Escola de Bonneuil, Lugar de Vida relatos de uma educação terapêutica possível.pptx
1. Escola de Bonneuil, Lugar de Vida:
relatos de uma educação
terapêutica possível
Subjetivação e inclusão
Profª Viviane Legnani
Aline Sampaio de Oliveira
Francerly Cardoso da Cruz
Simone Aparecida dos Santos Silva
2. ESCOLA DE BONNEUIL ESTUDO SOBRE O
TRATAMENTO ESTOURADO DO AUTISMO
3. Estudo baseou-se no método clínico e
referencial psicanalítico, a partir de observação
participante durante um estágio realizado na
Escola de Bonneuil. Defende-se a pertinência
desse dispositivo, cujo alicerce principal é o
reconhecimento da criança como sujeito em
devenir.( que irá tornar-se).
Neste caso, é possível arriscar efeitos
subjetivantes através do imprevisto.
4. Maud Mannoni
1923-1998
Marcada a uma só vez pela escola
inglesa, de Melanie Klein, Winnicott,
e pelo ensinamento de Jacques
Lacan e de Françoise Dolto, ela foi
também uma militante de esquerda,
anticolonialista.
Suas obras foram traduzidas em todo
o mundo.Grande figura da
psicanálise francesa, conhecida por
sua coragem e por sua intervenção
constante em favor dos
marginalizados, loucos e excluídos.
5. Obstinação: Novo olhar sobre a criança doente mental
e seu espaço na sociedade.
Manonni articulou os ideiais da antipsquiatria aos
ensinamentos de Lacan. Elaborou uma densa crítica ao
modelo de poder psiquiátrico e lugares que acolhem
de forma inadaptada do sofrimento psíquico infantil.
Obstáculo: Precisou enfrentar várias batalhas e resistir
aos mais diversos obstáculos de ordem prática,
financeira e/ou ideológica.
Recentemente possibilidade de ser fundida a uma
associação por interesses econômicos do Estado.
Preferem um final digno para Bonneuil a uma aceitação
tácita.
6. * O movimento da anti-psiquiatria foi parte de um
movimento intelectual e profissional bem
amplo, promovido através dos trabalhos de Basaglia,
Michel Foucault na França, R. D. Laing na Grã-
Bretanha, Thomas Szasz e Erving Goffman nos
Estados Unidos.
7. Criou em 1969, com Robert Lefort, a Escola
Experimental de Bonneuil.
Peculiaridade de Bonneuil é o objeto central do
artigo. Busca-se compreender como o estouro
da instituição, com oscilações de estadias e de
profissionais pode contribuir para o
desenvovimento psíquico dessas crianças.
8. “Até onde podemos sustentar um compromisso
com as obrigações administrativas sem correr o
risco de perder a razão de ser de um trabalho
que só tem sentido se apoiado no desejo de
criação e num contínuo questionamento de si?”
(MANNONI, 1976)
Como pressupostos fundamentais, destacam-se:
Inclusão social,
Estouro Institucional
Antinosografia
9. Objetivo maior: A luta contra a exclusão social de
crianças doentes mentais A ideia era inovadora na
época e sua relevância foi reconhecida não só por
profissionais da educação e da saúde mental, mas
também pelo Estado, formando as bases das políticas
públicas atuais de educação inclusiva.
Termo Escola não foi atrelado ao nome de Bonneuil por
acaso, que ganha forma de Estratégia terapêutica uma
vez que, como todas as outras crianças, as de Bonneuil
também passam suas jornadas diárias na escola.
Na escola recebem uma instrução escolar cujo nível
varia de acordo com o potencial de cada uma,
provocando nelas um sentimento de integração social.
Além da proposta educativa, Bonneuil oferece também
uma acolhida terapêutica.
10. Mannoni considerava a criança portadora de uma
doença mental como a representante de um
aprisionamento psíquico no discurso familiar e,
sobretudo, no fantasma parental. Para libertá-la, era
preciso provocar uma separação física e psíquica, a
partir da qual ela poderia abdicar da identificação
absoluta ao Outro alienante. Para isso, a criança
precisava ser inserida num espaço onde o seu
discurso aparecesse livre dos entraves familiares e
sociais que impediam a loucura de se manifestar. Um
espaço onde a criança possa contar, ela mesma sua
própria história.
