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O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE AOS CRIMES AMBIENTAIS1
Bárbara Mariane Feeburg Porto Alegre2
RESUMO: O presente trabalho objetiva demonstrar a viabilidade da aplicação do Princípio da
Insignificância em sede de tutela penal ambiental, uma vez que, embora o meio ambiente
ecologicamente equilibrado seja bem jurídico de extrema relevância para a ordem jurídica e social,
não se pode olvidar que, em se tratando de crimes ambientais, de Direito Penal se cuida, devendo
ser observados seus preceitos fundamentais, tais como a Intervenção Mínima e a Fragmentariedade.
Nesse liame, buscamos explanar a possibilidade de incidência do Princípio da Insignificância,
diretamente relacionado aos princípios supracitados, também em sede de Direito Penal do meio
ambiente, com o escopo de excluir do âmbito criminal condutas que, embora formalmente típicas,
não afetam o meio ambiente de forma suficientemente relevante, fazendo com que a sanção
aplicada não seja desproporcional ao resultado provocado pela conduta praticada. Busca-se, desse
modo, conferir uma correta aplicação da lei penal, deixando fora do seu âmbito de atuação condutas
sem significação para o Direito Penal.
Palavras-chave: Bem jurídico-penal. Meio ambiente. Crimes ambientais. Intervenção Mínima.
Princípio da Insignificância.
INTRODUÇÃO
A proteção do meio ambiente é tema que há muito vem sendo objeto de pesquisas e
discussões por estudiosos do mundo inteiro. A mais importante e decisiva conferência sobre o meio
ambiente ocorreu em 1972 em Estocolmo, na Suécia, na qual consagraram-se princípios que
acabaram por influenciar o mundo todo.3
No Brasil, inovações a respeito do tema foram trazidas pela
Constituição Federal de 1988, no artigo 225, caput e seus parágrafos, e no artigo 5º, inciso LXXIII, que
consagraram o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental de
todo o cidadão.
Estando o meio ambiente inserido no rol dos bens jurídicos de maior relevância e
preocupação para a sociedade, necessária se fez a sua proteção pelo Direito Penal, ao qual incumbe
a tarefa de proteger os bens jurídicos mais fundamentais para a sociedade.
Assim, no âmbito penal, procurou-se proteger o meio ambiente através da criação de tipos
penais e suas respectivas sanções. Entretanto, ao analisarmos a legislação penal ambiental, podemos
constatar que a complexidade do bem ambiental tutelado dificultou a tipificação cerrada das
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovação com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador, Prof. Marcelo Machado
Bertoluci, pelo Prof. Mário Rocha Lopes Filho e pelo Prof. Rafael Braude Canterji, em 17 de novembro de 2010.
2
Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da PUCRS. Contato: barbarafeeburg@gmail.com
3
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 21.
condutas lesivas ao meio ambiente,4
fazendo com que o legislador criasse tipos legais muito amplos
e abrangentes, despidos da certeza e taxatividade inerentes à tipicidade penal. Isso, por sua vez,
permite que condutas que não ofendem concretamente o bem jurídico ambiental protegido sejam
consideradas criminosas.
É, pois, nesse momento que averiguar-se-á a aplicabilidade ou não do Princípio da
Insignificância aos crimes ambientais.
O Princípio da Insignificância é um princípio jurídico de Direito Penal que se encontra
implícito em nosso ordenamento jurídico. É de criação doutrinária e jurisprudencial e têm por
objetivo excluir do âmbito criminal as condutas que não apresentam um grau de lesividade mínimo
para a concreção do tipo penal. Serve, em outras palavras, como método de interpretação restritiva
dos tipos penais, exigindo que exista lesão ao bem jurídico protegido para que a conduta seja
considerada crime, não se contentando com a mera adequação formal da conduta aos elementos
integrantes do tipo.
A aplicação desse princípio aos crimes ambientais, previstos na Lei n.º 9.605/98, é tema
que suscita discussões entre os estudiosos do Direito Penal e do Direito Ambiental. Isso porque, o
meio ambiente ecologicamente equilibrado, a partir da Constituição Federal de 1988, foi elevado à
categoria de direito humano fundamental de todos os cidadãos, trazendo a reflexão sobre a
possibilidade de existir lesão que possa ser considerada insignificante a esse bem de enorme
importância para a humanidade.
A partir deste estudo, será possível constatar a importância da tutela penal conferida ao
meio ambiente, bem como, a partir da análise da doutrina sobre o tema e da jurisprudência pátria,
observaremos a correta incidência do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, não como
forma de se abster da aplicação da lei penal, mas de aplicá-la corretamente.
1 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
1.1 DO CONCEITO DE BEM JURÍDICO-PENAL
O Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade, estabelecendo normas que
visam proteger bens que interessam não ao indivíduo exclusivamente, mas à coletividade como um
todo.5
Conforme ensina Claus Roxin,6
tal ramo do ordenamento jurídico visa garantir a seus cidadãos
4
FERREIRA, Ivete Senise, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 74.
5
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 4.
6
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 16.
uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não puderem ser
alcançadas através de outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos
indivíduos. Entende-se, pois, que o Direito Penal tem como objetivo imediato e primordial proteger
os bens jurídicos mais valiosos e fundamentais para a sociedade contra condutas que os lesem ou os
exponham a perigo de lesões, a fim de assegurar aos cidadãos uma coexistência pacífica em
sociedade. Daí compreender-se que o Estado deve estar a serviço do indivíduo, protegendo bens
jurídicos que lhes são imprescindíveis, sendo esta uma das maiores conquistas do Estado
Democrático e Social de Direito.7
Conforme salienta Luiz Regis Prado8
, apesar de o postulado de que o delito lesa ou ameaça
de lesão bens jurídicos ser praticamente pacífico entre os doutrinadores, o mesmo não se pode dizer
a respeito do conceito de bem jurídico, sobre o qual há discussão.
Destaca-se que o nascimento do conceito de bem jurídico está vinculado ao movimento
Iluminista, com o qual passou-se a exigir uma legitimação racional do poder, não se aceitando mais
as entidades metafísicas, tais como a lei divina.9
Atribui-se a primeira concepção de bem no contexto jurídico-penal a Birnbaum (1843), o
qual, segundo dispõe Regis Prado, observou ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem
radicado no mundo do ser ou da realidade, importante para a pessoa ou para a coletividade e que
pudesse ser lesionado por uma ação delitiva.10
Destaca-se que Birnbaum calcou sua concepção de
bem como critério de classificação e ordenação da tipologia penal posta pelo legislador.11
Posteriormente, sua concepção foi extremada por Binding, para quem bem jurídico era
tudo aquilo que fosse considerado valioso para o legislador, sendo, pois, uma criação do Direito.12
Von Liszt, por sua vez, inaugurou uma concepção material de bem jurídico, que transcendia
ao sistema jurídico e que, desse modo, permitia a limitação do poder punitivo estatal. Nos dizeres do
autor, “A norma jurídica, ao invés de criar o bem jurídico, o encontra”.13
Segundo Ribeiro Lopes, a
7
COSATE, Tatiana Moraes. Bem jurídico-penal: um debate necessário. IBCCRIM, jun. 2010. Disponível em:
<http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10384>. Acesso em: 07 jul. 2010.
8
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 37.
9
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos
do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 3.
10
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 27.
11
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131.
12
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131.
13
SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana: contributo para a
compreensão dos bens jurídicos supra-individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 62.
maioria dos fundamentos atuais sobre o conceito e a importância dos bens jurídicos baseia-se nas
noções trazidas por Von Liszt.14
A partir da segunda metade do século XX, conforme refere Ribeiro Lopes, o conceito liberal
e de garantia do bem jurídico, repudiado na época do nacional-socialismo, foi recuperado e vem
adquirindo, desde então, uma importância crescente.15
A palavra bem, em sentido amplo, significa tudo aquilo que tem valor para o homem.16
Bem
jurídico, por sua vez, pode ser entendido como um interesse de grande importância individual e
social que passa a ser valorado pelo Direito.17
Assim, podemos considerar que nem todo bem
caracteriza-se como um bem jurídico, nascendo este apenas quando o legislador resolve incluído no
ordenamento jurídico.
Para Heleno Fragoso,18
“bem jurídico é um bem protegido pelo direito: é, portanto, um
valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma”. Welzel,19
por sua vez, ensina que “bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado
social, é juridicamente protegido”.
Frisa-se, portanto, que nem todo bem é um bem jurídico, assim como nem todo bem
jurídico será objeto de proteção pelo Direito Penal tendo em vista o caráter limitado e fragmentário
deste, conforme será visto mais adiante.
Segundo Regis Prado,20
a noção de bem jurídico decorre das necessidades do homem
surgidas na experiência concreta de vida. Dita o autor que em face dessa dimensão sociocultural do
bem jurídico, o processo de criminalização/descriminalização subordina-se às regras axiológicas de
cada momento histórico, isto é, a idoneidade do bem jurídico está diretamente relacionada com o
seu valor social. A partir disso, fundamenta o jurista que o conceito material de bem jurídico reside
na realidade social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte e depois do
legislador ordinário, tratando-se de um conceito necessariamente valorado e relativo, quer dizer,
14
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131.
15
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 133.
16
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 17.
17
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 118.
18
FRAGOSO, Heleno C., apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009, p. 40-41.
19
WELZEL, Hans, apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 16.
20
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 41.
válido para um determinado sistema social e em um dado momento histórico.21
Também Claus Roxin
entende que “os bens jurídicos não têm uma validade natural infinita; preferentemente, estão
submetidos às mudanças dos fundamentos jurídico-constitucionais e das relações sociais”.22
Nesse sentido, sustenta Regis Prado que bem jurídico: 23
[...] vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto
social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a
coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurídico-penalmente
protegido. E, segundo a concepção aqui acolhida, deve estar sempre em compasso com o
quadro axiológico (Wertbild) vazado na Constituição e com o princípio do Estado
Democrático e Social de Direito. Assim, a ordem de valores constitucionalmente relevantes e
inerentes a essa especial modalidade de Estado constitui paradigma do legislador penal
infraconstitucional. A ideia de bem jurídico fundamenta a ilicitude material, ao mesmo
tempo em que legitima a intervenção penal legalizada.
Nessa seara, acrescenta o autor que os bens dignos ou merecedores de tutela penal são,
em princípio, os de indicação constitucional específica e aqueles que se encontram em harmonia
com a noção de Estado de Direito Democrático.24
A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, traz diversas indicações criminalizadoras ou
relativas a deveres protetivos específicos.25
Isto, porém, não significa que a atividade do legislador
infraconstitucional no estabelecimento de tipos penais está engessada, mas demonstra que há um
dever de criminalização de certas condutas que lesam determinados bens jurídicos, sendo que essa
imposição não retira do legislador ordinário a sua liberdade em selecionar as condutas puníveis e
estabelecer suas respectivas sanções.
Entretanto, em que pese o caráter fragmentário do Direito Penal, o conceito de bem
jurídico, como sustenta Roxin,26
não é uma “varinha mágica” através da qual se pode separar desde
logo a conduta punível daquela que deve ficar impune, tratando-se apenas de uma denominação
daquilo que é lícito considerar digno de proteção pelo Direito Penal. A lesão a esses bens jurídicos
merecedora da repressão criminal será analisada no caso concreto.
Deste modo, quando um bem jurídico é incorporado pelo Direito Penal, tem-se o
surgimento do bem jurídico-penal, que possui, entre outras, a função de limitar o direito de punir do
Estado, isto é, o legislador, em um Estado Democrático de Direito, tem o compromisso de não
tipificar senão aquelas condutas graves que lesionem ou coloquem em perigo bens jurídicos
21
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 88.
22
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 36.
23
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44.
24
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 84.
25
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 86.
V.g art. 5º, incisos XLI, XLII, XLIII; art. 225, parágrafo 3º etc.
26
ROXIN, Claus, apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 85.
relevantes, tratando-se, pois, do “sentido informador” do bem jurídico na construção dos tipos
penais.27
Nesse sentido, Eugenio Zaffaroni28
sustenta que “não se concebe a existência de uma
conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares
manifestações de tutela jurídica desses bens”. Além disso, acrescenta o autor que o bem jurídico
concede um verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal.
Ademais, cumpre ressaltar que nem todo o bem jurídico requer tutela penal. De acordo
com Regis Prado,29
para que um bem jurídico possa ser considerado como bem jurídico-penal deve
ser considerado fundamental para o indivíduo e para a vida social, não bastando, dessa forma,
somente a sua previsão constitucional.
Também nas palavras de Regis Prado,30
“não basta que um bem possua suficiente
relevância social para vir a ser tutelado penalmente; é preciso que não sejam suficientes para sua
adequada tutela outros meios de defesa menos lesivos”.
A esse respeito, consideramos importante mencionar os Princípios da Intervenção Mínima
e da Fragmentariedade no Direito Penal, pois bem ilustram a forma de atuação do Direito Penal
frente à proteção de bens jurídicos fundamentais.
1.1.1 Dos princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade
O Princípio da Intervenção Mínima, também conhecido por ultima ratio ou subsidiariedade,
nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt:31
[...] orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de
uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado
bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se
suficientes para a tutela desse bem, sua criminalização é inadequada e não recomendável.
Portanto, se para a proteção de bens jurídicos forem suficientes medidas civis ou
administrativas, estas deverão ser empregadas em detrimento das medidas penais.32
Dessa forma, o
Direito Penal assume um caráter subsidiário, sendo justificada a sua intervenção apenas quando
“fracassam as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do direito”.33
27
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 50-51.
28
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 398.
29
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 93.
30
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 99.
31
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11.
32
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11.
33
CONDE, Muños, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 11.
Sob a ótica dos bens jurídicos, entende Regis Prado,34
que o Princípio da Intervenção
Mínima ou ultima ratio determina que “o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos
mais imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, e que não podem ser eficazmente
protegidos de outra forma”.
Como corolário do Princípio da Intervenção Mínima, temos o Princípio da
Fragmentariedade do Direito Penal que determina, conforme ensina Bitencourt,35
que nem todas as
ações que lesionam bens jurídicos são sancionadas pelo Direito Penal, assim como nem todos os
bens jurídicos são por ele protegidos, sendo apenas as ações mais graves praticadas contra os bens
jurídicos mais relevantes objeto de sanção criminal.
No mesmo sentido, Regis Prado36
ensina que o Princípio da Fragmentariedade do Direito
Penal determina que os bens jurídicos são defendidos penalmente apenas contra aquelas agressões
consideradas socialmente intoleráveis. Nas palavras do autor, “isso quer dizer que o Direito Penal só
se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de
maneira fragmentada, dividida ou fracionada”. Isso caracteriza a feição ou o caráter fragmentário do
Direito Penal “uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela
ordem jurídica”.37
Nesse liame, ensina Paulo Queiroz que o Direito Penal:38
[...] não protege todos os bens jurídicos, e sim os mais fundamentais, e nem sequer os
protege em face de qualquer classe de atentados, mas tão-só dos ataques mais intoleráveis.
Daí dizer-se fragmentária essa proteção (caráter fragmentário), pois se concentra o direito
penal não sobre um todo de uma dada realidade, mas sobre fragmentos dessa realidade de
que cuida, é dizer, sobre interesses jurídicos relevantes cuja proteção seja absolutamente
indispensável.
1.2 DO CONCEITO DOUTRINÁRIO E DA NATUREZA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
O legislador, levando em consideração os bens jurídicos mais relevantes para o indivíduo e
para a sociedade, bem como seguindo as diretrizes previstas na Constituição Federal, elabora tipos
penais abstratos procurando dar a devida proteção a tais bens. Neste andar, embora busque atingir
um número limitado de situações, a imperfeição da técnica legislativa somada à impossibilidade de
34
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 59.
35
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 12.
36
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 60.
37
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 12.
38
QUEIROZ, Paulo, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008, p. 30.
reduzir-se o infinito leque de atos humanos possíveis, faz com que possam ser consideradas típicas
condutas que deveriam estar excluídas do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal.39
A par disto, a doutrina, precisamente Claus Roxin, elaborou a teoria do Princípio da
Insignificância em matéria penal, também conhecida por princípio ou criminalidade de bagatela,40
determinando que o Direito Penal deve ocupar-se apenas das condutas que efetivamente lesem os
bens jurídicos, deixando fora do seu âmbito de incidência aquelas condutas que, embora
formalmente típicas, não afetam de forma relevante o bem jurídico que se quer proteger.
Tal princípio tem por fim “excluir do âmbito criminal as condutas que não apresentam um
grau de lesividade mínimo para a concreção do tipo legal, evitando que a sanção penal seja
desproporcional ao dano causado pela ação formalmente típica”.41
Refere-se que já havia indícios da teoria da insignificância no Direito Romano, onde se
entendia que ao pretor não cabia cuidar de causas ou delitos de bagatela (minima non curat
praetor).42
Também, em 1903 Von Liszt indagava se não seria oportuno restaurar a máxima minina
non curat praetor como norma jurídica de direito processual ou material para conter o uso excessivo
do Direito Penal.43
Outrossim, após a Segunda Guerra Mundial, foi Hans Welzel quem chamou
atenção para a teoria da insignificância, mesclando-a, entretanto, com a sua teoria da adequação
social.44
39
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66.
