SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 6
Árvores no quintal
No tempo dos quintais, quando as crianças de hoje ainda nem haviam nascido, o mundo era
muito bonito. Em todo lugar havia muitas árvores, flores e passarinhos e borboletas de todas as cores.
Eu morava na casa do Joãozinho e todos os dias amigos dele vinham brincar em mim: abraçavam meu
tronco e iam subindo por meus galhos até pertinho do céu. Quando cansados, desciam correndo,
rindo e falando alto: “O último a chegar lá embaixo é mulher do padre!” E eu tinha de tomar muito
cuidado para não deixar nenhum cair mim. Já com sono de tanto brincar e de barriga bem cheia,
procuravam minha sombra, recostavam no meu trono e dormiam à beça até o sol se pôr.
Vivíamos bem felizes, até aparecer na cidade um homem grande, de nome Serjão, gordo feito
uma baleia, com bigodão e voz grossa de meter medo. Serjão começou a comprar tudo; matava
árvores, destruía as casas. Por fim, tapava a terra toda com cimento e construía, no lugar, edifícios de
vinte andares. O nosso mundo foi ficando feio. As crianças já não tinham quase mais lugar para jogar
bola de gude, nem árvores para subir, nem terra onde brincar, E aconteceu que o pai do Joãozinho
teve de vender a casa. Serjão foi lá no quintal e mandou derrubar tudo: “Hoje, a casa. Amanhã, a
árvore”. O baleião me revoltou. Ah… que vontade de dar uma galhada nele. Os homens são uns
bobões. Pensam que as árvores só servem para enfeitar. Mas nós percebemos tudo. Não temos nariz,
mas respiramos. Não temos coração, mas sentimos. Não temos lágrimas, mas choramos muito
quando nos maltratam.
Não sei por que os homens acham que são melhores do que nós. Brigam por qualquer
coisinha… Só porque um é branco e outro preto, já é motivo de pancada. Nós árvores não brigamos
nunca. Mesmo se uma é mangueira e outra laranjeira. Somos amigas sempre. Não importa de que
semente tenhamos nascido. (Álvaro Ottoni de Menezes)
Árvores no quintal
No tempo dos quintais, quando as crianças de hoje ainda nem
haviam nascido, o mundo era muito bonito. Em todo lugar havia
muitas árvores, flores e passarinhos e borboletas de todas as cores.
Eu morava na casa do Joãozinho e todos os dias amigos dele vinham
brincar em mim: abraçavam meu tronco e iam subindo por meus
galhos até pertinho do céu. Quando cansados, desciam correndo,
rindo e falando alto: “O último a chegar lá embaixo é mulher do
padre!” E eu tinha de tomar muito cuidado para não deixar nenhum
cair mim. Já com sono de tanto brincar e de barriga bem cheia,
procuravam minha sombra, recostavam no meu trono e dormiam à
beça até o sol se pôr.
Vivíamos bem felizes, até aparecer na cidade um
homem grande, de nome Serjão, gordo feito uma
baleia, com bigodão e voz grossa de meter medo.
Serjão começou a comprar tudo; matava árvores,
destruía as casas. Por fim, tapava a terra toda com
cimento e construía, no lugar, edifícios de vinte
andares. O nosso mundo foi ficando feio. As crianças já
não tinham quase mais lugar para jogar bola de gude,
nem árvores para subir, nem terra onde brincar, E
aconteceu que o pai do Joãozinho teve de vender a
casa.
Serjão foi lá no quintal e mandou derrubar tudo:
“Hoje, a casa. Amanhã, a árvore”. O baleião me
revoltou. Ah… que vontade de dar uma galhada
nele. Os homens são uns bobões. Pensam que as
árvores só servem para enfeitar. Mas nós
percebemos tudo. Não temos nariz, mas
respiramos. Não temos coração, mas sentimos.
Não temos lágrimas, mas choramos muito quando
nos maltratam.
O sem-banco que virou banqueiro (Moacyr Scliar)
Como fazia todas as noites, o sem-teto chegou à praça para dormir. Foi direto a
seu banco predileto -aliás, que era seu banco predileto os outros mendigos sabiam, e
não se atreviam a deitar ali, sob pena de serem expulsos sem dó nem piedade.
Homem ainda jovem, violento quando se tratava de defender os seus interesses, o
sem-teto não hesitava em partir para a agressão.
Ao chegar a praça, contudo, teve uma surpresa. Para começar o logradouro tinha
sido reformado, e bem reformado, ganhando novo pavimento, canteiros bem-tratados,
lagos. Isso, contudo, ao sem-teto não interessava: a praça para ele não era local de
recreação, era moradia. Por isso foi com indignação que constatou a substituição de
seu banco-cama por um outro, que era mais novo e mais bonito, mas tinha várias
divisórias de ferro. E, a menos que deitasse sobre elas (coisa que não faria: não era
faquir), não tinha mais como dormir no banco.
A raiva apoderou-se dele. Pensou em destruir o banco, em colocar fogo naquela
coisa maldita. Mas, depois de ter perambulado o dia inteiro, estava cansado demais
para isso. De modo que fez como outros mendigos: deitou-se no chão.
E aí viu. A alguns metros de distância estava um pedaço de jornal velho.
Trouxera-o provavelmente o vento. Mas, sob o jornal, havia algo, algo que o sem-teto
só podia ver exatamente porque estava deitado no chão e não nas alturas do banco.
Uma carteira. Uma carteira de dinheiro.
Correu para lá. Era, sem dúvida, a carteira de um estrangeiro, porque estava
recheada de cédulas estranhas (euros, como ele descobriria depois). Mais,
numa divisão havia seis pedras que reluziram ao crepúsculo: diamantes.
Verdadeiros.
O sem-teto era pobre mas não era burro. Logo se deu conta de que
tinha em mãos uma fortuna, e que aquilo poderia lhe render muito.
Precisava apenas que alguém o ajudasse a aplicar aquilo. E ele sabia a
quem recorrer. Porque, apesar de seu estado miserável, o sem-teto era de
uma família de classe média. Estava brigado com todos os parentes, menos
com um tio que trabalhava como corretor na Bolsa de Valores.
Este tio ajudou-o com o dinheiro. Várias aplicações bem-sucedidas foram
feitas e hoje o antigo sem-teto é um homem rico. Um banqueiro: conseguiu
comprar um pequeno banco que lhe dá muito lucro. É um elegante
estabelecimento que chama a atenção pelo design arrojado.
Ah, sim, e pelos bancos nos quais os clientes esperam atendimento. São
confortáveis, mas todos têm divisórias de ferro. O banqueiro diz que isto é
uma metáfora, alertando as pessoas de que, na vida, cada um deve ter o seu
lugar. Mas muitos suspeitam que a inspiração para este detalhe da
decoração deve ter outra origem. Uma certa praça no centro da cidade,
talvez?