11. Aceitação incondicional da loucura devia ser colocada
em prática e Mannoni preconizava um duplo trabalho:
1. Reintegrar essas crianças na sociedade, mostrando-
lhes que, para tal desafio, era preciso abrir mão de
um gozo absoluto e aceitar as restrições impostas
pelo grupo social;
2. Pretendia conscientizar a sociedade sobre as
dificuldades dessas crianças, a fim de alcançar uma
melhor aceitação social da doença mental infantil.
Mannoni propunha uma subversão de valores sobre a
loucura, elemento essencial à realização de um
encontro legítimo entre os profissionais e as crianças
de Bonneuil.
12. Ideologia antimanicomial e questionou o funcionamento
convencional das instituições de tratamento que se
opunham a qualquer forma de reciclagem:
“Uma instituição é como uma pessoa que se nutre de outras que
estão sob seus cuidados [...] e, em nenhum momento, o sujeito
consegue se separar dela sem correr o risco de “estourar”
Uma instituição que se diz diferente é aquela que, num efeito de
balança, toma o estouro em consideração e permite ao sujeito se
situar no mesmo nível da palavra, dando a ele a possibilidade de
se separar, de produzir um corte com a instituição. (MANNONI,
1976, p. 48, tradução das autoras)
13. Crítica: São bem recebidas. A abertura aos olhares
externos mantém vivo o espírito ideológico de nocao de
instituição estourada. O termo experimental atrelado ao
termo escola traz essa ideia.
A instituição foi idealizada como um local de vida. Um
local onde algo a mais pode acontecer no sentido de se
dar espaço ao imprevisto, ao inesperado a partir dos
encontros mundanos, que inscreve marcas na
criança, fazendo-a avançar na sua conquista pelo
desejo. Os espaços de alternâncias funcionam
como cortes ou escansões do discurso, onde o
guia é a própria criança.
14. Diante de demandas, a equipe de profissionais mantém o
papel fundamental de transformar necessidade em
desejo. O adulto a quem a criança encontra-se vinculada
a apoiará até que esta possa elaborar novos encontros,
descobrindo outros marcos (pessoas ou lugares) que lhe
transmitam confiança e com os quais ela poderá
estabelecer novos laços. Quando a presença deste adulto
torna-se ausência, a criança descobre que, nesse sistema
de substituições, ela não poderá nunca mais encontrar
outro substituto adequado ao objeto originalmente
perdido.
15. Nessa oscilação entre “aqui e ali” é inserido um espaço
significante em que a criança é levada a perder-se para
lhe propiciar a ilusão de renascer aí, sustentando-se
como sujeito pelo jogo de escansão presença-ausência.
(MANNONI, 1973/1977).Acredita-se que é na ocasião de
uma separação bem-sucedida que a criança torna-se
sujeito do seu desejo.
Espaços de oscilação tem a função de operar separações
e propiciam abertura para o mundo exterior.
16. Espaços de de alternâncias funcionam como cortes ou
escansões do discurso, onde o guia é a própria criança.
Caracterizado pelas oscilações frequentes de estadias e
de profissionais, pode contribuir para o desenvolvimento
psíquico dos autistas.
Entende-se que a instituição deve permanecer como um
lugar de acolhida, onde a criança sabe que pode voltar
sempre que sentir a necessidade de um reconforto. No
entanto, ela deve guardar em mente que é do lado de
fora que acontece o essencial da vida (MANNONI,
1973/1977).
17. As diferentes estruturas não são especificadas e nem
obedecem a referenciais psiquiátricos.
Considera abster-se do diagnóstico e enxergar o
indivíduo em suas potencialidades, colocando em
movimento o que as etiquetas cristalizam no sujeito.
A psicanálise defende a possibilidade de oferecer a criança
com sofrimento psíquico uma experiência de subjetividade,
de proporcionar a emergência de um sujeito capaz de
interrogar-se sobre o que ele deseja, independente de seus
diagnósticos. Tal pensamento gerou vivas interlocuções com
a antipsiquiatria.