40
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 23.
41
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
6.
42
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41.
43
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 86.
44
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 22. Essa teoria, segundo expõe Zaffaroni (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI,
José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008,
v. 1, p. 487), determina que há condutas que, em razão de sua adequação social não podem ser
consideradas típicas. Assim, as condutas que se consideram socialmente adequadas não podem ser delitos,
devendo ser excluídas do âmbito da tipicidade. Segundo aduz Assis Toledo (TOLEDO, Francisco de Assis.
Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 131), a ação socialmente adequada
está desde o início excluída do tipo, por estar, justamente, dentro do âmbito da normalidade social. Desse
modo, alega o autor que “a adequação social exclui desde logo a conduta em exame do âmbito de
incidência do tipo, situando-a entre os comportamentos normalmente permitidos, isto é, materialmente
atípicos.” Segundo Roxin (ROXIN, Claus, apud GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras
excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 47) a teoria ou princípio da
Já nas últimas décadas, conforme sustenta Luiz Flávio Gomes, destacou-se o trabalho de
Claus Roxin, a quem se atribui a primeira menção à insignificância como princípio, postulando o seu
reconhecimento como excludente da tipicidade penal.45
Contudo, uma das principais resistências ao reconhecimento do Princípio da Insignificância,
diz respeito à dificuldade na determinação do seu conceito, por ser este, efetivamente, de
construção doutrinária e jurisprudencial, sendo considerado um postulado de Política Criminal não
havendo, portanto, previsão expressa em nosso Direito Penal Comum.46
Quanto a isso, cabe
reconhecer, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, que o Direito não se esgota no texto legal, havendo
princípios jurídicos chamados implícitos, que se encontram em estado latente no ordenamento
jurídico.47
Assim, com base no caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, a doutrina e a
jurisprudência têm buscado conceituar o Princípio da Insignificância, fixando critérios para o
reconhecimento de condutas típicas afetas ao mesmo.48
Para Ivan Luiz da Silva, o Princípio da Insignificância pode ser conceituado:49
[...] como aquele que interpreta restritivamente o tipo penal, aferindo qualitativa e
quantitativamente o grau de lesividade da conduta, para excluir da incidência penal os fatos
de poder ofensivo insignificante aos bens jurídicos penalmente protegidos.
Conforme ensina Bitencourt, não é qualquer ofensa aos bens jurídicos que configura o
injusto penal, a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico protegido
para ser criminalizada. Assim, sustenta o jurista que, quando uma conduta formalmente típica não
apresenta nenhuma relevância material, permite-se afastar liminarmente a tipicidade penal da
mesma, visto que o bem jurídico tutelado não chegou a ser lesado, sendo este o objetivo do Princípio
da Insignificância, sintetizado no enunciado nullum crimen sine iniuria.50
No mesmo sentido, Ivan Luiz da Silva afirma que o Princípio da Insignificância é utilizado
como método de interpretação restritiva do tipo penal, na medida em que exige um “elemento
adequação social serve como um auxiliar interpretativo para restringir o teor literal que acolhe também
formas de condutas socialmente admissíveis.
45
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 49.
46
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 68. Segundo leciona Luiz Flávio Gomes (Ibid., p. 38 e 68), o Princípio da
Insignificância integra expressamente o Código Penal Militar, o qual prevê no seu artigo 209, parágrafo 6º,
que no caso de lesões corporais levíssimas “o juiz pode considerar a infração como disciplinar”.
47
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 6.
48
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 7.
49
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
9.
50
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 19.
material, a lesividade da ação, para que haja a tipicidade penal de uma conduta formalmente
típica”.51
Não é outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, para quem o Princípio da
Insignificância:52
[...] pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção
material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem
macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da
necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não
atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.
Assim, o Princípio da Insignificância impõe-se em razão da necessidade de se vislumbrar na
estrutura do tipo penal um conteúdo material a fim de tornar legítima a imposição da sanção
criminal, não se contentando com a tipicidade formal, consistente na mera adequação da conduta
praticada ao tipo penal abstrato.53
Quanto à natureza jurídica do Princípio da insignificância, é possível vislumbrar correntes
distintas de pensamento que o classificam como excludente de tipicidade, excludente de
antijuridicidade ou ainda como excludente de culpabilidade.
A corrente majoritária entende que o Princípio da Insignificância afasta a tipicidade
daquelas condutas que afetam de forma insignificante o bem jurídico protegido, tornando-as,
portanto, atípicas e não sendo, consequentemente, objeto de sanção penal. Isto, porém, não
significa que o autor do fato insignificante ficará impune, apenas permite que o fato penalmente
insignificante seja excluído do âmbito criminal, devendo, contudo, recair sobre o seu agente todas as
sanções civis, administrativas, trabalhistas etc. cabíveis. Nesse sentido, conforme alude Ivan Luiz da
Silva,54
é o entendimento dos juristas que pioneiramente trataram sobre a matéria no Brasil, sendo
eles, Francisco de Assis Toledo, Diomar Ackel e Odone Sanguiné.
Não é outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, para o qual a fim de se evitar que a
descrição abstrata e abrangente do tipo penal alcance condutas penalmente insignificantes, deve-se
51
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
8.
52
MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 61.
53
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
10. No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça conceitua o Princípio da
Insignificância: “o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo
penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal,
de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no
sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da
fragmentariedade e da intervenção mínima.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas
Corpus nº 110404/PR. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 07/10/2008. Disponível
em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 09 ago. 2010).
54
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
48.
atribuir ao mesmo um conteúdo material, de forma que apenas será típica a conduta que
materialmente lesionar o bem jurídico tutelado.55
Cumpre destacar, portanto, que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância é a
tipicidade material. Segundo Odone Sanguiné, a tipicidade não se esgota na concordância lógico-
formal de subsunção do fato ao tipo, devendo a ação típica, para ser objeto do Direito Penal, ser
ofensiva ou perigosa a um bem jurídico.56
Nas palavras de Luiz Flávio Gomes, “a consequência
dogmática inevitável decorrente da incidência do Princípio da Insignificância é a exclusão da
tipicidade do fato. O fato deixa de ser materialmente típico”.57
Conforme já mencionado, a construção do tipo penal sempre apresenta dificuldade em
razão da impossibilidade de o legislador prever todas as formas de condutas lesivas aos bens
jurídicos penalmente protegidos.58
Assim, a tipificação é feita de forma abstrata buscando limitar-se
à descrição das condutas mais significativas e que lesionem ou exponham a perigo de lesão os bens
tutelados. Contudo, a imperfeição do trabalho legislativo, bem como o caráter abstrato do tipo
penal, acabam por atribuir a este uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem
jurídico, fazendo com que condutas sem significação penal sejam alcançadas pela descrição típica.59
Nesse sentido, explica Paulo Queiroz:60
Não tem o legislador, em face das limitações naturais da técnica legislativa e da
multiplicidade de situações que podem ocorrer, o poder de previsão, casuística, das
hipóteses efetivamente merecedoras de repressão. Noutros termos, falta-lhe o poder de
prever em que grau e em que intensidade devem tais ações merecer, in concreto, castigo.
Não lhe é possível, enfim, ao prever tipos abstratos, ainda que se atendo àquelas lesões mais
significativas, fixar, segundo o caso concreto, em que intensidade a lesão deve assumir
relevância penal efetiva.
A fim de limitar essa amplitude atribuída ao tipo penal, a doutrina modernamente
entendeu por atribuir-lhe um conteúdo material, procurando, assim, excluir condutas que, embora
55
MAÑAS, Carlos Vico, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008, p. 49.
56
SANGUINÉ, Odone, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise
à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da
jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 117.
57
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 69.
58
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79.
59
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79.
60
QUEIROZ, Paulo de Souza, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba:
Juruá, 2009, p. 79.
formalmente típicas, sejam insignificantes para o Direito Penal.61
Nesse sentido, admite-se o
Princípio da Insignificância como sendo um “corretivo da abstração do tipo penal”.62
Conforme alude Ivan Luiz da Silva, a concepção material da tipicidade penal consiste na
exigência de a conduta típica ser concretamente lesiva ao bem jurídico, não se adequando apenas
formalmente ao tipo descritivo.63
Entende-se, destarte, que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância consiste
efetivamente na tipicidade material. Isto é, o fato insignificante é formalmente típico, porém não o é
materialmente. Assim, a conduta formalmente típica que não concretize o conteúdo material do tipo
penal, ou seja, não ofenda concretamente o bem jurídico protegido, deve ser excluída do âmbito
criminal em razão da sua irrelevância para o Direito Penal.
O Princípio da Insignificância, desse modo, objetiva evitar situações de injustiça decorrentes
da desproporcionalidade da sanção aplicável frente à conduta praticada. Podemos dizer, destarte,
decorre do próprio modelo do Direito Penal, de caráter fragmentário, que busca ajustar-se ao
modelo garantista do Estado Social e Democrático de Direito propugnado pela Constituição.64
1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
O Direito Penal e suas normas fundamentam-se em princípios constitucionais próprios do
Estado Democrático de Direito. O Princípio da Insignificância, não diferentemente, também se
assenta nesses mesmos princípios fundamentais para interpretar restritivamente os tipos penais a
fim de evitar situações de injustiça quando da aplicação da lei penal, buscando, assim, efetivar os
princípios constitucionais fundamentais que o embasam.
Nesse sentido, a doutrina cita como fundamentos do Princípio da Insignificância, os
princípios a) da Igualdade, b) da Liberdade, c) da Fragmentariedade e d) da Proporcionalidade, sobre
os quais faremos breves considerações.
a) A conexão entre o Princípio da Igualdade e o Princípio da Insignificância se expressa
quando, diante de condutas enquadráveis ao mesmo tipo descritivo, porém com desigual grau de
lesividade ao bem jurídico tutelado, o operador jurídico atribui um sentido material ao Princípio da
Igualdade consignando tratando desigual às situações fáticas desiguais. Do ponto de vista formal, isto
61
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 39 e 80.
62
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 58.
63
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
76.
64
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 21.
é, da igualdade perante a lei, as condutas podem ser idênticas, estando seus autores sujeitos à
mesma sanção abstrata prevista legalmente.65
Entretanto, analisando-se do ponto de vista material,
devemos observar o grau ou a intensidade da lesão ao bem jurídico protegido, a fim de constatarmos
se essa lesão efetivamente ocorreu. Ao ficar constatado que, não obstante as condutas enquadrem-
se ao mesmo tipo penal descritivo, uma delas apresentou lesividade ínfima, mínima ou insignificante
ao bem jurídico tutelado, surge para o intérprete da lei penal um dilema, qual seja, aplicar friamente
a lei, que, ainda que aplicada no menor grau possível seria, em face da situação concreta, mais grave
do que exige o grau de reprovabilidade da conduta, ou reconhecer a impropriedade da sanção penal
a fim de excluir o caráter criminoso do fato.66
Ao adotar-se a atitude mais favorável ao agente, temos
o surgimento do Princípio da Insignificância como um “mecanismo receptor e divulgador do Princípio
da Igualdade dentro do Direito Penal”.67
b) Quanto ao Princípio da Liberdade destacamos que, a partir da leitura do artigo 5º e
seus incisos, da Constituição Federal, é possível observar que a liberdade é, sem dúvida, um dos
valores supremos adotados pelo Estado Democrático de Direito no qual estamos inseridos. Segundo
o modelo constitucional vigente a liberdade é a regra e a não-liberdade é a exceção.68
Podemos dizer que o Princípio da Insignificância atua como um instrumento de proteção ao
supremo valor constitucional da liberdade, uma vez que objetiva reduzir a incidência de medidas
constritivas sobre a mesma, tornando atípicas condutas irrelevantes para o Direito Penal e,
consequentemente, deixando-as isentas das penas criminais, tendo em vista que “em muitas vezes a
pena, mormente a de prisão, mostra-se desproporcionalmente mais prejudicial que o delito
cometido”.69
c) O Princípio da Fragmentariedade, conforme visto no ponto 1.1.1 deste capítulo,
determina que apenas as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes serão
objeto do Direito Penal, não devendo este ocupar-se de todos os bens jurídicos existentes e
tampouco de todas as lesões a esses bens, mas apenas daquelas consideradas mais graves. É nesse
sentido que se deve compreender a expressão usada por Francisco de Assis Toledo quando fala que
65
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 57.
66
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 56.
67
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes
ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 26.
68
QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal e liberdade. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 8, n. 90, p. 5, maio
2000.
69
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 28.
“o Direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do
bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.70
Todavia, sabemos que o legislador, ao realizar o trabalho de redação dos tipos penais, não
obstante tenha o intuito de apenas criminalizar aquelas condutas que possam causar prejuízos
relevantes ao bem jurídico tutelado e à ordem social, não consegue evitar que também sejam
alcançados pelo tipo abstrato os casos sem relevância para a ordem jurídico-penal.71
Nesse liame, surge então o Princípio da Insignificância para evitar que situações típicas
insignificantes sejam incriminadas e sejam objetos de sanção penal. Atua, pois, como instrumento de
interpretação restritiva do tipo penal, na medida em que, conforme frisado anteriormente, exige um
“elemento material, a lesividade da ação, para que haja a tipicidade penal de uma conduta
formalmente típica”.72
Pode-se dizer que o enunciado nullum crimen sine iniuria, fundamento do
Princípio da Insignificância, serve também para revelar a natureza fragmentária do Direito Penal.
d) Por fim, conforme sustenta Zaffaroni, trazido à colação por Ribeiro Lopes, “o
fundamento do Princípio da Insignificância está na ideia de proporcionalidade que a pena deve
guardar em relação à gravidade do crime”. Dessa forma, leciona o autor que nos casos de ínfima
afetação ao bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste razão para a
cominação da pena.73
Assim, entende-se que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado também com o
escopo de evitar que a cominação de uma pena para o agente de um fato insignificante, acarrete
mais prejuízos do que os que sua conduta provocou.
Desse modo, o Princípio da Insignificância realiza o Princípio da Proporcionalidade ao incidir
sobre condutas que não ofendem bens jurídicos e que são, portanto, insignificantes para o Direito
Penal, a fim de excluí-las da seara criminal em razão da desproporcionalidade entre o fato praticado
e a sanção cominada ao mesmo. Nesses casos, ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à
relevância social do fato considerado insignificante.74
70
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 133.
71
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66.
72
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
8.
73
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal:
análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da
jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69.
74
SANGUINÉ, Odone, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal:
análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da
jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69.
1.4 REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Salienta Luiz Flávio Gomes que durante muitos anos não se tinha uma doutrina nem
jurisprudência bem definida a respeito dos requisitos válidos para aplicação do Princípio da
Insignificância.75
Ainda hoje, não obstante haja aplicação desse princípio pelos tribunais pátrios,
alguns operadores da lei penal ainda se opõem à aceitação do mesmo, alegando que este “colidiria
com a segurança jurídica”.76
Entretanto, analisando a doutrina (e também a jurisprudência) sobre este aspecto,
podemos estabelecer alguns critérios objetivos para a incidência válida do Princípio da Insignificância
aos casos concretos.
A doutrina estabelece que, para o reconhecimento da conduta típica penalmente
insignificante, deve-se realizar uma avaliação quanto aos índices de desvalor da ação e desvalor do
resultado da conduta praticada. Nesse sentido, ensina Bitencourt que “na ofensa ao bem jurídico
reside o desvalor do resultado, enquanto que na forma ou modalidade de concretizar a ofensa situa-
se o desvalor da ação”.77
Faz-se, portanto, a avaliação de ambos os índices de desvalor a fim de se
aferir o grau quantitativo-qualitativo da lesividade da ação em relação ao bem jurídico protegido,
constatando-se, por fim, a significância ou insignificância da conduta para o Direito Penal.78
Nessa linha, dita Luiz Flávio Gomes que, de acordo com a concepção gradualista do delito, o
ilícito penal é uma estrutura quantificável. Em sendo assim, leciona o autor que é exatamente essa
possibilidade de graduação do injusto e, especialmente, da ofensividade ao bem jurídico ou da
idoneidade potencial lesiva da conduta, que permite dissociar-se o ataque penalmente relevante,
merecedor de sanção criminal, daquele que não chega a assumir essa magnitude em razão da
escassa lesividade, isto é, por se tratar de um ataque mínimo, que condiciona a atipicidade da
conduta, por força do critério de insignificância.79
Sendo assim, pode-se concluir que o desvalor da ação se refere à forma de praticar a ação
criminosa e o desvalor do resultado indica, por sua vez, a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
protegido.
75
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 16.
76
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83.
77
BITENCOURT, Cezar Roberto. Desvalor da ação e desvalor do resultado nos crimes culposos de trânsito.
Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 64, p. 14, mar. 1998.
78
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 84.
79
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 51.