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Texto.pptx (20)

Trabalho de portugues
Trabalho de portuguesTrabalho de portugues
Trabalho de portugues
 
Contos Tradicionais
Contos TradicionaisContos Tradicionais
Contos Tradicionais
 
Simulado de português 5º ano agosto 2017
Simulado de português   5º ano agosto 2017Simulado de português   5º ano agosto 2017
Simulado de português 5º ano agosto 2017
 
Meninos De Todo O Mundo
Meninos De Todo O MundoMeninos De Todo O Mundo
Meninos De Todo O Mundo
 
Massacre em labeta cap 1
Massacre em labeta cap 1Massacre em labeta cap 1
Massacre em labeta cap 1
 
Machado de assis idéias do canário
Machado de assis   idéias do canárioMachado de assis   idéias do canário
Machado de assis idéias do canário
 
Massacre em labeta cap 1
Massacre em labeta cap 1Massacre em labeta cap 1
Massacre em labeta cap 1
 
Massacre em labeta cap.1
Massacre em labeta cap.1Massacre em labeta cap.1
Massacre em labeta cap.1
 
Ameopoema 0031 outubro 2014
Ameopoema 0031 outubro 2014Ameopoema 0031 outubro 2014
Ameopoema 0031 outubro 2014
 
Livro a5
Livro a5Livro a5
Livro a5
 
Livro a5
Livro a5Livro a5
Livro a5
 
Os direitos das crianças
Os direitos das criançasOs direitos das crianças
Os direitos das crianças
 
