes, e todos trabalhavam no campo. E assim até hoje. Não houve muitas mudanças por lá. Plantávamos principalmente batata, milho e trigo. Além disso, cultivávamos repolho e algumas raízes comestíveis. Morávamos numa casa simples, de barro, com o telhado de palha. A chuva sempre dava um jeito de encontrar buracos no telhado e, no inverno, o vento gelado normalmente soprava pelas frestas das paredes. Não tínhamos dinheiro para comprar carvão. Assim, quando a temperatura caía abaixo de zero, queimávamos palha de milho para nos aquecer. No verão, o calor e a umidade eram tão intensos que ninguém conseguia dormir dentro da casa, pois quase não era ventilada. Por isso, arrastávamos as camas para fora e nos juntávamos aos vizinhos para dormir ao ar livre, numa temperatura amena. "Henan" significa "sul do rio". O grande Rio Amarelo corta a região norte da província. Há séculos, as cheias frequentes vêm infligindo sofrimento às populações ribeirinhas. Sabíamos disso quando eu era criança, mas, para nós, o norte de Henan ficava a milhões de quilômetros. Nossa vila se aninhava nas colinas ao sul da província, longe de inundações devastadoras e de influências externas. Nossa única preocupação era a safra seguinte. A vida toda girava em torno do ciclo de arar, plantar, regar e colher. Meu pai dizia que o trabalho árduo só produzia o suficiente para comer. A labuta no campo exigia todas as mãos disponíveis, então fui convocado para ajudar, com meus irmãos e irmãs, desde bem pequeno. Como consequência, não pude frequentar a escola por muito tempo. Nas outras regiões da China, os nativos de Henan têm fama de serem teimosos como mulas. Talvez tenha sido por causa dessa teimosia que a província não abraçou o cristianismo quando os primeiros missionários protestantes chegaram, em 1884. Muitos deles trabalharam em Henan sem alcançar resultados visíveis. Em 1922, depois de quase quarenta anos de esforço missionário, havia apenas 12.400 convertidos em toda a região. A sociedade ridicularizava e condenava ao ostracismo os que aceitavam a religião dos "diabos estrangeiros". Frequentemente a oposição adotava atitudes mais violentas. Espancavam os cristãos. E muitos crentes morreram por causa da fé. Os missionários também foram perseguidos. Grande parte do povo os considerava ferramentas do im- perialismo e do colonialismo. Acreditava que haviam sido enviados por seus países para
  • 10. controlar o coração e a mente do povo chinês enquanto seus governantes saqueavam os recursos naturais da terra. A violência contra os estrangeiros chegou ao clímax em 1900, quando uma sociedade secreta chamada "Boxers" instigou um ataque nacional contra eles. A maioria conseguiu fugir da carnificina, porém muitos viviam em áreas remotas no interior da China, longe da segurança das cidades litorâneas. Os Boxers massacraram com crueldade mais de 150 missionários e milhares de chineses que haviam se convertido pelo trabalho deles. Essas pessoas valentes tinham vindo para servir nossa nação e, com sacrifício, trazer o amor do Senhor Jesus para nós. E foram massacradas. Vieram compartilhar Cristo e melhorar nossa vida com a construção de hospitais, orfanatos e escolas. Como recompensa, demos a morte a elas. Depois de tudo isso, alguns julgaram que os acontecimentos de 1900 seriam suficientes para deixar os missionários apavorados, sem jamais pensar em voltar à China. Estavam enganados. No dia 1º de setembro de 1901, um grande navio atracou no porto de Xangai. Marie Monsen, uma jovem norueguesa, solteira, desceu pela prancha e pisou o solo chinês pela primeira vez. Ela fazia parte da nova onda missionária que, inspirada pelos martírios do ano anterior, havia dedicado a vida ao serviço de tempo integral na China. Ela passou mais de trinta anos no país. Durante algum tempo, morou na minha comarca, Nanyang. Ali encontrou um pequeno grupo de crentes que havia nascido lá e o treinou. Marie Monsen era diferente da maioria dos missionários. Ela não se importava muito em causar boa impressão nos líderes da igreja chinesa. Muitas vezes, dizia: "Vocês são hipócritas! Confessam Jesus Cristo com os lábios, mas o coração de vocês não está totalmente comprometido com ele! Arrependam-se, antes que seja tarde para escapar do julgamento divino!" Ela trouxe fogo do altar de Deus. Monsen disse aos cristãos que não bastava estudar a vida dos convertidos, mas que todos precisavam nascer de novo para entrar no reino do céu. Assim, tirou a ênfase do conhecimento intelectual e mostrou que cada indivíduo é responsável diante de Deus pela própria vida espiritual. Ela viajava pelo centro da China, e em toda parte por onde passava corações se convenciam do pecado, e o fogo do avivamento varria as vilas. Na década de 1940, outro missionário ocidental pregou o evangelho à minha mãe. Ela tinha vinte anos na época. E embora não tenha entendido tudo, foi profundamente tocada. O de que mais gostava era cantar os hinos e ouvir as histórias bíblicas que as equipes evangelísticas itinerantes contavam. Logo começou a frequentar a igreja e entregou a vida a Jesus Cristo. Em 1949, a China tornou-se um país comunista. Em poucos anos, missionários foram expulsos; templos, fechados; e milhares de pastores chineses, presos. Muitos morreram. Minha mãe viu os missionários deixarem Nanyang no início da década de 1950. Ela nunca se esqueceu do modo como foram levados na direção da costa sob guarda armada. Eles tinham os olhos cheios de lágrima, pois viam o ministério que realizavam para o Senhor ser bruscamente interrompido. Em 1950, em uma única cidade, Wenzhou, na Província de Zhejiang, 49 pastores foram mandados para campos de trabalhos forçados próximos à fronteira com a Rússia. A pena de muitos chegou a vinte anos de cadeia, pelo "crime" de pregar o evangelho. Dos 49, apenas um voltou para casa. Todos os outros morreram na prisão.
  • 11. Na região em que nasci, Nanyang, crentes, que se recusaram a negar a Cristo, foram crucificados nas paredes das igrejas. Outros foram acorrentados a veículos e cavalos e arrastados até morrer. Um pastor foi preso e depois amarrado a uma longa corda. As autoridades, iradas porque o homem de Deus não renunciava à fé, usaram um tipo de guindaste para içá-lo bem alto. Diante de centenas de testemunhas, que o acusavam falsamente de ser "contra-revolucionário", perguntaram-lhe pela última vez se negaria a fé. Ele gritou em resposta: "Não! Jamais vou negar o Senhor que me salvou!" Em seguida, soltaram a corda, e ele caiu com grande impacto no chão. Apesar da violência da queda, os torturadores constataram que ele não havia morrido. Então levantaram-no de novo pela corda, deixando-o cair mais uma vez para terminar o serviço. O pastor morreu para esta vida, mas vive no céu, com a recompensa daqueles que são fiéis até o fim. E a vida não era difícil apenas para os cristãos. Mao lançou o projeto chamado "Grande Salto Para a Frente", com o qual levou a fome a todo o país. Foi, na verdade, um grande retrocesso. Estima-se que em Henan, minha província, oito milhões de pessoas tenham morrido de fome. Nesse período difícil, a pequena e inexperiente igreja da minha cidade, Nanyang, se dispersou. Era um rebanho sem pastor. Minha mãe também abandonou a igreja. Nas décadas que se seguiram, ela esqueceu a maior parte do que aprendera na juventude. Ficara totalmente privada da Palavra de Deus e da comunhão com outros cristãos. O relacionamento dela com o Senhor se esfriou. **** No dia 1º de setembro de 2001 - exatamente 100 anos depois que Marie Monsen chegou à China para iniciar sua carreira missionária - mais de 300 cristãos noruegueses se reuniram no cemitério de Bergen para uma oração especial e uma cerimônia de dedicação. Foi descerrada uma bela lápide em memória de Monsen, adquirida com contribuições de várias igrejas e ofertas individuais de muitos cristãos. O monumento apresenta a fotografia de Marie Monsen e seu nome em chinês. Além disso, traz: MARIE MONSEN 1878 -1962 MISSIONÁRIA NA CHINA 1901 -1932 Quando contei na China que o túmulo de Marie Monsen havia sido reconstruído, os crentes ficaram gratos e também aliviados. Temos de relembrar sempre o sacrifício dos que Deus usou para estabelecer seu reino. Eles merecem honra e respeito.