Quando então, ambos os índices, isto é, desvalor da ação e desvalor do resultado, forem
insignificantes para o Direito Penal, estaremos diante de uma conduta bagatelar,80
ou seja, um “fato
de ninharia, de pouca relevância” que não merece ser responsabilizado criminalmente.81
Ainda neste ponto, não obstante o presente trabalho não busque realizar um exame
jurisprudencial a respeito da aplicação do Princípio da Insignificância pelos tribunais pátrios, cumpre-
nos mencionar o que o Supremo Tribunal Federal vem considerando como requisitos válidos para a
incidência do princípio.
Conforme aduz Luiz Flávio Gomes, a determinação da insignificância ou não de um fato
para o Direito Penal depende da situação concreta posta em exame. Nesse sentido, cada caso deve
ser analisado de acordo com as suas especificidades, levando em consideração as circunstâncias do
fato e a sua repercussão social, não havendo, de pronto, critérios absolutos que definem o que é
insignificante. Contudo, faz referência o autor aos critérios que vem sendo utilizados atualmente
pelo Supremo Tribunal Federal para a aplicação do postulado da insignificância.82
Nessa linha, leciona o autor que o Pretório Excelso83
(HC 84.412), em linhas gerais, acolhe
os seguintes vetores a fim de reconhecer a incidência do Princípio da Insignificância aos casos
concretos: a) ausência de periculosidade social da ação, b) a mínima ofensividade da conduta do
agente, c) a inexpressividade da lesão jurídica causada e d) a falta de reprovalidade da conduta.
Note-se que três dos critérios versam sobre desvalor da conduta e um deles versa sobre desvalor do
resultado jurídico. O que argui Luiz Flávio Gomes em sua explanação, é se temos que
necessariamente conjugar os quatro vetores para haver o reconhecimento da conduta insignificante,
ou se podemos desmembrá-los, a fim de reconhecer a insignificância em razão apenas do desvalor
da conduta ou apenas do desvalor do resultado.84
Diferentemente do exposto até aqui pela doutrina, entende este autor que deve-se
distinguir a insignificância da conduta da insignificância do resultado, podendo haver, assim, a
incidência do Princípio da Insignificância ocorrendo apenas a insignificância da ação ou apenas a
insignificância do resultado, ou, ainda, de ambos.
80
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 85.
81
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 15.
82
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 19.
83
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus n.º 84412/SP. Relator: Ministro Celso de
Mello. Data do Julgamento: 19/10/2004. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010.
84
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 16.
Não obstante seja esta a posição adotada por Luiz Flávio Gomes como sendo a mais
correta, o jurista contempla ainda outras duas correntes que divergem da adotada por ele sobre a
aplicação das bases ou critérios orientativos do Princípio da Insignificância.85
A primeira delas, corroborando com o entendimento doutrinário exposto no início deste
ponto, caminha no sentido de que devem os dois desvalores (da conduta e do resultado) ser
somados para que haja a correta incidência do princípio.
A segunda, por seu turno, acentua que não basta para o reconhecimento da infração
bagatelar apenas o desvalor da ação e o desvalor do resultado, devendo haver também o desvalor da
culpabilidade do agente, isto é, conforme salienta o autor, as circunstâncias judiciais, tais como a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, os motivos do crime etc. devem ser também
favoráveis para que a conduta seja afastada do âmbito criminal. Nesse sentido, há julgados no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça entendendo que, para a aplicação do Princípio da
Insignificância, necessário se faz o exame das circunstâncias relativas à pessoa e à conduta do
agente.86
Esta segunda posição, porém, é muito criticada por Luiz Flávio Gomes, pois defende que o
injusto penal é constituído do desvalor da ação e do desvalor do resultado e “a insignificância
correlaciona-se indubitavelmente com o âmbito do injusto penal (ou mais precisamente com o da
tipicidade)”, não abarcando questões de ordem subjetiva do agente.87
Dessa forma, conclui o autor que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado de forma
absolutamente objetiva, levando em consideração apenas o desvalor da conduta típica praticada ou
apenas o desvalor do resultado típico ou ainda, ambos os desvalores, se for o caso, mas não deve
abranger questões de ordem subjetiva as quais não fazem parte do seu âmbito de aplicação. Tal
posicionamento vai ao encontro do entendimento predominante sufragado pelo Supremo Tribunal
Federal.88
85
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 27.
86
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso Especial n.º 1008780/RS. Relator: Ministro Jorge
Mussi. Data do Julgamento: 07/10/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010.
87
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, v. 1, p. 28.
88
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Extraordinário n.º 536486/RS. Relatora: Ministra Ellen
Gracie. Data do Julgamento: 26/08/2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010; BRASIL
Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Questão de Ordem no Agravo de Instrumento n.º 559904/RS. Relator:
Ministro Sepúlveda Pertence. Data do Julgamento: 07/06/2005. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16
ago. 2010.
1.5 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E AS INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (LEI N.º
9.099/95 E 10.259/01)
A Constituição Federal permitiu, em seu artigo 98, inciso I, a criação de Juizados Especiais
Criminais para o julgamento de infrações de menor potencial ofensivo, buscando assim uma justiça
mais célere e sem sequelas estigmatizantes para a solução de crimes de escasso potencial ofensivo,
através da preponderância dos procedimentos oral e sumaríssimo e da possibilidade de transação
entre as partes.89
O dispositivo constitucional supramencionado restou regulamentado pela Lei n.º 9.099/95,
que estabeleceu as regras atinentes ao funcionamento e jurisdição dos Juizados Especiais Criminais
e, posteriormente, também pela Lei n.º 10.259/01 que instituiu o Juizado Especial Criminal no
âmbito Federal, com competência para julgar as infrações de menor potencial ofensivo de
competência da Justiça Federal.90
A par disso, críticos da teoria da insignificância passaram a sustentar, com base nos
dispositivos constitucional e infraconstitucional mencionados, que o Princípio da Insignificância não
poderia ser aceito em um sistema penal que criminaliza expressamente condutas penais de menor
potencial ofensivo.91
Entretanto, tal posicionamento não é bem recepcionado pela doutrina, a qual entende ser
absolutamente viável a coexistência de ambos os institutos no sistema penal brasileiro.92
Isso porque, conforme dita o artigo 61, da Lei n.º 9.099/95, são consideradas infrações de
menor potencial ofensivo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a dois anos” (redação dada após a edição da Lei n.º 10.259/2001), quer dizer, as infrações
de menor potencial ofensivo foram conceituadas pelo legislador mediante o aspecto quantitativo da
pena, sendo, portanto, delitos que recebem uma apenação menor tendo em vista sua pouca
gravidade, não se confundindo com aquelas ações que não devem ser objeto do Direito Penal por
não promoverem ofensa alguma aos bens protegidos.93
89
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 530.
90
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 530.
91
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 113.
92
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 117.
93
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114.
Nesse sentido são os dizeres de Ribeiro Lopes, para o qual as infrações de menor potencial
ofensivo “são uma escala intermediária entre as de grande potencial ofensivo e as de nenhum
potencial ofensivo”.94
Conforme argumenta Ivan Luiz da Silva, não é possível equiparar-se as infrações de menor
potencial ofensivo aos delitos de bagatela, uma vez que estes são um “não-crime”, ou seja, não
apresentam um grau suficiente de desvalor da ação e/ou desvalor do resultado para serem
considerados dignos da incidência penal. Nesse sentido aduz o autor que Lei n.º 9.099/95 não excluiu
o Princípio da Insignificância do ordenamento jurídico-penal brasileiro, visto que este se aplica às
condutas penalmente insignificantes ou bagatelares, enquanto que a Lei dos Juizados Especiais
Criminais aplica-se aos delitos elencados no seu artigo 61.95
O que se busca aqui esclarecer é que as infrações de menor potencial ofensivo, trazidas a
lume pela Lei n.º 9.099/95, não são sinônimas de infrações bagatelares96
e não excluem do
ordenamento jurídico pátrio a incidência do Princípio da Insignificância sobre as mesmas.
Além disso, outro argumento trazido pela doutrina contra o entendimento de que o
Princípio da Insignificância não pode ser aceito no sistema penal brasileiro em face do artigo 98,
inciso I, da Constituição Federal, e da Lei n.º 9.099/95, consiste na circunstância de o referido
princípio e a mencionada lei serem “técnicas de despenalização de natureza jurídica distintas”. Quer
dizer, o Princípio da Insignificância insere-se no direito material, enquanto que a Lei dos Juizados
Especiais Criminais faz parte do direito processual.97
2 DA PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL DO MEIO AMBIENTE
2.1 A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO PENAL DO MEIO AMBIENTE: O MEIO AMBIENTE COMO BEM
JURÍDICO PENALMENTE RELEVANTE
94
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95
(Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 221.
95
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114.
96
Quanto à expressão “infrações bagatelares”, Luiz Flávio Gomes afirma que, “Diante do fato realmente
insignificante, a rigor, não poderíamos falar em ‘infração’ (porque não sendo típico o fato, infração não existe)”.
Contudo, opta o autor pelo uso dessa locução para, de acordo com suas palavras, “manter a tradição”. (GOMES,
Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
v. 1, p. 15).
97
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 115.
Neste início de século XXI a destruição do meio ambiente, sem dúvida, figura-se como um
dos mais ingentes problemas que a humanidade tem se deparado, “cuja gravidade é de todos
conhecida, pelo que representa para a vida e para a própria sobrevivência do homem”.98
A preocupação com a preservação ambiental é, todavia, antiga. Lecionam Vladimir e
Gilberto Passos de Freitas,99
que a primeira manifestação referente à importância do meio ambiente
no Brasil foi proferida por José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1815, ao mencionar que, “se a
navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios
sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuva sem umidade, não há umidade sem floresta”.
Entretanto, podemos dizer, também, que data de época relativamente recente a
preocupação mais acentuada e o reconhecimento da extraordinária importância de preservar-se o
meio ambiente como garantidor da qualidade de vida do homem. Isso porque, conforme menciona
Regis Prado, o desenvolvimento industrial bem como o progresso tecnológico, a urbanização, a
explosão demográfica, entre outros fatores, têm tornado atual e cada vez mais dramático o
problema da degradação ambiental e da limitação dos recursos naturais do nosso planeta.100
Destaca-se que a mais importante e decisiva conferência sobre o meio ambiente ocorreu
em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972,101
na qual consagraram-se princípios que acabaram por
influenciar o mundo todo.102
A partir dessa conferência, o grau de conscientização no que diz
respeito ao meio ambiente generalizou-se, e a proteção ambiental passou a ser um dos pilares da
nova ordem internacional.103
Tal conferência, além de permitir a criação de uma consciência universal sobre a
preservação do meio ambiente, constituiu ainda uma nova etapa na trajetória de sua tutela
jurídica.104
98
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 63.
99
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 17.
100
PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 18.
101
O Princípio n. 1 da Declaração de Estocolmo determina que “o homem tem o direito fundamental à
liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade
tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger
e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. *...+.”
102
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 21.
103
Vide também artigo 30, da Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, adotada pela Organização
das Nações Unidas em sua Res.3.281/1974. (PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas
fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 19).
104
PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 22.
Nesse sentido, a partir da década de setenta, as constituições modernas passaram a
conferir tratamento explícito à preservação e proteção do meio ambiente em seus textos,
evidenciado assim a necessidade de uma tutela mais eficaz.105
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe significativo avanço no que tange à
proteção ambiental,106
inclusive elevando o meio ambiente e sua proteção a direito fundamental de
todo cidadão.107
Assim, ficou consignado no artigo 225, caput, da Constituição Federal, que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Como visto, é na Constituição que se encontram os valores mais fundamentais consagrados
pela sociedade, dela decorrendo ainda aqueles bens dignos ou merecedores de tutela penal.108
Partimos, então, da ideia de que os bens jurídicos devem ter sua fonte na Constituição,
decorrendo daí, também, se for necessário e como ultima ratio, a sua proteção através do Direito
Penal, conforme demonstrado no capítulo anterior.
Nessa trilha, mostra-se claro que o meio ambiente foi consagrado pelo Texto Maior não
apenas como bem jurídico, mas como um dos mais relevantes bens jurídicos a serem tutelados pelo
Poder Público e pela sociedade, chegando ao posto de direito humano fundamental.
Esse ingresso do meio ambiente no rol dos bens jurídicos de suprema relevância para a
ordem constitucional teve como consequência lógica a sua proteção sob o pálio do Direito Penal,
uma vez que a este pertence o escopo de tutelar aqueles valores mais fundamentais para a
sociedade.109
É esse também o objetivo conferido pela própria Constituição ao assinalar no parágrafo
3º do artigo 225, a necessidade de proteção jurídico-penal do meio ambiente, consignando um
“mandato expresso de criminalização”, ao determinar a cominação de sanções penais às pessoas
físicas ou jurídicas que eventualmente causem lesão ao bem supracitado.110
Ainda como justificação para a tutela penal do meio ambiente pode-se levar em
consideração o fato de que muitas são as hipóteses em que as sanções administrativas ou civis não
105
PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 22.
106
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 9.
107
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
61.
108
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 40.
109
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
62.
110
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 80.
são suficientes para reprimir as ofensas contra o meio ambiente.111
Marcelo Leonardo, nesse liame,
assevera que o meio ambiente já era protegido juridicamente por normas administrativas,
especialmente após a vigência da Lei n.º 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio
Ambiente. Contudo, ressalta o autor que percebia-se a ineficácia dessas normas meramente
administrativas e, em razão disso, postulava-se a edição de uma lei penal especial para a tutela do
meio ambiente.112
Nesse sentido, Eduardo Ortega Martin argumenta que:113
o emprego de sanções penais para a proteção do meio ambiente em determinadas ocasiões
se tem revelado como indispensável, não só em função da própria relevância dos bens
protegidos e da gravidade das condutas a perseguir (o que seria natural), senão também
pela maior eficácia dissuasória que a sanção penal possui.
Com razão, a sanção penal em certos casos se faz necessária, não apenas em função da
relevância do bem protegido, mas também em razão do seu maior poder dissuasório em relação às
medidas não penais, sendo assim considerada mais eficaz na prevenção de agressões ambientais.114
Conforme ditam, nesse liame, Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, “o estigma de um processo penal
gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam”.115
O que resta evidente, para nós, é que o legislador constitucional erigiu o meio ambiente a
bem jurídico-penal, determinando que este seja objeto de proteção penal.116
Contudo, isso não significa que a tutela penal deva ser a primeira medida a ser adotada
frente a uma lesão ambiental. Ao contrário, o Direito Penal, também no âmbito ambiental, deve
atuar como ultima ratio, o que significa dizer que somente far-se-á uso da tutela criminal quando os
demais meio de proteção, cíveis e administrativos, não lograrem êxito na proteção do bem
resguardado.117
Insta acentuar, outrossim, o conceito de meio ambiente conferido pela legislação e pela
doutrina a fim de constatarmos qual é especificamente o bem jurídico ambiental protegido pela
tutela penal.
111
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 31.
112
LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em
direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 155, jan./mar. 2002.
113
MARTIN, Eduardo Ortega, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a
natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 32.
114
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
63.
115
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 31.
116
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 82.
117
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
67.
Cabe mencionar que “a expressão meio ambiente é criticada, por ser redundante. É que a
palavra ambiente significa o que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas. Logo, ela seria
suficiente para a compreensão da matéria”.118
Contudo, salienta José Afonso da Silva que tal
expressão é assim empregada em razão da necessidade que o legislador previu de dar maior ênfase a
certos termos cuja expressividade apresenta-se de forma ampla ou difusa.119
Nesse sentido, assevera
Sirvinskas que a locução “meio ambiente” já encontra-se consagrada “na doutrina, na jurisprudência
e na própria consciência da população”,120
razão pela qual optou-se por sua utilização neste trabalho.
Nesse liame, a Lei nº 6.938/81 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu
dispositivo 3º, conceitua meio ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”. Tal conceito, entretanto, não é considerado adequado pela doutrina, haja vista não
abranger de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos, restringindo-se ao meio ambiente
natural.121
Diante dessa “deficiência legislativa”, José Afonso da Silva buscou conceituar o meio
ambiente de forma mais ampla, atribuindo-lhe maior amplitude e reconhecendo-o composto de
elementos naturais, culturais e artificiais.122
Assim, o jurista conceitua meio ambiente como sendo “a
interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas”.123
Nesse sentido, tal conceito demonstra a existência de três aspectos do meio ambiente: I –
meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, sendo ele dividido em espaço
urbano fechado (conjunto de edificações) e espaço urbano aberto (ruas, praças, áreas verdes,
espaços livres em geral); II – meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico,
arqueológico, paisagístico, turístico, que difere do anterior pelo sentido especial que adquiriu ou de
que se impregnou; III – meio ambiente natural, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora
e a fauna, em outras palavras, pela “interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação
recíproca entre as espécies e as relações destas com o meio ambiente físico que ocupam”, sendo
este, como referido, o aspecto do meio ambiente que a Lei nº 6.938/81 abarca em seu artigo 3º.124
118
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 17.
119
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 17.
120
SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de
12.2.1998. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 12.
121
SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de
12.2.1998. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13.
122
SILVA, José Afonso da, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66.
123
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 18.
124
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 19.