Uma Aventura na Terra dos Direitos, de Paula Guimarães
Uma Aventura na Terra dos Direitos, de Paula GuimarãesUma Aventura na Terra dos Direitos, de Paula Guimarães
Uma Aventura na Terra dos Direitos, de Paula Guimarães
 
Contos pechosos
Contos pechososContos pechosos
Contos pechosos
 
O vento
O ventoO vento
O vento
 
Manuel antóniopina1
Manuel antóniopina1Manuel antóniopina1
Manuel antóniopina1
 
Num Meio Dia De Fim De Primavera
Num Meio Dia De Fim De PrimaveraNum Meio Dia De Fim De Primavera
Num Meio Dia De Fim De Primavera
 
Dia da caca_trecho
Dia da caca_trechoDia da caca_trecho
Dia da caca_trecho
 
Contos
ContosContos
Contos
 
O-Menino-no-Espelho-Fernando-Sabino.pdf
O-Menino-no-Espelho-Fernando-Sabino.pdfO-Menino-no-Espelho-Fernando-Sabino.pdf
O-Menino-no-Espelho-Fernando-Sabino.pdf
 

Último

Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autoresModelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autoresAna Isabel Correia
 
Slides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptx
Slides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptxSlides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptx
Slides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
APRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
APRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVASAPRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
APRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVASricardo644666
 
Acróstico - Maio Laranja
Acróstico  - Maio Laranja Acróstico  - Maio Laranja
Acróstico - Maio Laranja Mary Alvarenga
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...azulassessoria9
 
"Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande"
"Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande""Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande"
"Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande"Ilda Bicacro
 
EBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptx
EBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptxEBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptx
EBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptxIlda Bicacro
 
Gramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdfGramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdfKelly Mendes
 
Peça de teatro infantil: A cigarra e as formigas
Peça de teatro infantil: A cigarra e as formigasPeça de teatro infantil: A cigarra e as formigas
Peça de teatro infantil: A cigarra e as formigasBibliotecaViatodos
 
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ª edição - CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ª edição -  CEI...Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ª edição -  CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ª edição - CEI...Eró Cunha
 
Edital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PE
Edital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PEEdital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PE
Edital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PEblogdoelvis
 
1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf
1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf
1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdfaulasgege
 
FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - material
FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - materialFUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - material
FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - materialDouglasVasconcelosMa
 
Livro infantil: A onda da raiva. pdf-crianças
Livro infantil: A onda da raiva. pdf-criançasLivro infantil: A onda da raiva. pdf-crianças
Livro infantil: A onda da raiva. pdf-criançasMonizeEvellin2
 
transcrição fonética para aulas de língua
transcrição fonética para aulas de línguatranscrição fonética para aulas de língua
transcrição fonética para aulas de línguaKelly Mendes
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...azulassessoria9
 
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptxQuímica-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptxKeslleyAFerreira
 
472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...
472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...
472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...GisellySobral
 
APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.
APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.
APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.HandersonFabio
 

Último (20)

Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autoresModelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
Modelos de Inteligencia Emocional segundo diversos autores
 
Slides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptx
Slides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptxSlides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptx
Slides Lição 8, CPAD, Confessando e Abandonando o Pecado.pptx
 
APRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
APRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVASAPRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
APRENDA COMO USAR CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
 
Acróstico - Maio Laranja
Acróstico  - Maio Laranja Acróstico  - Maio Laranja
Acróstico - Maio Laranja
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
 
"Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande"
"Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande""Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande"
"Nós Propomos! Escola Secundária em Pedrógão Grande"
 
EBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptx
EBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptxEBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptx
EBPAL_Serta_Caminhos do Lixo final 9ºD (1).pptx
 
Gramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdfGramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdf
Gramática - Texto - análise e construção de sentido - Moderna.pdf
 
Peça de teatro infantil: A cigarra e as formigas
Peça de teatro infantil: A cigarra e as formigasPeça de teatro infantil: A cigarra e as formigas
Peça de teatro infantil: A cigarra e as formigas
 
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ª edição - CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ª edição -  CEI...Regulamento do Festival de Teatro Negro -  FESTIAFRO 2024 - 10ª edição -  CEI...
Regulamento do Festival de Teatro Negro - FESTIAFRO 2024 - 10ª edição - CEI...
 
