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Tesão e afeto
Partindo do entendimento que aquilo a que designamos por tesão será uma sensação do
corpo, que todo o ser animal experimenta, em que a sua erotização traz consigo uma
determinada irritabilidade que deve ser descarregada para ser dissolvida, e o corpo voltar à
sua condição de funcionalidade normal, diremos que se trata de um processo primário e
circunscrito a uma ordem biológica.
Tratando-se de sensações, diremos que elas são despertas apenas através da relação entre
corpos, mas a realidade nos faz saber, que as coisas não são bem assim, dado que nos é dado a
observar a ereção do pénis, nomeadamente em crianças de tenra idade, sem a participação
ativa de outros objetos.
Qualquer homem sabe, por exemplo, que ao acordar de manhã é muito usual o pénis mostrar-
se ereto, sem que houvesse manipulação para que tal viesse a acontecer, pelo que devemos
concordar que sua causa primária provém do organismo.
Certo, que essa sensação, derivada de um acúmulo de energia vital se aloja tantas vezes nos
órgãos sexuais, como sendo parte excedente de determinada ordem biológica, como forma de
um corpo não a perder, e que por isso deve ser estimulada.
O que fica por saber ao nível biológico será como essa ordem a fabrica e quais os estímulos
que provocam tais sensações de volúpia, que devemos considerar, não possuir uma ideia
definida relativamente a um objeto exterior, nem aparentemente podemos saber seu objetivo,
apesar de considerar ser da própria natureza animal.
Dirão que o objetivo será a procriação, mas a realidade nos faz saber, que numa criança de
tenra idade tal fato é irrelevante por mostrar-se incapaz de ter relações sexuais e fecundar,
pelo que devemos admitir a teoria de Freud do polimorfismo na criança como algo a levar em
conta.
Ou seja, uma força bruta da natureza, sem objeto exterior e supostamente sem objetivo, como
sensação sentida no corpo derivada da biologia, a que urge dar uma direção, ao contrário da
tentativa de a castrar, sendo esta a primeira causa das neuroses, em que a possibilidade da
amputação garante ao ser vivo a sua inutilidade.
Saber dirigir um carro e não proibir o indivíduo de o fazer parece residir o segredo de toda a
formação infantil.
Afinal para que serviria aquilo que a própria natureza nos deu ?
Não tem qualquer lógica amputar a própria natureza, pelo contrário a lógica tem seu caminho
na condução dessas forças que nos habitam, em que o bem estar coincide com a realização de
um desejo nos objetos considerados pela sociedade como adequados.
A psicanálise não pode ser invenção, mas construção, derivada de processos anteriores que se
apresentam inscritos na ordem biológica, e não podem ser anulados.
A análise serve para isso, descobrir caminhos e atalhos para o bem estar.
Será pois, na relação objetal que reside o bem ou mau estar posterior, que qualquer ser vivo
possa sentir.
Como fazer para que parte dessa energia bruta, tesão, que apresenta como finalidade a posse
do objeto sem os distinguir, não os separando em adequados e inadequados, possa ser
distribuída por uma ordem que os possa reconhecer e os aceitar.
Devemos entender que os inadequados não devem receber essa energia bruta, tesão, em que
a questão da proibição do incesto nos vem mostrar essa impossibilidade, a transformando em
afeto.
Mas levanta-se aqui uma ordem de construção estrutural posterior, em que supostamente o
afeto deveria vir em primeiro lugar, em vez de uma indiferenciação da própria energia
fabricada pelo corpo, que se encontra em seu estado polimorfo.
Freud - Vol. XIX – (8) A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO (1924)
A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego, que assume a
severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto, defendendo assim o ego do retorno da
catexia libidinal. As tendências libidinais pertencentes ao complexo de Édipo são em parte
dessexualizadas e sublimadas (coisa que provavelmente acontece com toda transformação em uma
identificação) e em parte são inibidas em seu objetivo e transformadas em impulsos de afeição.
Assim, nos é a dado a saber pelas palavras de Freud, que os impulsos de afeição são derivados
de inibições capazes de criar uma cisão nesse movimento repetitivo e natural das forças
emergentes de um corpo, pura energia.