  • 12. 2. Fome saciada "Ouvi-me, terras do mar, e vós, povos de longe, escutai! O Senhor me chamou desde o meu nascimento, desde o ventre de minha mãe fez menção do meu nome." (Is 49.1.) Eu tinha 16 anos de idade quando o Senhor me chamou para segui-lo. Foi em 1974, e a Revolução Cultural ainda assolava a China. Meu pai estava doente. Sofria de um tipo grave de asma, que evoluiu para câncer de pulmão. A doença chegara ao estômago. O médico falou para ele que não havia cura e que morreria logo. E, para a minha mãe, disse: "Não há esperança para o seu marido. Vá para casa e prepare-se para a morte dele." Meu pai passava as noites prostrado na cama, mal podendo respirar. Como era muito supersticioso, pediu a uns vizinhos que fossem chamar um sacerdote taoísta para expulsar os demônios do corpo dele. Ele acreditava que a enfermidade era um castigo dos demônios. A doença dele consumiu tudo que tínhamos: dinheiro, bens e energia. Ficamos tão pobres que só pude ir à escola quando já tinha nove anos, e precisei deixá-la aos 16. Para sobrevivermos, eu e meus irmãos tínhamos de pedir comida aos vizinhos. Meu pai fora capitão no exército nacionalista. Durante a Revolução Cultural, os outros habitantes da vila o odiavam e o perseguiam, pois ele havia lutado contra os comunistas. Matara muitos homens nas batalhas, e quase morrera. Ele tinha doze cicatrizes de balas em uma das pernas. Quando nasci, ele me deu o nome de "Zhenying", que significa "herói da tropa". A reputação do meu pai era horrível. Os vizinhos o evitavam por causa de seu temperamento violento. Durante a Revolução Cultural, a Guarda Vermelha fez acusações contra ele. Em consequência disso, ele se submeteu a muitos interrogatórios e foi espancado várias vezes. Firmado em sua coragem, recusou-se a confessar os "crimes" e não respondia quando lhe perguntavam quantos homens havia matado. Muito teimoso, preferia apanhar até a morte a dizer o que eles queriam ouvir. Meu pai tinha dois lados. A maioria das pessoas só conhecia o lado que era bem manifesto - duro e mal-humorado. Os dois maiores ensinamentos que transmitiu aos filhos foram: primeiro, temos de ser cruéis e insensíveis com os outros; e, segundo, temos de trabalhar muito. No entanto eu me lembro também de um lado gentil. Ele sempre tentou proteger a esposa e os filhos das ameaças externas. De modo geral, tínhamos um relacionamento muito bom. Esperávamos que ele recuperasse a saúde, mas ele foi piorando. Minha mãe enfrentava grande pressão diante da terrível possibilidade de criar cinco filhos sozinha. Ela não sabia o que aconteceria conosco se meu pai morresse. A situação era tão desesperadora que ela chegou a pensar em suicídio. Certa noite, estava deitada em sua cama, meio dormindo, meio acordada. De repente, ouviu uma voz muito clara, carinhosa e compassiva lhe dizer: "Jesus ama você". Ajoelhou-se no chão e, em lágrimas, arrependeu-se dos pecados e dedicou outra
  • 13. vez sua vida ao Senhor Jesus Cristo. Como o filho pródigo, ela voltou para a casa de Deus. Chamou imediatamente a família para orar a Jesus. "Jesus é a única esperança para o papai", falou. Contou o que tinha acontecido, e todos entregamos a vida a Deus. Depois, colocamos as mãos sobre nosso pai e passamos o resto da noite gritando uma oração bem simples: "Jesus, cura o papai! Jesus, cura o papai!" Logo na manhã seguinte, meu pai percebeu que estava bem melhor! Pela primeira vez, em meses, sentiu vontade de comer. Em uma semana, estava totalmente recuperado, sem nenhum vestígio do câncer! Foi um verdadeiro milagre. Com esse episódio, nossa família experimentou um avivamento, e nossa vida mudou de forma drástica. Foi um tempo de tanto poder que, até hoje, quase 30 anos depois que Jesus curou meu pai, todos os cinco filhos continuam seguindo a Deus. Meus pais ficaram tão gratos pelo que o Senhor havia feito que imediatamente quiseram compartilhar as boas-novas com todos da vila. Naquela época, era proibido realizar reuniões em público, mas eles tiveram uma idéia para resolver esse problema. Mandaram que fôssemos convidar parentes e amigos para irem à nossa casa. As pessoas chegaram sem saber por que haviam sido chamadas. Muitos deduziram que meu pai tinha morrido, de modo que foram vestidas para o enterro! Todos se espantaram ao vê-lo na porta, recebendo os visitantes, parecendo gozar de saúde perfeita. Quando todos chegaram, meus pais os convidaram a entrar. Trancaram a porta e cobriram as janelas. Então explicaram como ocorrera a cura por meio da oração a Jesus. Todos os presentes se ajoelharam no chão e, com alegria, aceitaram a Jesus como Salvador e Senhor. Foi um tempo empolgante. Eu não apenas recebi Jesus como meu Salvador pessoal, mas também passei a desejar servi-lo de todo o meu coração. Minha mãe não sabia ler nem escrever, e mesmo assim foi a primeira pregadora da nossa comunidade. Liderava uma pequena igreja em nossa casa. Não lembrava muitos versículos, mas sempre insistia conosco para fixarmos a atenção em Jesus. Clamávamos a ele, que nos ajudava em sua grande misericórdia. Lembro-me daqueles dias e fico espantado ao perceber como Deus usou minha mãe a despeito de ela não saber ler. O coração dela estava totalmente entregue a Jesus. Alguns dos maiores líderes das igrejas domésticas da China hoje tiveram seu primeiro encontro com Deus através do ministério da minha mãe. A princípio, eu não sabia exatamente quem era Jesus, mas tinha visto que ele curara meu pai e libertara minha família. Em confiança, entreguei-me ao Deus que curara meu pai e nos salvara. Perguntava frequentemente à minha mãe quem era Jesus. Ela me dizia: "É o Filho de Deus, que morreu por nós na cruz, levando todos os nossos pecados e doenças. Tudo que ele ensinou está escrito na Bíblia." Perguntei se havia sobrado alguma dessas palavras de Jesus para eu ler. Ela respondeu: "Não. Acabaram todas. Não sobrou nada dos ensinamentos dele." Isso aconteceu durante a Revolução Cultural, quando não havia Bíblias na China. Desde o dia dessa conversa, passei a desejar intensamente possuir uma Bíblia. Perguntei à minha mãe e a alguns cristãos como era uma Bíblia, mas ninguém sabia. Uma pessoa havia visto porções dela copiadas à mão e folhas com hinos, mas ninguém vira uma inteira. Apenas os mais velhos se lembravam de terem visto, muitos anos antes, exemplares dela. A Palavra de Deus era algo raro naquela terra.
  • 14. Eu sentia fome da Bíblia. Vendo meu desespero, minha mãe se lembrou de um homem já idoso que vivia em outra vila. Antes da Revolução Cultural, ele fora pastor. Percorremos juntos o longo caminho que levava à casa dele. Assim que o encontramos, falamos o que desejávamos: - Nós queremos ver uma Bíblia. O senhor tem uma? Imediatamente ele se mostrou amedrontado. Havia passado quase 20 anos preso por causa da fé. Reparou em mim e viu que eu era muito jovem, pobre, de roupas esfarrapadas e pés descalços. Sentiu pena, mas nem assim atendeu o meu pedido. Eu não o culpo por sua atitude. Naquela época, havia pouquíssimas Bíblias na China. Ninguém tinha permissão para ler outro livro além do pequeno livro vermelho de Mao. Se alguém o pegasse com uma Bíblia, ela seria queimada e ele e sua família, espancados com crueldade no meio da vila. Aquele senhor idoso me disse apenas isto: "A Bíblia é um livro celestial. Se você quiser uma, vai ter de orar ao Deus do céu. Só ele pode lhe dar uma. Deus é fiel. Sempre responde aos que o buscam de todo o coração." Acreditei totalmente nas palavras do pastor. Enquanto voltávamos para casa, peguei uma pedra e a levei para o meu quarto. Toda noite me ajoelhava nela para orar. Era uma prece simples: "Senhor, por favor, me dá uma Bíblia. Amém." Eu ainda não sabia orar, mas continuei, por mais de um mês. Não aconteceu nada. Não apareceu nenhuma Bíblia. Voltei à casa do pastor; dessa vez, sozinho. Falei para ele: - Orei a Deus, como o senhor disse, mas ainda não recebi a Bíblia que tanto quero. Por favor, por favor, mostre a sua para mim. Vou dar só uma olhadinha e pronto! Nem preciso tocar nela. O senhor segura, e eu vou ficar feliz só de olhar. Se o senhor deixar, eu copio algumas palavras e volto feliz para a minha casa. Ele, percebendo a ansiedade do meu coração, me aconselhou de novo: - Se você está falando sério, então, além de se ajoelhar e orar ao Senhor, precisa incluir nisso o jejum e o pranto. Quanto mais você chorar, mais rápido vai conseguir sua Bíblia. Desde esse dia, me recusava a comer de manhã e de tarde. A noite, aceitava apenas uma pequena tigela de arroz cozido. Chorava como uma criança faminta, que clama ao Pai celestial para ser saciada pela Palavra. Nos cem dias que se seguiram, orei por uma Bíblia até não aguentar mais. Para os meus pais, eu estava enlouquecendo. Olhando para o passado, eu diria que foi a experiência mais difícil que enfrentei. Então, um dia, algo aconteceu. Às quatro horas da madrugada, depois de meses implorando a Deus em oração, recebi uma visão do Senhor enquanto estava ajoelhado ao lado da minha cama. Na visão eu subia uma colina íngreme, tentando empurrar um carrinho pesado. Ia para uma vila, onde pretendia pedir alimento para minha família. Minha luta era intensa, pois me encontrava faminto e fraco devido ao jejum constante. O carrinho velho estava a ponto de rolar por cima de mim. Nesse momento vi três homens descendo a colina na minha direção. Um deles era velho, de ar bondoso, com uma longa barba. Ele empurrava um carrinho cheio de pães frescos. Os outros dois caminhavam, um de cada lado do carro. Ao me ver, o idoso sentiu muita pena e demonstrou compaixão. - Você está com fome? perguntou ele. - Sim. Não tenho nada para comer. Estou indo arrumar comida para minha família, respondi.