Nesse contexto, é possível afirmar, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, que o bem jurídico
ambiental penalmente tutelado é composto pelos elementos que integram o próprio conceito de
meio ambiente. Assevera o autor, nesse liame, que a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98)
dispôs tais crimes de acordo com os elementos naturais (crimes contra a fauna e flora), artificiais
(crimes contra o ordenamento urbano) e culturais (crimes contra o patrimônio cultural) do meio
ambiente.125
Aprofundando um pouco mais o tema, Helena Regina Lobo da Costa sustenta que para se
determinar - quanto ao enfoque que é dado ao bem - o bem jurídico tutelável pelo Direito Penal na
seara ambiental, é necessário fazer o exame de duas linhas doutrinárias distintas: a linha ecocêntrica
e a linha antropocêntrica.126
Partindo-se de uma visão ecocêntrica, o meio ambiente passa a ser relevante como um
bem portador de valor intrínseco, independentemente de sua utilidade ou importância para o ser
humano.
Segundo a autora, tal corrente revela incompatibilidade com a própria ideia de Direito, o
qual é produzido e aplicado pelo ser humano e tem como objetivo regular condutas humanas. Por
outro lado, como partidário dessa concepção, temos Jorge de Figueiredo Dias, o qual assevera que “o
direito penal do ambiente serve a tutela de bens jurídicos ecológicos como tais, ainda mesmo
quando o seu reconhecimento possa reconduzir-se a interesses fundamentais das pessoas, das
pessoas que existem e das que hão de ainda nascer”.127
Contudo, a maior parte da doutrina tende a uma visão antropocêntrica. Tal corrente
fundamenta a proteção do meio ambiente a partir da pessoa. Nesse sentido, “o meio ambiente é
protegido penalmente em sua qualidade de elemento fundamental para a vida humana”.128
Em
outras palavras, essa visão propõe a tutela do meio ambiente pelo fato de este ser um bem
imprescindível para o desenvolvimento, existência e qualidade de vida do homem.129
Helena Regina Lobo da Costa é adepta da concepção antropocêntrica, aceitando uma tutela
do meio ambiente pelo Direito Penal apenas quando tomado como bem essencial ao
125
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66.
126
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros
ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 23.
127
DIAS, Jorge Figueiredo, apud COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade,
efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25.
128
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do
direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26.
129
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente: fundamentos. São Paulo: Atlas,
2000, p. 84.
desenvolvimento da pessoa humana.130
Ressalva a autora, contudo, que o meio ambiente pode ser
tutelado como um bem jurídico autônomo, isto é, o meio ambiente figura-se como um bem jurídico
diverso da saúde, da vida, da integridade física ou de qualquer outro bem. O que ocorre é que essa
autonomia, segundo a jurista, não significa que “o meio ambiente seja concebido de maneira
independente à pessoa, já que nenhum bem jurídico pode prescindir da relação com o ser
humano”.131
Destarte, não se pode falar em qualidade de vida humana sem uma adequada conservação
do meio ambiente. Quer dizer, a própria existência da espécie humana depende dessa
conservação.132
É em razão disso que a Constituição Federal, em seu artigo 225, preconiza que o meio
ambiente é valor fundamental da sociedade brasileira, considerando-o essencial à sadia qualidade de
vida e elevando-o à categoria de bem de uso comum do povo. Desse modo, impõe ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, considerando ser de interesse metaindividual o
seu equilíbrio ecológico.133
Cumpre destacar, ainda, que os bens jurídicos podem ser individuais ou coletivos,
baseando-se a sua diferenciação, principalmente, no titular do bem jurídico. Em sendo assim,
podemos dizer que quando se tratar de um bem jurídico cujo titular é um indivíduo, cuida-se de bem
jurídico individual, já os bens jurídicos coletivos, por seu turno, possuem titularidade difusa ou
coletiva,134
ou seja, admitem como titulares vários indivíduos que formam um grupo social.135
Segundo leciona Regis Prado, nesse sentido, o meio ambiente apresenta-se como um bem
jurídico de natureza metaindividual ou macrossocial, de cunho difuso, que se dirige ao coletivo ou
social, com sujeitos indeterminados e cuja lesão possui natureza extensiva ou disseminada. Pode-se
dizer, em outras palavras, que “admite como titulares vários indivíduos que formam um grupo social
130
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do
direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.
131
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros
ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.
132
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78.
133
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 64.
134
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros
ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 18.
135
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 79.
e tem por objeto um bem coletivo, indivisível”.136
Por essa razão, sua ofensa configura uma lesão a
toda a coletividade.137
Destarte, considera-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
garantido constitucionalmente, trata-se de um direito metaindividual em razão da indivisibilidade de
seu objeto e também por pertencer a uma série indeterminada de sujeitos.138
Chega-se a essa
conclusão em razão de que é do interesse de todos que vivem em uma sociedade que o meio
ambiente no qual estão inseridos forneça-lhes condições dignas de vida e saúde, sendo que
agressões a este poderão trazer prejuízos graves a esta e às futuras gerações.
Por fim, cumpre-nos reiterar que, conforme bem dispõe Regis Prado, a Carta Magna de
1988 não limitou-se simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do meio ambiente, mas
estabeleceu a imposição de medidas coercitivas aos transgressores do preceito constitucional,
afastando, desse modo, qualquer dúvida quanto à necessidade de uma proteção penal do meio
ambiente.139
Nesse liame, atendendo ao preceito constitucional em vigor, bem como seguindo
orientação internacional de criminalizar as condutas nocivas ao meio ambiente, editou-se em 12 de
fevereiro de 1998, a Lei n.º 9.605, consagrada pela doutrina como Lei dos Crimes Ambientais.140
Conforme assevera Regis Prado, essa imprescindível tutela penal do meio ambiente
encontra supedâneo jurídico-formal no indicativo constitucional do art. 225, parágrafo 3º, e, em
termos materiais, nas próprias necessidades existenciais do homem.141
Desse modo a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) tipifica condutas proibidas e fixa
pena aos seus deturpadores, visando a que as pessoas se abstenham de tais atos, contudo, quando
essa prevenção geral não surte o efeito desejado, a pena é aplicada ao infrator objetivando a sua
reeducação e a restauração do bem ofendido. Reitera-se aqui o poder de dissuasão da tutela
criminal, também presente em sede de tutela penal ambiental.142
136
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78.
137
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 65.
138
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 65.
139
PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 32.
140
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 25.
141
PRADO, Luiz Regis. Princípios penais de garantia e a nova lei ambiental. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 70, ed.
especial, p. 10, set. 1998.
142
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
72.
Podemos reconhecer, portanto, a existência e a relevância do meio ambiente para o
homem, bem como a sua autonomia enquanto bem jurídico, devendo para tanto o ordenamento
jurídico lançar mão da pena, ainda que em ultima ratio, para tutelá-lo e garanti-lo.
2.2 DO TIPO PENAL AMBIENTAL
O tipo penal, conforme dita Francisco de Assis Toledo, “é um modelo abstrato de
comportamento proibido. É, em outras palavras, descrição esquemática de uma classe de condutas
que possuam características danosas ou ético-socialmente reprovadas, a ponto de serem reputadas
intoleráveis pela ordem jurídica”.143
Noutro dizer, o tipo penal incriminador pode ser considerado
modelo de conduta vedada pelo Direito Penal, sob ameaça de pena.144
Nesse sentido, ressalta-se que a tutela penal de bens jurídicos se perfaz através da criação
desses tipos penais, que descrevem abstratamente as condutas proibidas e as quais todos devem
abster-se, sob pena de terem sobre si a incidência de uma sanção criminal. Desse modo, o tipo penal,
além de proteger os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade cominando penas aos seus
ofensores, também possui uma função de garantia ao possibilitar o conhecimento prévio por parte
dos cidadãos da conduta tida como proibida e da consequência de sua prática.145
Importante ressaltar que os tipos penais, a fim de cumprir a sua função de garantia, bem
como materializar o Princípio da Reserva Legal, devem descrever abstratamente as condutas
proibidas de forma precisa e detalhada, evitando conceitos vagos e indeterminados, de modo a não
afastar a legitimidade da sanção cominada.146
Em sede de tutela penal do meio ambiente, contudo, conforme bem ressalta Ivan Luiz da
Silva, a construção do tipo penal ambiental tem suscitado grande polêmica, em razão da
complexidade e do caráter difuso do bem jurídico protegido, bem como em função da dificuldade de
se individualizar o bem a ser amparado pelos tipos.147
Assevera-se que a complexidade do objeto a ser protegido pela norma penal ambiental,
levou o legislador a elaborar tipos penais em discordância com os princípios regentes do Direito
Penal, mormente o princípio da taxatividade.148
Desse modo, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º
143
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127.
144
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 130.
145
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
72.
146
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
73.
147
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
73.
148
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 74.
9.605/98) restou por empregar muitas vezes termos vagos, amplos e indeterminados aos tipos
penais abstratos, os quais, para sua integral compreensão e delimitação, necessitam de
complementação por outras normas ou atos administrativos, bem como de juízos de valor auferidos
pelo aplicador da lei penal (vide artigos 32, 40, 54 e 68, da Lei n.º 9.605/98).
Em razão dessa dificuldade na elaboração do tipo penal ambiental, o legislador optou,
como técnica legiferante, fazer uso das normas penais em branco e dos tipos penais abertos.
Segundo leciona Regis Prado, o Direito Penal, em regra, deve definir de modo autônomo os
pressupostos de suas normas, evitando, assim, remissão a outras regras do ordenamento jurídico.
Contudo, certos setores, considerados dinâmicos e que são condicionados por fatores histórico-
sociais, como, por exemplo, o meio ambiente, a economia ou mesmo as relações de consumo,
exigem uma atividade normativa constante e variável. Para esses casos, assevera o jurista que é
comum o uso da técnica legislativa denominada norma penal em branco.149
As normas penais em branco são aquelas em que a conduta descrita precisa de
complementação normativa.150
Ensina a doutrina que o complemento preenchedor das normas
penais em branco pode encontrar-se na mesma lei ou em outra lei, neste caso emanada do mesmo
poder, ou ainda pode emanar de disposição normativa de outro poder, isto é, de um ato
administrativo.151
Há inúmeras críticas quanto ao uso dessa técnica legislativa na tutela penal do meio
ambiente, uma vez que tal método pode ofender o Princípio da Legalidade, fundamental para um
Direito Penal consoante com os preceitos de um Estado Democrático de Direito. É o que atenta
Herman Benjamin ao afirmar que “o excesso de normas penais em branco, por sua vez, pode infringir
o princípio da legalidade dos delitos e das penas, por tornar o tipo penal pouco taxativo”.152
Desse modo, infere Regis Prado que, para que não haja inconstitucionalidade do dispositivo
incriminador, o preceito da norma penal deve determinar com transparência os precisos limites de
149
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 92. Regis Prado
ressalta em sua obra que a principal vantagem da norma penal em branco é a estabilidade do dispositivo
principal, emanado de autoridade legislativa de maior categoria através de complicado processo. Nesse
caso, as mutações impostas em razão do tempo e do lugar se fazem por meio de atos mais simples, de fácil
maleabilidade, como é o caso da alteração da tabela de preços, dependente de mero ato administrativo e
não do laborioso sistema de edição de lei ordinária.
150
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
75.
151
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 93.
152
BENJAMIN, Antônio Herman, apud LEONARDO, Marcelo.Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da
taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157,
jan./mar. 2002.
sua integração por outro diploma, uma vez que o caráter ilícito da conduta somente pode ser
delimitado pelo Poder Legislativo com competência constitucional para tanto.153
Conforme referido, nos crimes contra o meio ambiente, a detalhada e exaustiva descrição
do comportamento do agente mostra-se, na maioria das vezes, muito difícil ou quase impossível, em
razão da complexidade da matéria. Por essa razão é que, com freqüência, o legislador faz uso de
remissões a disposições externas, a normas e a conceitos técnicos.154
Quanto a este aspecto, vale conferir importante observação feita pelos irmãos Freitas:155
Por força do princípio da legalidade ou da reserva legal (CP, art. 1.º), a norma penal deve
descrever por completo as características do fato, a fim de que o agente possa defender-se.
Em matéria de Direito Penal Ambiental isto nem sempre é possível. É que as condutas lesivas
ao meio ambiente não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva. Não
é possível querer no crime ambiental a simplicidade existente nos delitos comuns. Por
exemplo, o homicídio tem a descrição mais clara possível: matar alguém. Mas isto jamais
será possível em um crime de poluição, cujas formas são múltiplas e se modificam
permanentemente.
Assim, além das normas penais em branco, a Lei n.º 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais),
buscando tipificar as condutas ofensivas ao meio ambiente, utiliza também os denominados tipos
penais abertos. O tipo penal aberto, conforme assevera Ivan Luiz da Silva, é aquele que apresenta
uma descrição incompleta, devendo sua complementação ser realizada por um juízo valorativo do
julgador.156
Em outras palavras, é aquele tipo que contém elementos normativos, de modo que
dependem de interpretação para que adquiram um sentido e tenham aplicação.157
Convém ressaltar que os elementos normativos do tipo “são aqueles componentes do tipo
que exigem, para sua verificação in concreto, um juízo de valor dentro do próprio plano da
tipicidade”.158
É possível observar a ingerência desses elementos normativos nos tipos penais
ambientais, os quais apresentam muitas vezes expressões como “indevidamente”, “sem licença”,
“sem autorização”, “em desacordo com a determinação legal obtida”,159
ou ainda, “espécie rara”,
153
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 94.
154
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 35.
155
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 36.
156
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75.
157
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 192.
158
MARQUES, Frederico, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza.
8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37.
159
MARQUES, Frederico, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza.
8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37.
“ato de abuso”, “recursos alternativos”, “dano indireto”, “níveis tais”, “obrigação de relevante
interesse ambiental”, “destruição significativa” etc.160
A utilização desses elementos normativos e das normas penais em branco pela Lei dos
Crimes Ambientais é alvo de ferrenhas críticas por parte da doutrina, uma vez que dificulta
sobremaneira o juízo de tipicidade penal ambiental.161
Marcelo Leonardo considera os tipos penais abertos “de manifesta
inconstitucionalidade”.162
Noutro sentido, dispõe Ivan Luiz da Silva que embora a utilização dos tipos penais abertos e
das normas penais em branco enfraqueça a tutela penal ambiental, tendo em vista que diminui a
determinabilidade e certeza indispensáveis à configuração do tipo penal, o risco, tratando-se de
matéria ambiental, é inevitável.163
Tem-se, nesse passo, que o meio ambiente em razão da sua natureza complexa e difusa,
bem como por encontrar-se sujeito a constantes inovações tecnológicas potencialmente lesivas ao
mesmo, “não se presta a uma codificação precisa”.164
Isto significa, segundo Regis Prado, que a
necessidade e a natureza da matéria ambiental justificam o emprego de técnicas legislativas como as
normas em branco, devendo, contudo, respeitar os parâmetros constitucionais-penais. Nesse
sentido, a norma penal carente de complementação deve conter o núcleo essencial da ação proibida,
descrevendo a conduta típica reprovada e delimitando o âmbito de sua complementação por outro
diploma, para que assim não haja violação ao Princípio da Legalidade.165
Este posicionamento, contudo, não é unânime. Para Montovani, a norma penal em branco
afronta o Princípio da Reserva Legal, uma vez que se exige uma tipificação completa. Segundo o
autor, a tipificação incompleta deve ser descriminalizada, substituindo-se-lhe por sanções
administrativas.166
Por seu turno, Luís Paulo Sirvinskas afirma que:167
160
LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito
penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002.
161
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75.
162
LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito
penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002.
163
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75.
164
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 37.
165
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território,
biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 94 e 97.
166
MONTOVANI, apud LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da
taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 159,
jan./mar. 2002.
167
SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de
12.2.1998. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 42.
A lei é estática; e o meio ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente é
necessário adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não seria
possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie
silvestre ameaça de extinção, por exemplo. Há espécies em estado avançado de extinção a
curto prazo e consideradas ameaçadas de extinção a médio prazo (espécies nacionais,
regionais e locais). E por ato administrativo emanado de órgãos ambientais integrantes do
SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) é que melhor se protegerá a espécie
silvestre ameaçada.
Como se vê, a maior parte da doutrina pesquisada neste trabalho entende que a natureza
complexa e difusa da matéria ambiental objeto de tutela, justifica o emprego de técnicas legislativas
como as normas penais em branco. Contudo, deve-se ter o cuidado para que os tipos penais não
restem por descrever meras infrações administrativas, servindo, assim, apenas como garantidores
das normais de Direito Administrativo e prejudicando, por conseguinte, a sua função principal
consistente na tutela dos bens jurídicos mais relevantes para a ordem social.
Convém ressaltar, contudo, que a doutrina pátria é uníssona ao considerar que a Lei nº
9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) não zelou pela boa técnica legislativa na elaboração dos tipos
penais ambientais incriminadores.