João António Fernandes
Psicanalista Freudiano
Analizzare – Centro de Estudo e Pesquisa em Psicologia e Psicanálise

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Tesão e afeto

  • 1. Tesão e afeto Partindo do entendimento que aquilo a que designamos por tesão será uma sensação do corpo, que todo o ser animal experimenta, em que a sua erotização traz consigo uma determinada irritabilidade que deve ser descarregada para ser dissolvida, e o corpo voltar à sua condição de funcionalidade normal, diremos que se trata de um processo primário e circunscrito a uma ordem biológica. Tratando-se de sensações, diremos que elas são despertas apenas através da relação entre corpos, mas a realidade nos faz saber, que as coisas não são bem assim, dado que nos é dado a observar a ereção do pénis, nomeadamente em crianças de tenra idade, sem a participação ativa de outros objetos. Qualquer homem sabe, por exemplo, que ao acordar de manhã é muito usual o pénis mostrar- se ereto, sem que houvesse manipulação para que tal viesse a acontecer, pelo que devemos concordar que sua causa primária provém do organismo. Certo, que essa sensação, derivada de um acúmulo de energia vital se aloja tantas vezes nos órgãos sexuais, como sendo parte excedente de determinada ordem biológica, como forma de um corpo não a perder, e que por isso deve ser estimulada. O que fica por saber ao nível biológico será como essa ordem a fabrica e quais os estímulos que provocam tais sensações de volúpia, que devemos considerar, não possuir uma ideia definida relativamente a um objeto exterior, nem aparentemente podemos saber seu objetivo, apesar de considerar ser da própria natureza animal. Dirão que o objetivo será a procriação, mas a realidade nos faz saber, que numa criança de tenra idade tal fato é irrelevante por mostrar-se incapaz de ter relações sexuais e fecundar, pelo que devemos admitir a teoria de Freud do polimorfismo na criança como algo a levar em conta. Ou seja, uma força bruta da natureza, sem objeto exterior e supostamente sem objetivo, como sensação sentida no corpo derivada da biologia, a que urge dar uma direção, ao contrário da tentativa de a castrar, sendo esta a primeira causa das neuroses, em que a possibilidade da amputação garante ao ser vivo a sua inutilidade. Saber dirigir um carro e não proibir o indivíduo de o fazer parece residir o segredo de toda a formação infantil. Afinal para que serviria aquilo que a própria natureza nos deu ? Não tem qualquer lógica amputar a própria natureza, pelo contrário a lógica tem seu caminho na condução dessas forças que nos habitam, em que o bem estar coincide com a realização de um desejo nos objetos considerados pela sociedade como adequados. A psicanálise não pode ser invenção, mas construção, derivada de processos anteriores que se apresentam inscritos na ordem biológica, e não podem ser anulados. A análise serve para isso, descobrir caminhos e atalhos para o bem estar. Será pois, na relação objetal que reside o bem ou mau estar posterior, que qualquer ser vivo possa sentir. Como fazer para que parte dessa energia bruta, tesão, que apresenta como finalidade a posse do objeto sem os distinguir, não os separando em adequados e inadequados, possa ser distribuída por uma ordem que os possa reconhecer e os aceitar. Devemos entender que os inadequados não devem receber essa energia bruta, tesão, em que a questão da proibição do incesto nos vem mostrar essa impossibilidade, a transformando em afeto. Mas levanta-se aqui uma ordem de construção estrutural posterior, em que supostamente o afeto deveria vir em primeiro lugar, em vez de uma indiferenciação da própria energia fabricada pelo corpo, que se encontra em seu estado polimorfo.
  • 2. Freud - Vol. XIX – (8) A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO (1924) A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego, que assume a severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto, defendendo assim o ego do retorno da catexia libidinal. As tendências libidinais pertencentes ao complexo de Édipo são em parte dessexualizadas e sublimadas (coisa que provavelmente acontece com toda transformação em uma identificação) e em parte são inibidas em seu objetivo e transformadas em impulsos de afeição. Assim, nos é a dado a saber pelas palavras de Freud, que os impulsos de afeição são derivados de inibições capazes de criar uma cisão nesse movimento repetitivo e natural das forças emergentes de um corpo, pura energia. João António Fernandes Psicanalista Freudiano Analizzare – Centro de Estudo e Pesquisa em Psicologia e Psicanálise