  • 15. E eu chorei, pois minha família era extremamente pobre. Por causa da doença do meu pai, havíamos vendido tudo de valor para comprar remédios. Tínhamos pouca coisa para comer e, durante vários anos, fomos obrigados a pedir ajuda aos amigos e vizinhos. Quando aquele homem me perguntou se eu estava com fome, só consegui chorar. E ele demonstrou amor e compaixão como eu nunca havia visto. Ele pegou no carrinho um pacote vermelho contendo pão, e pediu que os outros dois, que eram seus servos, o entregassem para mim. Em seguida falou: "Coma imediatamente." Abri o embrulho e vi que o pão era fresco. Quando coloquei o pão doce na boca, imediatamente ele se transformou em uma Bíblia! Na visão, ajoelhei-me no mesmo instante, segurando minha Bíblia, e gritei ao Senhor para lhe agradecer: "Senhor, teu nome é digno de louvor! Não desprezaste minha oração. Permitiste que eu recebesse esta Bíblia. Quero te servir pelo resto da minha vida." Logo acordei e passei a procurar a Bíblia pela casa. O resto da família ainda dormia. A visão havia sido tão real que, ao descobrir que fora apenas um sonho, fui tomado de uma angústia profunda e não controlei o choro. Meus pais vieram correndo do quarto para ver o que havia acontecido. Achavam que eu tinha enlouquecido depois de tanto jejum e oração. Contei a visão, mas, quanto mais eu falava, mais eles pensavam que eu estava doido! Minha mãe falou: "O dia ainda não raiou, e ninguém veio aqui em casa. A porta está trancada." Meu pai me segurou com força. E, com lágrimas nos olhos, clamou a Deus: "Querido Senhor, tem misericórdia do meu filho. Por favor, não permitas que ele enlouqueça. Prefiro ficar doente de novo se isso evitar que ele fique doido. Por favor, dá uma Bíblia ao meu filho!" Nós três nos ajoelhamos e choramos juntos, de braços dados. De repente, ouvi uma batida fraca na porta. Uma voz muito gentil chamou meu nome. Corri até lá e, com a porta ainda trancada, perguntei: - Você está trazendo pão para mim? A voz replicou: - Sim, temos um banquete para você. Reconheci imediatamente a voz que ouvira na visão. Abri logo a porta e lá estavam, bem na minha frente, os dois servos que eu vira. Um deles carregava um pacote vermelho. Meu coração disparou. Abri o embrulho e segurei a minha própria Bíblia! Os dois partiram apressadamente, antes mesmo de o sol nascer. Apertei a Bíblia contra o peito e caí de joelhos do lado de fora da casa. Não parava de agradecer a Deus! Prometi a Jesus que, daquele momento em diante, devoraria sua Palavra como uma criança faminta. Depois fiquei sabendo o nome dos dois homens. Um era o Irmão Wang e o outro, o Irmão Sung. Eles tinham vindo de uma vila distante. Falaram-me sobre um evangelista que eu não conhecia e que havia sofrido terrivelmente pelo Senhor durante a Revolução Cultural, quase morrendo por causa das torturas. Cerca de três meses antes do dia em que recebi minha Bíblia, o evangelista tivera uma visão do Senhor. Ele viu um jovem, a quem deveria dar a Bíblia que havia escondi- do. Viu também nossa casa e a localização dela na vila. Como muitos cristãos daquela época, ele colocara a Bíblia em uma lata e a enterrara em um buraco bem fundo. Tinha a esperança de que chegasse o dia em que poderia desenterrá-la e voltar a lê-la. A despeito da visão, só alguns meses depois decidiu obedecer a Deus. Pediu a dois cristãos para me entregarem a Bíblia. Então eles caminharam a noite inteira até chegarem à minha casa. Daquele momento em diante, passei a orar a Jesus com mais fé. Confiava de todo o coração que as palavras da Bíblia eram palavras que Deus dirigia a mim. Não me
  • 16. separava da minha Bíblia. Até quando dormia, eu a segurava sobre o peito. Passei de fato a devorar seus ensinamentos como uma criança faminta. Foi o primeiro presente que recebi de Deus em resposta a uma oração. ***** DELING: Na mesma época em que Deus preparava meu marido para uma vida de serviço ao evangelho, também me chamou e começou a me preparar para ser companheira de Yun. Nasci em 1962, em Nanyang, Província de Henan, numa vila chamada Yenzhang, a alguns quilômetros da vila de Yun. Minha família era extremamente pobre. Somos sete filhos, e mal tínhamos o que vestir e comer. Quando penso em minha infância, lembro-me de momentos de felicidade misturados a outros de luta pela sobrevivência. Nossa plantação ficava a l,5km da nossa casa. Todos os dias fazíamos esse trajeto a pé, carregando ferramentas e implementos agrícolas muito pesados. E era diariamente também que levávamos os animais para lá e os trazíamos de volta. Era obrigação das crianças carregar o algodão colhido até em casa, em duas cestas pesadas que ficavam suspensas nas pontas de uma vara. íamos pelo caminho escorregando e deslizando na lama. Algumas vezes, levávamos mais de uma hora para conseguir chegar em casa com a carga. Era um serviço pesado, bastante árduo. A luta contra a hemofilia dominava minha vida. Quando eu me cortava, o sangue levava um longo período para estancar. Para mim, era como se eu precisasse ficar o tempo todo enrolando os pés e as mãos em trapos para deter alguma hemorragia. Minha mãe não suportou a pressão intensa que enfrentava. Ela adoeceu mentalmente. Passava bem o dia, mas, à noite, nós a ouvíamos conversar sozinha, além de rir e chorar. Algumas vezes, falava com as paredes, como se elas fossem gente. Certo dia, ela se converteu ao evangelho. A partir daí a paz de Deus foi aos poucos tomando conta dela e devolvendo-lhe a sanidade. Isso representou um testemunho poderoso para a nossa família e para os vizinhos. Eu me aproximei de Jesus por causa da minha doença. Uma vizinha nossa, uma senhora cristã, me apresentou uma promessa simples: "Se você crer em Jesus, ele vai curar você." Aos 18 anos, entreguei minha vida a Jesus Cristo. Já em minha primeira noite como convertida fui levada a uma reunião da igreja doméstica. O Departamento de Segurança Pública apareceu e tivemos de fugir a pé, na escuridão. Foi essa minha iniciação nas "implicações" de seguir o Senhor! Poucos dias depois do meu batismo, recebi uma visão clara do Senhor enquanto dormia. Alguém me conduziu a um lago de águas cristalinas. Em seguida mandou que eu lavasse as mãos e os pés cobertos de feridas por causa da minha doença. Mergulhei as mãos e os pés cheios de cicatrizes na água e vi minha pele completamente curada e renovada. Ao acordar, na manhã seguinte, minha pele estava como a de um recém-nascido! O que ocorrera na visão havia acontecido de verdade enquanto eu dormia! Desde então, nunca mais sofri com a hemofilia. Por causa desse grande milagre, o Senhor foi sempre muito real para mim. Mesmo quando nossa vida ficava muito difícil e enfrentávamos perseguições todos os dias, eu me comprometi a seguir Jesus, a despeito do preço que tivesse de pagar. Outras duas jovens se converteram na mesma época que eu. Participávamos juntas das reuniões, que aconteciam em várias partes do distrito. Frequentemente andávamos mais de uma hora para chegar ao local. Depois das reuniões, era comum eu voltar para casa sozinha. E isso representava um grande perigo, pois à noite, além de estar escuro, havia malfeitores e cães loucos soltos na rua.
  • 17. Deus realizou um grande milagre para me proteger e me ajudar naqueles primeiros dias. Muitas noites, voltando para casa, eu via uma luz a uns dez metros na minha frente, no meu caminho, como se alguém estivesse carregando uma lanterna e me mostrando por onde eu deveria passar. Era comum eu me perder na escuridão cerrada, mas aí via a luz, como uma pequena estrela, me mostrando como voltar ao caminho certo. Ela não era constante, mas aparecia sempre que eu estava indo na direção errada. Por causa de muitas experiências semelhantes a essa, minha fé cresceu rapidamente.
  • 18. 3. "Vá para o Oeste e para o Sul" Eu lia a Palavra de Deus todos os dias, desde a manhã até tarde da noite. Quando era necessário ir trabalhar na plantação, embrulhava a Bíblia, colocava-a por dentro da roupa e aproveitava todas as oportunidades para assentar e ler. Na hora de dormir, levava-a para minha cama e a colocava sobre o peito. A princípio, foi difícil ler, porque eu só havia frequentado a escola por três anos. Além disso, meu exemplar era em chinês tradicional, e eu tinha aprendido a escrita simplificada. Encontrei um dicionário e, com muito esforço, fui procurando um caractere de cada vez e assim avancei na leitura. Depois que consegui ler a Bíblia inteira, passei a decorar um capítulo por dia. Depois de 28 dias, eu já sabia de cor todo o Evangelho de Mateus. Li rapidamente os outros três Evangelhos antes de passar para o livro de Atos e começar a decorá-lo. Certa manhã, por volta das 9:00h, estava lendo o primeiro capítulo de Atos e comecei a meditar no versículo 8: "Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra". Eu não sabia muito bem quem era o Espírito Santo. Corri para perguntar à minha mãe, mas ela também não sabia. Disse simplesmente: "Já falei para você tudo que lembro. Por que você não pede a Deus o Espírito Santo do jeito que você orou pela Bíblia?" Minha mãe não sabia ler, de modo que seu conhecimento da Bíblia não era muito profundo. Conseguia apenas recitar uns poucos versículos que ouvira de outros crentes. Foi um momento decisivo em minha vida. Eu desejava a presença e o poder de Deus, e agora estava entendendo a importância de conhecer a Palavra escrita. Orei ao Senhor: "Preciso do poder do Espírito Santo. Estou disposto a ser sua testemunha." Após a oração, o Espírito me encheu de alegria. Uma revelação profunda do amor e da presença dele inundou meu ser. Antes eu não gostava de cantar, mas depois disso muitas canções de adoração começaram a brotar dos meus lábios. Eram palavras que eu nem conhecia. Mais tarde eu as escrevi. E até hoje as igrejas domésticas da China can- tam esses hinos. Passei a esperar a direção do Senhor, e uma coisa maravilhosa aconteceu. Certa noite, por volta das 10:00h - antes de meus pais irem se deitar - acabei meu período de oração e decorei o capítulo 12 de Atos. Quando já estava deitado em minha cama, senti alguém cutucar meu ombro e ouvi uma voz: - Yun, vou mandar você para o Oeste e para o Sul, a fim de que seja minha testemunha. Pensei que fosse minha mãe. Pulei da cama, fui até o quarto dos meus pais e perguntei: - A senhora me chamou? Quem cutucou meu ombro? - Nenhum de nós dois chamou você. Vá dormir, respondeu minha mãe. Orei de novo e me deitei. Meia hora depois, ouvi uma voz clara que insistia comigo:
  • 19. - Yun, você irá para o Oeste e para o Sul a fim de proclamar o evangelho. Será minha testemunha e falará em meu nome. Levantei-me imediatamente e contei à minha mãe o que havia acontecido. Ela mandou que eu voltasse para a cama e que ficasse calmo. Estava com medo, de novo, de que eu enlouquecesse! Ajoelhei-me e orei ao Senhor: - Jesus, se estás falando comigo, estou pronto para ouvir. Se estiveres me chamando para pregar as boas-novas, vou obedecer, de boa vontade, ao teu chamado para minha vida. Na madrugada seguinte, por volta das 4:00h, recebi um sonho do Senhor. Vi o mesmo homem idoso cheio de amor que me dera o pão na visão anterior. Ele veio andando em minha direção com os olhos fixos nos meus e disse: "Você deve ir rumo ao Oeste e ao Sul para proclamar o evangelho e ser testemunha do Senhor." Vi ainda uma enorme reunião, com milhares de pessoas. O senhor idoso irradiava grande autoridade diante da multidão. Disse-me ele: "Você será minha testemunha para eles." Eu não sabia o que fazer. Uma mulher endemoninhada que estava na reunião veio em minha direção. O homem falou: "Coloque suas mãos sobre ela e expulse os demônios em nome de Jesus." E fiz isso no sonho. A mulher se contorcia, como se estivesse nos espasmos da morte. Depois, foi totalmente liberta das forças demoníacas que a controlavam. Todos ficaram espantados, porque ninguém nunca havia visto uma coisa como aquela. De repente, ainda no sonho, um jovem saiu da multidão e perguntou: - Você é o Irmão Yun? Nossos irmãos estão orando e jejuando por você há três dias. Esperamos que você venha pregar o evangelho para nós. Precisamos desesperadamente que você venha à nossa vila. O jovem me contou seu nome, idade e a vila em que morava. Senti-me tocado e disse a ele: - Irei lá amanhã. Assim que o dia raiou, chamei meus pais e contei-lhes que iria pregar o evangelho, pois Jesus Cristo havia me mandado fazer isso. Minha mãe perguntou aonde eu ia. Respondi: "Na noite passada o Senhor falou comigo três vezes. Ele me disse: 'Vá para o Oeste e para o Sul pregar o evangelho'. E eu vou ser obediente ao chamado celestial." Eu sabia que o sonho tinha vindo de Deus, então estava confiante de que tudo aconteceria como havia sido mostrado. Disse à minha mãe: "Hoje, depois que eu sair, vai chegar aqui um rapaz vindo do Sul. Ele tem 24 anos e estará usando camisa branca e calça cinza com remendos nos joelhos. Os cristãos da vila em que ele mora estão orando e jejuando há três dias. Eles precisam que eu vá lá testemunhar do Senhor. Eu o vi esta noite no sonho. Prometi que irei com ele para o Oeste e para o Sul." Minha mãe não entendeu nada do que falei, então expliquei com clareza: "Um rapaz chamado Yu Jing Chai virá aqui em casa hoje. Por favor, fique aqui para recebê-lo. Não o deixe ir embora antes que eu volte." Naquela manhã, parti da minha vila, andando no sentido Oeste. Cruzei uma ponte, e encontrei-me com um cristão idoso chamado Yang. Ele me perguntou aonde eu ia e respondi: "Hoje de manhã, Deus falou comigo três vezes. Ele quer que eu pregue o evangelho no Oeste e no Sul."