662938.pdf aula digital de educação básica
662938.pdf aula digital de educação básica662938.pdf aula digital de educação básica
662938.pdf aula digital de educação básica
 
Edital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PE
Edital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PEEdital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PE
Edital do processo seletivo para contratação de agentes de saúde em Floresta, PE
 
1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf
1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf
1. Aula de sociologia - 1º Ano - Émile Durkheim.pdf
 
FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - material
FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - materialFUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - material
FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA - material
 
Livro infantil: A onda da raiva. pdf-crianças
Livro infantil: A onda da raiva. pdf-criançasLivro infantil: A onda da raiva. pdf-crianças
Livro infantil: A onda da raiva. pdf-crianças
 
transcrição fonética para aulas de língua
transcrição fonética para aulas de línguatranscrição fonética para aulas de língua
transcrição fonética para aulas de língua
 
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...QUESTÃO 4   Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
QUESTÃO 4 Os estudos das competências pessoais é de extrema importância, pr...
 
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptxQuímica-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
Química-ensino médio ESTEQUIOMETRIA.pptx
 
472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...
472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...
472037515-Coelho-Nelly-Novaes-Literatura-Infantil-teoria-analise-e-didatica-p...
 
APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.
APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.
APH- Avaliação de cena , analise geral do ambiente e paciente.
 