18. No entato Manonni constatou a dificuldade de
introduzir a prática psicanalítica por duas razões: 1)o
discurso liberado pela cura não é bem aceito e tb o
paciente pode tomar o analista como suspeito de uma
cumplicidade com as forças repressivas que o
aprisionam.
Paradoxo: Não se pratica a psicanálise mas tudo o que
se faz baseia-se rigorosamente na psicanálise.
Não é técnica de ajustamento, mas como subversão de
um saber e de uma práxis. Questiona-se os moldes
psiquiátricos e ação devastadora de seus significantes.
Se escapa do estatuto do estabelecimento de
tratamento para existir como um lugar de vida.
19. Que tratamento é dado ao autismo? A partir de uma reflexão teórico-
clínica, as autoras demonstram que a Escola de Bonneuil pode
contribuir para o desenvolvimento psiquíco de crianças autistas.
Caso Marc:
Quem você procura,
Quem está chamando?
Nós estamos aqui?
Assim é convidado a transformação essa sensação em linguagem. Ele
não é marcado pela falta, pela produção do desejo.
Aos poucos haja o nascimento de uma psique, onde palavras são
introduzidas para dar sentido a um comportamento.
Progresso no tratamento.
Autistas passam a encontrar um lugar de sujeito no seio de sua
família e na sociedade.
20. Destaca-se, assim, outra importante estratégia terapêutica de
Bonneuil que não foi mencionada no início do nosso trabalho, mas
que, todavia, o atravessa: a singularidade como esboço de uma
subjetividade onde cada criança é reconhecida e levada em
consideração.
Bonneuil oferece um acompanhamento ímpar, a partir do qual cada
aluno tem um calendário escolar e um projeto educacional
desenvolvido com base em suas capacidades, necessidades e,
sobretudo, nos seus desejos. Lá, cada um traça um caminho
específico. No caso das crianças autistas, procura-se extraí-las do
caos de sensações através do uso da linguagem. Este é o primeiro
passo a ser traçado em direção à experiência subjetiva.
Vale ressaltar que esse caminho é seguido de mãos dadas com o adulto,
outra forma de falar de um verdadeiro trabalho de apoio psíquico. Em outras
palavras, esse dispositivo clínico arrisca efeitos subjetivantes, colocando-se
na contramão de uma proposta de estabilidade cotidiana e pragmática.
21. RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA EM
BONNEUIL: O OLHAR QUE DÁ LUGAR
Carla Cervera Sei
Edson Luiz André de Sousa
Laços
Olhar
Ponte
Encontro
30. Criar condições para habitá-la, cria condições para
habitarem o mundo, habitarem- se?
Abrigar,proteger, permitir sonhar e
fazer planos
31. Sensação de um lugar atemporal...
... aberturas que possibilitam o surgimento tanto do
sujeito quanto do novo, do insólito e do inesperado,
próprios da experiência de vida. O corte abre espaços
de descontinuidade.
35. NADA PREFIXADO
Ética da psicanálise questiona
Preservar da
falta do Outro
Propor Outro
sem falta
Ter iniciativa, criar laços
Lugar de objeto
do outro
Idealizações
escolares
familiares
Sensação de vazio abandono
Excesso de real o que e como
fazer?
36. Não saber fazer, não saber como se aproximar,
de certa forma nos preserva do risco de querer salvar
as crianças de sua condição e nos convoca a uma
escuta daquele outro que ali se encontra.
38. Olhar...
...laço primordial com o
Outro constituição do eu...
...Lacan(1998), jogo de
olhares, função
emancipatoria, organização
do eu...
Um convite a enxergar...
39. A subjetividade não é dada no instante do
nascimento...
... com a mediação do Outro primordial que o bebê terá
suas primeiras experiências de satisfação que darão início às
primeiras inscrições psíquicas, bem como à constituição do
aparelho psíquico.
40. Um dos primeiros sinais que demonstra o
estabelecimento do laço entre mãe-bebê na
aposta dessa constituição psíquica se dá
através do olhar.