  • 20. O coração do Irmão Yang foi profundamente tocado. Ele disse: - Eu estava indo exatamente ver você. Recebi a incumbência de levá-lo rumo ao Oeste, até a Vila Gao, para você compartilhar o evangelho. Os irmãos e irmãs de lá ouviram contar como você orou e recebeu um livro do céu. Queremos que você compartilhe conosco o que está escrito nele. Estamos em jejum e oração por você há três dias. Eles me mandaram vir aqui para levar você até lá. Era tempo da colheita, de modo que o pessoal estava trabalhando nas plantações quando chegamos. Mas, ao nos aproximarmos, o Irmão Yang disse a eles: "Vejam, este é o homem por quem vocês estão orando." Imediatamente eles largaram as ferramentas e correram para perto de nós. Entramos todos numa casa. Assentei-me no chão e os demais se apertaram à minha volta. Eu estava nervoso, porque nunca tinha falado para um grupo. Trinta ou quarenta rostos me fitavam, me esquadrinhando com os olhos, ansiosos para ouvir a Palavra de Deus. Estavam mesmo famintos da verdade. Já havia alguns convertidos na Vila Gao, mas a maioria ainda não era crente. Fiquei assentado, com os olhos bem fechados e segurei a Bíblia acima da cabeça. Então declarei: "Esta é a Bíblia. O anjo do Senhor a mandou para mim em resposta às minhas orações. Se vocês quiserem uma Bíblia, terão de orar e buscar a Deus como eu fiz." Todos olharam para mim de boca aberta, atônitos. A forma que Deus usou para me dar a Bíblia causou grande espanto. Eles queriam que eu os ensinasse. Naquela época, eu não conhecia o significado de "pregar". Só sabia recitar os versículos que havia decorado. Por isso recitei todo o Evangelho de Mateus em voz alta, do capítulo 1 ao 28. Não sabia se os ouvintes estavam entendendo. Para não me perder nem esquecer de nada, repeti tudo bem depressa, deixando as palavras fluírem como um rio. Quando terminei, estava cheio do Espírito Santo. Nesse momento cantei alguns cânticos das Escrituras, músicas que eu nem conhecia. Ao abrir os olhos, descobri que a Palavra de Deus havia cativado todos os presentes. O Espírito Santo estava convencendo-os dos pecados. Todos se ajoelharam e se arrependeram, com lágrimas correndo pelo rosto. Naquela noite, embora eu tivesse apenas 16 anos, aprendi que a Palavra de Deus é poderosa. Quando a compartilhamos com o coração ardente, muitos são alcançados. Logo na primeira reunião, graças ao poder de Deus, dezenas de pessoas entregaram o coração a Jesus. Eles insistiram comigo para ficar e continuar a ler a Bíblia. Mas eu disse a eles: "Deus me mandou ir testemunhar no Sul também." A explicação não lhes agradou. E eles não queriam me deixar partir! Por isso, fiquei e recitei para eles os doze primeiros capítulos de Atos. Prometi que depois que decorasse mais eu voltaria e repetiria tudo para eles. Enquanto me preparava para partir de Gao, uma jovem se aproximou e me perguntou: - Você disse que vai para o Sul. Para onde, exatamen-te? - Lá no Sul mora um homem chamado Yu Jing Chai. Eu prometi a ele hoje de manhã que o acompanharia até sua vila. A mulher ficou surpresa e me perguntou se eu o conhecia. - Sim, eu o conheço, repliquei. - De onde? indagou ela. - Eu o conheci em um sonho que o Senhor me deu hoje de manhã, expliquei. Ela começou a chorar bem na minha frente e falou: - Yu Jing Chai é meu irmão!
  • 21. Ela fora a primeira da sua família a se converter. Levara a mãe e o irmão a conhecerem o Senhor. Embora morassem em lugares diferentes, os três haviam jejuado e orado por mim durante três dias. O Senhor organizara tudo isso, e de um jeito que só ele é capaz de fazer. O Espírito Santo estava agindo de forma maravilhosa. Os habitantes de Gao se despediram de mim com amor, com os olhos cheios de lágrimas. E algo extraordinário aconteceu quando tomei o caminho para casa. Gao fica a uns 6km da minha vila. A maior parte do caminho é em trilhas estreitas, então o percurso pode levar até duas horas. Eu sabia que Yu Jing Chai provavelmente estava me aguardando na minha casa, portanto achei melhor correr para ele não esperar muito. Fui repetindo versículos da Bíblia em voz alta enquanto corria e não prestei atenção ao caminho. Não senti nem notei nada diferente. Mas o fato é que entrei na minha vila sem que o tempo tivesse passado! O caminho que levaria mais de uma hora gastou apenas alguns minutos. Embora seja difícil explicar, essa experiência é inesquecível. Creio que Deus repetiu o milagre que realizara com Filipe, em Atos 8.39,40: "... O Espírito do Senhor arrebatou a Filipe... Filipe veio a achar-se em Azoto; e, passando além, evangelizava todas as cidades até chegar a Cesaréia". Cheguei em casa e encontrei minha mãe exultante. Nem me chamou pelo meu verdadeiro nome, mas de Samuel. Ela chorava: - Samuel, Samuel, o jovem de quem você falou hoje de manhã, Yu Jing Chai, veio aqui. A roupa dele era exatamente como você descreveu. Perguntei onde ele estava, mas ela me disse que ele tinha ido embora. Exclamei: - Ah, mãe, eu pedi para a senhora não deixar que ele partisse! Eu prometi a ele, no sonho, que iria pregar o evangelho na vila dele. Minha mãe me acalmou, dizendo: - Não se preocupe! Seja paciente e espere eu terminar de falar. Quando esse querido rapaz chegou hoje à tarde, vi que era o jovem de quem você tinha falado de manhã. O nome dele é Yu Jing Chai mesmo. Perguntei se ele se chamava Irmão Yu. Ele ficou muito surpreso e perguntou como eu sabia o nome dele. Então perguntei: "Você é Yu Jing Chai?" Ele ficou temeroso, e quis saber como eu sabia o nome dele todo. Perguntei-lhe: "Você veio pedir a meu filho que vá com você para o Sul para compartilhar o evangelho?" Bom, resumindo, o Irmão Yu ficou atônito e indagou a ela: - Como a senhora sabe? Minha mãe explicou: - Os irmãos estão orando e jejuando há três dias pedindo que meu filho vá pregar o evangelho para vocês. Ele já prometeu que irá, mas foi ao Oeste de manhã. Estará de volta no fim da tarde. Você não quer se assentar e tomar um copo de água? Ao ouvir isso, Yu ficou tão feliz que deu meia-volta e correu para casa. Saiu com tanta pressa que até esqueceu o chapéu de palha! Disse que voltaria no fim da tarde para me levar. No instante em que o sol estava se pondo, Yu Jing Chai entrou em nosso jardim. Achava-se todo suado por causa da longa corrida. Era exatamente como eu o vira no sonho da noite anterior. Peguei a mão dele e falei: "Você é o Irmão Yu, e, com outras pessoas, está orando há três dias para que eu vá até vocês. Eu o encontrei hoje de manhã, no meu sonho. Saiba que Jesus ama você. Eu vou acompanhá-lo até sua casa." Nós nos abraçamos e choramos juntos. Minha mãe parou de questionar minha sanidade. Depois, estendeu as mãos sobre nós e nos abençoou enquanto partíamos, na
  • 22. escuridão, rumo à vila ao Sul. Lá, voltei a recitar todos os versículos que havia decorado. O fogo do evangelho passou a arder em nossa região naquele dia. Não apenas no Oeste, mas também no Sul. Muita perseguição e grande sofrimento pela fé nos aguar- davam no futuro, mas, naqueles primeiros dias, tudo era doce e maravilhoso. Deus derramou seu Espírito sobre muitas almas desesperadas. Como sedentos no deserto, bebiam com alegria a água da Palavra de Deus. Embora eu fosse apenas um adolescente, o Senhor me capacitou a levar mais de duas mil pessoas a Jesus em meu primeiro ano de convertido. Naquela época, meu entendimento de "Oeste e Sul" se limitava à região em volta da nossa vila. Aos poucos, pela graça de Deus, o território foi se expandido à medida que os anos passavam, e chegou a incluir toda a China e até outros países. ***** Na primeira vez em que compartilhei o evangelho na Vila de Gao, o Senhor me deu cânticos baseados nas Escrituras para entoar na reunião. As pessoas anotaram as le- tras para lembrarem depois. Uma das músicas era o trecho do Evangelho de Mateus em que Jesus nos instrui a voltarmos a face esquerda a quem nos bater na direita. Outra ensinava a nos regozijarmos quando formos perseguidos por causa do evangelho. Havia ainda outra que dizia que jamais devemos ser como Judas, que negou seu Mestre. O fato de tanta gente se converter ao mesmo tempo chamou a atenção das autoridades. Todos os crentes em Gao foram presos e levados para o posto policial. Os policiais faziam perguntas e exigiam respostas: - Quem trouxe o nome de Jesus para vocês? Como foi que todos vocês começaram a acreditar nessas superstições? Os crentes estavam cheios de uma alegria arrebatadora. E só diziam: - Não seremos como Judas! Jamais trairemos o Senhor Jesus! Os policiais começaram a bater neles, e eles ficaram ainda mais alegres. Falavam: - Por favor, senhor, bata também na outra face! Os cristãos riam e se regozijavam. Por fim, os policiais cansaram de bater neles e concluíram: - Vocês, cristãos, são todos loucos! Fizeram algumas advertências, e mandaram todos para casa.
