Canção do Exílio e as Raízes do Romantismo Brasileiro
1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ
Literatura Brasileira I – PROFESSOR André Vinícius Pessoa
ALUNO: Dauro Silveira Moura
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Os poetas românticos do primeiro período do romantismo do Brasil tinham o
nacionalismo como mote de suas poesias. Impossível desassociar a História e a produção
literária da época. A independência do Brasil é mais do que um grito ouvido em sete de
setembro de 1822, é um processo que se estende de 1821 a 1825 e antecede o primeiro
ciclo do romantismo brasileiro (1836 a 1852). Tomaremos como exemplo deste período
Gonçalves Dias, com a sua poesia, Canção do Exílio1 (1843).
Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn,
Im dunkeln Laud die Gold-Orangem glühn,,
Kennst du es wohl?
Dahin, Dahin!
Möcht ich... ziehn!
Goethe
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têmmais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que volte para lá;
Sem que desfrute os primores
1 DIAS, Gonçalves.Poesia completa e prosa escolhida.Rio deJaneiro. Aguilar,1959.p. 103
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Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Antônio Gonçalves Dias nasceu em 1823, na vila de Caxias, Estado do Maranhão.
Era filho de português e mãe mestiça, talvez de índio e de negro. O pai era comerciante,
e levou o filho a Portugal a fim de completar os estudos, mas com a morte deste, retorna
a São Luís, onde é acolhido pela madrasta que acaba por enviar-lhe a Coimbra, onde com
muito sacrifício termina o curso de bacharel em ciências jurídicas. É nesta estada em
Coimbra, em julho de 1843 que influenciado pelas ideias românticas, principalmente
alemãs que apontavam para o sentimento da natureza e o amor da pátria, escreve a famosa
Canção do Exílio, cujos versos foram tomados emprestados para o Hino Nacional
Brasileiro.
Como ressalta Wilton José Marques:
Um primeiro contato com o texto de Gonçalves Dias e, logo, salta aos olhos a
justeza encontrada pelo poeta maranhense na escolha da epígrafe que, retirada
do romance de formação, Os Anos de Aprendizagem de Wilhem Meister, de
Goethe, acomoda-se perfeitamente ao espírito da Canção do exílio. Ao
escolher o fragmento da Balada de Mignon e assim traduzido por Manuel
Bandeira: “Conheces o país onde florescem as laranjeiras? Ardem na escura
fronde os frutos de ouro.... Conhecê-lo? – Para lá, para lá quisera eu ir!”,
Gonçalves Dias retira do poema original a expressão de umdesejo que também
vai percorrer a sua Canção, isto é, o desejo de voltar à Pátria.2
O poema é composto por vinte e quatro versos em cinco estrofes. Estas, por sua
vez, são divididas em três quadras e duas sextilhas, com cada verso possuindo sete sílabas
poéticas. O desejo de voltar à pátria é expresso de forma fenomenal nas comparações que
são feitas entre lá e cá sem nunca mencionar Portugal e Brasil, mas sem deixar nenhuma
dúvida onde é o lá e o cá, evidenciando que o sabiá grafado com a primeira letra em
maiúscula é o símbolo do Brasil, e é no Brasil onde se aportando de navio em alguma
praia, são as palmeiras que se destacam à vegetação.
Para finalizar voltamos às palavras de Wilton José Marques:
“[...] Gonçalves Dias, ao privilegiar a natureza tropical como metáfora da
representação nacional, além de se inserir no tradicional projeto de edenização
da natureza local, por si só acabou construindo uma tradição própria dentro das
letras brasileiras.” 3
2 MARQUES, W. J. O poema e a metáfora Revista Letras, Curitiba,n. 60,p. 79-93,jul./dez. 2003. Editora
UFPR
3 Idem
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As características deste primeiro ímpeto de brasilidade independente
foram precedidas por outros poetas que lutavam contra a injustiça, corrupção, tirania,
abusos da administração governamental, cobrança de altos impostos e denunciavam
narcisismo e nepotismo dos governantes portugueses, principalmente em Minas Gerais.
Um expoente do período Árcade foi Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) que foi o autor
das “Cartas Chilenas” um poema satírico em forma de epístolas. Para este estudo,
optamos pela carta número um, que embora não seja o seu poema mais famoso mantem
uma conveniente distância literária do Romantismo.
No século XVIII, no Brasil, ainda não havia uma tradição literária, ou seja, não
existia uma literatura nacional, sendo importante ressaltar que nesta época não havia
também a noção de nação brasileira. Para alguns escritores, como Nunes Ribeiro e
Antônio Cândido, as Cartas Chilenas é um dos livros que iniciam a literatura brasileira.