41. Portanto, se há falhas
na constituição subjetiva,
elas podem decorrer tanto
da ausência de condições da
mãe para o seu exercício,
quanto do bebê, impedido
de absorver os
investimentos dirigidos a ele
(Vieira, 2010).
As competências de ambos estão em jogo, sendo
próprios da dupla os encontros ou desencontros afetivos
42. ...vem indicar que a vivência do corpo no ser humano
acontece pela articulação entre o corpo orgânico e o olhar do
Outro. Segundo Laznik (2004, p. 25), o olhar é “sobretudo
uma forma particular de investimento libidinal, que permite
aos pais uma ilusão antecipadora na qual eles percebem o
real orgânico do bebê, aureolado pelo que aí se representa,
e aí ele pode advir.”
O estádio do espelho...
43. Algo falta na mãe e também a mãe impõe
uma falta ao bebê quando, por exemplo,
ausenta-se, sai de cena, anunciando à
criança um perigo e uma angústia relativos à
perda.
46. Estão ali inseridas por apresentar um grande retardo no
desenvolvimento e por demonstrar em grande
dificuldade em aprender. São, porém, crianças que
apresentam graves distúrbios de comportamento;
batem-se, mordem-se e sem razão aparente, por
vezes isolam-se em um canto, não conseguem manter
uma conversação porque não respondem, embora
algumas façam uma profusão de perguntas sem esperar
respostas. Vez por outra, surpreendem com a
demonstração de sinais de inteligência.
Quem atendemos?
47. O que se diz sobre elas é que são "estranhas " . (Kupfer, 1996)
48. São duplamente desafortunadas: além de
pertencerem às camadas mais pobres da
população, o que as obriga a buscar a já
insuficiente rede de atendimento pública,
padecem de um "mal" pouco conhecido, que
poucos profissionais estão dispostos a enfrentar,
pois não dispõem nem de formação nem de
recursos adequados para o seu tratamento.
49. [...]Quem e quantas são, em números mais exatos, essas
crianças, como oferecer explicações e atendimento
psicoterapêutico para suas profundas desarmonias
evolutivas, como proporcionar-lhes oportunidades
educacionais, como impedir que sejam retiradas do
convívio social com outras crianças, como diminuir os
riscos de cronificação? Como evitar tantos descaminhos
diagnósticos, em que se perde um tempo precioso?
Como garantir uma formação especializada para os
profissionais de saúde mental que deparam com essas
crianças?
51. Três grandes eixos do trabalho no Lugar de Vida:
• o eixo educacional;
• os ateliês;
e a montagem institucional.
Fonte: https://lugardevida.com.br/
52. Com mais de 30 anos de atuação, o Lugar de
Vida – Centro de Educação Terapêutica é
uma instituição de referência no tratamento e
acompanhamento escolar de crianças e jovens,
com o objetivo de possibilitar a sua inclusão na
vida escolar e cotidiana. Um dos principais
diferenciais do trabalho da Clínica Lugar de Vida
está nos Grupos Heterogêneos de Educação
Terapêutica, os GHETs, que funcionam partindo
da constatação de que a diversidade e riqueza
dos encontros entre as crianças promovem
mudanças subjetivas e auxiliam o
desenvolvimento por meio das identificações, das
trocas subjetivas e do aprendizado mútuo.
54. No entanto, fala-se atualmente cada vez
mais das condições intelectuais que
podem ser encontradas nessas crianças;
são as "ilhas de inteligência" que
permanecem intocadas, apesar da
violenta interrupção de seu
desenvolvimento provocada pela irrupção
das crises.
55. A " pré- educação" pode ainda prover uma
sustentação imaginária para essa inserção social.
" Meu filho está na escola", poderá dizer a si
mesmo e aos vizinhos um pai que vê seu filho sair
do Lugar de Vida segurando u m trabalho de
sucata. O menino terá colaborado com um único
gesto, o de colar um tubo pintado —resto
descartável — em uma base de papelão, fazendo-
o ficar de pé. Mas o olhar que lhe dirigi seu pai
terá valor mais estruturante que seu gesto:
somado a outros que lhe serão dirigidos em
outras ocasiões, é agora ao m e n i n o que
poderá ajudar a "ficar de pé ".