  • 23. 4. Deus abençoa toda a minha família Sou grato a Deus porque ele salvou toda a minha família. Meu pai partiu para o céu alguns anos depois de ser milagrosamente curado do câncer. Sofri e me alegrei ao mesmo tempo. Sofri por tê-lo perdido tão cedo, mas fiquei feliz porque o Senhor o salvou. Deus usou a enfermidade do meu pai para levar toda nossa família ao pé da cruz. Minha mãe era exatamente como a profetisa Ana. Ela "adorava noite e dia em jejuns e orações" (Lc 2.37). Agradeço a Deus, porque ele me deu não apenas pais maravilhosos, mas também uma esposa virtuosa. A Bíblia diz: "Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor muito excede o de finas jóias. O coração do seu marido confia nela, e não haverá falta de ganho. Ela lhe faz bem e não mal, todos os dias da sua vida" (Pv 31.10-12). Deus, em sua graça, preparou uma esposa assim e a deu para mim! Deling decidiu se casar comigo por causa do seu amor e obediência a Deus. Nossas mães combinaram o casamento. A mãe dela é uma mulher sincera e honrada, e ama o Senhor. Em nosso primeiro encontro, eu disse a Deling: - Deus me escolheu para ser testemunha dele e segui-lo através de dificuldades imensas, no caminho da cruz. Não tenho dinheiro, e as autoridades estão sempre me perseguindo. Você quer mesmo se casar comigo? - Não se preocupe. Nunca abandonarei você. Vamos nos unir e serviremos juntos ao Senhor, respondeu ela. Fomos ao cartório de registro civil. Respondemos a algumas perguntas e preenchemos os formulários com nossos nomes. Ao terminarmos, o funcionário pediu a Deling para sair e me esperar do lado de fora. Depois mandou que eu fosse para outra sala. Ele havia notado que meu nome constava da relação de "Procurados" do Departamento de Segurança Pública. Logo, vários policiais chegaram e me levaram preso. Foi assim que começou nossa vida conjugal. E, apesar de tudo, Deling nunca me abandonou nem lamentou a existência para a qual Deus a chamou. Decidiu percorrer o caminho da cruz. Desde que nos casamos, Deling tem enfrentado pressões tremendas de sua família, da comunidade, das autoridades, enfim, de toda parte. E, mesmo assim, permaneceu totalmente fiel. Decidiu ficar comigo e chegou a sofrer na prisão por causa do Senhor. Eu não poderia ter melhor esposa e parceira! Poucos dias depois do nosso casamento, pegamos um ônibus para ir a uma reunião importante de líderes. Do lado de fora da rodoviária, o líder do Departamento de Assuntos Religiosos me reconheceu. Agarrou-me pelo colarinho e falou: - Fique quieto! Você não vai a lugar nenhum. Vai comigo para o escritório do Departamento de Segurança Pública (DSP). Pegou também a maleta de Deling. De repente, o Espírito do Senhor me mandou correr. Gritei para Deling: - Corra!
  • 24. Com um salto, livrei-me do policial antes que ele se desse conta do que estava acontecendo. Ele largou a maleta e correu atrás de mim. Corria e gritava: - Espião! Peguem o espião! O tumulto se instalou na rodoviária. Pulei por cima de um muro e escapei da multidão. Foi um milagre. Depois, me contaram que o muro era alto demais e que uma pessoa nunca conseguiria pular por cima dele. Durante a confusão, Deling também conseguiu escapar. O DSP recuperou a maleta da minha esposa e encontrou o endereço da reunião. Policiais foram até lá e prenderam vários líderes que já haviam chegado. ***** DELING: Gostaria de contar como conheci Yun. Depois da minha conversão, fui a uma vila próxima da minha, onde, uma vez por ano, era realizado um grande culto com batismos. Eu também, nova convertida, seria batizada. Era novembro, e já fazia bastante frio. Por motivos de segurança, o batismo começou por volta da meia-noite. Achávamos que os funcionários do DSP jamais deixariam a cama quentinha no meio da noite fria para nos prender, mas estávamos enganados. Por volta de 1:00h da madrugada eles chegaram e levaram mais de cem cristãos. O Irmão Yun era um dos que estavam batizando os convertidos. O DSP mandou fazermos duas filas para anotar os nomes e identificar cada um. Yun também se encontrava na fila, mas escapou quando os funcionários estavam distraídos. Foi como se Deus os tivesse cegado para que eles não enxergassem Yun. Eu já o vira algumas vezes, nas reuniões de domingo à noite na casa dele. Mas essa experiência no batismo me causou uma impressão muito forte. Achei que ele era meio louco! Nosso casamento foi arranjado por nossas mães, como é nosso costume. Depois que minha mãe foi curada e salva, ela decidiu que iria encontrar um pregador para casar comigo, e Yun era o único disponível em toda a região! Minha mãe visitou a dele, e as duas acertaram tudo. Essa decisão teve preço elevado para minha mãe. Quando ela contou à minha família que eu ia me casar com um pregador, meu pai e meus irmãos ficaram furiosos. Para eles, isso era pior do que me entregar a um mendigo. Sabiam que Yun não tinha dinheiro e não poderia dar à minha família presentes nem dinheiro, como era o costume. Tentaram de todas as formas impedir nossa união, mas minha mãe permaneceu inflexível. Dessa forma se arranjavam os casamentos em nossa região naquela época. Embora ainda hoje muitos casamentos sejam combinados, cada vez mais jovens escolhem, eles mesmos, com quem vão se casar. Mesmo depois que ficamos noivos, minha família continuou a deixar claro que não tinha nada a ver com Yun. Sendo assim, embora a vila em que ele morava ficasse a apenas 1,5km da nossa, não voltamos a nos encontrar nem a conversar antes do casamento. O pai de Yun morreu antes da nossa união, e não tive a oportunidade de conhecê-lo. Quando nos casamos, eu era muito nova, tinha apenas 18 anos. Minha mãe disse que, apesar de Yun ser um pregador muito pobre, era para eu me casar com ele; então não questionei. Não tinha a menor idéia do que fosse o casamento. Não havia como saber o que o futuro reservava para mim. Era apenas uma garota observadora, muito simples e inocente. Antes da cerimônia, eu e Yun fomos ao cartório de registro civil para requerer a licença. Depois que terminamos de preencher toda papelada, aguardei-o do lado de
  • 25. fora durante muito tempo, mas ele não saiu. Vi que não adiantava ficar esperando e voltei para casa. Só mais tarde soube que os funcionários haviam notado, quando ele escrevera seu nome nos formulários, que ele era procurado pelo DSP por ser pregador ilegal, e ele havia sido preso na mesma hora! Eles já sabiam que ele estava pregando o evangelho por toda a província. Foi assim que a nossa vida em comum começou! Mesmo com a demora que a prisão dele ocasionou, passou-se pouco mais de um ano entre o dia em que ficamos noivos e a data do casamento. Nós nos casamos em 28 de novembro de 1981, um lindo dia ensolarado. O Presbítero Fu dirigiu a cerimónia na casa de Yun. Foram montadas mais de vinte mesas que acomodavam de oito a dez convidados cada uma, então havia cerca de 200 pessoas. Seguindo nossa cultura, o casamento foi na casa do noivo, e meus pais não tiveram permissão de ir. Meus irmãos e todos os parentes de Yun estavam presentes. Lembro-me de que houve uma pregação, depois o Presbítero Fu nos abençoou e, de repente, estávamos casados! Na lua-de-mel, viajamos junto com uma irmã para uma reunião. Estávamos acabando de sair da cidade de Nanyang quando o líder do Departamento de Assuntos Religiosos do nosso distrito reconheceu Yun e agarrou-o pelo colarinho. Eu e a irmã corremos para o banheiro feminino e começamos a rasgar a Bíblia de Yun e os livros cristãos. Sabíamos que seria um problema sério se eles descobrissem que os livros haviam vindo de outros países. O homem começou a gritar todos os crimes que Yun supostamente cometera e, na confusão, meu marido conseguiu se safar e fugiu. Encontrei-me com ele mais tarde, no mesmo dia. Três ou quatro meses depois, estávamos em uma reunião a cerca de 30km da nossa casa. Yun havia sido preso mas conseguira fugir. Então, daquele tempo em diante, tornou-se foragido e não podia voltar para casa. Assim, ficava sempre indo de um lugar a outro, pregando o evangelho por toda a China. O Irmão Xu nos apresentou a Zhang Rongliang, que se uniu a Yun para a obra. Xu e Zhang lideravam redes diferentes de igrejas domésticas, mas o irmão Xu disse ao meu marido: "Vá como representante do nosso movimento. Faça novas amizades e seja uma bênção no grupo de Zhang." A tensão de saber que meu marido estava constantemente fugindo da polícia mais as dificuldades cotidianas foram demais para mim. Engravidei, mas sofri um aborto meses depois. Perdemos um menino. Era muito penoso ir à estação de trem ou de ônibus e ver nas paredes fotografias do meu marido como "procurado", um fugitivo da lei. Por certo há muita ação no cargo de esposa de Yun! Meus instintos femininos muitas vezes ansiavam por uma existência mais tranquila e uma vida familiar estruturada, mas a perseguição em geral tornou isso impossível.
