Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Um minuto de leitura- 2º e 3º CEB
1. SEMANA DA LEITURA – 5/03/2018
Um minuto de leitura 2º/ 3º CEB
ANO LETIVO 2017-2018Agrupamento de Escolas de Loureiro | 151609
Nascimento do Alquimista
1
O verbo ler não suporta o imperativo. É uma aversão que compartilha com outros: o verbo
“amar”… O verbo “sonhar”…
É evidente que se pode sempre tentar. Vejamos: “Ama-me!” “Sonha!” “Lê, já te disse, ordeno-te
que leias!”
- Vai para o teu quarto e lê!
Resultado?
Nada.
Ele adormeceu sobre o livro. De súbito, a janela pareceu-lhe aberta de par em par, por onde ele se
iria evadir, voar, para fugir ao livro. Mas era um sonho acordado: o livro continuava aberto diante dele.
Se abrirmos uma nesga da porta, lá está ele, sentado à sua mesa, sabiamente ocupado a ler. Mesmo que
tenhamos subido a escada pé-ante-pé, a superfície do seu sono avisou-o da nossa chegada.
- Então estás a gostar?
É claro que a resposta não vai ser negativa, seria um crime de lesa-majestade. O livro é algo
sagrado, como é possível que haja quem não goste de ler? Não, ele dirá que as discrições são demasiado
longas.
Tranquilizados, voltamos ao nosso posto diante da televisão.
Pode até suceder que esta reflexão suscite um apaixonante debate entre nós…
- Ele acha que as descrições são demasiado longas. Temos de o compreender, estamos no século
do audio-visual, evidentemente, os autores do século XIX tinham de descrever tudo…
- Mas isso não é razão para o deixarmos saltar metade das páginas.
…
Não nos preocupemos, ele adormeceu.
2
Esta aversão à leitura é ainda mais inconcebível, se pertencemos a uma geração, a uma época, a
um meio, a uma família em que a tendência era exactamente para nos impedir que lêssemos.
- Pára de ler, vais estragar os olhos!
- Vai lá para fora brincar, está um dia lindo.
- Apaga a luz! Já é tarde!
Nesse tempo, os dias estavam sempre demasiadamente bonitos para os desperdiçar com leituras, e
as noites eram demasiadamente escuras.
Note-se que, quer se lesse quer não se lesse, o verbo já era conjugado no imperativo. Mesmo no
passado, já era assim. De certo modo, ler era um acto subversivo. À descoberta do romance acrescia a
excitação da desobediência à família. Era um duplo esplendor! Ah, a magnífica recordação de horas de
leitura às escondidas, debaixo dos lençóis, à luz da lanterna. Como galopava a Anna Karenina ao
encontro do seu Vronski, àquelas horas da noite! Amavam-se um ao outro, o que já era magnífico, mas
amavam-se enfrentando a proibição de ler, o que era ainda melhor! Amavam-se contra a vontade do pai e
da mãe, contra o trabalho de matemática por acabar, contra a redacção, contra o quarto por arrumar,
amavam-se em vez de irem para a mesa, amavam-se antes da sobremesa, preferiam estar um com o outro
a irem ao futebol ou a apanharem cogumelos… tinham-se escolhido um ao outro, nada mais queriam do
que estar um com o outro… meu Deus, como o amor é belo!
E como se lê o romance num instante!
Pennac, Daniel – Como um romance, Asa, Porto, 2006, pp. 11-14.