56.
57.
58. Os ateliês foram propostos nos mesmos moldes em que vêm sendo
realizados nas instituições de tipo hospital-dia.
"trata-se, para a criança, de u m j o g o ao redor deste lugar que lhe
é proposto; jogo que pode comportar toda a seriedade de um
trabalho de criação, de exploração de novas vias que se oferecem
a ela. Sua participação em uma prática social, em uma atividade
humana, pode ser por ela colocada em questão usando o seu
próprio estilo, sua própria história, declinado-a de modo singular.
Ela aborda esse lugar de modo diverso e mutável. O grupo, na
pessoa de algum adulto mais atento, acolhe então seu dito e seus
atos para integrá-la na trama do ateliê " (Mannoni, 1987).
59.
60.
61. No sentido amplo, busca-se acompanhar as respostas das crianças
aos manejos institucionais ali praticados. Verificam-se, por exemplo,
os efeitos da introdução das atividades educacionais em seguida às
dos ateliês. Observa-se o modo como as crianças recebem o corte
e que acontece na passagem de uma atividade para outra, espera-
se que a alternância de atividades, espaços e pessoas crie o
equivalente a frases, tecendo redes de linguagem nas quais a
criança poderá vir a se situar.
Entende-se ainda que as três grandes redes de linguagem que se
tecem no Lugar de Vida — o discurso dos pais, o institucional e o
das crianças no conjunto das atividades — estão sempre
entrecruzando-se, produzindo pontos nodais.
62. LUGAR DE VIDA, DEZ ANOS DEPOIS
Qual será a receita do pessoal da USP?
A comemoração de dez anos de existência é então um bom
momento para perguntar: se milagres não sabemos fazer, então o
que sabemos fazer? E, mais ainda, como é que fazemos isso que
sabemos fazer?
Vaso quebrado - Freud
Por a prova ( ainda bem que neste ano, como em todos os
anteriores, teremos mudanças em nosso funcionamento, porque
senão este não seria mais o Lugar de Vida!)
O desejo não era o de se colocar em questão, era o de buscar o
saber. O de Bonneuil de colocar à prova.
E justamente, um psicótico não deseja, isso soubemos logo no
início. Assim, os que desejam trabalhar com psicóticos funcionam
de um modo peculiar: desejam saber como fazer o outro, que não
deseja, desejar.
63. Pesquisar em meio à clínica...Atendendo ao mandato social da
universidade, bem como ao nosso desejo, as pesquisas passaram
a dar muito do tom do Lugar de Vida.
Percebeu-se naquela ocasião que pesquisar é antes de mais nada
escrever sobre a clínica, como fazia Freud todos os dias depois de
atender seus pacientes, e não fazer das crianças objeto de uma
Ciência, de um saber em que está excluído o sujeito.
E este fazer transformou nosso saber, a exemplo do que ocorreu
com nossa instituição-mãe, o CPPL - Centro de Pesquisas em
Psicanálise e Linguagem, aquela com a qual nos identificamos para
começar nosso trabalho (Rocha, 1997).
64. A montagem institucional, entendida como ferramenta terapêutica,
valeu se, desde o início, das diferentes linguagens para instituir
artificialmente a diferença, a alternância, com suporte nos escritos
de Mannoni, primeira na Psicanálise lacaniana a introduzir a ideia
deque a instituição faz parte da clínica (Mannoni, 1985, 1986).
Apostamos na possibilidade de a criança que habita mal a
linguagem - ou melhor, que a habita de modo idiossincrático, não
participante do pacto simbólico, não participante dos códigos da
cultura, e elege modos de gozo não socializados - aprender um
pouco mais sobre os modos instituídos de gozo, atravessando,
mergulhando cotidianamente em uma instituição que está
estruturada como uma linguagem
65. O que passamos a praticar no interior dessa instituição, através de
seus grupos, de suas atividades, de seus atendimentos os mais
variados, foi então a alternância, uma tentativa de ampliar o
dispositivo de tratamento. Passamos a fornecer conteúdos
ideativos, a contar estórias, a fazer música, apostando no valor da
imaginação como instrumento que engendra a inscrição, ou que
fornece as necessárias identificações para produzir as extensões
das inscrições primordiais. Ensinamos a desenhar, a escrever,
promovemos circulação social em passeios, em aniversários, em
festas juninas.