  • 26. 5. O Caminho da Perseguição De forma maravilhosa, Deus ia salvando a muitos e enviando-os como novos conquistadores de almas. À medida que isso acontecia, a igreja em nossa região foi crescendo em graça e em número. Contudo a oposição logo se levantou contra nós. A conversão de tanta gente chamou a atenção das autoridades. Antes de nós, não havia nem um cristão em nossa vila. Passaram a perseguir minha mãe, pois acreditavam que ela era a líder de nossa igreja. Colocaram na cabeça dela um grande chapéu com orelhas de burro e fizeram com que ela desfilasse com ele pelas ruas. Obrigaram-na a participar de aulas de "re- educação", para "ajudá-la e reformular suas opiniões incorreras". Depois que assumi a posição de líder da nossa igreja, a pressão passou dela para mim. Vinham sempre perguntar onde eu estava, mas ela se limitava a ignorá-los e a fingir que não estava entendendo o que eles falavam! Depois de algum tempo eles a deixaram em paz, achando que ela havia enlouquecido. A primeira vez em que fui preso, eu tinha 17 anos. Nos anos seguintes, em várias ocasiões, fui detido e interrogado pelo Departamento de Segurança Pública. Em vez de nos enfraquecer, a perseguição nos fortaleceu. Quanto maior a pressão, mais fogo e amor havia para espalhar o evangelho. Éramos como os filhos de Israel du- rante a escravidão no Egito: "Mas, quanto mais os afligiam, tanto mais se multiplicavam e tanto mais se espalhavam; de maneira que se inquietavam por causa dos filhos de Is- rael" (Êx 1.12). Meu pai morreu em 1977. Estava fraco e subnutrido havia muito tempo e, por fim, aos 66 anos, foi para a presença de Deus. Entretanto o câncer que o Senhor havia curado em 1974 nunca voltou! O enterro dele foi um momento de grande emoção para mim. Embora soubesse que ele era salvo e estava no céu, senti uma saudade imensa, pois ele apoiava meu ministério e sentia orgulho de mim. Sempre me incentivou a servir ao Senhor de todo o coração. No inverno de 1978, começamos a batizar os convertidos. A única maneira segura que encontramos para fazer isso foi cortar um buraco no rio congelado e batizá-los na água gélida durante a noite, enquanto os policiais dormiam. Em muitas ocasiões batizamos centenas de convertidos nos rios e correntes de água do sul de Henan. Às vezes, Deus realizava um milagre, e ninguém sentia a água gelada. Alguns chegaram a comentar que ela estava morna! No fim da década de 70, multidões se convertiam todos os dias. A necessidade de ensino e crescimento na fé era imensa. Embora eu tivesse pouco mais de 20 anos, era considerado um líder maduro e era um dos cristãos mais antigos, pois havia me encontrado com o Senhor em 1974! O ano de 1980 foi fenomenal para a igreja em Henan. Lembramo-nos desse ano como a época em que Deus realizou inúmeros milagres grandiosos, muitas curas e falou de maneira sobrenatural através de muita gente. Vimos, nesse ano maravilhoso, a igreja crescer tremendamente. Mais tarde, os convertidos de 1980 se tomaram líderes da igreja de Deus por toda a China. A Província de Henan foi, para a China, uma espécie de Galiléia - lugar de onde saíram muitos dos discípulos de Jesus.
  • 27. Perto de Nanyang, centenas de pessoas, tanto cristãs quanto incrédulas, viram um lindo barco flutuando em um mar de nuvens sobre o local da reunião. Muitos pecadores se arrependeram e entregaram a vida a Cristo em consequência desse sinal e maravilha. Na vila de Fen Shuiling ("Colina Divisora de Águas"), também em Nanyang, um incrédulo estava à morte, devido a uma doença prolongada. A família nunca ouvira o evangelho. Uma noite, Jesus apareceu a esse homem e disse: "Meu nome é Jesus. Eu vim para salvar você." Fen Shuiling fica em uma região montanhosa remota. Os pregadores ainda não a tinham visitado. Não havia igreja nem pastor, então me surpreendi ao chegar lá e desco- brir que o evangelho se espalhara por muitas vilas e que dezenas de famílias já haviam colocado a fé em Cristo. O próprio Jesus pregara o evangelho a eles! Esses novos cren- tes estavam famintos, desejando receber o ensino da Palavra. Em dezembro de 1980, poucas semanas antes do Natal, o diabo usou uma nova forma de tentação e engano. Em lugar de torturas e demonstrações de força, passou a usar insinuações sutis e artimanhas furtivas. O governo convocou uma reunião de 120 representantes religiosos de todo o país. Foram convidados líderes muçulmanos, budistas, taoístas e cristãos. Ainda não sabíamos nada sobre a Igreja dos Três Poderes, que o governo estava organizando. "Três Poderes" relacionava-se aos três princípios que orientavam o movimento: autopropagação, auto-sustento e autogoverno. A maioria dos cristãos considerava isso bom e se regozijava porque parecia estar raiando um novo dia em que os crentes poderiam adorar em liberdade, sem interferência nem perseguição. Dirigi-me à reunião completamente aberto à idéia de me unir à nova igreja e liderar o trabalho em nossa região, caso fosse essa a vontade de Deus. O Departamento de Assuntos Religiosos (DAR) e o DSP locais organizaram juntos a reunião. Pretendiam escolher presidente e membros para o comitê de cada religião. O chefe do DAR me convidou para a reunião porque eu tinha a reputação de pregar o evangelho e também porque eu possuía uma Bíblia. Mais de 90% dos delegados queriam que eu fosse presidente da Associação Cristã, mas alguns me difamaram em público, afirmando que eu não era pastor, pois não havia frequentado o seminário. Um homem chamado Ho foi o principal acusador, porque queria o cargo. Alegou que acreditava em Jesus desde o útero de sua mãe! Contudo era fato notório que ele negara o Senhor durante a Revolução Cultural e que seguia uma teologia liberal extremamente centrada no homem. No decorrer da reunião, anunciou com orgulho que era muito mais qualificado do que eu, pois frequentara o seminário e até cursara a escola missionária antes de 1949. Assegurou que era a pessoa certa para assumir a responsabilidade pela igreja em nossa região. Ho afirmou que o governo deveria se opor a mim e aos meus colaboradores, porque íamos por toda parte ilegalmente, pregando o evangelho, curando os enfermos e expulsando demônios. Disse que tínhamos de parar com isso, porque perturbava a ordem social e ameaçava a paz e a estabilidade. Ele gritava comigo, irado. Fiquei calado o quanto aguentei, mas depois senti o fogo de Deus arder em meu interior, como se deu com Jesus ao confrontar os cambistas no templo. Ho terminou sua fala. O líder do DSP se levantou e insistiu com ele para continuar a acusar os "falsos cristãos, como Yun". Esfregando as mãos com alegria, disse:
  • 28. - Por favor, conte tudo que o senhor sabe sobre como Yun e seus colaboradores têm perturbado a ordem social. Confesse a sujeira de seu cristianismo. Conte como esses falsos pastores estão tentando destruir nossa nação. Ho sentiu-se honrado e voltou a se colocar em pé. Com orgulho, declarou: - Nós, os verdadeiros cristãos, temos muitas queixas contra os falsos cristãos como Yun. Enchi-me de ira ao ver aquele homem difamar e envergonhar a igreja de Deus na frente de incrédulos. Não consegui mais me conter. Levantei-me e ordenei a ele que, em nome de Jesus Cristo, calasse a boca! A reunião virou um tumulto. Eu estava cheio do Espírito Santo e, com palavras poderosas vindas do Senhor, proclamei: - Esta reunião não agrada a Deus! Apontei o dedo para os que alegavam crer em Jesus: - Vocês deveriam se envergonhar. E serão julgados pelo Senhor. A Bíblia afirma que crentes e incrédulos não devem estar sob o mesmo jugo. Como poderiam habitar juntas as trevas e a luz? A igreja de Deus não tem comunhão com os ídolos. O Senhor e a igreja dele julgarão vocês! Antes que eu terminasse de falar, irmãos e irmãs cristãos vieram para perto de mim com lágrimas nos olhos e me empurraram para minha cadeira. Eles imploravam para que eu me calasse antes que piorasse ainda mais a situação. O DSP e os líderes religiosos ficaram furiosos. Levantaram-se, bateram com o punho na mesa e me ameaçaram: - Por que você acha que pode interromper a reunião? Nunca mais terá permissão para participar! Assim que ouvi isso, voltei a me erguer e declarei: - Vou embora agora. Nunca mais me convidem para uma reunião deste tipo! Foi assim que o Senhor me levou a dar minha vida pelo evangelho na China e a trabalhar pelo crescimento das igrejas domésticas. Naquele dia, vi que o reino de Deus jamais se mistura com a política. O alvo final, declarado, do ensinamento marxista é a erradicação completa de toda religião. A noiva pura de Cristo nunca poderá ser controlada por um governo ateu, nem liderada por homens que odeiam o Senhor! A verdadeira igreja não é uma organização controlada por regras humanas, é uma coleção santa de pedras vivas, sendo Jesus a pedra angular. Saí da sala me sentindo livre como um pássaro. Um novo cântico nasceu em meu coração: Desde que saí de casa eu carrego minha cruz Indo aos confins da Terra por Jesus Compartilhei do sofrimento do meu Senhor Proclamando o evangelho com lágrimas nos olhos Muitas vezes sob vento e chuva Lágrimas correram pelo meu rosto. Há grande peso em meu coração, Mas o amor de Jesus me guia. Seu amor e sua graça me encorajam E me sustentam a cada dia. Orei: "Senhor, para onde irei? Senhor, como será meu futuro?" Imediatamente ele me fez lembrar de Jeremias 1.5-8: "Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações. Então, lhe disse eu: ah! Senhor Deus! Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança. Mas o Senhor me disse: Não digas: Não passo de uma