Isto é, embora as técnicas legislativas supramencionadas estejam a autorizar uma
tipificação diferenciada dos crimes ambientais, podendo ser estes integrados por atos normativos
não penais a fim de melhor atender às peculiaridades da tutela penal ambiental, o que se observou,
de acordo com Marcelo Leonardo, foi que o legislador penal, na definição dos crimes ambientais,
utilizou-se reiteradamente de conceitos imprecisos e fluidos fazendo uso excessivo de normas penais
em branco e de tipos penais abertos, violando, desse modo, os princípios da Legalidade e da
taxatividade em muitos dos dispositivos da Lei Ambiental (Lei n.º 9.605/98).168
A título de exemplo desses dispositivos por demais indeterminados e que enfraquecem a
conformação da tipicidade, podemos destacar os artigos 40169
, 54170
e 68171
da Lei dos Crimes
Ambientais (Lei n.º 9.605/98).
168
LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito
penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002.
169
O artigo 40, caput, da lei, comina pena de reclusão, de um a cinco anos, para quem “causar dano direto ou
indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Dec. 99.274, de 06.06.1990,
independentemente de sua localização”. A crítica mais contundente realizada pela doutrina quanto a esse
dispositivo diz respeito à expressão “causar dano indireto”. Tal expressão, segundo Marcelo Leonardo, “é
imprecisa e geradora de insegurança jurídica, e é incompatível com o princípio da taxatividade, orientador e
elaborador de tipos penais”. (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da
taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 161,
jan./mar. 2002.).
170
O artigo 54, da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98), refere-se ao crime de poluição, dispondo:
“causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde
humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Nesse
dispositivo, as expressões “em níveis tais” e “destruição significativa” encerram a mesma incerteza legal
averiguada no tipo anterior (art. 40). (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva
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  • 1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICABILIDADE AOS CRIMES AMBIENTAIS1 Bárbara Mariane Feeburg Porto Alegre2 RESUMO: O presente trabalho objetiva demonstrar a viabilidade da aplicação do Princípio da Insignificância em sede de tutela penal ambiental, uma vez que, embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado seja bem jurídico de extrema relevância para a ordem jurídica e social, não se pode olvidar que, em se tratando de crimes ambientais, de Direito Penal se cuida, devendo ser observados seus preceitos fundamentais, tais como a Intervenção Mínima e a Fragmentariedade. Nesse liame, buscamos explanar a possibilidade de incidência do Princípio da Insignificância, diretamente relacionado aos princípios supracitados, também em sede de Direito Penal do meio ambiente, com o escopo de excluir do âmbito criminal condutas que, embora formalmente típicas, não afetam o meio ambiente de forma suficientemente relevante, fazendo com que a sanção aplicada não seja desproporcional ao resultado provocado pela conduta praticada. Busca-se, desse modo, conferir uma correta aplicação da lei penal, deixando fora do seu âmbito de atuação condutas sem significação para o Direito Penal. Palavras-chave: Bem jurídico-penal. Meio ambiente. Crimes ambientais. Intervenção Mínima. Princípio da Insignificância. INTRODUÇÃO A proteção do meio ambiente é tema que há muito vem sendo objeto de pesquisas e discussões por estudiosos do mundo inteiro. A mais importante e decisiva conferência sobre o meio ambiente ocorreu em 1972 em Estocolmo, na Suécia, na qual consagraram-se princípios que acabaram por influenciar o mundo todo.3 No Brasil, inovações a respeito do tema foram trazidas pela Constituição Federal de 1988, no artigo 225, caput e seus parágrafos, e no artigo 5º, inciso LXXIII, que consagraram o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental de todo o cidadão. Estando o meio ambiente inserido no rol dos bens jurídicos de maior relevância e preocupação para a sociedade, necessária se fez a sua proteção pelo Direito Penal, ao qual incumbe a tarefa de proteger os bens jurídicos mais fundamentais para a sociedade. Assim, no âmbito penal, procurou-se proteger o meio ambiente através da criação de tipos penais e suas respectivas sanções. Entretanto, ao analisarmos a legislação penal ambiental, podemos constatar que a complexidade do bem ambiental tutelado dificultou a tipificação cerrada das 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovação com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador, Prof. Marcelo Machado Bertoluci, pelo Prof. Mário Rocha Lopes Filho e pelo Prof. Rafael Braude Canterji, em 17 de novembro de 2010. 2 Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da PUCRS. Contato: barbarafeeburg@gmail.com 3 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 21.
  • 2. condutas lesivas ao meio ambiente,4 fazendo com que o legislador criasse tipos legais muito amplos e abrangentes, despidos da certeza e taxatividade inerentes à tipicidade penal. Isso, por sua vez, permite que condutas que não ofendem concretamente o bem jurídico ambiental protegido sejam consideradas criminosas. É, pois, nesse momento que averiguar-se-á a aplicabilidade ou não do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais. O Princípio da Insignificância é um princípio jurídico de Direito Penal que se encontra implícito em nosso ordenamento jurídico. É de criação doutrinária e jurisprudencial e têm por objetivo excluir do âmbito criminal as condutas que não apresentam um grau de lesividade mínimo para a concreção do tipo penal. Serve, em outras palavras, como método de interpretação restritiva dos tipos penais, exigindo que exista lesão ao bem jurídico protegido para que a conduta seja considerada crime, não se contentando com a mera adequação formal da conduta aos elementos integrantes do tipo. A aplicação desse princípio aos crimes ambientais, previstos na Lei n.º 9.605/98, é tema que suscita discussões entre os estudiosos do Direito Penal e do Direito Ambiental. Isso porque, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a partir da Constituição Federal de 1988, foi elevado à categoria de direito humano fundamental de todos os cidadãos, trazendo a reflexão sobre a possibilidade de existir lesão que possa ser considerada insignificante a esse bem de enorme importância para a humanidade. A partir deste estudo, será possível constatar a importância da tutela penal conferida ao meio ambiente, bem como, a partir da análise da doutrina sobre o tema e da jurisprudência pátria, observaremos a correta incidência do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, não como forma de se abster da aplicação da lei penal, mas de aplicá-la corretamente. 1 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 1.1 DO CONCEITO DE BEM JURÍDICO-PENAL O Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade, estabelecendo normas que visam proteger bens que interessam não ao indivíduo exclusivamente, mas à coletividade como um todo.5 Conforme ensina Claus Roxin,6 tal ramo do ordenamento jurídico visa garantir a seus cidadãos 4 FERREIRA, Ivete Senise, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 74. 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 4. 6 ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 16.
  • 3. uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não puderem ser alcançadas através de outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos indivíduos. Entende-se, pois, que o Direito Penal tem como objetivo imediato e primordial proteger os bens jurídicos mais valiosos e fundamentais para a sociedade contra condutas que os lesem ou os exponham a perigo de lesões, a fim de assegurar aos cidadãos uma coexistência pacífica em sociedade. Daí compreender-se que o Estado deve estar a serviço do indivíduo, protegendo bens jurídicos que lhes são imprescindíveis, sendo esta uma das maiores conquistas do Estado Democrático e Social de Direito.7 Conforme salienta Luiz Regis Prado8 , apesar de o postulado de que o delito lesa ou ameaça de lesão bens jurídicos ser praticamente pacífico entre os doutrinadores, o mesmo não se pode dizer a respeito do conceito de bem jurídico, sobre o qual há discussão. Destaca-se que o nascimento do conceito de bem jurídico está vinculado ao movimento Iluminista, com o qual passou-se a exigir uma legitimação racional do poder, não se aceitando mais as entidades metafísicas, tais como a lei divina.9 Atribui-se a primeira concepção de bem no contexto jurídico-penal a Birnbaum (1843), o qual, segundo dispõe Regis Prado, observou ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado no mundo do ser ou da realidade, importante para a pessoa ou para a coletividade e que pudesse ser lesionado por uma ação delitiva.10 Destaca-se que Birnbaum calcou sua concepção de bem como critério de classificação e ordenação da tipologia penal posta pelo legislador.11 Posteriormente, sua concepção foi extremada por Binding, para quem bem jurídico era tudo aquilo que fosse considerado valioso para o legislador, sendo, pois, uma criação do Direito.12 Von Liszt, por sua vez, inaugurou uma concepção material de bem jurídico, que transcendia ao sistema jurídico e que, desse modo, permitia a limitação do poder punitivo estatal. Nos dizeres do autor, “A norma jurídica, ao invés de criar o bem jurídico, o encontra”.13 Segundo Ribeiro Lopes, a 7 COSATE, Tatiana Moraes. Bem jurídico-penal: um debate necessário. IBCCRIM, jun. 2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10384>. Acesso em: 07 jul. 2010. 8 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 37. 9 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 3. 10 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 27. 11 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131. 12 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131. 13 SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana: contributo para a compreensão dos bens jurídicos supra-individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 62.
  • 4. maioria dos fundamentos atuais sobre o conceito e a importância dos bens jurídicos baseia-se nas noções trazidas por Von Liszt.14 A partir da segunda metade do século XX, conforme refere Ribeiro Lopes, o conceito liberal e de garantia do bem jurídico, repudiado na época do nacional-socialismo, foi recuperado e vem adquirindo, desde então, uma importância crescente.15 A palavra bem, em sentido amplo, significa tudo aquilo que tem valor para o homem.16 Bem jurídico, por sua vez, pode ser entendido como um interesse de grande importância individual e social que passa a ser valorado pelo Direito.17 Assim, podemos considerar que nem todo bem caracteriza-se como um bem jurídico, nascendo este apenas quando o legislador resolve incluído no ordenamento jurídico. Para Heleno Fragoso,18 “bem jurídico é um bem protegido pelo direito: é, portanto, um valor da vida humana que o direito reconhece, e a cuja preservação é disposta a norma”. Welzel,19 por sua vez, ensina que “bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido”. Frisa-se, portanto, que nem todo bem é um bem jurídico, assim como nem todo bem jurídico será objeto de proteção pelo Direito Penal tendo em vista o caráter limitado e fragmentário deste, conforme será visto mais adiante. Segundo Regis Prado,20 a noção de bem jurídico decorre das necessidades do homem surgidas na experiência concreta de vida. Dita o autor que em face dessa dimensão sociocultural do bem jurídico, o processo de criminalização/descriminalização subordina-se às regras axiológicas de cada momento histórico, isto é, a idoneidade do bem jurídico está diretamente relacionada com o seu valor social. A partir disso, fundamenta o jurista que o conceito material de bem jurídico reside na realidade social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte e depois do legislador ordinário, tratando-se de um conceito necessariamente valorado e relativo, quer dizer, 14 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 131. 15 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 133. 16 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 17. 17 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 118. 18 FRAGOSO, Heleno C., apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 40-41. 19 WELZEL, Hans, apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16. 20 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 41.
  • 5. válido para um determinado sistema social e em um dado momento histórico.21 Também Claus Roxin entende que “os bens jurídicos não têm uma validade natural infinita; preferentemente, estão submetidos às mudanças dos fundamentos jurídico-constitucionais e das relações sociais”.22 Nesse sentido, sustenta Regis Prado que bem jurídico: 23 [...] vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurídico-penalmente protegido. E, segundo a concepção aqui acolhida, deve estar sempre em compasso com o quadro axiológico (Wertbild) vazado na Constituição e com o princípio do Estado Democrático e Social de Direito. Assim, a ordem de valores constitucionalmente relevantes e inerentes a essa especial modalidade de Estado constitui paradigma do legislador penal infraconstitucional. A ideia de bem jurídico fundamenta a ilicitude material, ao mesmo tempo em que legitima a intervenção penal legalizada. Nessa seara, acrescenta o autor que os bens dignos ou merecedores de tutela penal são, em princípio, os de indicação constitucional específica e aqueles que se encontram em harmonia com a noção de Estado de Direito Democrático.24 A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, traz diversas indicações criminalizadoras ou relativas a deveres protetivos específicos.25 Isto, porém, não significa que a atividade do legislador infraconstitucional no estabelecimento de tipos penais está engessada, mas demonstra que há um dever de criminalização de certas condutas que lesam determinados bens jurídicos, sendo que essa imposição não retira do legislador ordinário a sua liberdade em selecionar as condutas puníveis e estabelecer suas respectivas sanções. Entretanto, em que pese o caráter fragmentário do Direito Penal, o conceito de bem jurídico, como sustenta Roxin,26 não é uma “varinha mágica” através da qual se pode separar desde logo a conduta punível daquela que deve ficar impune, tratando-se apenas de uma denominação daquilo que é lícito considerar digno de proteção pelo Direito Penal. A lesão a esses bens jurídicos merecedora da repressão criminal será analisada no caso concreto. Deste modo, quando um bem jurídico é incorporado pelo Direito Penal, tem-se o surgimento do bem jurídico-penal, que possui, entre outras, a função de limitar o direito de punir do Estado, isto é, o legislador, em um Estado Democrático de Direito, tem o compromisso de não tipificar senão aquelas condutas graves que lesionem ou coloquem em perigo bens jurídicos 21 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 88. 22 ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 36. 23 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44. 24 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 84. 25 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 86. V.g art. 5º, incisos XLI, XLII, XLIII; art. 225, parágrafo 3º etc. 26 ROXIN, Claus, apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 85.
  • 6. relevantes, tratando-se, pois, do “sentido informador” do bem jurídico na construção dos tipos penais.27 Nesse sentido, Eugenio Zaffaroni28 sustenta que “não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens”. Além disso, acrescenta o autor que o bem jurídico concede um verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim) à lei penal. Ademais, cumpre ressaltar que nem todo o bem jurídico requer tutela penal. De acordo com Regis Prado,29 para que um bem jurídico possa ser considerado como bem jurídico-penal deve ser considerado fundamental para o indivíduo e para a vida social, não bastando, dessa forma, somente a sua previsão constitucional. Também nas palavras de Regis Prado,30 “não basta que um bem possua suficiente relevância social para vir a ser tutelado penalmente; é preciso que não sejam suficientes para sua adequada tutela outros meios de defesa menos lesivos”. A esse respeito, consideramos importante mencionar os Princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade no Direito Penal, pois bem ilustram a forma de atuação do Direito Penal frente à proteção de bens jurídicos fundamentais. 1.1.1 Dos princípios da Intervenção Mínima e da Fragmentariedade O Princípio da Intervenção Mínima, também conhecido por ultima ratio ou subsidiariedade, nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt:31 [...] orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, sua criminalização é inadequada e não recomendável. Portanto, se para a proteção de bens jurídicos forem suficientes medidas civis ou administrativas, estas deverão ser empregadas em detrimento das medidas penais.32 Dessa forma, o Direito Penal assume um caráter subsidiário, sendo justificada a sua intervenção apenas quando “fracassam as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do direito”.33 27 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 50-51. 28 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 398. 29 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 93. 30 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 99. 31 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11. 32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 11. 33 CONDE, Muños, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 11.
  • 7. Sob a ótica dos bens jurídicos, entende Regis Prado,34 que o Princípio da Intervenção Mínima ou ultima ratio determina que “o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos mais imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, e que não podem ser eficazmente protegidos de outra forma”. Como corolário do Princípio da Intervenção Mínima, temos o Princípio da Fragmentariedade do Direito Penal que determina, conforme ensina Bitencourt,35 que nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são sancionadas pelo Direito Penal, assim como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos, sendo apenas as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes objeto de sanção criminal. No mesmo sentido, Regis Prado36 ensina que o Princípio da Fragmentariedade do Direito Penal determina que os bens jurídicos são defendidos penalmente apenas contra aquelas agressões consideradas socialmente intoleráveis. Nas palavras do autor, “isso quer dizer que o Direito Penal só se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de maneira fragmentada, dividida ou fracionada”. Isso caracteriza a feição ou o caráter fragmentário do Direito Penal “uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica”.37 Nesse liame, ensina Paulo Queiroz que o Direito Penal:38 [...] não protege todos os bens jurídicos, e sim os mais fundamentais, e nem sequer os protege em face de qualquer classe de atentados, mas tão-só dos ataques mais intoleráveis. Daí dizer-se fragmentária essa proteção (caráter fragmentário), pois se concentra o direito penal não sobre um todo de uma dada realidade, mas sobre fragmentos dessa realidade de que cuida, é dizer, sobre interesses jurídicos relevantes cuja proteção seja absolutamente indispensável. 1.2 DO CONCEITO DOUTRINÁRIO E DA NATUREZA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA O legislador, levando em consideração os bens jurídicos mais relevantes para o indivíduo e para a sociedade, bem como seguindo as diretrizes previstas na Constituição Federal, elabora tipos penais abstratos procurando dar a devida proteção a tais bens. Neste andar, embora busque atingir um número limitado de situações, a imperfeição da técnica legislativa somada à impossibilidade de 34 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 59. 35 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 12. 36 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 60. 37 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 12. 38 QUEIROZ, Paulo, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 30.