Pelo seu viés político, elas ficariam marcadas também como uma obra de caráter
incentivador da Inconfidência Mineira e defensora da independência do Brasil em relação
à Portugal. Como explica Furtado: “[...] num país sem tradições, é compreensível que se
tenha desenvolvido a ânsia de ter raízes, de aprofundar no passado a própria realidade, a
fim de demonstrar a mesma dignidade histórica dos velhos países...”4
Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Portugal, na cidade do Porto, em 1744. O pai
era brasileiro e a mãe portuguesa, descendente de ingleses. Ainda criança veio para o
Brasil, quando seu pai foi indicado para ser magistrado na Bahia. Foi estudar em Portugal,
na Universidade de Coimbra, onde se bacharelou em direito. Voltou ao Brasil em 1782 e
foi nomeado ouvidor de Vila Rica. Foi adversário do governador Cunha Menezes e esteve
envolvido com a Inconfidência Mineira. Condenado à morte, teve a pena comutada para
exílio forçado em Moçambique na África.
Chegaram até nós treze cartas, das quais a sétima está incompleta e a décima
terceira reduzida a quase nada. Precede às cartas uma Epístola a Critilo, que tem sido
atribuída a Claudio Manuel da Costa.
As cartas foram escritas possivelmente no final da década de 1780. As cartas são
anônimas, mas são hoje aceitas como autoria de Tomás Antônio Gonzaga, embora
4 FURTADO, J. P. Uma república deleitores.História ememória na recepção das Cartas Chilenas (1845-
1989),São Paulo:HUCITEC, 1997.p. 90-91.
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existam textos escritos entre 1939 e 1941, principalmente nas páginas da
Revista do Brasil, que tratam de polemica envolvendo a autoria das Cartas Chilenas,
Nicodemo, em artigo na Revista de História, cita Sérgio Buarque de Holanda colocando
um final à esta discussão.
Segundo o crítico a tradição que remonta ao próprio momento histórico de
circulação das Cartas Chilenas apontava Gonzaga como seu autor. Esta
tradição só teria sido questionada de modo significativo em dois momentos
distintos pelo mesmo indivíduo, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen.
O primeiro momento foi em 1851, quando atribuiu a autoria das Cartas a
Alvarenga Peixoto e, em 1867, quando,mudando de ideia, atribuiu-à Cláudio
Manuel da Costa5
As cartas satíricas estão em versos decassilábicos e é como Critilo, de Santiago
do Chile, relata e critica os desmandos de certo Fanfarrão Minésio, governador da então
capitania da América espanhola ao seu amigo Doroteu, na Espanha. Entretanto as
evidências apontam tratar-se da administração de D. Luís da Cunha Pacheco e Meneses,
governador de Minas Gerais de 1783 a 1788. Como corrobora Nicodemo no mesmo
artigo:
É ponto pacífico que o satirizado é, na realidade, D. Luís da Cunha Meneses,
governador da capitania de Minas Gerais entre 1783 e 1788. E que Chile e
Espanha são na verdade metáforas para Brasil e Portugal, o que pode ser
percebido através da exploração satírica das categorias metrópole e colônia.2
Como afirma Rodrigues Lapa6
: “A obra de Gonzaga, no que ela tem mais de
profundo e certamente mais duradouro é a viva concretização deste ideal familiar e
burguês, para que tendiam sobretudo os espíritos ingleses no séc. XVIII”.
A atitude poética de Gonzaga acentua o realismo descritivista, embora árcade
esquece às vezes seus pastores gregos e as paisagens helênicas para se voltar à realidade
social brasileira de sua época, como podemos analisar com o excerto a seguir da Primeira
Carta Chilena7:
75 — O corpo de estatura um tanto esbelta,
Feições compridas e olhadura feia;
Tem grossas sobrancelhas,testa curta,
5 Thiago Lima Nicodemo / Revista de História 151 (2º - 2004),29-51
6 LAPA, Rodrigues apud ELIA, Sílvio.Língua e Literatura, 4ª Ed São Paulo,Cia.Editora Nacional,1971
7 GONZAGA, T. A. Cartas Chilenas.São Paulo:Companhia das Letras,2006.
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Nariz direito e grande, fala pouco
Em rouco, baixo somde mau falsete;
80 — Sem ser velho, já tem cabelo ruço,
E cobre este defeito e fria calva
À força de polvilho, que lhe deita.
Ainda me parece que o estou vendo
No gordo rocinante8 escarranchado!
85 — As longas calças pelo umbigo atadas,
Amarelo colete e sobre tudo
Vestida uma vermelha e justa farda.
De cada bolso da fardeta pendem
Listadas pontas de dois brancos lenços;
90 — Na cabeça vazia se atravessa
Um chapéu desmarcado, nem sei como
Sustenta o pobre só do laço o peso.
Ah! tu, Catão severo,tu que estranhas
O rir-se um cônsulmoço, que fizeras
8 Rocinante era o famoso cavalo de Dom Quixote de La Mancha, personagem do romance de Miguel de
Cervantes. Vem de Rocim,que significaPileca,cavalo fraco epequeno.Sofreu muito duranteas aventuras.
de Dom Quixote de La Mancha