  • 29. criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te mandar falarás. Não temas diante deles, porque eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor". Nos meses que se seguiram, o Senhor começou a me ensinar a reconhecer a diferença entre a igreja dele e a Igreja dos Três Poderes. O governo criara o Movimento Patriótico das Três Autonomias e permitira igrejas "abertas, legais". Contudo sabíamos que fizera isso apenas para tentar controlar os cris- tãos e inserir o programa político nas comunidades religiosas. Consideramos os crentes da Três Poderes pássaros engaiolados. Sim, eles são capazes de cantar para o Senhor, mas têm as asas cortadas e estão em ambiente controlado. Só são livres dentro das restrições que lhes foram impostas. Nas igrejas domésticas, desfrutamos de liberdade para voar para qualquer lugar aonde Deus nos levar e para cantar do fundo do coração. Fomos libertos da gaiola e não pretendemos entrar nela de novo! É fato conhecido que os pássaros presos em gaiolas têm dificuldade para se reproduzir. Isso também vale para a maioria dos crentes confinados na estrutura da Igreja dos Três Poderes. Os cristãos das igrejas domésticas amam a liberdade, vagueiam pelo país, por todos os lugares aonde o Senhor os leva e proclamam o evangelho a todas as pessoas. E a reprodução ocorre em ritmo bem acelerado! Sabemos que há gente fiel a Jesus na igreja autorizada pelo governo da China hoje. Conheço muitos pessoalmente e aprendi a admirá-los. O problema não está nos pássaros engaiolados nas igrejas Três Poderes, mas sim na liderança corrupta e no poder político usado para controlar o povo. Os líderes restringiram ao máximo a liberdade dos pastores e membros da Igreja dos Três Poderes. Ninguém pode ministrar sem a permissão deles. O evangelismo é desaconselhado. Todo trabalho com crianças foi proibido. Chegaram a proibir a pregação de certas porções da Bíblia, como a segunda vinda do Senhor Jesus. Também é proibido ensinar sobre curas divinas e libertação dos demônios. Todo o livro de Apocalipse foi banido! Nós, nas igrejas domésticas, simplesmente não podemos aceitar esse tipo de controle e interferência. Cremos que Jesus, e não o governo, é o cabeça da igreja. Rompemos com a Igreja dos Três Poderes e adotamos postura firme contra todas as tentativas de nos colocar sob o domínio dela. As autoridades chinesas reagiram com uma longa temporada de "caça aos pássaros". Não suportam as aves livres que se recusam a acatar seu controle. De vez em quando conseguem pegar uns pássaros e os prendem atrás de barras de ferro. Mas até dentro dessas gaiolas os pássaros livres põem ovos e se reproduzem - conquistam muitas almas para o Senhor nas prisões. Nessa época, comecei minha carreira no "evangelismo de fuga". Isso significa que eu pregava o evangelho e fugia logo para outro lugar, com a polícia nos meus calcanhares, exatamente como Jesus instruiu seus discípulos: "Quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra" (Mt 10.23). Em julho de 1981, escapei por um triz de ir para a cadeia ao ser detido quando dirigia uma reunião de 120 crentes de igrejas domésticas. O pneu do carro da polícia que me levava para a delegacia furou, e consegui desaparecer na escuridão. Naquela noite, prostei-me no solo molhado e clamei a Deus: "Por que eles nos tratam assim? Por que o Senhor não nos protege?" O Espírito Santo me fez lembrar de dois textos bíblicos: "Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos." (1 Pe 2.21.)
  • 30. "Embora o Senhor vos dê pão de angústia e água de aflição, contudo, não se esconderão mais os teus mestres; os teus olhos verão os teus mestres. Quando te desviares para a direita e quando te desviares para a esquerda, os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele." (Is 30.20,21.) Mais uma vez ele me fez lembrar do chamado para pregar o evangelho no Oeste e no Sul. A graça de Deus é suficiente para mim, e os caminhos dele são mais elevados que os meus. Temos de nos submeter a ele e aceitar tudo que ele permitir que aconteça. Há períodos de paz e outros de lutas e perseguição, mas tudo vem do Senhor, para nos moldar e nos transformar nos vasos que ele deseja que sejamos. Naqueles dias muitos de nossos companheiros não podiam ir para casa, porque eram procurados pela polícia. Se voltassem, seriam presos imediatamente. Por isso, fugiram para comarcas e cidades diferentes, pregando o evangelho. Nem minha esposa podia ir para casa. A polícia entrava nos lares e confiscava nossos pertences. O ministério tornou-se noturno. Nós nos reuníamos à noite e dormíamos de dia, para diminuir as chances de sermos identificados. Todos nos sentíamos profundamente encorajados pelo exemplo deixado pela igreja primitiva. Sabíamos que o que estava acontecendo conosco não era novidade. Milhares de crentes de todos os séculos haviam sofrido provações semelhantes e ainda assim tinham perseverado até o fim. A Palavra do Senhor confortava e fortalecia nosso coração: "Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos; ora expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto de tribulações, ora tornando-vos co-participantes com aqueles que desse modo foram tratados. Porque não somente vos compadecestes dos encarcerados, como também aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens, tendo ciência de possuirdes vós mesmos patrimônio superior e durável" (Hb 10.32-34.) Durante vários séculos o evangelho lutou para se estabelecer na obstinada China. O solo era rochoso demais e não acolhia a raiz do evangelho. Mas, em seu tempo, Deus cumpriu seu propósito e estabeleceu a sua igreja. Sofrimento, perseguição e prisão fizeram o evangelho se espalhar rapidamente pelo país. Se nossa vida fosse fácil, provavelmente teríamos permanecido cada um em sua vila. No entanto, como estávamos sempre fugindo para novos lugares, a mensagem se espalhou para muitas regiões. O DSP ofereceu uma recompensa pela minha captura. Fui acusado de "perturbar a ordem social". Havia cartazes com minha foto como "procurado" em todas as estações de trem e de ônibus, em centenas de postes telegráficos e nos muros. Policiais à paisana tentavam me encontrar nos locais públicos. Fui detido várias vezes, mas o Senhor sempre permitia que eu escapasse. Certa ocasião, realizamos uma grande reunião no celeiro de uma fazenda, numa região afastada. O Espírito Santo se moveu com tanto poder que os crentes não conseguiam ir embora, ficaram adorando a Deus a noite toda, todas as noites. Chegou o dia em que eu precisei dormir. Para me afastar do celeiro, onde a música era muito alta, resolvi me deitar na plantação de milho que ficava nas redondezas. Dormia profundamente quando o DSP chegou e prendeu os outros líderes. Foram todos amontoados nos veículos policiais e levados à delegacia para interrogatório. A polícia descobrira que eu estava pregando e queria me encontrar. Ficaram sabendo que eu estava dormindo em algum lugar, mas ninguém sabia que eu estava na plantação. Os policiais revistaram todos os quartos e prédios, mas não me encontraram. Então tiveram a idéia de desligar o gerador a diesel, que fazia muito barulho, para me localizarem na noite silenciosa.
  • 31. Logo ouviram um barulho na plantação. Era meu ronco! As botas de bico de metal me acordaram. Contudo eu estava dormindo fora do celeiro e ninguém podia provar que eu estava envolvido na reunião. Foram obrigados a me deixar livre. Esses incidentes foram os primeiros de muitos anos de provações e sofrimento. O Senhor começou a nos ensinar a andar pelo caminho da perseguição. ***** DELING: No início da década de 1980, nenhum de nós tinha Bíblia. Havia centenas de membros nas igrejas, mas possuíamos apenas um Novo Testamento. Pouco depois, começamos a receber exemplares como resultado da Operação Pérola, em que cristãos estrangeiros tiveram a coragem de levar um milhão de Bíblias para a China em um navio. Quando as recebemos, estavam molhadas e tivemos de secá-las ao sol e separar as páginas, mas isso não nos incomodou. Para nós, as Bíblias eram mais preciosas do que ouro! Nesse tempo, Yun se colocou contra a igreja controlada pelo governo, e eu recebi uma visão do Senhor. Eu caminhava em direção a um espelho na parede, onde vi que havia duas Bíblias sobre minha cabeça. Na visão, descobri que podia voar como um pássaro. Estava totalmente livre! Pousei em uma rocha, com as Bíblias ainda na cabeça. Quando me coloquei sobre a rocha, homens e mulheres perversos me vaiaram e jogaram sujeira em mim. Queriam me destruir, mas eu podia voar em segurança no Espírito toda vez que eu precisasse. O Senhor me mostrou que era esse o tipo de vida que eu teria com meu marido. Por um lado, seríamos livres no Espírito, mas, por outro, teríamos muitos inimigos que iriam querer nos perseguir e destruir. Poderíamos voar no Espírito, mas, toda vez que pousássemos, teríamos esse tipo de experiência. Foi uma revelação clara da vida que se seguiria. Não entendi a visão naquela hora, mas com o passar dos anos fui vendo tudo acontecer exatamente como o Senhor me mostrara.