Texto.pptx

  • 1. Árvores no quintal No tempo dos quintais, quando as crianças de hoje ainda nem haviam nascido, o mundo era muito bonito. Em todo lugar havia muitas árvores, flores e passarinhos e borboletas de todas as cores. Eu morava na casa do Joãozinho e todos os dias amigos dele vinham brincar em mim: abraçavam meu tronco e iam subindo por meus galhos até pertinho do céu. Quando cansados, desciam correndo, rindo e falando alto: “O último a chegar lá embaixo é mulher do padre!” E eu tinha de tomar muito cuidado para não deixar nenhum cair mim. Já com sono de tanto brincar e de barriga bem cheia, procuravam minha sombra, recostavam no meu trono e dormiam à beça até o sol se pôr. Vivíamos bem felizes, até aparecer na cidade um homem grande, de nome Serjão, gordo feito uma baleia, com bigodão e voz grossa de meter medo. Serjão começou a comprar tudo; matava árvores, destruía as casas. Por fim, tapava a terra toda com cimento e construía, no lugar, edifícios de vinte andares. O nosso mundo foi ficando feio. As crianças já não tinham quase mais lugar para jogar bola de gude, nem árvores para subir, nem terra onde brincar, E aconteceu que o pai do Joãozinho teve de vender a casa. Serjão foi lá no quintal e mandou derrubar tudo: “Hoje, a casa. Amanhã, a árvore”. O baleião me revoltou. Ah… que vontade de dar uma galhada nele. Os homens são uns bobões. Pensam que as árvores só servem para enfeitar. Mas nós percebemos tudo. Não temos nariz, mas respiramos. Não temos coração, mas sentimos. Não temos lágrimas, mas choramos muito quando nos maltratam. Não sei por que os homens acham que são melhores do que nós. Brigam por qualquer coisinha… Só porque um é branco e outro preto, já é motivo de pancada. Nós árvores não brigamos nunca. Mesmo se uma é mangueira e outra laranjeira. Somos amigas sempre. Não importa de que semente tenhamos nascido. (Álvaro Ottoni de Menezes)
  • 2. Árvores no quintal No tempo dos quintais, quando as crianças de hoje ainda nem haviam nascido, o mundo era muito bonito. Em todo lugar havia muitas árvores, flores e passarinhos e borboletas de todas as cores. Eu morava na casa do Joãozinho e todos os dias amigos dele vinham brincar em mim: abraçavam meu tronco e iam subindo por meus galhos até pertinho do céu. Quando cansados, desciam correndo, rindo e falando alto: “O último a chegar lá embaixo é mulher do padre!” E eu tinha de tomar muito cuidado para não deixar nenhum cair mim. Já com sono de tanto brincar e de barriga bem cheia, procuravam minha sombra, recostavam no meu trono e dormiam à beça até o sol se pôr.
  • 3. Vivíamos bem felizes, até aparecer na cidade um homem grande, de nome Serjão, gordo feito uma baleia, com bigodão e voz grossa de meter medo. Serjão começou a comprar tudo; matava árvores, destruía as casas. Por fim, tapava a terra toda com cimento e construía, no lugar, edifícios de vinte andares. O nosso mundo foi ficando feio. As crianças já não tinham quase mais lugar para jogar bola de gude, nem árvores para subir, nem terra onde brincar, E aconteceu que o pai do Joãozinho teve de vender a casa.
  • 4. Serjão foi lá no quintal e mandou derrubar tudo: “Hoje, a casa. Amanhã, a árvore”. O baleião me revoltou. Ah… que vontade de dar uma galhada nele. Os homens são uns bobões. Pensam que as árvores só servem para enfeitar. Mas nós percebemos tudo. Não temos nariz, mas respiramos. Não temos coração, mas sentimos. Não temos lágrimas, mas choramos muito quando nos maltratam.
  • 5. O sem-banco que virou banqueiro (Moacyr Scliar) Como fazia todas as noites, o sem-teto chegou à praça para dormir. Foi direto a seu banco predileto -aliás, que era seu banco predileto os outros mendigos sabiam, e não se atreviam a deitar ali, sob pena de serem expulsos sem dó nem piedade. Homem ainda jovem, violento quando se tratava de defender os seus interesses, o sem-teto não hesitava em partir para a agressão. Ao chegar a praça, contudo, teve uma surpresa. Para começar o logradouro tinha sido reformado, e bem reformado, ganhando novo pavimento, canteiros bem-tratados, lagos. Isso, contudo, ao sem-teto não interessava: a praça para ele não era local de recreação, era moradia. Por isso foi com indignação que constatou a substituição de seu banco-cama por um outro, que era mais novo e mais bonito, mas tinha várias divisórias de ferro. E, a menos que deitasse sobre elas (coisa que não faria: não era faquir), não tinha mais como dormir no banco. A raiva apoderou-se dele. Pensou em destruir o banco, em colocar fogo naquela coisa maldita. Mas, depois de ter perambulado o dia inteiro, estava cansado demais para isso. De modo que fez como outros mendigos: deitou-se no chão. E aí viu. A alguns metros de distância estava um pedaço de jornal velho. Trouxera-o provavelmente o vento. Mas, sob o jornal, havia algo, algo que o sem-teto só podia ver exatamente porque estava deitado no chão e não nas alturas do banco. Uma carteira. Uma carteira de dinheiro.
  • 6. Correu para lá. Era, sem dúvida, a carteira de um estrangeiro, porque estava recheada de cédulas estranhas (euros, como ele descobriria depois). Mais, numa divisão havia seis pedras que reluziram ao crepúsculo: diamantes. Verdadeiros. O sem-teto era pobre mas não era burro. Logo se deu conta de que tinha em mãos uma fortuna, e que aquilo poderia lhe render muito. Precisava apenas que alguém o ajudasse a aplicar aquilo. E ele sabia a quem recorrer. Porque, apesar de seu estado miserável, o sem-teto era de uma família de classe média. Estava brigado com todos os parentes, menos com um tio que trabalhava como corretor na Bolsa de Valores. Este tio ajudou-o com o dinheiro. Várias aplicações bem-sucedidas foram feitas e hoje o antigo sem-teto é um homem rico. Um banqueiro: conseguiu comprar um pequeno banco que lhe dá muito lucro. É um elegante estabelecimento que chama a atenção pelo design arrojado. Ah, sim, e pelos bancos nos quais os clientes esperam atendimento. São confortáveis, mas todos têm divisórias de ferro. O banqueiro diz que isto é uma metáfora, alertando as pessoas de que, na vida, cada um deve ter o seu lugar. Mas muitos suspeitam que a inspiração para este detalhe da decoração deve ter outra origem. Uma certa praça no centro da cidade, talvez?