  • 8. reduzir-se o infinito leque de atos humanos possíveis, faz com que possam ser consideradas típicas condutas que deveriam estar excluídas do âmbito de proibição estabelecido pelo tipo penal.39 A par disto, a doutrina, precisamente Claus Roxin, elaborou a teoria do Princípio da Insignificância em matéria penal, também conhecida por princípio ou criminalidade de bagatela,40 determinando que o Direito Penal deve ocupar-se apenas das condutas que efetivamente lesem os bens jurídicos, deixando fora do seu âmbito de incidência aquelas condutas que, embora formalmente típicas, não afetam de forma relevante o bem jurídico que se quer proteger. Tal princípio tem por fim “excluir do âmbito criminal as condutas que não apresentam um grau de lesividade mínimo para a concreção do tipo legal, evitando que a sanção penal seja desproporcional ao dano causado pela ação formalmente típica”.41 Refere-se que já havia indícios da teoria da insignificância no Direito Romano, onde se entendia que ao pretor não cabia cuidar de causas ou delitos de bagatela (minima non curat praetor).42 Também, em 1903 Von Liszt indagava se não seria oportuno restaurar a máxima minina non curat praetor como norma jurídica de direito processual ou material para conter o uso excessivo do Direito Penal.43 Outrossim, após a Segunda Guerra Mundial, foi Hans Welzel quem chamou atenção para a teoria da insignificância, mesclando-a, entretanto, com a sua teoria da adequação social.44 39 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66. 40 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 23. 41 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 6. 42 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41. 43 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 86. 44 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 22. Essa teoria, segundo expõe Zaffaroni (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 1, p. 487), determina que há condutas que, em razão de sua adequação social não podem ser consideradas típicas. Assim, as condutas que se consideram socialmente adequadas não podem ser delitos, devendo ser excluídas do âmbito da tipicidade. Segundo aduz Assis Toledo (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 131), a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, por estar, justamente, dentro do âmbito da normalidade social. Desse modo, alega o autor que “a adequação social exclui desde logo a conduta em exame do âmbito de incidência do tipo, situando-a entre os comportamentos normalmente permitidos, isto é, materialmente atípicos.” Segundo Roxin (ROXIN, Claus, apud GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 47) a teoria ou princípio da
  • 9. Já nas últimas décadas, conforme sustenta Luiz Flávio Gomes, destacou-se o trabalho de Claus Roxin, a quem se atribui a primeira menção à insignificância como princípio, postulando o seu reconhecimento como excludente da tipicidade penal.45 Contudo, uma das principais resistências ao reconhecimento do Princípio da Insignificância, diz respeito à dificuldade na determinação do seu conceito, por ser este, efetivamente, de construção doutrinária e jurisprudencial, sendo considerado um postulado de Política Criminal não havendo, portanto, previsão expressa em nosso Direito Penal Comum.46 Quanto a isso, cabe reconhecer, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, que o Direito não se esgota no texto legal, havendo princípios jurídicos chamados implícitos, que se encontram em estado latente no ordenamento jurídico.47 Assim, com base no caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, a doutrina e a jurisprudência têm buscado conceituar o Princípio da Insignificância, fixando critérios para o reconhecimento de condutas típicas afetas ao mesmo.48 Para Ivan Luiz da Silva, o Princípio da Insignificância pode ser conceituado:49 [...] como aquele que interpreta restritivamente o tipo penal, aferindo qualitativa e quantitativamente o grau de lesividade da conduta, para excluir da incidência penal os fatos de poder ofensivo insignificante aos bens jurídicos penalmente protegidos. Conforme ensina Bitencourt, não é qualquer ofensa aos bens jurídicos que configura o injusto penal, a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico protegido para ser criminalizada. Assim, sustenta o jurista que, quando uma conduta formalmente típica não apresenta nenhuma relevância material, permite-se afastar liminarmente a tipicidade penal da mesma, visto que o bem jurídico tutelado não chegou a ser lesado, sendo este o objetivo do Princípio da Insignificância, sintetizado no enunciado nullum crimen sine iniuria.50 No mesmo sentido, Ivan Luiz da Silva afirma que o Princípio da Insignificância é utilizado como método de interpretação restritiva do tipo penal, na medida em que exige um “elemento adequação social serve como um auxiliar interpretativo para restringir o teor literal que acolhe também formas de condutas socialmente admissíveis. 45 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 49. 46 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 68. Segundo leciona Luiz Flávio Gomes (Ibid., p. 38 e 68), o Princípio da Insignificância integra expressamente o Código Penal Militar, o qual prevê no seu artigo 209, parágrafo 6º, que no caso de lesões corporais levíssimas “o juiz pode considerar a infração como disciplinar”. 47 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 6. 48 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 7. 49 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 9. 50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 19.
  • 10. material, a lesividade da ação, para que haja a tipicidade penal de uma conduta formalmente típica”.51 Não é outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, para quem o Princípio da Insignificância:52 [...] pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Assim, o Princípio da Insignificância impõe-se em razão da necessidade de se vislumbrar na estrutura do tipo penal um conteúdo material a fim de tornar legítima a imposição da sanção criminal, não se contentando com a tipicidade formal, consistente na mera adequação da conduta praticada ao tipo penal abstrato.53 Quanto à natureza jurídica do Princípio da insignificância, é possível vislumbrar correntes distintas de pensamento que o classificam como excludente de tipicidade, excludente de antijuridicidade ou ainda como excludente de culpabilidade. A corrente majoritária entende que o Princípio da Insignificância afasta a tipicidade daquelas condutas que afetam de forma insignificante o bem jurídico protegido, tornando-as, portanto, atípicas e não sendo, consequentemente, objeto de sanção penal. Isto, porém, não significa que o autor do fato insignificante ficará impune, apenas permite que o fato penalmente insignificante seja excluído do âmbito criminal, devendo, contudo, recair sobre o seu agente todas as sanções civis, administrativas, trabalhistas etc. cabíveis. Nesse sentido, conforme alude Ivan Luiz da Silva,54 é o entendimento dos juristas que pioneiramente trataram sobre a matéria no Brasil, sendo eles, Francisco de Assis Toledo, Diomar Ackel e Odone Sanguiné. Não é outro o entendimento de Carlos Vico Mañas, para o qual a fim de se evitar que a descrição abstrata e abrangente do tipo penal alcance condutas penalmente insignificantes, deve-se 51 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8. 52 MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61. 53 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 10. No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça conceitua o Princípio da Insignificância: “o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus nº 110404/PR. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 07/10/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 09 ago. 2010). 54 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 48.
  • 11. atribuir ao mesmo um conteúdo material, de forma que apenas será típica a conduta que materialmente lesionar o bem jurídico tutelado.55 Cumpre destacar, portanto, que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância é a tipicidade material. Segundo Odone Sanguiné, a tipicidade não se esgota na concordância lógico- formal de subsunção do fato ao tipo, devendo a ação típica, para ser objeto do Direito Penal, ser ofensiva ou perigosa a um bem jurídico.56 Nas palavras de Luiz Flávio Gomes, “a consequência dogmática inevitável decorrente da incidência do Princípio da Insignificância é a exclusão da tipicidade do fato. O fato deixa de ser materialmente típico”.57 Conforme já mencionado, a construção do tipo penal sempre apresenta dificuldade em razão da impossibilidade de o legislador prever todas as formas de condutas lesivas aos bens jurídicos penalmente protegidos.58 Assim, a tipificação é feita de forma abstrata buscando limitar-se à descrição das condutas mais significativas e que lesionem ou exponham a perigo de lesão os bens tutelados. Contudo, a imperfeição do trabalho legislativo, bem como o caráter abstrato do tipo penal, acabam por atribuir a este uma amplitude maior que a necessária para a proteção do bem jurídico, fazendo com que condutas sem significação penal sejam alcançadas pela descrição típica.59 Nesse sentido, explica Paulo Queiroz:60 Não tem o legislador, em face das limitações naturais da técnica legislativa e da multiplicidade de situações que podem ocorrer, o poder de previsão, casuística, das hipóteses efetivamente merecedoras de repressão. Noutros termos, falta-lhe o poder de prever em que grau e em que intensidade devem tais ações merecer, in concreto, castigo. Não lhe é possível, enfim, ao prever tipos abstratos, ainda que se atendo àquelas lesões mais significativas, fixar, segundo o caso concreto, em que intensidade a lesão deve assumir relevância penal efetiva. A fim de limitar essa amplitude atribuída ao tipo penal, a doutrina modernamente entendeu por atribuir-lhe um conteúdo material, procurando, assim, excluir condutas que, embora 55 MAÑAS, Carlos Vico, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 49. 56 SANGUINÉ, Odone, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 117. 57 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 69. 58 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79. 59 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79. 60 QUEIROZ, Paulo de Souza, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 79.
  • 12. formalmente típicas, sejam insignificantes para o Direito Penal.61 Nesse sentido, admite-se o Princípio da Insignificância como sendo um “corretivo da abstração do tipo penal”.62 Conforme alude Ivan Luiz da Silva, a concepção material da tipicidade penal consiste na exigência de a conduta típica ser concretamente lesiva ao bem jurídico, não se adequando apenas formalmente ao tipo descritivo.63 Entende-se, destarte, que a tipicidade afastada pelo Princípio da Insignificância consiste efetivamente na tipicidade material. Isto é, o fato insignificante é formalmente típico, porém não o é materialmente. Assim, a conduta formalmente típica que não concretize o conteúdo material do tipo penal, ou seja, não ofenda concretamente o bem jurídico protegido, deve ser excluída do âmbito criminal em razão da sua irrelevância para o Direito Penal. O Princípio da Insignificância, desse modo, objetiva evitar situações de injustiça decorrentes da desproporcionalidade da sanção aplicável frente à conduta praticada. Podemos dizer, destarte, decorre do próprio modelo do Direito Penal, de caráter fragmentário, que busca ajustar-se ao modelo garantista do Estado Social e Democrático de Direito propugnado pela Constituição.64 1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA O Direito Penal e suas normas fundamentam-se em princípios constitucionais próprios do Estado Democrático de Direito. O Princípio da Insignificância, não diferentemente, também se assenta nesses mesmos princípios fundamentais para interpretar restritivamente os tipos penais a fim de evitar situações de injustiça quando da aplicação da lei penal, buscando, assim, efetivar os princípios constitucionais fundamentais que o embasam. Nesse sentido, a doutrina cita como fundamentos do Princípio da Insignificância, os princípios a) da Igualdade, b) da Liberdade, c) da Fragmentariedade e d) da Proporcionalidade, sobre os quais faremos breves considerações. a) A conexão entre o Princípio da Igualdade e o Princípio da Insignificância se expressa quando, diante de condutas enquadráveis ao mesmo tipo descritivo, porém com desigual grau de lesividade ao bem jurídico tutelado, o operador jurídico atribui um sentido material ao Princípio da Igualdade consignando tratando desigual às situações fáticas desiguais. Do ponto de vista formal, isto 61 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 39 e 80. 62 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 58. 63 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 76. 64 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 21.
  • 13. é, da igualdade perante a lei, as condutas podem ser idênticas, estando seus autores sujeitos à mesma sanção abstrata prevista legalmente.65 Entretanto, analisando-se do ponto de vista material, devemos observar o grau ou a intensidade da lesão ao bem jurídico protegido, a fim de constatarmos se essa lesão efetivamente ocorreu. Ao ficar constatado que, não obstante as condutas enquadrem- se ao mesmo tipo penal descritivo, uma delas apresentou lesividade ínfima, mínima ou insignificante ao bem jurídico tutelado, surge para o intérprete da lei penal um dilema, qual seja, aplicar friamente a lei, que, ainda que aplicada no menor grau possível seria, em face da situação concreta, mais grave do que exige o grau de reprovabilidade da conduta, ou reconhecer a impropriedade da sanção penal a fim de excluir o caráter criminoso do fato.66 Ao adotar-se a atitude mais favorável ao agente, temos o surgimento do Princípio da Insignificância como um “mecanismo receptor e divulgador do Princípio da Igualdade dentro do Direito Penal”.67 b) Quanto ao Princípio da Liberdade destacamos que, a partir da leitura do artigo 5º e seus incisos, da Constituição Federal, é possível observar que a liberdade é, sem dúvida, um dos valores supremos adotados pelo Estado Democrático de Direito no qual estamos inseridos. Segundo o modelo constitucional vigente a liberdade é a regra e a não-liberdade é a exceção.68 Podemos dizer que o Princípio da Insignificância atua como um instrumento de proteção ao supremo valor constitucional da liberdade, uma vez que objetiva reduzir a incidência de medidas constritivas sobre a mesma, tornando atípicas condutas irrelevantes para o Direito Penal e, consequentemente, deixando-as isentas das penas criminais, tendo em vista que “em muitas vezes a pena, mormente a de prisão, mostra-se desproporcionalmente mais prejudicial que o delito cometido”.69 c) O Princípio da Fragmentariedade, conforme visto no ponto 1.1.1 deste capítulo, determina que apenas as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes serão objeto do Direito Penal, não devendo este ocupar-se de todos os bens jurídicos existentes e tampouco de todas as lesões a esses bens, mas apenas daquelas consideradas mais graves. É nesse sentido que se deve compreender a expressão usada por Francisco de Assis Toledo quando fala que 65 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 57. 66 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 56. 67 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 26. 68 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal e liberdade. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 8, n. 90, p. 5, maio 2000. 69 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 28.
  • 14. “o Direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.70 Todavia, sabemos que o legislador, ao realizar o trabalho de redação dos tipos penais, não obstante tenha o intuito de apenas criminalizar aquelas condutas que possam causar prejuízos relevantes ao bem jurídico tutelado e à ordem social, não consegue evitar que também sejam alcançados pelo tipo abstrato os casos sem relevância para a ordem jurídico-penal.71 Nesse liame, surge então o Princípio da Insignificância para evitar que situações típicas insignificantes sejam incriminadas e sejam objetos de sanção penal. Atua, pois, como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, na medida em que, conforme frisado anteriormente, exige um “elemento material, a lesividade da ação, para que haja a tipicidade penal de uma conduta formalmente típica”.72 Pode-se dizer que o enunciado nullum crimen sine iniuria, fundamento do Princípio da Insignificância, serve também para revelar a natureza fragmentária do Direito Penal. d) Por fim, conforme sustenta Zaffaroni, trazido à colação por Ribeiro Lopes, “o fundamento do Princípio da Insignificância está na ideia de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime”. Dessa forma, leciona o autor que nos casos de ínfima afetação ao bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste razão para a cominação da pena.73 Assim, entende-se que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado também com o escopo de evitar que a cominação de uma pena para o agente de um fato insignificante, acarrete mais prejuízos do que os que sua conduta provocou. Desse modo, o Princípio da Insignificância realiza o Princípio da Proporcionalidade ao incidir sobre condutas que não ofendem bens jurídicos e que são, portanto, insignificantes para o Direito Penal, a fim de excluí-las da seara criminal em razão da desproporcionalidade entre o fato praticado e a sanção cominada ao mesmo. Nesses casos, ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à relevância social do fato considerado insignificante.74 70 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 133. 71 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 66. 72 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8. 73 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69. 74 SANGUINÉ, Odone, apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 69.
  • 15. 1.4 REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Salienta Luiz Flávio Gomes que durante muitos anos não se tinha uma doutrina nem jurisprudência bem definida a respeito dos requisitos válidos para aplicação do Princípio da Insignificância.75 Ainda hoje, não obstante haja aplicação desse princípio pelos tribunais pátrios, alguns operadores da lei penal ainda se opõem à aceitação do mesmo, alegando que este “colidiria com a segurança jurídica”.76 Entretanto, analisando a doutrina (e também a jurisprudência) sobre este aspecto, podemos estabelecer alguns critérios objetivos para a incidência válida do Princípio da Insignificância aos casos concretos. A doutrina estabelece que, para o reconhecimento da conduta típica penalmente insignificante, deve-se realizar uma avaliação quanto aos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado da conduta praticada. Nesse sentido, ensina Bitencourt que “na ofensa ao bem jurídico reside o desvalor do resultado, enquanto que na forma ou modalidade de concretizar a ofensa situa- se o desvalor da ação”.77 Faz-se, portanto, a avaliação de ambos os índices de desvalor a fim de se aferir o grau quantitativo-qualitativo da lesividade da ação em relação ao bem jurídico protegido, constatando-se, por fim, a significância ou insignificância da conduta para o Direito Penal.78 Nessa linha, dita Luiz Flávio Gomes que, de acordo com a concepção gradualista do delito, o ilícito penal é uma estrutura quantificável. Em sendo assim, leciona o autor que é exatamente essa possibilidade de graduação do injusto e, especialmente, da ofensividade ao bem jurídico ou da idoneidade potencial lesiva da conduta, que permite dissociar-se o ataque penalmente relevante, merecedor de sanção criminal, daquele que não chega a assumir essa magnitude em razão da escassa lesividade, isto é, por se tratar de um ataque mínimo, que condiciona a atipicidade da conduta, por força do critério de insignificância.79 Sendo assim, pode-se concluir que o desvalor da ação se refere à forma de praticar a ação criminosa e o desvalor do resultado indica, por sua vez, a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido. 75 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 16. 76 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83. 77 BITENCOURT, Cezar Roberto. Desvalor da ação e desvalor do resultado nos crimes culposos de trânsito. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 64, p. 14, mar. 1998. 78 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 84. 79 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 51.