  • 32. 6. "O Deus de Pedro é o seu Deus" Uma onda de crimes varreu a China em 1983, com aumento desenfreado de assassinatos, sequestros, extorsões e prostituição. O governo percebeu que estava per- dendo o controle e lançou uma campanha anticrime. Centenas de criminosos foram executados em público. Infelizmente, as igrejas domésticas também eram consideradas ilegais, por recusarmos a nos juntar ao Movimento Patriótico das Três Autonomias (MPTA). Assim, nos tornamos alvo da campanha. As autoridades e o MPTA tachavam os cristãos não- registrados de "poluentes espirituais". Centenas de líderes de igrejas domésticas foram capturados e enviados para campos de trabalhos forçados. Em Henan, muitos crentes foram executados por causa da fé em Jesus. Durante essa onda de perseguição terrível, o Irmão Xu compartilhou comigo algumas reflexões importantes. Ele disse: "Precisamos pensar com cuidado no futuro das nossas igrejas domésticas. Temos de ser fiéis nas pequenas coisas e ao mesmo tempo acreditar nas grandes coisas de Deus. Precisamos aprender tudo o que o Senhor quiser nos ensinai em sua Palavra, na vida, em nossas experiências e no sofrimento. Por isso, será bom iniciar um esforço de oração e olhar para a misericórdia e a revelação de Deus. Vamos criar centros de treinamento e levar o evangelho a todas as partes do nosso país. Temos de nos preparar melhor para equipar as tropas a fim de estabelecer a igreja de Deus." O Irmão Xu escreveu um livrete intitulado Building up the Chinese House Churda (Edificando a igreja doméstica chinesa). Nesse trabalho ele resumiu sete princípios bíblicos importantes em que deveríamos focar nossas atividades. Agradeci a Deus por termos um projeto definido para avançar. Até ali não tínhamos um plano abrangente para conquistar toda a China. De 1983 até hoje o evangelho se espalhou, e milhares de obreiros foram enviados a áreas estratégicas ainda não-alcançadas. Obedientes à orientação do Espírito Santo, voltamos a atenção para a Província de Shaanxi, que havia sido pouco evangelizada. As igrejas rurais careciam de ensino sólido e encorajamento. Em Shaanxi, fica Xian, antiga capital da China. A província tinha a reputação de ser mais resistente ao evangelho do que as outras. Fui a uma reunião de oração em Henan, e os líderes me contaram que haviam recebido uma carta da igreja de Shaanxi. Os irmãos de lá suplicavam que enviássemos obreiros para ensiná-los a implantar igrejas. Os líderes me falaram: "Jejuamos e oramos nos últimos dias sobre o pedido deles. Acreditamos, Irmão Yun, que Deus quer que você vá para o Oeste, para Shaanxi. Queremos que parta imediatamente com duas colaboradoras. Elas não têm prática de pregar, você pode ensiná-las no caminho para lá. São guerreiras do evangelho, dedicadas de todo o coração a salvar almas." Naquela noite, antes de partirmos para Shaanxi, pedimos a Deus que preparasse o coração das pessoas para receberem sua Palavra. Enquanto orávamos, tive uma visão terrível que abalou minha alma. Os outros me contaram que os assustei com um grito: "Aleluia! O sangue de Jesus venceu você!" Pararam de orar e me perguntaram qual era o problema. Com a testa coberta de suor, contei:
  • 33. "Tive a visão de um mal terrível. Uma criatura medonha, preta, veio atrás de mim. Tinha a cara horrivelmente contorcida. Prendeu-me no chão e assentou-se em minha barriga. Eu não conseguia me levantar. Com uma das mãos, agarrou meu pescoço e começou a me sufocar. Com a outra, pegou um alicate e tentou fechar minha boca. Eu mal conseguia respirar. Então vi um grande anjo voar em minha direção. Com toda minha força, enfiei os dedos nos olhos da criatura horrorosa. Ela caiu no chão, e eu fui carregado em segurança pelo anjo. Então, gritei: 'Aleluia! O sangue de Jesus venceu você!'" Depois que contei minha visão, oramos e tomamos a ceia do Senhor. Nós nos entregamos aos cuidados do nosso Deus. Nós três - as duas jovens e eu - fomos para a Comarca de Shangnan, em Shaanxi. É um distrito montanhoso e isolado, no extremo sudeste da província. A maioria da população é paupérrima, e nunca havia visto uma pessoa de fora antes. Os crentes foram informados de nossa chegada e organizaram às pressas três dias de reuniões. Chamaram líderes de várias comarcas. No primeiro dia, falei sobre a histó- ria e a missão da igreja. No segundo, por volta de l:00h da tarde, perdi a voz. Os crentes sugeriram que eu descansasse e deixasse minhas colaboradoras falarem em meu lugar. Pedi à Irmã Juan para pregar sobre a salvação na cruz. As duas jamais haviam falado em público antes. Nunca tinham nem ficado em pé diante de um grupo! A Irmã Juan ficou tão nervosa que caiu de joelhos e começou a chorar. A Bíblia dela caiu no chão. Todos se encheram de compaixão e oraram por ela. Levaram-me até um quarto para eu descansar. Deitei-me e meditei na mensagem que pregara de manhã. De repente, ouvi um barulho muito alto! Policiais do DSP chutaram a porta e entraram no quarto. Agarraram-me e me prenderam à cama. Um deles se apoiou em mim e me prendeu com seu peso. Com uma mão apertou minha garganta e com a outra pegou no bolso sua carteira de identificação e gritou para mim: "Sou do Departamento de Segurança Pública. E você, de onde é?" Lembrei-me imediatamente da visão do monstro escuro. Dois outros policiais pegaram uma corda e amarraram meus braços atrás das costas. Enrolaram também meu peito, as costas e a cintura. Um deles reparou em uma cruz vermelha de madeira pendurada na parede. Nela estavam inscritas, na trave horizontal, estas palavras: "Deus amou o mundo de tal maneira". À direita e à esquerda, estava escrito: "Ele foi crucificado" e "Levou sobre si nossos pecados". Eles leram e deram gargalhadas. Arrancaram a cruz da parede e a prenderam às minhas costas com as cordas. Então começaram a me chutar com fúria. Davam vários golpes nas minhas pernas, braços, costelas e peito. O dono da casa aproximou-se e ajoelhou-se na frente dos policiais, implorando a eles que me libertassem. Disse a eles: - Este homem é bom. Não fez de nada errado. Por favor, me levem no lugar dele. Os policiais o chutaram e o empurraram para fora do quarto, gritando: - Você jamais conseguirá pagar a dívida deste homem. Pela primeira vez eu tive a honra de carregar literalmente a cruz de Cristo sobre meu corpo! Em triunfo, eles me fizeram ir, ensanguentado e ferido, para o município de Shangnan. Eu me lembrei do versículo: "Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte" (1 Co 4.9). Quando me viram chegar à cidade, amarrado e carregando uma grande cruz vermelha, surgiu um boato de que o "Jesus de Henan" havia chegado. Muitos se juntaram para testemunhar um fato tão insólito.
  • 34. Uma viatura policial avançava devagar à minha frente enquanto eu desfilava pelas ruas. O alto-falante proclamava: "Este homem veio de Henan para pregar Jesus. Pertur- bou nossa paz. Fez muita gente ficar confusa. Hoje, o Departamento de Segurança Pública o capturou. Vamos puni-lo com severidade." Os policiais me obrigaram a ajoelhar na lama. Depois me socaram no peito e no rosto e me chutaram seguidamente pelas costas com as botas pesadas. Meu rosto ficou coberto de sangue. A dor era insuportável, e caí no chão, quase desmaiado. Eles me levantaram e me obrigaram a cambalear por mais uma rua. Estavam determinados a fazer de mim um exemplo para o maior número possível de pessoas. Levantei a cabeça e olhei rapidamente a multidão. Uns sentiam pena e choravam. Isso fortaleceu muito minha fé. Quando tive oportunidade, falei suavemente a uma mu- lher: "Não fique com pena de mim. A senhora deveria chorar pelas almas perdidas do nosso país." Ao ouvir minha voz, os espectadores choraram ainda mais. Passei metade do dia desfilando pelas ruas. Quando anoiteceu, eles me levaram para um grande pátio dentro do posto policial. Não afrouxaram as cordas, mas tiraram a cruz das minhas costas. Trancaram-me numa grande sala de interrogatório. Reparei que a porta era de ferro e havia grade nas janelas. Alguns policiais de aspecto maligno entraram. Interrogaram-me com voz grave. O Senhor falou ao meu coração: "Teu Pai te protegerá no lugar secreto." Eles gritaram: - De que lugar, exatamente, você veio? - De Henan, respondi. Então lembrei-me de que eu era procurado em Henan. Não queria dizer meu nome, minha comarca nem minha cidade porque muitos crentes correriam perigo, então me calei e decidi não responder a nem mais uma pergunta. Senti que Deus queria que eu fingisse estar louco, como a Bíblia conta que Davi fez. Deitei no chão e agi como um doente. Virei os olhos e babei. Não disse nem uma palavra. Eles ficaram com medo, convencidos de que eu era doido. Muitos espectadores haviam se aproximado da janela e olhavam para dentro. Um policial foi até outra sala telefonar para Henan, para tentar descobrir quem eu era. Os outros o seguiram para ouvir a conversa. Deixaram-me sozinho na sala e fecha- ram a porta. Como eu estava todo amarrado, acharam que não havia perigo de eu fugir. Os espectadores também estavam interessados no telefonema e se juntaram na janela da outra sala para ouvir. Nesse momento, sem que ninguém olhasse para mim, o Espírito Santo falou ao meu coração: "O Deus de Pedro é o seu Deus". Lembrei-me de que os anjos haviam aberto as portas da prisão para o apóstolo fugir. "Os anjos não são, todos eles, espíritos ministradores enviados para servir aqueles que hão de herdar a salvação?" (Hb 1.14 - NVI.) De repente a corda que prendia meus braços às costas se soltou! Não as tirei, mas as mantive frouxas no lugar. Resolvi tentar fugir e, se fosse pego, diria que queria ir ao banheiro. Com os braços ainda para trás, girei a maçaneta com a boca e saí da sala! Aí Deus me deu fé e coragem. Lembrei a mim mesmo de que o sangue de Jesus Cristo me protegia. Atravessei o grupo de espectadores no pátio. Ninguém me deteve nem me dirigiu a palavra! Foi como se Deus os cegasse, e eles não me reconhecessem.