O "grupo dos grandes" foi instituído no Lugar de Vida no primeiro
semestre de 1997 como tentativa de dar contorno a uma nova
demanda de atendimento que surgia: prosseguir o tratamento de
algumas crianças que, tendo crescido, adentravam a puberdade.
66. "Está bem que vocês tratem de nosso filho, mas gostaríamos muito
de encontrar para ele uma escolinha". Os primeiros pais que
chegaram ao Lugar de Vida proferiram essa demanda, e nós a
escutamos.
Ao lado então do tratamento, surgiu a escola no Lugar de Vida,
para desenvolver ou ao menos conservar as ilhas de inteligência
que as crianças já possuíam.
Mesmo decadente e falida na sua capacidade de sustentar uma
tradição de ensino, a escola é uma instituição poderosa quando lhe
pedem que assine uma certidão de pertinência: quem está na
escola pode receber o carimbo de "criança".
67. [...]a Educação Terapêutica como um conjunto de práticas de
tratamento que visam ao sujeito, de modo a que ocorra quer a
retomada do desenvolvimento global da criança, quer a retomada
da estruturação psíquica interrompida, quer a construção de um
sujeito, quer a sustentação do mínimo de sujeito que uma criança
possa ter construído.
Educação Terapêutica é, portanto,um tratamento psicanalítico
ampliado, que inclui práticas sociais e educativas não consideradas
pelo psicanalista. Em uma palavra: Psicanálise em extensão. Não
se trata justamemente da Psicanálise estrita, ou em intensão,
porque não seguimos os princípios da cura analítica clássica
(Lacan, 1977).
68. Educação Terapêutica é refazer o elo entre, de um lado, o sujeito auto-
referido, delirante, e, de outro, o discurso social – ou seja, a instituição
tomada em sua vertente simbólica.
Como, porém, então, manter a referência à Psicanálise, se nossa filiação,
nossa origem, se articula fortemente com o discurso do mestre, como já
dissemos no início? Como manter a referência à Psicanálise se o discurso
do mestre é seu avesso?
Para responder a essa questão, pode-se pensar em duas respostas. A
primeira: estamos, sim, no discurso do mestre, porque a instituição está
submetida às leis e às regras. Estamos, sim, marcados pelo discurso
universitário; em muitos outros momentos institucionais, ocorre a
emergência dos demais discursos. Ou seja, há giros. E se eles existem,
isso não se deveria justamente ao fato de que estamos no campo da
Psicanálise, o que permite que haja discurso do analista, responsável pela
produção de tais giros?
69. [...]sabemos que esse lugar de mestre não
representa o ideal terapêutico: esse mestre não
sabe tudo, ele é incompleto e castrado.
[...] Por isso, embora não quiséssemos nos pôr
continuamente em questão, sempre o fizemos,
pela identificação com Bonneuil, pelo
atravessamento da Psicanálise, o que provocou
nossa mudança contínua e permanente
70. Assim, é o "não saber fazer" – que não deve ser
confundido com ignorância - que é mais útil para
nossas crianças. Que as deixemos em paz,
livrando- as de nosso saber sobre o que lhes
acomete e consequentemente de nossa fúria
interpretativa. Que as deixemos produzir seus
sintomas se isso é um modo de "se dizerem" -
este é o nosso saber não sabido de hoje. Quem
sabe um dia a moça da ótica poderá dizer: o
pessoal da USP é ótimo: eles não sabem o que
fazem!
71. Maria Cristina Kupfer –
Psicanalista Lugar de
Vida
Para concluir: o
desamparo não é o único
responsável pela
produção da "doença
mental", já que esta é
multideterminada. Mas é
um fato que a " doença
mental" produz
desamparo. É contra
esse desamparo,
sobretudo, que o Lugar
de Vida quer lutar.