O documento descreve como as almas podem sentir dor e outras sensações após a morte, principalmente aquelas ligadas à matéria. O perispírito é responsável por transmitir essas sensações ao espírito desencarnado. Almas que ainda estão ligadas ao corpo podem sentir dores como se estivessem nele. O sofrimento espiritual está ligado aos laços com a matéria e pode ser evitado vivendo com modéstia e sem paixões.
Percepção, sensação e sofrimento do espírito após a morte segundo Kardec
1. Livro dos espíritos, Allan Kardec, Segunda Parte parte, capítulo 6, 257
Ensaio teórico da sensação nos Espíritos
(Perceptions, sensations et souffrances des Esprits)
Nesta parte, Allan Kardec descreve a alma (âme) como habitante do corpo e
perceptora da dor (douleur). Ela guarda a lembrança da dor, não necessariamente
física (douleur physique), e pode, por vezes, resgatá-la através da lembrança. Como,
por exemplo, tem-se a recordação de um mal físico, um acidente na qual a alma
revive este sofrimento, esta dor. Outro exemplo estaria na dor ou outras sensações
presentes no membro amputado (membre qui n´exist plus), no qual não há mais a
parte do corpo, mas, ainda o perispírito. Contudo, nem o frio ou o calor podem abalar
os tecidos da alma (tissus de l´âme).
Percepção, sensação e sofrimento também ocorrem com o espírito após a morte,
principalmente em suicidas (suicidés), espíritos apegados à matéria (des gens qui se
sont asorbés dans les jouissances matérielles), sendo importante o estado que o
2. espírito se encontrava no momento da mesma. Espíritos que acham que ainda estão
vivos (l´idée si fréquente chez lui qu´il est encore vivant) revelam o perispírito ligado
ainda ao corpo e, nisto, o espírito pode sentir-se vivo ainda, mas sentir os vermes
roerem o corpo (je sens le vers qui me rongent). Contudo, não é este o responsável
pela sensação, pois o corpo, após a morte, não mais sente nada e o comum e desejável
é que o espírito e perispírito descolem-se do corpo após a morte. Neste caso, como a
separação entre eles não estava completa, resultava numa espécie de repercussão
moral (répercussion morale) que transmitia a sensação que se passava no corpo.
Repercussão não seria, para Kardec, exatamente, a palavra, devida à conotação
material (effet trop matériel), mas sim que o perispírito produzia nele – no espírito em
questão - uma ilusão, obtida de uma realidade.
É o perispírito (perisprit) o responsável pela transmissão da sensação (sensations)
que chega de forma geral ao espírito desencarnado, diferentemente da transmissão da
sensação no corpo (corps), quando encarnado, a qual se dá através dos órgãos dos
sentidos (organes) que funcionam como canais (canaux). O perispírito liga a matéria
do corpo (matière du corps) ao espírito (Esprit) e está presente na eletricidade
(eletricité), no fluido magnético (fluide magnétique), na matéria inerte (matière
inerte). O perispírito pode sentir calor, frio ou dor moral (souffrance morale). A dor
no desencarnado não é mais localizada (localisée), sendo um sentimento íntimo
(vague sentiment intime), não produzido por fatores exteriores (agents exterieurs),
onde a ciência não pode alcançar. A comunicação entre os espíritos, igualmente, é
sentida em todo o ser, através das vibrações moleculares (les vibrations moléculaires)
e pode ser feita através do pensamento, não necessitando da linguagem,
necessariamente, para isto. Os espíritos, ao passarem de um mundo (monde) ao outro,
trocam de envoltório (envelloppe), como os encarnados trocam de roupa no verão e
no inverno. Na Terra, revestem-se do perispírito terrestre (le perisprit terrrestre).
Eles ouvem e sentem o que querem, inclusive os inferiores, mas são obrigados a
entender os conselhos dos espíritos bons (bons sprits).
Mesmo após deixar a vida corpórea (quittons cette vie corporelle), há espíritos
que ainda sofrem devido às suas paixões (passions animales) e tal sofrimento poderia
ser evitado. Grande parte deste sofrimento está na maneira como o espírito viveu. A
maneira de evitar este sofrimento após a morte seria viver com sobriedade,
simplicidade, sem abusos e com modéstia nos desejos. O sofrimento do espírito está
relacionado aos laços que ainda o prendem à matéria. Dominar estas paixões inclui:
(a) não alimentar o ódio, nem a inveja, nem ciúme, nem orgulho, nem egoísmo; (b)
nutrir bons sentimentos; (c) praticar o bem.