  • 16. Quando então, ambos os índices, isto é, desvalor da ação e desvalor do resultado, forem insignificantes para o Direito Penal, estaremos diante de uma conduta bagatelar,80 ou seja, um “fato de ninharia, de pouca relevância” que não merece ser responsabilizado criminalmente.81 Ainda neste ponto, não obstante o presente trabalho não busque realizar um exame jurisprudencial a respeito da aplicação do Princípio da Insignificância pelos tribunais pátrios, cumpre- nos mencionar o que o Supremo Tribunal Federal vem considerando como requisitos válidos para a incidência do princípio. Conforme aduz Luiz Flávio Gomes, a determinação da insignificância ou não de um fato para o Direito Penal depende da situação concreta posta em exame. Nesse sentido, cada caso deve ser analisado de acordo com as suas especificidades, levando em consideração as circunstâncias do fato e a sua repercussão social, não havendo, de pronto, critérios absolutos que definem o que é insignificante. Contudo, faz referência o autor aos critérios que vem sendo utilizados atualmente pelo Supremo Tribunal Federal para a aplicação do postulado da insignificância.82 Nessa linha, leciona o autor que o Pretório Excelso83 (HC 84.412), em linhas gerais, acolhe os seguintes vetores a fim de reconhecer a incidência do Princípio da Insignificância aos casos concretos: a) ausência de periculosidade social da ação, b) a mínima ofensividade da conduta do agente, c) a inexpressividade da lesão jurídica causada e d) a falta de reprovalidade da conduta. Note-se que três dos critérios versam sobre desvalor da conduta e um deles versa sobre desvalor do resultado jurídico. O que argui Luiz Flávio Gomes em sua explanação, é se temos que necessariamente conjugar os quatro vetores para haver o reconhecimento da conduta insignificante, ou se podemos desmembrá-los, a fim de reconhecer a insignificância em razão apenas do desvalor da conduta ou apenas do desvalor do resultado.84 Diferentemente do exposto até aqui pela doutrina, entende este autor que deve-se distinguir a insignificância da conduta da insignificância do resultado, podendo haver, assim, a incidência do Princípio da Insignificância ocorrendo apenas a insignificância da ação ou apenas a insignificância do resultado, ou, ainda, de ambos. 80 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 85. 81 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 15. 82 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 19. 83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus n.º 84412/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 19/10/2004. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010. 84 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 16.
  • 17. Não obstante seja esta a posição adotada por Luiz Flávio Gomes como sendo a mais correta, o jurista contempla ainda outras duas correntes que divergem da adotada por ele sobre a aplicação das bases ou critérios orientativos do Princípio da Insignificância.85 A primeira delas, corroborando com o entendimento doutrinário exposto no início deste ponto, caminha no sentido de que devem os dois desvalores (da conduta e do resultado) ser somados para que haja a correta incidência do princípio. A segunda, por seu turno, acentua que não basta para o reconhecimento da infração bagatelar apenas o desvalor da ação e o desvalor do resultado, devendo haver também o desvalor da culpabilidade do agente, isto é, conforme salienta o autor, as circunstâncias judiciais, tais como a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, os motivos do crime etc. devem ser também favoráveis para que a conduta seja afastada do âmbito criminal. Nesse sentido, há julgados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça entendendo que, para a aplicação do Princípio da Insignificância, necessário se faz o exame das circunstâncias relativas à pessoa e à conduta do agente.86 Esta segunda posição, porém, é muito criticada por Luiz Flávio Gomes, pois defende que o injusto penal é constituído do desvalor da ação e do desvalor do resultado e “a insignificância correlaciona-se indubitavelmente com o âmbito do injusto penal (ou mais precisamente com o da tipicidade)”, não abarcando questões de ordem subjetiva do agente.87 Dessa forma, conclui o autor que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado de forma absolutamente objetiva, levando em consideração apenas o desvalor da conduta típica praticada ou apenas o desvalor do resultado típico ou ainda, ambos os desvalores, se for o caso, mas não deve abranger questões de ordem subjetiva as quais não fazem parte do seu âmbito de aplicação. Tal posicionamento vai ao encontro do entendimento predominante sufragado pelo Supremo Tribunal Federal.88 85 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 27. 86 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso Especial n.º 1008780/RS. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data do Julgamento: 07/10/2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010. 87 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 28. 88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Extraordinário n.º 536486/RS. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Data do Julgamento: 26/08/2008. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010; BRASIL Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Questão de Ordem no Agravo de Instrumento n.º 559904/RS. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Data do Julgamento: 07/06/2005. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 16 ago. 2010.
  • 18. 1.5 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E AS INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (LEI N.º 9.099/95 E 10.259/01) A Constituição Federal permitiu, em seu artigo 98, inciso I, a criação de Juizados Especiais Criminais para o julgamento de infrações de menor potencial ofensivo, buscando assim uma justiça mais célere e sem sequelas estigmatizantes para a solução de crimes de escasso potencial ofensivo, através da preponderância dos procedimentos oral e sumaríssimo e da possibilidade de transação entre as partes.89 O dispositivo constitucional supramencionado restou regulamentado pela Lei n.º 9.099/95, que estabeleceu as regras atinentes ao funcionamento e jurisdição dos Juizados Especiais Criminais e, posteriormente, também pela Lei n.º 10.259/01 que instituiu o Juizado Especial Criminal no âmbito Federal, com competência para julgar as infrações de menor potencial ofensivo de competência da Justiça Federal.90 A par disso, críticos da teoria da insignificância passaram a sustentar, com base nos dispositivos constitucional e infraconstitucional mencionados, que o Princípio da Insignificância não poderia ser aceito em um sistema penal que criminaliza expressamente condutas penais de menor potencial ofensivo.91 Entretanto, tal posicionamento não é bem recepcionado pela doutrina, a qual entende ser absolutamente viável a coexistência de ambos os institutos no sistema penal brasileiro.92 Isso porque, conforme dita o artigo 61, da Lei n.º 9.099/95, são consideradas infrações de menor potencial ofensivo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos” (redação dada após a edição da Lei n.º 10.259/2001), quer dizer, as infrações de menor potencial ofensivo foram conceituadas pelo legislador mediante o aspecto quantitativo da pena, sendo, portanto, delitos que recebem uma apenação menor tendo em vista sua pouca gravidade, não se confundindo com aquelas ações que não devem ser objeto do Direito Penal por não promoverem ofensa alguma aos bens protegidos.93 89 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 530. 90 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 530. 91 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 113. 92 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 117. 93 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114.
  • 19. Nesse sentido são os dizeres de Ribeiro Lopes, para o qual as infrações de menor potencial ofensivo “são uma escala intermediária entre as de grande potencial ofensivo e as de nenhum potencial ofensivo”.94 Conforme argumenta Ivan Luiz da Silva, não é possível equiparar-se as infrações de menor potencial ofensivo aos delitos de bagatela, uma vez que estes são um “não-crime”, ou seja, não apresentam um grau suficiente de desvalor da ação e/ou desvalor do resultado para serem considerados dignos da incidência penal. Nesse sentido aduz o autor que Lei n.º 9.099/95 não excluiu o Princípio da Insignificância do ordenamento jurídico-penal brasileiro, visto que este se aplica às condutas penalmente insignificantes ou bagatelares, enquanto que a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos delitos elencados no seu artigo 61.95 O que se busca aqui esclarecer é que as infrações de menor potencial ofensivo, trazidas a lume pela Lei n.º 9.099/95, não são sinônimas de infrações bagatelares96 e não excluem do ordenamento jurídico pátrio a incidência do Princípio da Insignificância sobre as mesmas. Além disso, outro argumento trazido pela doutrina contra o entendimento de que o Princípio da Insignificância não pode ser aceito no sistema penal brasileiro em face do artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, e da Lei n.º 9.099/95, consiste na circunstância de o referido princípio e a mencionada lei serem “técnicas de despenalização de natureza jurídica distintas”. Quer dizer, o Princípio da Insignificância insere-se no direito material, enquanto que a Lei dos Juizados Especiais Criminais faz parte do direito processual.97 2 DA PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL DO MEIO AMBIENTE 2.1 A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO PENAL DO MEIO AMBIENTE: O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO PENALMENTE RELEVANTE 94 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 221. 95 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 114. 96 Quanto à expressão “infrações bagatelares”, Luiz Flávio Gomes afirma que, “Diante do fato realmente insignificante, a rigor, não poderíamos falar em ‘infração’ (porque não sendo típico o fato, infração não existe)”. Contudo, opta o autor pelo uso dessa locução para, de acordo com suas palavras, “manter a tradição”. (GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 1, p. 15). 97 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 115.
  • 20. Neste início de século XXI a destruição do meio ambiente, sem dúvida, figura-se como um dos mais ingentes problemas que a humanidade tem se deparado, “cuja gravidade é de todos conhecida, pelo que representa para a vida e para a própria sobrevivência do homem”.98 A preocupação com a preservação ambiental é, todavia, antiga. Lecionam Vladimir e Gilberto Passos de Freitas,99 que a primeira manifestação referente à importância do meio ambiente no Brasil foi proferida por José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1815, ao mencionar que, “se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuva sem umidade, não há umidade sem floresta”. Entretanto, podemos dizer, também, que data de época relativamente recente a preocupação mais acentuada e o reconhecimento da extraordinária importância de preservar-se o meio ambiente como garantidor da qualidade de vida do homem. Isso porque, conforme menciona Regis Prado, o desenvolvimento industrial bem como o progresso tecnológico, a urbanização, a explosão demográfica, entre outros fatores, têm tornado atual e cada vez mais dramático o problema da degradação ambiental e da limitação dos recursos naturais do nosso planeta.100 Destaca-se que a mais importante e decisiva conferência sobre o meio ambiente ocorreu em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972,101 na qual consagraram-se princípios que acabaram por influenciar o mundo todo.102 A partir dessa conferência, o grau de conscientização no que diz respeito ao meio ambiente generalizou-se, e a proteção ambiental passou a ser um dos pilares da nova ordem internacional.103 Tal conferência, além de permitir a criação de uma consciência universal sobre a preservação do meio ambiente, constituiu ainda uma nova etapa na trajetória de sua tutela jurídica.104 98 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 63. 99 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 17. 100 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 18. 101 O Princípio n. 1 da Declaração de Estocolmo determina que “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. *...+.” 102 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 21. 103 Vide também artigo 30, da Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, adotada pela Organização das Nações Unidas em sua Res.3.281/1974. (PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 19). 104 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 22.
  • 21. Nesse sentido, a partir da década de setenta, as constituições modernas passaram a conferir tratamento explícito à preservação e proteção do meio ambiente em seus textos, evidenciado assim a necessidade de uma tutela mais eficaz.105 No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe significativo avanço no que tange à proteção ambiental,106 inclusive elevando o meio ambiente e sua proteção a direito fundamental de todo cidadão.107 Assim, ficou consignado no artigo 225, caput, da Constituição Federal, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Como visto, é na Constituição que se encontram os valores mais fundamentais consagrados pela sociedade, dela decorrendo ainda aqueles bens dignos ou merecedores de tutela penal.108 Partimos, então, da ideia de que os bens jurídicos devem ter sua fonte na Constituição, decorrendo daí, também, se for necessário e como ultima ratio, a sua proteção através do Direito Penal, conforme demonstrado no capítulo anterior. Nessa trilha, mostra-se claro que o meio ambiente foi consagrado pelo Texto Maior não apenas como bem jurídico, mas como um dos mais relevantes bens jurídicos a serem tutelados pelo Poder Público e pela sociedade, chegando ao posto de direito humano fundamental. Esse ingresso do meio ambiente no rol dos bens jurídicos de suprema relevância para a ordem constitucional teve como consequência lógica a sua proteção sob o pálio do Direito Penal, uma vez que a este pertence o escopo de tutelar aqueles valores mais fundamentais para a sociedade.109 É esse também o objetivo conferido pela própria Constituição ao assinalar no parágrafo 3º do artigo 225, a necessidade de proteção jurídico-penal do meio ambiente, consignando um “mandato expresso de criminalização”, ao determinar a cominação de sanções penais às pessoas físicas ou jurídicas que eventualmente causem lesão ao bem supracitado.110 Ainda como justificação para a tutela penal do meio ambiente pode-se levar em consideração o fato de que muitas são as hipóteses em que as sanções administrativas ou civis não 105 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 22. 106 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 9. 107 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 61. 108 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 40. 109 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 62. 110 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 80.
  • 22. são suficientes para reprimir as ofensas contra o meio ambiente.111 Marcelo Leonardo, nesse liame, assevera que o meio ambiente já era protegido juridicamente por normas administrativas, especialmente após a vigência da Lei n.º 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Contudo, ressalta o autor que percebia-se a ineficácia dessas normas meramente administrativas e, em razão disso, postulava-se a edição de uma lei penal especial para a tutela do meio ambiente.112 Nesse sentido, Eduardo Ortega Martin argumenta que:113 o emprego de sanções penais para a proteção do meio ambiente em determinadas ocasiões se tem revelado como indispensável, não só em função da própria relevância dos bens protegidos e da gravidade das condutas a perseguir (o que seria natural), senão também pela maior eficácia dissuasória que a sanção penal possui. Com razão, a sanção penal em certos casos se faz necessária, não apenas em função da relevância do bem protegido, mas também em razão do seu maior poder dissuasório em relação às medidas não penais, sendo assim considerada mais eficaz na prevenção de agressões ambientais.114 Conforme ditam, nesse liame, Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, “o estigma de um processo penal gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam”.115 O que resta evidente, para nós, é que o legislador constitucional erigiu o meio ambiente a bem jurídico-penal, determinando que este seja objeto de proteção penal.116 Contudo, isso não significa que a tutela penal deva ser a primeira medida a ser adotada frente a uma lesão ambiental. Ao contrário, o Direito Penal, também no âmbito ambiental, deve atuar como ultima ratio, o que significa dizer que somente far-se-á uso da tutela criminal quando os demais meio de proteção, cíveis e administrativos, não lograrem êxito na proteção do bem resguardado.117 Insta acentuar, outrossim, o conceito de meio ambiente conferido pela legislação e pela doutrina a fim de constatarmos qual é especificamente o bem jurídico ambiental protegido pela tutela penal. 111 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 31. 112 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 155, jan./mar. 2002. 113 MARTIN, Eduardo Ortega, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 32. 114 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 63. 115 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 31. 116 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 82. 117 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 67.
  • 23. Cabe mencionar que “a expressão meio ambiente é criticada, por ser redundante. É que a palavra ambiente significa o que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas. Logo, ela seria suficiente para a compreensão da matéria”.118 Contudo, salienta José Afonso da Silva que tal expressão é assim empregada em razão da necessidade que o legislador previu de dar maior ênfase a certos termos cuja expressividade apresenta-se de forma ampla ou difusa.119 Nesse sentido, assevera Sirvinskas que a locução “meio ambiente” já encontra-se consagrada “na doutrina, na jurisprudência e na própria consciência da população”,120 razão pela qual optou-se por sua utilização neste trabalho. Nesse liame, a Lei nº 6.938/81 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu dispositivo 3º, conceitua meio ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Tal conceito, entretanto, não é considerado adequado pela doutrina, haja vista não abranger de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos, restringindo-se ao meio ambiente natural.121 Diante dessa “deficiência legislativa”, José Afonso da Silva buscou conceituar o meio ambiente de forma mais ampla, atribuindo-lhe maior amplitude e reconhecendo-o composto de elementos naturais, culturais e artificiais.122 Assim, o jurista conceitua meio ambiente como sendo “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.123 Nesse sentido, tal conceito demonstra a existência de três aspectos do meio ambiente: I – meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, sendo ele dividido em espaço urbano fechado (conjunto de edificações) e espaço urbano aberto (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral); II – meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que difere do anterior pelo sentido especial que adquiriu ou de que se impregnou; III – meio ambiente natural, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora e a fauna, em outras palavras, pela “interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o meio ambiente físico que ocupam”, sendo este, como referido, o aspecto do meio ambiente que a Lei nº 6.938/81 abarca em seu artigo 3º.124 118 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 17. 119 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 17. 120 SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 12. 121 SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13. 122 SILVA, José Afonso da, apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66. 123 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 18. 124 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 19.
  • 24. Nesse contexto, é possível afirmar, conforme salienta Ivan Luiz da Silva, que o bem jurídico ambiental penalmente tutelado é composto pelos elementos que integram o próprio conceito de meio ambiente. Assevera o autor, nesse liame, que a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) dispôs tais crimes de acordo com os elementos naturais (crimes contra a fauna e flora), artificiais (crimes contra o ordenamento urbano) e culturais (crimes contra o patrimônio cultural) do meio ambiente.125 Aprofundando um pouco mais o tema, Helena Regina Lobo da Costa sustenta que para se determinar - quanto ao enfoque que é dado ao bem - o bem jurídico tutelável pelo Direito Penal na seara ambiental, é necessário fazer o exame de duas linhas doutrinárias distintas: a linha ecocêntrica e a linha antropocêntrica.126 Partindo-se de uma visão ecocêntrica, o meio ambiente passa a ser relevante como um bem portador de valor intrínseco, independentemente de sua utilidade ou importância para o ser humano. Segundo a autora, tal corrente revela incompatibilidade com a própria ideia de Direito, o qual é produzido e aplicado pelo ser humano e tem como objetivo regular condutas humanas. Por outro lado, como partidário dessa concepção, temos Jorge de Figueiredo Dias, o qual assevera que “o direito penal do ambiente serve a tutela de bens jurídicos ecológicos como tais, ainda mesmo quando o seu reconhecimento possa reconduzir-se a interesses fundamentais das pessoas, das pessoas que existem e das que hão de ainda nascer”.127 Contudo, a maior parte da doutrina tende a uma visão antropocêntrica. Tal corrente fundamenta a proteção do meio ambiente a partir da pessoa. Nesse sentido, “o meio ambiente é protegido penalmente em sua qualidade de elemento fundamental para a vida humana”.128 Em outras palavras, essa visão propõe a tutela do meio ambiente pelo fato de este ser um bem imprescindível para o desenvolvimento, existência e qualidade de vida do homem.129 Helena Regina Lobo da Costa é adepta da concepção antropocêntrica, aceitando uma tutela do meio ambiente pelo Direito Penal apenas quando tomado como bem essencial ao 125 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66. 126 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 23. 127 DIAS, Jorge Figueiredo, apud COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25. 128 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26. 129 PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente: fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 84.
  • 25. desenvolvimento da pessoa humana.130 Ressalva a autora, contudo, que o meio ambiente pode ser tutelado como um bem jurídico autônomo, isto é, o meio ambiente figura-se como um bem jurídico diverso da saúde, da vida, da integridade física ou de qualquer outro bem. O que ocorre é que essa autonomia, segundo a jurista, não significa que “o meio ambiente seja concebido de maneira independente à pessoa, já que nenhum bem jurídico pode prescindir da relação com o ser humano”.131 Destarte, não se pode falar em qualidade de vida humana sem uma adequada conservação do meio ambiente. Quer dizer, a própria existência da espécie humana depende dessa conservação.132 É em razão disso que a Constituição Federal, em seu artigo 225, preconiza que o meio ambiente é valor fundamental da sociedade brasileira, considerando-o essencial à sadia qualidade de vida e elevando-o à categoria de bem de uso comum do povo. Desse modo, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, considerando ser de interesse metaindividual o seu equilíbrio ecológico.133 Cumpre destacar, ainda, que os bens jurídicos podem ser individuais ou coletivos, baseando-se a sua diferenciação, principalmente, no titular do bem jurídico. Em sendo assim, podemos dizer que quando se tratar de um bem jurídico cujo titular é um indivíduo, cuida-se de bem jurídico individual, já os bens jurídicos coletivos, por seu turno, possuem titularidade difusa ou coletiva,134 ou seja, admitem como titulares vários indivíduos que formam um grupo social.135 Segundo leciona Regis Prado, nesse sentido, o meio ambiente apresenta-se como um bem jurídico de natureza metaindividual ou macrossocial, de cunho difuso, que se dirige ao coletivo ou social, com sujeitos indeterminados e cuja lesão possui natureza extensiva ou disseminada. Pode-se dizer, em outras palavras, que “admite como titulares vários indivíduos que formam um grupo social 130 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 29. 131 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27. 132 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78. 133 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 64. 134 COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade e tutela por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 18. 135 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 79.
  • 26. e tem por objeto um bem coletivo, indivisível”.136 Por essa razão, sua ofensa configura uma lesão a toda a coletividade.137 Destarte, considera-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado garantido constitucionalmente, trata-se de um direito metaindividual em razão da indivisibilidade de seu objeto e também por pertencer a uma série indeterminada de sujeitos.138 Chega-se a essa conclusão em razão de que é do interesse de todos que vivem em uma sociedade que o meio ambiente no qual estão inseridos forneça-lhes condições dignas de vida e saúde, sendo que agressões a este poderão trazer prejuízos graves a esta e às futuras gerações. Por fim, cumpre-nos reiterar que, conforme bem dispõe Regis Prado, a Carta Magna de 1988 não limitou-se simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do meio ambiente, mas estabeleceu a imposição de medidas coercitivas aos transgressores do preceito constitucional, afastando, desse modo, qualquer dúvida quanto à necessidade de uma proteção penal do meio ambiente.139 Nesse liame, atendendo ao preceito constitucional em vigor, bem como seguindo orientação internacional de criminalizar as condutas nocivas ao meio ambiente, editou-se em 12 de fevereiro de 1998, a Lei n.º 9.605, consagrada pela doutrina como Lei dos Crimes Ambientais.140 Conforme assevera Regis Prado, essa imprescindível tutela penal do meio ambiente encontra supedâneo jurídico-formal no indicativo constitucional do art. 225, parágrafo 3º, e, em termos materiais, nas próprias necessidades existenciais do homem.141 Desse modo a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) tipifica condutas proibidas e fixa pena aos seus deturpadores, visando a que as pessoas se abstenham de tais atos, contudo, quando essa prevenção geral não surte o efeito desejado, a pena é aplicada ao infrator objetivando a sua reeducação e a restauração do bem ofendido. Reitera-se aqui o poder de dissuasão da tutela criminal, também presente em sede de tutela penal ambiental.142 136 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78. 137 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 65. 138 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 65. 139 PRADO, Luiz Regis. Direito penal ambiental: problemas fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 32. 140 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 25. 141 PRADO, Luiz Regis. Princípios penais de garantia e a nova lei ambiental. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 70, ed. especial, p. 10, set. 1998. 142 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 72.
  • 27. Podemos reconhecer, portanto, a existência e a relevância do meio ambiente para o homem, bem como a sua autonomia enquanto bem jurídico, devendo para tanto o ordenamento jurídico lançar mão da pena, ainda que em ultima ratio, para tutelá-lo e garanti-lo. 2.2 DO TIPO PENAL AMBIENTAL O tipo penal, conforme dita Francisco de Assis Toledo, “é um modelo abstrato de comportamento proibido. É, em outras palavras, descrição esquemática de uma classe de condutas que possuam características danosas ou ético-socialmente reprovadas, a ponto de serem reputadas intoleráveis pela ordem jurídica”.143 Noutro dizer, o tipo penal incriminador pode ser considerado modelo de conduta vedada pelo Direito Penal, sob ameaça de pena.144 Nesse sentido, ressalta-se que a tutela penal de bens jurídicos se perfaz através da criação desses tipos penais, que descrevem abstratamente as condutas proibidas e as quais todos devem abster-se, sob pena de terem sobre si a incidência de uma sanção criminal. Desse modo, o tipo penal, além de proteger os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade cominando penas aos seus ofensores, também possui uma função de garantia ao possibilitar o conhecimento prévio por parte dos cidadãos da conduta tida como proibida e da consequência de sua prática.145 Importante ressaltar que os tipos penais, a fim de cumprir a sua função de garantia, bem como materializar o Princípio da Reserva Legal, devem descrever abstratamente as condutas proibidas de forma precisa e detalhada, evitando conceitos vagos e indeterminados, de modo a não afastar a legitimidade da sanção cominada.146 Em sede de tutela penal do meio ambiente, contudo, conforme bem ressalta Ivan Luiz da Silva, a construção do tipo penal ambiental tem suscitado grande polêmica, em razão da complexidade e do caráter difuso do bem jurídico protegido, bem como em função da dificuldade de se individualizar o bem a ser amparado pelos tipos.147 Assevera-se que a complexidade do objeto a ser protegido pela norma penal ambiental, levou o legislador a elaborar tipos penais em discordância com os princípios regentes do Direito Penal, mormente o princípio da taxatividade.148 Desse modo, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 143 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127. 144 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 130. 145 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 72. 146 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 73. 147 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 73. 148 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 74.
  • 28. 9.605/98) restou por empregar muitas vezes termos vagos, amplos e indeterminados aos tipos penais abstratos, os quais, para sua integral compreensão e delimitação, necessitam de complementação por outras normas ou atos administrativos, bem como de juízos de valor auferidos pelo aplicador da lei penal (vide artigos 32, 40, 54 e 68, da Lei n.º 9.605/98). Em razão dessa dificuldade na elaboração do tipo penal ambiental, o legislador optou, como técnica legiferante, fazer uso das normas penais em branco e dos tipos penais abertos. Segundo leciona Regis Prado, o Direito Penal, em regra, deve definir de modo autônomo os pressupostos de suas normas, evitando, assim, remissão a outras regras do ordenamento jurídico. Contudo, certos setores, considerados dinâmicos e que são condicionados por fatores histórico- sociais, como, por exemplo, o meio ambiente, a economia ou mesmo as relações de consumo, exigem uma atividade normativa constante e variável. Para esses casos, assevera o jurista que é comum o uso da técnica legislativa denominada norma penal em branco.149 As normas penais em branco são aquelas em que a conduta descrita precisa de complementação normativa.150 Ensina a doutrina que o complemento preenchedor das normas penais em branco pode encontrar-se na mesma lei ou em outra lei, neste caso emanada do mesmo poder, ou ainda pode emanar de disposição normativa de outro poder, isto é, de um ato administrativo.151 Há inúmeras críticas quanto ao uso dessa técnica legislativa na tutela penal do meio ambiente, uma vez que tal método pode ofender o Princípio da Legalidade, fundamental para um Direito Penal consoante com os preceitos de um Estado Democrático de Direito. É o que atenta Herman Benjamin ao afirmar que “o excesso de normas penais em branco, por sua vez, pode infringir o princípio da legalidade dos delitos e das penas, por tornar o tipo penal pouco taxativo”.152 Desse modo, infere Regis Prado que, para que não haja inconstitucionalidade do dispositivo incriminador, o preceito da norma penal deve determinar com transparência os precisos limites de 149 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 92. Regis Prado ressalta em sua obra que a principal vantagem da norma penal em branco é a estabilidade do dispositivo principal, emanado de autoridade legislativa de maior categoria através de complicado processo. Nesse caso, as mutações impostas em razão do tempo e do lugar se fazem por meio de atos mais simples, de fácil maleabilidade, como é o caso da alteração da tabela de preços, dependente de mero ato administrativo e não do laborioso sistema de edição de lei ordinária. 150 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 151 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 93. 152 BENJAMIN, Antônio Herman, apud LEONARDO, Marcelo.Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002.
  • 29. sua integração por outro diploma, uma vez que o caráter ilícito da conduta somente pode ser delimitado pelo Poder Legislativo com competência constitucional para tanto.153 Conforme referido, nos crimes contra o meio ambiente, a detalhada e exaustiva descrição do comportamento do agente mostra-se, na maioria das vezes, muito difícil ou quase impossível, em razão da complexidade da matéria. Por essa razão é que, com freqüência, o legislador faz uso de remissões a disposições externas, a normas e a conceitos técnicos.154 Quanto a este aspecto, vale conferir importante observação feita pelos irmãos Freitas:155 Por força do princípio da legalidade ou da reserva legal (CP, art. 1.º), a norma penal deve descrever por completo as características do fato, a fim de que o agente possa defender-se. Em matéria de Direito Penal Ambiental isto nem sempre é possível. É que as condutas lesivas ao meio ambiente não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva. Não é possível querer no crime ambiental a simplicidade existente nos delitos comuns. Por exemplo, o homicídio tem a descrição mais clara possível: matar alguém. Mas isto jamais será possível em um crime de poluição, cujas formas são múltiplas e se modificam permanentemente. Assim, além das normas penais em branco, a Lei n.º 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), buscando tipificar as condutas ofensivas ao meio ambiente, utiliza também os denominados tipos penais abertos. O tipo penal aberto, conforme assevera Ivan Luiz da Silva, é aquele que apresenta uma descrição incompleta, devendo sua complementação ser realizada por um juízo valorativo do julgador.156 Em outras palavras, é aquele tipo que contém elementos normativos, de modo que dependem de interpretação para que adquiram um sentido e tenham aplicação.157 Convém ressaltar que os elementos normativos do tipo “são aqueles componentes do tipo que exigem, para sua verificação in concreto, um juízo de valor dentro do próprio plano da tipicidade”.158 É possível observar a ingerência desses elementos normativos nos tipos penais ambientais, os quais apresentam muitas vezes expressões como “indevidamente”, “sem licença”, “sem autorização”, “em desacordo com a determinação legal obtida”,159 ou ainda, “espécie rara”, 153 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 94. 154 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 35. 155 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 36. 156 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 157 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 192. 158 MARQUES, Frederico, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37. 159 MARQUES, Frederico, apud FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37.
  • 30. “ato de abuso”, “recursos alternativos”, “dano indireto”, “níveis tais”, “obrigação de relevante interesse ambiental”, “destruição significativa” etc.160 A utilização desses elementos normativos e das normas penais em branco pela Lei dos Crimes Ambientais é alvo de ferrenhas críticas por parte da doutrina, uma vez que dificulta sobremaneira o juízo de tipicidade penal ambiental.161 Marcelo Leonardo considera os tipos penais abertos “de manifesta inconstitucionalidade”.162 Noutro sentido, dispõe Ivan Luiz da Silva que embora a utilização dos tipos penais abertos e das normas penais em branco enfraqueça a tutela penal ambiental, tendo em vista que diminui a determinabilidade e certeza indispensáveis à configuração do tipo penal, o risco, tratando-se de matéria ambiental, é inevitável.163 Tem-se, nesse passo, que o meio ambiente em razão da sua natureza complexa e difusa, bem como por encontrar-se sujeito a constantes inovações tecnológicas potencialmente lesivas ao mesmo, “não se presta a uma codificação precisa”.164 Isto significa, segundo Regis Prado, que a necessidade e a natureza da matéria ambiental justificam o emprego de técnicas legislativas como as normas em branco, devendo, contudo, respeitar os parâmetros constitucionais-penais. Nesse sentido, a norma penal carente de complementação deve conter o núcleo essencial da ação proibida, descrevendo a conduta típica reprovada e delimitando o âmbito de sua complementação por outro diploma, para que assim não haja violação ao Princípio da Legalidade.165 Este posicionamento, contudo, não é unânime. Para Montovani, a norma penal em branco afronta o Princípio da Reserva Legal, uma vez que se exige uma tipificação completa. Segundo o autor, a tipificação incompleta deve ser descriminalizada, substituindo-se-lhe por sanções administrativas.166 Por seu turno, Luís Paulo Sirvinskas afirma que:167 160 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. 161 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 162 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. 163 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 75. 164 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 37. 165 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território, biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 94 e 97. 166 MONTOVANI, apud LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 159, jan./mar. 2002. 167 SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 42.
  • 31. A lei é estática; e o meio ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente é necessário adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie silvestre ameaça de extinção, por exemplo. Há espécies em estado avançado de extinção a curto prazo e consideradas ameaçadas de extinção a médio prazo (espécies nacionais, regionais e locais). E por ato administrativo emanado de órgãos ambientais integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) é que melhor se protegerá a espécie silvestre ameaçada. Como se vê, a maior parte da doutrina pesquisada neste trabalho entende que a natureza complexa e difusa da matéria ambiental objeto de tutela, justifica o emprego de técnicas legislativas como as normas penais em branco. Contudo, deve-se ter o cuidado para que os tipos penais não restem por descrever meras infrações administrativas, servindo, assim, apenas como garantidores das normais de Direito Administrativo e prejudicando, por conseguinte, a sua função principal consistente na tutela dos bens jurídicos mais relevantes para a ordem social. Convém ressaltar, contudo, que a doutrina pátria é uníssona ao considerar que a Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) não zelou pela boa técnica legislativa na elaboração dos tipos penais ambientais incriminadores. Isto é, embora as técnicas legislativas supramencionadas estejam a autorizar uma tipificação diferenciada dos crimes ambientais, podendo ser estes integrados por atos normativos não penais a fim de melhor atender às peculiaridades da tutela penal ambiental, o que se observou, de acordo com Marcelo Leonardo, foi que o legislador penal, na definição dos crimes ambientais, utilizou-se reiteradamente de conceitos imprecisos e fluidos fazendo uso excessivo de normas penais em branco e de tipos penais abertos, violando, desse modo, os princípios da Legalidade e da taxatividade em muitos dos dispositivos da Lei Ambiental (Lei n.º 9.605/98).168 A título de exemplo desses dispositivos por demais indeterminados e que enfraquecem a conformação da tipicidade, podemos destacar os artigos 40169 , 54170 e 68171 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98). 168 LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 157, jan./mar. 2002. 169 O artigo 40, caput, da lei, comina pena de reclusão, de um a cinco anos, para quem “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Dec. 99.274, de 06.06.1990, independentemente de sua localização”. A crítica mais contundente realizada pela doutrina quanto a esse dispositivo diz respeito à expressão “causar dano indireto”. Tal expressão, segundo Marcelo Leonardo, “é imprecisa e geradora de insegurança jurídica, e é incompatível com o princípio da taxatividade, orientador e elaborador de tipos penais”. (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo em direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 37, p. 161, jan./mar. 2002.). 170 O artigo 54, da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/98), refere-se ao crime de poluição, dispondo: “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Nesse dispositivo, as expressões “em níveis tais” e “destruição significativa” encerram a mesma incerteza legal averiguada no tipo anterior (art. 40). (LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva