DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
Avaliação na escola capitalista
1. -.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCA<;AO
CRiTICA DA
ORGANIZACAO DO TRABALHO PEDAGOGJCO E
DA DIDATICA
Luiz Carlos de Freitas
TESE APRESENTADA A FACULDADE DE
EDUCACAO DA UNICAMP PARA OBTENCAO
DO TiTULO OE LIVREDOCENTE
NA AREA DE METODOLOGIA DO ENSINO
TEORIA
PEDAG6GICA.
1994
2. PARA
ANTENOR DE FREITAS
E
SOPHIA MORCELU DE FREITAS,
MEUS PAIS.
"NOSE PUEDE
DISTINGUIR, CON
TOOO RIGOR OBJETIVO,
LOS NUCLEOS DE VERDAD
OBJETIVA DE LA FORMA QUE
HAN REVESTIDO INICIALMENTE EN LA
CONSCIENCIA MAS QUE "A POSTERIORI"; LAS
ALUSIONES A LO SUPERIOR NO PUEDEN SER CORRECTAMENTE
COMPRENDIDAS MAS QUE CUANOO ESE SUPERIOR ES YA CONOCIDO."
IL/ENKOV
3. RESUMO
FRE~TAS, L.C. CRiTICA DA ORGANIZA<;Ao DO TRABALHO PEDAG6Grco E DA
DIDATICA. Tese de Livre Docencia apresentada a Faculdade de Educacao da
UNICAMP. 1994.
0 trabalho consta de tres partes. Uma primeira, discute, com alguns autores
da area da didatica, os principais enfoques correntes. Daste debate, formulase
o
problema que, fundamentalmente, interroga a forma de prooucao de conhecimento
n~ ar_?a. 0 autor consider~ ~ue som_ente uma critica da didatica articulada a orgamzacao
do_ tr~balho pedagog1co, partmdo das ~Q.9.t~~di~
ges presentes no interior da
escola capitalists, pode conduzir a uma gradativa construcao do campo, permitindo
identificar as contradicoes e exercitar formas de superacao. Um segundo momenta,
explicita alguns pontos de partida te6ricometodo!
6gicos. A discussao passa pelo
metodo de analise materialista hlstoricodialetico,
pela noyao de didatica e de ciencia
pedag6gica, bem como apresenta um posicionamento sobre o momenta atual,
tentando uma crftica do neoliberalismo e sua correspondente vertente educacional,
que o autor considera um neotecnicismo. 0 passo seguinte, constitui a apresentacao
dos dados que o autor e colaboradores conseguiram reunir no interior do laborat6rio
de Observacao e Estudos Oescritivos e que apontam a categoria avaliacao/objetivos
coma central para a cornpreensao da pratica pedag6gica da escola capitalista. Tal
categoria modula a categoria conteudo/metodo. O Capitulo apresenta um estudo
realizado, na Cidade de Campinas, com 816 professores da rede publica de ensino,
no qual se procurou investigar as concepcoes e pratcas de avaliacao correntes, bem
como, um estudo qualitativo que acompanhou a pratica pedag6gica de um professor
da rede publica de ensino, durante um ano letivo, registrando aspectos relatives a
avaliayao da aprendizagem. Adicionalmente, sao resumidos outros tres estudos sobre
avaliayao conduzidos no interior do Laborat6rio. As pratlcas de avalia~ao aparecem
envolvendo peto menos tres areas: desempenho, disctplina e motlvacao. Tais areas
interpenetramse
em um processo unico e encoberto que combina avalia~ao formal
e informal. Os dados sao oontrastados com a literatura procurando mostrar as relayoes
sociais envolvidas. 0 aluno, alienado da gestao escolar e do processo de
producao de conhecimento, deixa de ver sentido nas suas realizac;oes, com
repercuss6es para a interacao com o professor e para sua autoimagem.
0 produto
de seu trabalho acadernico s6 tern valor quando o professor assim o determina. A
pr6pria continuidade do acesso ao conteudo passa a depender dos resultados da
avalia~. Esta realidade coloca o aluno frente a um processo cuja contradicao entre
elimina~o/manuten<;ao fundase
na origem social e na necessidade de hierarquizalo.
Finalmente, uma tentativa de conctusao aponta alguns aspectos relatives as possiveis
formas de superar as atuais praticas de avaliacao e enfatiza contribui¢es do estudo
para a area da didatica e para a crftica do neoliberalismo na edueacao.
4. iNDICE
INTRODU~AO (5)
1. CARACTERlZANDO 0 PROBLEMA (12)
2. PAAAMETROS TE6RICOMETODOLOGICOS
(60)
Aspectos m.etodol6gicos~yerais (62)
Ciencia Pedag6gica, didatica e interdisciplinaridade (79)
Organizayao do trabalho pedag6gico: elementos iniciais (BB)
0 momenta atual: neoliberalismo/neotecnicismo (111)
3. A CATEGORIA AVALIACAOOBJETIVOS
(140)
Concepyoes e praticas correntes sabre avaltacao (143)
A pratica concreta da avalia~ao (180)
Avaliacao: o que a pratica esconde (224)
CONCLUSAO (259)
Bibliografia (280)
Anexos (291)
indice de Figuras (302)
indice de Quadros (303)
indice de Tabelas (304)
5. INTRODUCAO
Em 19871, ha quase uma decada, insistia em uma questao para mim central, no
arnbito da didatica, e que dizia respeito a uma aparente identidade de discurso que,
centrada na irnportancia do contsudo do ensino, poderia conduzir a uma especie de
"neotecnicismo" devido, inclusive, a sua cada vez maier opacidade politica e ideol6gica.
A enf ase no conteudo havia sido motivada por algumas correntes pedag6gicas que o
desvalorizavam, mas mesmo depois de feita a critica do naodirativismo,
o cenario permanecia
inalterado.
As transforrnacoes nas politicas publicas liberais/neoliberais2 aceleraram este
processo o que tomou aquelas primeiras lmpressoes bem mais nitidas tambsrn
para a
realidade brasileira, infelizmente. Dizia: "temos duvida se este e o caminho. Ate porque,
a despeito do que pensem os autores destas propostas, etas podem incentivar um
neotecnicismo. Um "tecnicismo ilustrado11 ••• "3.
Em 1992, procurando na crltica dos soci61ogos britanicos a retormulacao
educacional da Australia', entender o princfpio de funcionamento de tais politicas,
arrisquei definir este neotecnicismo a partir das caracteristicas apontadas por Bartlett,
1• Freitas, L. C. Projeto Hist6rico, ci~ncia pedag6gica e ftdidatica". l;ducacao e Sociedade, 1987 (27}, p. 122140.
2• Sobre a de~o de poHticaneolberal vale lembrarque o neoliberalismo e um amalgama de crenyas, constitulndose
muito rnais um eonjunt o de propo stas avulsas do que uma doutrina. Vejase
a este respeito Draibe, S. M. As
pollticas sociais e o neoibera/ ism o. Revist a da USP, 1993 (17), p. 86·101.
3. Freitas, L. C. op. cit., 1987, p. 138.
4• o interesse pela Australia se deveu a necessida de d e nao tomar como referencia es paises do capitalismo central,
pois as polfticas neoiberais sotrem vari~6es. O autor nao encontreu, na epoca, uma critica a politica neoliberal
espec lfica pa ra a America Latina. Este movime nto, embora tenha perdido for~a nos palses centrais, ainda esta presente
no discursopolitico brasileiro.
6. lntrodu~ao... 6
Knight e Lingard5 para o processo de reestruturacao educacional da Australia: "Segundo
os autores, o discursodominanteno processo de reforma microeconomica representa um
"amalgama de crences" baseadas no neocorporativismo de Esfado; racionalismo
econ6mico; gerenciamento e teoria do capital humano. No discurso do neocorporativismo,
o Esfado age "no interesse nacional", costurando retecses de trabalho entre e/e, o setor
privado e os sindicatos(.. .).No discurso do racionalismo econ6mico coloca-se enfase na
efici~ncia e na economie, na efetividade e no desempenho (... ). No discurso do
gerenciamento, o modelo de administracaoprivada e assumido para o setor publico (. . .).
Finalmente,no discurso do capitalhumano, as pessoes sao vistas como mercadorias que
detem valor, o qua/ pode ser aumentado pe/a a9ao da educaqao sistematica. (. .. ) em
1960, quando a teoria do capital humano foi formulada, ela era vista como um
componente mecroeconomco, enquanto que, agora, e/a e pensada como um instrumento
central da reformamicroeconOmica" 6.
Estas primeiras aproxirnacoes, ainda que insuficientes do ponto de vista te6rico,
para dar conta de toda a complexa transformacao que assistimos, foram utsls para a
batalha polftica e ideol6gica na qual estive envolvido nos ultimas anos. Ajudaram a
demarcar o terreno.
Um segundo aspecto a ser retomado, ainda do texto de 1987, referese
a uma
proposta de trabalho redigida para a pesquisa em didatica: "Achamos, portanto, que a
pesquisa deve deslocar-se em dire9§0 a pratica escolar, utilizando a observac;ao e a
descri<;Bo sistematicas apoiadas com metodos quantitativos e qualitativos. Fa/tam estudos
sistematioossobre a sa/a de au/a ea escola. Tais estudos besicos permitirao evencer em
dire980 a explicaQ§o e conceitua9ao do processo pedag6gico. Nossa proposta coloca
como tarefa imediata, o levantamento das pesquisas ja realizadas nesta dire9ao, o
intercambio de procedimentosmetodo/6gicos e a realiza<;ao de pesquisas destinadas a
captar, sistematicamente, a dinamica do processo pedag6gico" 1.
~. Bartlet, L; Knight, J. and Lingard, B. Restructuring teacher education in Australia. British Journal of Sociology of
Education, 1992, 13 (1), p. 1836.
6•
Freitas, L. C. Neotecnicismo e formacao do educador. In Alves, N. (Org.) formacao do professor: pensar e fazer.
Sao Paulo: Cortez, 1992, p. 00/99.
7•
Freitas, op. cit, 1987, p. 139.
7. lntrodu~ao... 7
0 que apresento, aqui, e uma tentativa de levar adiante este programa. Neste
sentido, o esforco deste trabalho e o de sintetizar os resultados teoricopraticos
obtidos.
Esta proposta de trabalho foi elaborada para fazer frente a tentativa, frequente no
campo da didatica, de se criar, pela via da anatise te6rica, uma didatica altemativa. Em
contreposicao, acredito que a didatica somente podera ser superada a medida que
.parta das pr6prias contradlcoes existentes na escola capitalista. Para tal, sera
necessario um esforco no sentido de construirmos um sistema de categorias que de conta
de tais contradicoes e abra possibilidades de supsracao.
Por outro lado, defendi, tamoem, a insercao da dldatica no interior da orqanizacao
de trabalho da escola. E uma tendencia da area restringirse
a sala de aula e, dela, saltar
para as relacoes sociais, sem enfatizar que a organiza~ao global da escola serve de
elemento mediador entre tais rela~oes sociais e a pr6pria sala de aula.
Nao foi precise muito tempo, no interior da escola, para defrontarme
com a
questao da avaliacao, ainda que tenha demorado um pouco mais para estabelecer suas
rela¢es com os objetivos "reals" da escola e constituir o par dialetico avaliayao/objetivos.
O ambito deste estudo pode ser circunscrito ao exame da avalia~io/objetivos
coma uma das categorias centrais da dldatlca, na escola capitaHsta. Tai ambito
emergiu da pesquisa nae
foi previamente escolhido per n6s; prova disto e que o artigo
de 1987 nada menciona sobre avalia<;ao e objetivos. Nao parti de uma classifica~o previa
dos componentes do processo didatlco, estrateqia frequentemente utilizada no campo.
Apenas me propus a vivenciar a escola e a sala de aula com o objetivo de construir
categorias que parecessem relevantes para a pratica pedag6gica da escola capitalista,
identificar contradicoes e exercitar superacoes,
A categoria avaliacaorobjetivos sera pensada, no ambito deste estudo, de forma
especifica e de forma ampliada. Sempre referirsea
tanto a avalia~o/objetivos a nfvel da
sala de aula, coma a nfvel da escola enquanto uma instituiyao social, ou ainda, para dizer
de outra forma, tanto a nivel "dldatico'' como a nivel da organiza~o da escola coma um
todo.
E pr6prio do homem criar, conceber mentatmente suas rsalizacoes antes de
concrstlzalas.
Neste processo apropriase
do que foi produzido e objetivase
em novas
realizacces. Examinando esta problematlca em Manc1 Duarte assim se expressa: no
8. lntrodufao... 8
homem, ao produzir os meios para a satisfar;ao de suas necessidades basicas de
exlstena», ao produzir uma reafidade humanizada pela sua atividade, humaniza a si
pr6prio, na medida em que a transforma9ao objetiva requer dele uma trenstormeceo
subjetiva.Cria, portanto, uma realidadehumanizada tanto objetivaquanto subjetivamente.
Ao se apropriar da natureza, transformando-a para satisfazer suas necessidades,
objetiva-senessa transformacao.Por sua vez, essa atividade humana objetivada passa
a ser eta tsmbem objeto de apropria<;aopelo homem, isto e, ele deve se apropriar daquilo
que de humano ele criou. Tai apropria<;aogera nele necessidades humanas de novo tipo,
que exigemnova atividade, num processo sem fim" 8•
0 processo de avaliacao esta intrinsicamente relacionado a esta atividade
objetiva/subjetiva de apropriacao e objetivacao. 0 homem esta constantemente
"avaliando" suas reauzacoes atraves de um permanente confronto entre o realizado e
suas novas necessidades. As contradicees entre o pensado e o real sao uma poderosa
fonte de motivacao para o homem estabelecer novos objetivos. Objetivos e avaliacao
estao em permanente interacao.
Porem, este processo nao ocorre em um vacuo. A forma como os homens
organizam suas relacces sociais afeta poderosamente tal dinamica. lnserido em um
processo de alienacao, o homem ve o produto de seu trabalho ser dele separado, perde
o controle sobre o pr6prio processo de trabalho e termina distanciado dos pr6prios homens",
A educa~o nao esta imune a estas relacoes. Vejase,
por exemplo, o seguinte
trecho de Marx, o qual referese
a descricao do trabalhador alienado: "0 que constitui a
afiena9aodo trabalho? Primeiramente,ser o trabalho externo ao trabalhador, nao fazer
parte de sue natureza, e, por conseguinte,ele niio se realizar em seu trabalho mas negar
a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, nao desenvotver
livrernentesuas energias mentais e fisicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente
deprimido. 0 trabalhador, portanto, s6 se sente a vontade em seu tempo de folga,
enquanto no trabalhose sente contrafeito. Seu traba/ho n§o e voluntario, porem impasto,
e trabalho for9ado.Ele n§o e a satisfa<;llo de uma necessidade, mas apenas um f11!ZjQ
8.
Duarte, N. A individual!dade parasi.
Campinas: Editores Associados, 1993, p. 31/32.
9•
Cf. Marx, K. Manuscrttos Econ6micos e Filos6f icos de 1844. ln Fromm, E. Conceito Mancista do Homem. Rio:
Zahar, 1983.
9. fntrodUf ao... 9
para satisfazeroutras necessidades. Seu carater de alienado e claramente atestado pelo
fato de, logo que nao haja compulsao fisica ou outra qualquer, ser evitado como uma
praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, e um
trabalho de sacrificio pr6prio, de mortificaqao. Por fim, o cereter exteriorizado do trabalho
para o trabalhadore demonstrado por nao ser o trabalho dele mesmo mas trabalho para
outrem, porno trabalho ele nao se perlencer a si mesmo mas sim a outra pessoa" 10.
Qualquer sernelhanca corn o aluno de nossa escola e mera coincidencia ...
A ernerqencia da categoria avaliayao/objetivos e particularmente importante, pois
brinda a possibilidade de reunir tanto a estrat9gia de pesquisa proposta no texto de 1987,
coma a preocupacao la existente com o aparecimento de um neotecnicismo e sua
aparente identidade de horizonte polftico/ideol6gico, a medida que os objetivos e a avanacao
tern a ver com o conceito de educayao, de sociedade e de homem.
As principals idelas do artigo de 1987 estao incorporadas ao atual texto. Quanta
a critica que fiz, a epoca, a Pedagogia CriticoSocial
dos Conteudos, em minha opiniao,
tenho, hoje, mais elementos para reafirmar aquelas crlticas e, de certa forma, o pr6prio
desenvolvimento desta Pedagogia confirmandoas11.
No decorrer do Capftulo primeiro,
examinarei melhor esta questao.
Porern, quanta ao meu posicionamento politico, gostaria de fazer algumas
consideracoes adicionais.
Varies colegas tern vindo a publico, no pleno exercicio de seus direitos, para dizer
a comunidade que mudaram sua forma de pensar politicamente ou ideologicamente a
educayao. Alguns deciaramse,
agora, neomarxistas,
ou sociaisdemocratas,
socialistasdsmocraticos,
etc. Fazendo uso deste mesmo direito, gostaria de reafirmar minha
posi~ao de marxlsta e socialista sem
prefixos e sem adjetivos. Minha postura
politico/ideol6gica em nada mudou nestes anos. Manter minha posiyao tern me custado
a acusacao, vez par outra, de "marxista ortodoxo". Esta acusacao vern, inclusive, da
10. Marx, K. Manus crit os econOmicos e filos6ficos de 1844, in Fromm, E., op. cit. 1983, p. 93.
11• Em sua Tese de Doutorado, referindose
a crltica que fiz, no texto de 1987, a Pedagogia CrlticoSocial
dos
ConteJdos para que expkitasse melhor seu projeto hist6rico, o Prof. J. C. UbAneo respondeu escrevendo que: "O texto
de Freitas (.. .) critics a proposta da Pedagogis Crftico-Social dos Contetidos que, no seu entender, n§o exp(icita o projeto
hist6rico na linha do msrxismo-le ninismop. Falso. Nao M uma linha em meu artigo onde seja feita tal ccbranca. 0 que
se diz e que o autor deve expicitar melhor o seu orojeto nao
importa qua! seja.
10. lntrodu~ao... 10
mesma parte da academia que abracou o marxismo, no passado, e acusava todos os
outros, que nao eram, de "positivistas", Procuram desqualificar para evitar o debate.
Pessoalmente, nao tenho problema em conviver com alguns princf pios gue, agora, sao
considerados "ortodoxias". par esta parte da academia. Entendidas tais "ortodoxias'' desta
forrna, prefiro conviver com boas ortodoxiasa assumir algumas falacias modernosas. No
entanto, do ponto de vista politico tais acusayc)esme preocupam pois vem carregadas de
um ranee que beira o anticomunismo.
0 rnarxismo e um instrumento de analise. Seu Sistema de categorias visa
compreender e transformar a realidade. E natural que, com as transtormacoes do
capitalismo, seja necessaria urna "atualiza~o de categorias" e de anahse. Mas este e um
processo muito mais complexo e lento do qua abolir as diferencas entre direita e
esquerda, declararse
p6smoderno
ou absorver novas terminologias deste ou daquele
autor de moda. Envolve, antes de mais nada, um dominio do pr6prio metodo de analise
marxista.
Mas voltemos ao trabalho atual. 0 presente estudo foi organizado em tres
capltulos. 0 primeiro apresenta o problerna que orienta este trabalho e discute corn
alguns autores do campo da didatica (em especial com o Prof. J. C. Libaneo). 0 segundo
apresenta os parametros te6ricometodol6gicos
gerais levados em conta na pesquisa aqui
apresentada. Finalmente, o terceiro reune um conjunto de estudos realizados no interior
do Laborat6rio de Observacao e Estudos Descritivos, ora sob minha responsabilidade
direta, era sob minha orientacao, sobre a questao da avatiacao coma categoria
constitutiva da didatica da escola capitalista.
Quero deixar meus agradecimentosao CNPQ, ao INEP e ao FAEP/UNICAMP pelo
apoio financeiro que viabilizou estes estudos.
Agradecer pessoas e sempre mais cornplicado, mas e inevitavel, A dificuldade se
deve ao fate de que ha sempre o risco de que o nome do autor seja alinhado a este ou
aquele profissional citado. De minha parte, seria uma honrosa relay~o. mas nao posso
falar pelos profissionais citados. Tambern, antes de agradecer, e precise alertar para o
fato de que as pessoas citadas nao podem ser responsabilizadas pelo conteudo do
trabalho e, muito menos, pelos erros que certamente ele contern. Muitos deles leram
apenas parte do trabalho e nao puderamfazer uma critlca ao conjunto do estudo. Aprendi
11. lntrodu~ao... 11
muito com todos eles, em especial com a Prata. Menga Ludke, o Prof. Dermeval Saviani,
a Profa. Helena Costa Lopes de Freitas e muitos outros colegas que, gentilmente,
aceitaram participar de Bancas de Qualificac;ao e Defesa, examinando os trabalhos no
laborat6rio.
Devo agradecer, tarnoern, meus alunos de gradua9ao, meus alunos e orientandas
de pospraduacao
e de iniciayao cientiflca, bem como, auxiliares de pesquisa. Tades
contribuiram para o desenvolvimento das ideias abordadas neste estudo e/ou ajudaram
diretamente nas pesquisas. Eles sao devidamente citados, por seus trabalhos, nos locais
adequados.
UN !tC~
J.
I1'<fl;:,
.. r::c_
. q. __ . 1r•
3. ! · _ 1r...)_ ·
,1·EC•
A
I ~ t 1 •• • •
12. CAPiTULO I
CARACTERIZANDO 0 PROBLEMA
0 proposito do presente Capitulo e 0 de·,~~..?.°.Y~rsar" corn alguns autores e nao 0
de fazer a classica "revisao bibliografica". Par um lado, porque isto ja foi feito por
Candau'i e Oliveira", por outro, porque achamos mais produtivo escolher alguns interlocutores
para uma abordagem mais dirigida dos problemas que queremos tratar neste
estudo.
..
Ao efetuarmos a ~~le~ dos ~μ~Of. (3 5, levamos em consideracao alguns criter_!_os ~:· · '
a) a vincula~o dos mesmos a uma perspectiva critica da educacac e do ensmo; b) seu
envolvimento com a tamatica da didatica e da orgS!niza~ao do trabalho pedag6gico; c) a
. perficipacac destes como div_ulgadores de perspectivas com um certo grau de estabilidade_
em livros e em eventos da area em
especial na ANPED e nos ENDIPEs; e d) serem
autores nacionais. Pelo fato de nao se tratar de uma revisao bibtioqraffca, o que se
• - ....... _ - ····-· .. ..... ..J''
procurou fazer foi tomar determinados autores corno "representantes" de determinadas
posicoes veiculadas com certa intensidade entre os estudiosos do campo da didatice.
Nao temos como objetivo classificar os autores em tendencias politicas ou
12•
Candau, V.M. Novos Rumos da Licenciatura. INEP/PUCRJ,
1987.
13•
Oiveira, M. R. N. S. A reconstruc3o da didatica: elernentos te6ricometodol6gicos.
Campinas: Papirus, 1992.
13. Caracterizando o problema... 13
dldatlcas, Os agrupamentos procuraram seguir "cortes naturals" e refletem a percepcao
que desenvolvemos a partir das fontes aqui citadas, sequer podemos garantir que os
autores continuam pensando assim. Nossa reflexao esta circunscrita as datas
mencionadas. Apesar de suspeitarmos que a producao se encontre perpassada pelas
principais vertentes polfticas do campo educacional, nao faz parte deste estudo
estabelecer rela¢es definitivas entre autores e projetos politicos. Para tal, teriamos que
conslderer a obra completa dos varies autores citados, o que toge de nossos objetivos.
Na apresentacao do livro de Lucilia R. S. Machado, Saviani assirn se expressa: HNesse
ambito a contribuiyao te6rica {do livro} (.. .) ilumina de forma substantiva boa parte das
polemicas pedag6gicasque tem sido travadas em nosso meio. lsto porque tais potemice«
trazem de modo geral a marca das tendencies autonomista (anarco-sindicalista),
reformista (social-democrata) e marxista (hist6rico-critica) (... )14.
E passive! que a questao da organiza~o do trabalho escolar e da didattca tarnbern
esteja colocada nos termos destas grandes vertentes.
Este capitulo, portanto, tern uma furn;ao no pr6prio interior do estudo que estamos
desenvolvendo. Uma possivel fun~o externa, fica modulada pela interna.
***
!~g_p(;mto Pe referencia para o estudo.da "didatica crftica" ea dscada de 80.1 E neste
periodo que surge um seria oposicao a concepcao corrente de didatica, a qual saia de um
perl odo em que se havia exaltado o mstodo e a tscnica de ensino, especialmente na
decada de 1970. --A-- didatlca -- in strumental' dos anos 70 , contrapoese
a Didatica
. ....
-
·
·
· .
···
·
· ··
·.
Fundamental dos anos 80.
A literatura indicada no Quadro 1 exemplifica esta produ<;ao.
_ _ADj9aJiC@. FunqaD1e!:'ltal esta, direta!'nen~e._ligada ao movimento pela redefinic;ao
do campo da dldatica, cuja maior expressao foram os Seminaries de Didatica no inlcio dos
· . - - .
1".
Machado, L. R. S. Politecnia, escola unitana e trabalho. S.Paulo: Cortez, 1989, p. 8.
14. Caracterizando o problema... 14
anos 80. Mais do que um enfoque propriamente dito,.foJ um ample movimento de reacao
. a um tipo de didatica baseada na neutralidade, fundada na ideia da didatica como rnetodo
unico de ensino e, como tal, nos procedimentos formalizados dai
seu name de Didatica
Fundamental.
Candau, V. M. {Org.) A didatica e a forma9a.o de educadores da
exaf t~Ao cl negayao: a busca da relevancia. In Candau, V. M.
(Org.) A did<!ltica em guestao. Pelr6polis: Vozes, 1984, 2a. edi~o.
Candau, V. M. (Org.) A didcitica em questao. PetrOpolis: Vozes, 1984, 2a. ldiylo.
Candau, V. M. A revisao da didatica. In Candau, V. M. (Org.) Rurno a uma nova didatica. Petr6polis: Vozes, 1988.
Candau, V. M. (Org.} Rumo a 003 nova didatica. Petr6polls: Vozes, 1988.
Candau, V. M. A didat iea ea reJayao forma/conteudo. In Candau, V. M. (Org.} Rumo a uma nova didatica. Petr6polis: Vozes, 1988.
candau, V. M. Tern sentido hoje falar de uma didatica geral? In Candau, V. M. (Org.) Rumo a uma nova didcitica. Petr6polis: Vozes,
1988.
Canctau, V. M. A rormayao de educadores: uma ~rspectiva multidimensional. In Candau, V. M. (Org.) Rumo a uma nova didatica.
Petr6polis: Vozes, 1988.
Andre, M.E.DA Em busca de uma d~ica ft.l'ldamenlal. In Candau, V. M. (Org.) Rumo a U'Tla nova did~tica. Petr6polis: Vaz.es,
1988.
Andr~. M.E.D.A. e Mediano, Z. 0 colidiano da escola: elementos para a const~ao de uma d~tica fundamental In Candau, V.
M. (Org.} Rl.lTIO a i.ma nova didatica. Petr6polis: Vozes, 1988.
Andr6, M.E.O.A. A pesquisa na did~lica e na pratica de enslno. ln Candau, V. M. (Org.} Rumo a uma nova didat ica. PetnSpo(IS.:
Vozes, 1988.
Anett, M.E.D.A. A contribuiQAo da pesqulsa etnografica para a constru~o do saber did~ico. In Oliveira, M.R.N.S. Dldalica: ruptura.
compromlsso e pesgyisa. Campinas: Papirus, 1993.
Ofrveira, M.R.N.S. Ar~ da didatica: elementos te6r1cometodol6gicos.
Campinas: Papirus, 1992.
Oliveira, M.R.N.S. A sala de aula como objeto de analise na area da didatica. In Oliveira, M.R.N.S. Didatica: ruptura, compromlsso
e eesguisa. Campinas: Papirus, 1993.
Oiveira, M.R.N.S. Elementos te6ricometodol6gicos
no processo de construc&o e reconstru~o da did~tica (Para uma nova teoria
da pratica pedagOgica escolar). In Oliveira, M.R.N.S. Didatica: ruptura, compromisso e pesauisa. Campinas: Papirus, 1993.
QUADRO 1. TRABALHOS SELECIONADOS NA PROOUCAO DA DIDATICA FUNDAMENTAL
Candau assim se expressa: "O objeto de estudo da didatica e o processo de
ensino-aprendizagem. (. . .) Parto da afirma9tio da multidimensionafidade deste processo.
. .
----- .. . ... .
·
··~ -- .
0 que pretendo dizer? Que _Q processo oe ensino-aprendizagem, para set
adequadamente compreendido, precisa ser anafisado de ta/ modo que articule
15. Caracterizando o problema... 15
'
consistentemente as dimensoes humene, tecnica e polftico-social" 15.j E conclui: "Nesta
perspective de uma multidimensionalidade que articula organicamente as diferentes
dimensoes do processo de ensino-aprendizagem e que propomos que a didatica se
situe" 16.
, ~ esta perspectiva de articular alg!Jm~~ d.J_mensoes como centre configurador da
_qidatica, ancorada na analise da pratica pedag6gJca concreta e seus determinantes, a
autora chama de Didatica Fundamental. Por contraposicao, chama de Didatica
rnstrument~~)
a didatica convencional formalizada e descontextualizada.
Um resume dos esforcos obtidos dentro da proposta da Didatica Fundamental foi
feito por Candau (1988) em seu livro "Rumo a uma Nova Didatica".
Nesta publica<;ao a autora reafirma os pontos basicos da Didatica Fundamental:
"O primeiro desafio me parece que e superar esse formalismo didetico e superar,
portanto, essa busea incessente do metodo imico capaz de ensinar tudo a todos. (.. .) O
grande desafio da didatica atual e, na nossa opiniao, assumir que o metodo didatico tem
diferentes estruturantes e que o importante e articular esses diferentes estruturantes e
nao exclusivizarqualquer um de/es, tentando considera-Jo como o unico estruturante" 17.
Esta concepcao multidimensional e tambem ponto de partida para a autora
examinar a questao da tormacao dos educadores18.
O enfoque de pesquisa utilizado na construcao da Didatica Fundamental e
explicitado, mais diretamente, pelos trabalhos de Andre19 e baseiase
na pesquisa do
cotidiano, de corte etnopraflco portanto,
recebendo influencias da fenornenoloqia",
A prop6sito deste tipo de pesquisa a autora afirma que: ''... o estudo da pratica
escolar nao pode se restringira um mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas
~€!ve envolver UfTJ processo de reconstru9ao dessa pratica, desvelando suas multiplas
15•
Candau, V. M. A dldatica em questao. Rio: Vo:zes, 1984, p. 13.
16.
lbid., p. 15.
17.
Candau, V. M. Rumo a uma nova didatica. Rio: Vozes, 1988, p. 30/31.
18• Cf. Candau, op. cit., 1986, p. 43 ~ seguintes.
19•
Cf. Candau, op. cit., 1988.
20. Cf. Andre, M.E.D.A. A contribuioao do estudo de caso etnograf ico para a reconstruoAo da didtltica. Tese de
LivreDocencia.
FE/USP, 1992, p. 1021103.
16. Caracterizando o problema... 16
dimens0es, refazendo se.l.! movimento, apontando suas contradi¢es,recuperando a torce
viva que nela esta presente". (. . .) "Para que se posse aprender o dinamismo pr6prio da
'•
· . . .
vida_ f!.SC<?{~!·_ e preciso estuda-Ja a partirde peto menos tres dimensoe«: a institucional- .
lorganizacional,a
a filos6ficalepistemol6gica. Embora se esteja
instrucionallpedag6gicea
destacando tres dimensoes, isso nao significa que etas devam ser consideradas .
isoladamente. ~ importante que, ao trata-las em sues especificidades, nao se deixe de
levar em come tembem as suas inter-rela(;{Jes" 21•
Esta e uma caracteristica marcante na Didatica Fundamental, ou seja, a
necessidade de olhar para a realidade a partir de suas "dimens6es" fundamentais (ou de
seus elementos estruturantes ).
Os textos de Candau e Andre denotam uma perspectiva critica em relacao a
sociedade capitalista, mas, ate onde pudemos observer, nao apresentam, claramente,
uma proposta alternativa de sociedade e nem configuram um sistema explicativo
pedag6gico como ocorre com a Pedagogia Hist6ricoCrftica
e com a Pedagogia dos
Conflitos Sociais.
Quern rnais, claramente, procura explicitar seu projeto hist6rico alternative, no
ambito da Didatica Fundamental, e Oliveira: "0 objetivo deste estudo e sugerir elementos
'•,
te6rico-metodol6gicos para se reconstruira Didatica, com base numa concepc;ao dialetico-materialista
do ensino e numa dire9aode continuidade e ruptura com as trabalhos que
vem sendo desenvolvidosna area, no cerne do movimento de revisao entice da Didatica
no Brasil, nos ultimas dez enos:",
Procurando examinar sua pr6pria evolucao dentro da problernatica de pesquisa,
a autora registra a influ~ncia da perspectiva proposta pela Didatica Fundamental ao
preconizar uma nova didatica baseada em elementos estruturantes multidimensionais,
conforme ja vimos anteriormente.
Oliveira resgata este memento (1988) em seu estudo: '~ didatica que estou
propondo resgata os principios que permeiam o cereter critico da Didatica etuel, dentro
de uma nova estrutura de totalidade. Essa totalidade n§o seria discutidae analisada a
21•
Andre, M. E. D. A. A contribui1rAo da pesquisa etnograf ica para a constru~~o do saber didatico. In Oliveira, M.
R. N. S. (Org.) Oid~t!ca: ruptura. compromisso e pesguisa. Campinas: Paprus, 1993, p. 111 /112.
22• Oliveira, op. cit, 1992, p. 13.
17. Caracterizando o problema... 17
partir de eleme'!tC?.5-.. C9n$.tftyffv.9s oo atQ . ()id.~Jjqp (conteudo, _ 1!1_~l<?dQ,_ .?.Y3!ia<;?.Q_1
_ P(?.nejamento, etc} e, sim, a partir de totalidades menores, que a determinam. Essas
totalidades menores traduzem-se, em termos de conteuoos dessa nova Didatica, nos
...
· -·-- .
· ·
..
· --
. -·
seguintes. mJcleos d_~ di$cussao: 1. !f.Lf'!J§nsao hist6riq!1~- natureza, objeto e conteudo da
Didatica em seu processo de construqao hist6rica; 2. dimensao antropol6gica - o trabalho
docente e sua organiza9ao na sociedade brasileira; 3. aimenseo ideol6gica - o papel do
ensino tendo-se em vista as re/a90es entre fins pedag6gicos e fins sociais; 4: ~i!JJ.~!1§~o_
epistemol6gica - conteudo e forma; as rela<;oes entre metooos de ensino, metooos de
aprender e metoao de organiza9ao da metetie. Em cada um desses nudeos de
dj~_u§sPQ,senem abordados tooos.. os _(}~e.me!Jf9§ do ensino (objetivos, comeudos,
p[af!ejamento, avalia<;ao,_ etc.)"2.3 .
Destacamos este aspecto porque sera com base nele que a autora ira construir seu
capitulo de conclusao no livro que estamos examinando (1992). Sob o titulo de
"Retomando os elementos te6ricometodol6gicos
para uma nova teoria da pratica
pedag6gica escolar", no ultimo capltulo, encontramse
as quatro dimens6es acima
indicadas estruturando as conclusoes propostas pela autora, ao final de sua investiqacao.
lsso nos leva a crer que tais elementos estruturantes multidimensionais continuam a
cumprir uma funyao importante na concepcao e na proposta de didatica da autora.
Neste mesmo trabalho (1992) a autora faz uma apresentacao sintetica do
referencial te6rico materialista bistoricootaletico.
0 capitulo destinado ao tema critica os
reducionismos no estudo do marxismo, aborda quest6es relativas a 16gica dialetica e suas
leis fundamentais e admite que devese
ir alem de uma simples adocao de um rnstodo
de analise: ·~ concepcso dialetico-materialista da Didatica devera implicar, assim,
uma abordagem da area, fundada ngo apenas em um metoao mas temaem em
uma concepcso de homem e do mundo, e das rela~oes entre etes" 24•
O capitulo nao contern, no entanto, a descriyao de um projeto hist6rico que faca
as necsssanas artlculacoes entre concepcao de homem, de mundo e mstodo de anallse.
Ao final deste mesmo capitulo ("O ensino come totalidade concreta") e feita a
23•
Ibid., p. 29130.
24•
Ibid., p. 44.
18. Caracterizando o problema... 18
discussao do materialismo histoncodieletico
aplicandoo
ao exame do ensino e da
dldattca. A autora afirma a necessidade de se partir da pratica social do diaadia
da
.. e_s.
. cola
e de se descortinar as contredicces internas, em torno de seus elementos e
subprocesses (conteudornetodo,
professoraluno,
planejernentoexecucao,
fins e
controle). Estes elementos e subprocesses sao, porern, elencados arbitrariamente a partir
de uma analise 16gica do processo pedag6gico. Como tal, permanecem como
oenommacoes vazias de contradicoes. Nao e sem razao que nesta parte do trabalho
desaparece a reterencia a superacao das contradicoes. A abordagem flea mais clara
quando a autora diz que: "o estudo do processo de construcso e teconstrucso da
Didatica, area cujo objetode estudo e o ensino, a luz da dialetica materialista, implica o
estudo de trabalhos na area, buscando elementos que orientem a constru9ao de uma
Nova Didatica no seio e para a/em dos limites dentro dos quais o tratamento do ensino
vem sendo construido. Dessa forma, - continua a autora neste
estudo, os trabalhos
desenvolvidosna area serao tomados como essenciais ao levantamento de aspectospara
. a reconstruQ8o da Didatica- enquanto uma area de saber na forma9ao do educador -, que
~ devera refletir, nos pianos da teoria e da prsiic« pedag6gica, uma proposta
. transformadorado ensino, comprometida com a luta por uma sociedadebrasileirafundada
em novas relay{)es de trabalho. Os aspectos identificados constituirao o conteudo de
categorias te6rico-metodol6gicasde uma concep9ao dialetico-materialistada Didatica. tat
como vem sendo construidas no tratamento do tenomeno do ensino, de acordo com o
nivel de desenvolvimentoem que ele se encontra no contexto da realidade brasileiran 25•
O reflexo da organizacao escolar capitalista na conscisncia burguesa e/ou na
consclencia critica de profissionais comprometidos com projetos hist6ricos alternativos
pode ser uma fonte importante, mas dificilmente, sem recurso a pratica, pode dar conta
da delimitayao do conteUdo das categorias da didatica da escola capitalista de forma que
possamos conhecer os contraries em luta e visuaizar formas de superacao, no interior
de sua trama hist6rica. Mais uma vez, somente podemos entender o sentido do termo
"categorias" utilizado pela autora, coma referencia aos "elementos estruturantes" da
Didatica Fundamental, os quais ela utiliza para organizar seus dados e resumir seus
25. Ibid., p. 53, grifos nossos.
19. Caracterizando o problema... 19
achados ao final do livro em questao.
Cabe assinalar, ainda, o descompasso entre o referencial metodol6gico construido
no capltulo inicial e os demais capftulos do livro, tornando aquele pouco eficaz no
direcionamento da abordagem de sua problematlca, porque a pr6pria orqanizacao e
enalise dos dados e feita a partir dos elementos estruturantes a que nos referimos antes.
0 estudo da autora, contudo, e importante, independentemente deste aspecto.
0 ponto alto do livro sao o capitulo 3 e 4 onde sstao apresentados os dados
procedentes da analise que a autora faz da produyao no campo da didatica e as ternaticas
que ela extrai da mesma analise. 0 qua se pode ver e uma area entrecortada por
inumeras qoestoes e poucas delas com sotucoes visl veis ate
porque em alguns ca sos
os projetos hist6ricos que informam os autores em litfgio sao irreconciliaveis. 0 trabalho
~
P~~~~
nta urn quadro dos problemas no interior da didatica critica e nisso reside sua
J_mportancia. _
Em nossa opiniao a proposta da autora de construir "elementos te6ricometodol6gicos",
que deveriam informar a reconstrucao da dldatica, fica a meio termo entre a
edocao do materialismo historicodialetico
como instrumento de gera~o de categorias
ancoradas na pratlca social e a compreensao da expressao "elementos te6ricometodol6gicos"
na forma de elementos estruturantes, tal coma preconizam os defensores
. da Didatica Fundamental. Esta ambiguidade nao e salutar, a medida que cada uma destas
compreensc5es pode pedir rnetodos de pesquisa diferenciados.
Esta nossa percspcao e confirmada por outro texto da autora: "Elementos te6ricometodol6gicos
no processo de construcao e reconstrucao da didatlca'?". Neste texto fica
mais clara a relacao entre a expressao "elernentos te6ricometodol6gicos"
e os
"elementos estruturantes" propostos coma dimensoes. A ultima parte deste texto e a
apresent~ das quatro dimensoes estruturantes, que a autora formulou em 1988, sob
o titulo de "Os elementos te6ricometodol6gicos"
2 7 •
'
i. .
26•
Oliveira, M. R. N. S. Elementos te6ricometodol6gicos
no processo de construcao e reconstrucao da didatica.
In Olvera, M. R. N. S. (Org.) pjdatica: ryotura, compromisso e pesguisa. Campinas: Papirus, 1993.
27•
lbld., p. 71.
20. Caracterizando o problema. .. 20
Em outro texto, "A sala de aula come objetivo de anahse da area da didatica?", a
autora volta a afirmar sua vinculacao a metodoloqia materialista tustoncodlaletica:
"Pela
minha preiice na area, 9 primeiro requisito P.ara a ~nstr.ur;ao.des~as categorias e ode
entende-Jas como pr_gpriedades essenciais da realidade da sala de au/a e nso se
contentar, como pesquisador, com meras listas de aspectos tenomenco« aparentes desse
real, aos quais se atribuao nome pomposo de categoria. O segundo requisito e o de que
-e-s-ses ~ategorias,
pela sue pr6pria natureza de propriedades essenciais do real
. .. . . ..
. .
.pesquisedo,
cumpram o papel de ~~pli.carem os
processos
..
infernos dess
e.
..
ree! .fJ, ao
. . ... ·•· ·
·· ·
·· . .,
mesmo tempo, impliquem a conteudizac;ao de categorias mais amp/as que explicem o
fen6meno educativo em suas rela¢es com a sociedade" 29.
~~_
eriamosacrescentar, ainda, um terceiro requisito: que permitam visualizar sua
pr6pria superacao seu
desenvolvimento hist6rico.
Ficanos,
pois, confusa a proposta da autora a medida que se propoe, coma
pararnetro, uma concepcao materialista hlstcrtcodielettca,
mas organiza e analisa seus
dados a partir de elementos estruturantes (16gicos) e nao de categorias que deem conta
do movimento real da escola, carregada de contradicoes da pratica social e de possibilidades
de superacao (16gicohist6ricas).
Simultaneamente ao desenvolvimento da Dldatica Fundamental, estruturouse,
tambern, com grande psnetracao. a posiyao da_~~~a9.ogia HistoricoCrltica'?
ou
como
e mais conhecida no campo da didatica: Pedagogia CriticoSocial
dos Conteudos".
A Pedagogia Hist6ricoCrftica
dispensa apresentacao no cenario pedag6gico
brasileiro. Basta que resumamos aqui as tarefas a que se propoe em retacao a educacao . . ~ ;
1, :
escolar: "a) identificacao das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber
objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condi¢es de sua prodw;ao e
28•
Oliveir.a, M. R. N. S. A sala de aula como objeto de analise na area da didatica. In Ofrveira, M. R. N. S. (Org.)
Oidatica: n.ptyra. compromisso e pesguisa. Campinas: Papin.is, 1993.
29•
Ibid., p. 56.
30. Saviani, D. Escola e democracia. S. Paulo: Cortez, 1983; Saviani, D. Pedagogia Hist6rk:oCrltica:
primeiras aproximac()
es. S. Paulo: Cortez, 1991.
31• Ub~neo, J. C. Democratizayiio da escola publica: a pedagogia criticosocial
dos centeudos. S. Pauo: Loyola,
1985; Li>aneo, J.C. Didatica S. PaiJo: Cortez, 1991.
21. Caracterizando o problema... 21
compreendendo as suas principais manifestar;oes bem como as tenaencies atuais de
trenstormecso; b) conversso do saber objetivo em saber escofar de modo a toms-to
,,;....,
assimitavef pelos alunos no espar;o e tempo escolares;-'c)- provimento dos meios
necesserios para que os alunos nao apenas assimilem o saber objetivo enquanto
resultado, mas apreendam o processo de sua produr;ao bem como as tendencies de sua
trenstormeceo" 32•
A Pedagogia Hist6ricocritica
admite que a educacao e uma exigencia do e para
o processo de trabalho humano em geral, bem coma e, ela pr6pria, um processo de
trabalho. 0 processo de trabalho que caracteriza a educacao e especifico a medida que
<,
diz respeito ao trabalho nao material, vale dizer, prcducac de Idelas, conceitos, valores,
sfmbolos, habltos, atitudes, habilidades, enfim, a producao do saber. A cadeia de analise
se completa ao se estabelecer que, ainda dentro do campo do trabalho nao material, a
educacao pertence a modalidade que diz respeito as atividades em que o produto nao se
separa do ato de sua produ<;ao33. E importante lembrar, desde ja, que o trabalho pode ser
material ou nao material, e que, ambos, podem ser produtivos ou improdutivos.
Nesta perspectiva Saviani afirma que: "... o objetoda educa9ao diz respeiio, por um
/ado, a identificac;ao dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos
indivkiuos da esped« humana para que eles se tomem humanos e, de outro /ado e
concomitantemente,a descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo".
Em reiacao ao ultimo complementa: "Quanto ao segundo aspecto (a descoberta das
formas adequadas de desenvolvimentodo trabalho pedag6gico)trata-se da organizar;ao
dos meios (conieudos, especo, tempo e procedimentos) etreves dos quais,
progressivamente, cada indivkiuo singular reafiza, na forma de segunda natureza, a
humanidade produzida historicamente" 34.
Para a Pedagogia Hist6ricoCrltica
a emancipa~o do homem passa, tamoem, pelo
dominio do saber historicamente acumulado, sendo esta uma contribuicao da escola coma
instancia mais desenvolvida de difusao do saber ao
processo mais global de
32• Saviani, op. cit., 1991, p. 7.
33• Ibid., p. 20.
34•
Ibid., P21.
22. Caracterizando o prob/ema... 22
transtormacao de uma sociedade de classes em uma sociedade sem classes socialista.
0 Quadro que se segue apresenta algumas das producoes selecionadas no ambito
da Pedagogia Hist6ricoCritica.
Ubaneo, J.C. Fundamentos te6ricos e praticos do trabalho docente: estudo introdut6rio sobre
Pedagogia e Didafica. Tese de Doutorado. PUC Sao Paulo. 1990.
Libaneo, J. c. Didatica. Sao Paulo: Cortez, 1991.
Wachowicz, L.A. O metodo dialetico na didatica. Campinas: Papirus, 1989.
Veiga, l.PA A construcao da didatica numa perspectiva hist6ricocriticade
educacao: estudo
introdut6rio. In Oliveira, M.R.N.S. (Org.) Did;f!ljca: ruotura, compromisso e pesgl.isa.
Campinas: Papirus, 1993.
QUADRO 2. TRABALHOS SELECIONAOOS NA PRODUCAO DA PEDAGOGIA HIST6RICOCRITICA.
Os dois trabalhos de .
L
ib.
a .. n~
e~o·
. , tern, praticamente, o mesmo conteudo, Um se refere
a Tese de Doutorado do autor e o outro se constitui em livro que o autor retira do interior
da mesma Tese. Analisaremos as duas obras conjuntamente partindo da Tese de
Doutorado (que e mais ampla) e recorrendo, quando necessario, ao livro.
A apresentacao do estudo do autor e feita, na Tese, em tres momentos que o
mesmo descreve como sendo, o primeiro, de busca da: "descrir;aoe comoreensso do
trabalho docente tat como se manitestana sua configurar;§ohist6rica e /6gica para, em
seguida tome-lo como p.
r.
axis. docente, discutindo as vetie« interpreta90esdo trabalho
docente enquanto.~fi_Vidade hisf6riCO-SOCiaf.. 0 Segundo momenta e dedicado a exp/ici-fa~
§Ode categorias fundamentaisde analise do fenomeno educativot1;1is como educa~o, _
processo pedag6gico, processo de ensino,. com a finalidade de tornar inteligive/,dentro
de um quadro te6rico-sistematicoa, realidadeeducativa que se manifesta no processo de
trabalho docente. Tembem aqu~.cu~qamos de verificar a estrutura intema (rela90es)do .
educativo e do didatico,buscando regularidades, vi.nculos e rela90es de depend~nciae,
ao mesmo tempo, o desenvolvimentohist6rico das conc eocoes de Pedagogia e Didatica
23. Caracterizando o problema... 23
para o que recorremos nao apenas a hist6ria das ideias como tambem a analise de
conteudo de manuais e livros didaticos mais comumente utilizados na formaqao de
professores. Finalmente, o terceiro momenta e um retorno ao momento inicial mas
direcionando o estudo para as tarefas efetivas do processo de ensino na escola, como
que fazendo o elo entre o primeiro e o segundo momentos" 35•
Nq_ estudo do autor a docencia ou o trabalho docente e tido como uma qualidade
doJr~balho pedag6gico (p. 24), reconhecendose,
assim, que o trabalho pedag6gico e
mais amplo que o trabalho docente, .ou seja, do que a aula esta
ultima seria a configuracao
mais simples e vislvel do ensino. Diz o autor: "Quern percorre os corredoresde uma
escola, o que pode vet em cada sa/a de au/a e um professor frente aos alunos passando,
de uma forma ou de outra, a materia. Entretanto e preciso penetrar mais fundo nessa
aparencia para se descobrir sua complexidade" 36•
No seu livro este trecho aparece da seguinte forma: "Quern circula pelos corredores
de uma escola, o quadro que observa e o professor frente a uma turma de a/unos,
sentados ordenadamente ou realizando uma tarefaem grupo, para aprender uma materia.
De fato, tradicionalmente se consideram como componentes da a~;iio didatica a materia,
o professor, os alunos. Pode-se combinar estes componentes, acentuando-se mais um
ou outro. Entretanto, o_~'!~fK?, por mais simples quepossepa&ee.r a primeira vista, e. uma
atividade complexa: envolve tanto condicoes.
externas como.. c-ondic;oes inte.
rnas das
situa¢es di~atica~.. Conhecerestas condi¢es e lidar acertadamente com elas e uma das
teretes k~~icas (!9 professorpara a conoucso do trab~lho aocente" 37.
O que chama nossa atencao neste ponto de partida e que o autor toma a escola
capitalista como referencia para encontrar sua unidade de analise na didatica (a categoria
auta), sem criticar esta forma de organiza~ao escolar. Dado que na escola atual
encontramse,
frequentemente, professores dando aulas, logo "a aula" e nossa unidade
de anahse. Tai decisao ira orientar toda a analise do autor.
Soares ja havia feito este tipo de encaminhamento para a Didatica: "(.. .) esse
35. Libaneo, J. C. Fundamentos te6ricos e praticos do trabalho docente: estudo introdut6rio sabre Pedagogia e
Didatica. SAo Paulo: PUC, Tese de Ooutorado. 1990, p. 21.
36• Ibid., p. 25.
37•
Llbaneo, J. c. Didatica. SAo Paulo: Cortez, 1991, p. 55.
24. Caracterlzando o problema... 24
fen6meno especificamente didatico e a aufa - bastante restrito e limitado,de modo a poder
constituir-se em objeto de uma aenae, e bastante amplo para n§o deixarescapar nenhum
dos elementos que compoem as situaqoes de eaucecso formal e sistematizada para os
quais a Didaticase volta. Assim, a Didatica poderia e deveria ser a ciencia que estudasse
nao o processo ensino-aprendizagem, mas a au/a, ta/ como ela realmente ocorre e
transcorre" 38.
Libaneo leva a mesma proposicao as suas ultimas consequsncias, no interior da
Pedagogia HistoricoCrltica.
O autor parte da formulacao classics do triangulo didafico composto por relacoes
entre professor, aluno e materia.
Para ele, "Quando mencionamos que a finalidade do processo de ensino e
proporcionar aos alunos os meios para que assimilem ativamente os conhecimenfos e
porque a natureza do trabalho docente e a mecfja9ao da rela9ao cognoscifiva entre o
aluno e as meteties de ensino" 39•
Porem, cabe chamar a atencao, desde ja, para o fato de que a mediacao. para o
autor, atua dentro do binomio alunornateria,
via professor, supondose
que esta rnateria
(conteudo escolar) contem os elementos criticos (contradii;:oes) necessaries e suficientes
2a. rnediacao
PROFESSOR
I
I
I
I
I
I
ALUNOMATERlA
ta. rnediacao
TRABALHO
MATERIAL
38•
Citada por Oliveira, op. cit, 1992, p. 75.
39.
U:>cneo, op. cit., 1991, p. 54, grifos nossos.
25. .
Caracterizando o problema... 25
para a analise crftica. Ou seja, a rnediacao feita pelo "professor" entre "alunornateria'',
s-
-
upoe outra: supoe que a "materia" esteja fazendo a medlacao entre "professor/aluno" e
. ''trabalho material" (vida). Oaf proper o autor que os conteudos sejam criticosociais.
Exceto, por isto, pela sua criticidade, o esquema acima e o mesmo da nossa escola
capitalista.
Como veremos, o termo "assimilem ativamente" sera definido, posteriormente, nos
limites da categoria "aula". Para o autor, o mundo deve, primeiro, ser transforrnado em
materias de ensino e o professor deve cuidar da mediacao entre estas e os alunos. Um
contato direto com o mundo e possivel, mas na forma de um recurse didatico situado no
interior da aula. 0 trabalho material produtivo ou socialmente util nao entra aqui como
principle educativo, mas, come veremos, quando muito, como uma "atividade" no interior
da aula.
Usando o modelo do trianqulo didatlco coma pano de fundo o autor discute as
teorias classless do trabalho docente, fazendo ver, par exernplo, que elas, em um dado
memento, supervalorizaram um aspecto do triangulo, a relacao professor >
aluno. Nesta
relacao o professor teria a fun~o de "passar a materia" ao aluno por meio da aula, assumindo,
o primeiro, uma posicao de autoridade sabre o ultimo (ensino tradicional). Haveria
tambsm outras rslacoes expressas pelo trifingulo dldatico como "aluno >
rnateria''
{como no ensino renovado ou moderno) onde se valorizaria a ayao do aluno sabre o
objeto. No prirneiro caso o objeto, a materla, esta referida ao professor, no segundo, esta
referida as iniciativas do aluno. lnvestigadas estas duas formas classicas de conceber o
trabalho docente, o autor inicia a abordagem da "concspcao do trabalho docente no
materialismo hist6rico dialetico'i«i. A conclusao do autor esta expressa em dois mementos
que passamos a transcrever: "Reencontramos, assim, com estas considerecoes, o ttisn-gulo
didatico, mas numa acep9ao distinta das duas concepr;oes que analisamos. Ao
entendimento pelo qua/ a forr;a motriz do processo de ensinose situa ora no professor ora
no aluno, opoe-se a concep9ao materialista que ve o processo de ensino como um
processo dialetico, contradit6rio e as vezes conflitivo. A no~ao de triangulo didatico
concebe
rela¢>es internas que tendem a ser lineares e rigidas, omitindo a reterenci« a
40•
Ibid., p. 37.
26. .
Caracterizando o problema... 26
objetivos socialmente determinados e, especialmente, as condi<;oes concretas. Por outro
/ado, se concebemos o ensinocomo um processo e, portanto, no seu movimento e no seu
desenvolvimento, aos componentes tradicionais (e, sem duvida, objetivos) - a materia, o
professor, o aluno - se agregam os objetivos e as condi<;oes concretas de cada situa<;ao
didatica. Essas condir;Qes concretas de que falamos nao sao apenas os fatores sociais.
econ6micos. culturais. psico/6aicos. organizacionais e metodo/6gicos (que os professores
entendem coma "levar em confa a realidade do aluno e da pratica social"}: referem-se.
especiafmente.as decisoes didaticasque toma o professor com base nesses fatores, na
medida em que eles infervem e penetram os objetivos, conteudos e metodos" 41. E
finaliza: "Com base nessas premissas, intentamos explicitar a natureza, a essenae, do
processo de trabalho docente, ou seja, basicamente, a condu<;ao do processo de ensino
tendo em vista o processo de conhecimento pelos alunos, ou, a mediacao da rela~o
cognoscitiva entre o aluno e as materias de estudo. condicionada pelos objetivos social-mente
determinados e pelas condicoes concretas da situa980 didatica"42•
Posteriormente o autor ira propor que o triangulo transformese
em uma espiral,
. pr_:e~ervando, no entanto, os mesmos etementos baslcos, apenas acrescidos dos objetivos
e das condlcees de ensino/aprendizagem ja definidos acima. E importante atentar para
.~.fo1rna como Q autor define "condicoes concretas".
~, Entendemos que, aqui, estao dadas as contiquracoes do pensamento do autor a
:•'
J .~
respeito do processo didatico: primeiro, a visao da auta ~om<? ~J~rn~nt9 r:rJ.?i.§ ~!mpl~§--~--
visivel do ensino e, segundo, a ~ constituida sabre o ri~r:1gulo didatico que, por mais
que seja "dialetizado" e complementado nao escapa a noyao do.~sl_l'lQ_~o_mo uma _
mediac;:ao que o professor desenvolve sabre o encontro do aluno com a materia.
.. .. . . . .
· . . ~
· . . ' ' '
Pensamos que Libaneo, ao tentar compreender o fenomeno "aula'', terrnina "epnsionado".
por el~_,..Da mesma maneira que a aula e o elemento mais simples e visivel do ensino,
poderseIa
dizer que, para ele, a sala de aula e o elemento mais simples e visive! da
organizac;ao da escola.
0 autor _o~o. conseque esconder .s.u.a.~i§.~o d~ .~sco!a orqanizada a partir da aula..
41•
Libaneo, op. cit., 1990, p. 46, grifos nossos.
42•
lbid., p. 46, grifos nossos.
27. Caracterizando o prob/ema... 27
_(~gas.ala.de .. a~} e em varies mornentos podemos sentilo
saindo em sua defesa: "N~o _
,.... . -~ · ,<:.
,
_,
• .{ ,.. I
I."
_ !em faltado interpreta9{)es_re~ntes que, no entendimento de fundar a prati~a docente no
principio educativo do trabalho, pretendem romper com as formula¢es_ classicas da
_ neiareze da oocende, seja as que a situam no /ado do professor ou do aluno, seja as que
a postulam como sendo a rela9ao etuno-meietie. Os que defendem esse ponto de vista
vetiem nos modelos ciessco« de ensino formas de inculcaqao de ideias, saberes, etc., ou
seja, modelos centrados na reprodur;ao; romper com eles significaria promover uma
pedagogia assentada no trabalho e na pratica social. Arroyo, por exemplo, quer uma
pedagogia "que passa pelo cotidiano da produ9ao material e social da existencia",
acrescentando: ''A primeira li<;lio que essa pedagogia do trabalho e da pratica social nos
ensina e que os seres humanos nao se constituem e se formam etteves da inculcacao de
ideias, valores ou nebuos, mas atraves da expenend« coletiva, social, de relaqao com a
natureza e de relar;ao com outros seres humanos. Os seres humanos vao se constituindo
como humanos, socisis, culturais, conscientes, nos mesmos processos em que produzem
sua existencia material. Dai enfatizarmos que o processo educativo e, antes de tuao, um
processo de produ<;ao e nao de incutceceo". Se continua
t.ibaneo, agora, ha
nesse
posicionamento a assunqao do traba/ho como principio educativo ha, por outro /ado, o
equfvoco de reduzir o ensino a inculca9ao, CO!!J.Q. ~(} foda
t(ansmis$B_o_<i.oconhecfme.nto_
..s_
istematizaqo nada tivesse a ver com o trabalho e a pratica social. ~nculca9ao ideo/6gica
seria sin6nimo de docencia? E, ainda que se dispensasse o saber instituidopara substitui-lo
pelo saberemergido do trabalho e da pratica social vivida, dispensar-se-ia o docente?
(. ..) Finalmente, como ampliar a compreenseo da experiencia social vivida sem a
apropriar;ao dos produtos espirituais criados pelo trabalho, o que supoe o ensino, o
trabalho docente?" 43.
Em outra parte a defesa do trabalho docente, coma aula, prossegue da seguinte
forma: "Queremos dizer com isso que, de ~[!1_p9nto d_e..v[$(~_{.)J~d?g6gico o trabalho est«
presenfe_na._ c;ons_titui9~0 da oocend« de ume torms dupla: por ume, mediatiza a rela~o
_ -~n~:_~o- nomem e _o meK?, entre a atividade pratica e o objeto, isto e, concorre para que o
trabalho se efetive, mediante: a) desenvolvimento de qualidades humanas (conhecimen-
43• Ibid., p. 13/14.
28. p-
· .--· ... de
~_ -- ...
e o qua/ o.
-- .
·
·
.. .
Caracterizando o problema... 28
tos, modos de a9ao, etc.)JJ_~ra_fi£f.ar_com__q_gpjefo detra.balho; b) pro_pic.!?'!~O meios de,
- ~conh.ecimentoe_metodos.
em.
relac;~o ao objet
.
o de trabalho sob.r
.
individuo atua.
Por outra, a cocenae mesma e um trabalho, forma peculiar de atividade humana no
mundo objetivo, uma ac;ao transformadora referida a um objeto de trabalho em relayao ao
qua/ utiliza instrumentos, tecmces e procedimentos;atividade, pois, que implica um
processo de trabalho" 44•
Poderfamos encontrar, ainda, outros mementos em que o autor se levanta em
defesa de sua concepcao da aula come elemento basico e mais visive! da ac;ao
pedag6gica da escola. Em nosso ver, esta espscie de "fixacao" na aula e que termina
comprometendo boa parte dos esforc;os do autor, como procuraremos examinar.
De forma semelhante, Candau ja havia feito a critica do triangulo di~a~i.cq classico •.
....
a.
dvogando_
sua ... am
-
lia~-
o ...
e ...
flexibilizacao:
"Est-ou --c-
--
h-
- a
m
-
an
do cje [~<;/_yqi9J1f$_fq a tentativa
.. ...
construirum metoao didatico a partir exclusivamentede um dos seus ~strutur~ntes,
... .·
·
· .....
··
· .
seja o elemento 16aico. seja o suieito da aprendizagem. seja o contexto onde se da a
preiice educativa, seja o conteudo especl fico . ..QJJf_an<;Je.cie_~~fio de Dj51a~ca atual e, na. ...
_f]ossa_gpj_nj~Q,~$$JlrT}ir que 0 meiodo didatfq9 fem diferentes ..e.struturantes e que 0
lf!![!!:)rlan.te~ articularesses diferentesestruturante$.~ nao exclusjvizarquafquer um dele,s,
tentando consdere-to como o {mico estruturante. Portanto, o desafio esta na supera9ao
··-
· . ... ·····
· ...
·
d-
-o-
f.
o.r ..ma.
. lis.
. mo, na supera~ao do -recjycio_nL$!!JO_ena.
-=-e-
-n--.f-a-se -n-a--a--r-ti-c --u-
-/·a9a·
·-o-: articula9ao
tenta trabalhar dialeticamente os diferentes estruturantes do metodo didatico,
essa que
considerando cada um de/es, suas inter-relat;oes com os demais, sem querer negar
nenhum detes" 45•
Como vimos,
L
ib
·
a.
.
neo.
.esta- impr.
.egnado de uma visao da .. .
or
q·
anizacao da escola
· . . .. . . .
..~~e~ n.a aula, aula que em
ultirna instancia reencontra
o triangulo didatico em uma
~e&9critica e ampliada, preservando seus elementos centrais expressos no encontro
---d-o-
· professor, aluno e materia
O autor, entretanto, sabe que tera que fazer uma harmonizacao entre esta visao
e o compromisso da pedagogia socialista que ele mesmo resume da seguinte forma: "... a
44•
Ibid., p. 40.
45• Candau, op. cit, 1988, p. 31.
29. "E
Caracterizando o problema... 29
Pedagogia Socialista funda-se numa conceoceo de homem como sujeito ativo em sua
re/aqao transformadora com a natureza e sociedade - pelo trabalho - e nesse processo
se transforma e se desenvolve e modifica sue consciencia" 46•
Ou ainda coma afirma mais adiante: o trabalho que torna possfvel todas as
· .. ·
··---
·
..
.... .. . . . . .·
_ de(Jla[§_[qrm9_§ d~_§.fiv_iqa.r:ft? numene peculiares e condcone seu desenvolvimento. Excluir
o trabalho e a produr;ao material da pratica torna a pratica e a atividade humana uma
sombra abstrata" 47.
O autor, que ja havia encetado uma analise para interligar a aula ao trabalho (p.
39), vai, a partir da pagina 105 ate a 140 de seu trabalho, desenvolver uma verdadeira
"batalha conceitual" para demonstrar que sua noyao de aula nae e incompatfvel com o
compromisso da Pedagogia Socialista com o trabalho. Para tal, ap6iase,
como veremos,
na nocao de trabalho nao material.
Na pagina 106 o autor se pergunta: "Colocando a pratica docente como objeto de
nossa reflexao te6rica, cumpre saber qua/ e a sua verdadeira significar;ao. A atividade
docente e oraticaobietiva no sentido marxista de transformaqao material do mundo? Em
que sentidoa atividadedocente se insere como forma especifica de pratica no processo .....
social global de transforma<;aomaterial do mundo natural e social?" 46. E conclui: "A a9ao ;
docente e, pois, pratica. mas uma pratica nao material. Com efeito o professor, quando ;
organiza o ensino visando a aprendizagemdos alunos e seus resultados, ele nao provoca
transformar;Oesmateriais na realidade objetiva. Os alunos nao sao "materia-prima a ser
transformadamaterialmente". Mesmo quando o professor, pelos contecdos e metodos de
suas au/as, produz muaences no mundo psiquico de seus alunos ou satisfaz
necessidades espirituais de aquisi<;ao do saber ou, ainda, incita os alunos a .
empreenderem atividades praticas transformadoras na realidade social ou na etividede
profissional, nao se tem ai uma pratica material. pois este trabalho nao transforms
diretamentenem a realidade material, nem a realidade social. Por outro /ado, poder-se-ia
falar de uma atividade prstic« indireta e n~o imediata do pedagogo ne medida em que a
46• Libaneo, op. cit, 1990, p. 69.
47. Ibid., p. 110.
48.
Ibid., p. 106.
30.
· .. r
.. ·-- -- -
_
·-
·
1,.r
Caracterizando o problema... 30
pedagogia, vincutea« conscientemente a pratica, se propoe ser instrumento te6rico de
transformacaoda realidade. Nessas condiqoes: 1o.) a educecso e, por consequenae, a
atividade pedag6gica e atividade pratica; mas, 2o.) e preiice na medida em que materiali-ze,
atraves de uma serie de media~oes o que antes s6 exisiie idealmente na
consciencie" 49.
Quanta a questao de os alunos serem ou nao materia prima, deve se esclarecer
que a acao educativa nao visa mudar a "materialidadedo aluno", mas as relacoes que ele
rnantem com o mundo.
Em segundo lugar, nos parece que a argumenta~o esta presa ao fato de se dever
lidar com a escola tal qua I ela esta constitufda hoje separada
do trabalho. A categoria
do trabalho nao material esta correta, em geral, o que se constitui num equfvoco e tentar
salvar a "aula" como ponto de referenda da didatica, ancorandoa
no trabalho nao
! material em uma sociedade capitalista. E como se o fato da aula ser considerada trabalho
I
;, nao material, a redimisse de seus Ii mites e de suas origens hist6ricas. Qual a diferenc;a
v;
''entre este tipo de trabalho nAo material advogado pelo autor e o trabalho nae material
desenvolvido hoje nas escolas capitalistas separadas do trabalho material? Apenas a
consciencia de que se deve tratar o contsudo da escola de um ponto de vista criticosocial?
Em nosso entender tar conscientlzacao deveria levar ao rompimento com a "aula"
: da escola capitalista e nao a sua consaqracao sob a forma de trabalho nao material.
O fato da especificidade da educacao definirse
pelo trabalho nao material, nao
autoriza o recurse a "au la" tal como e concebida atualmente .. tf..9j~ o continemento dos
1 rnetodos de ensino no camJ?.o da nao materialidade decorre da divisao entre trsbalho
----- ···
· . ' . , .. . .. . .
·
··
··
·
. J.n_telectual e manual no interior da sociedade capitalista. PoremL~~.
metodos ~~ enaj,!'lo_
_ n8Q~em~~r confinados ~ dimensao do trabalho nae material _
ai~~o_
RfodutofinaL
· ···..
d.
a ,_ativ.
i.
da·
-d --e--pe.
d-
agpgic;;.a viesse
.
a ser nao material. Uma proposta que passe ao largo
dessa questao nao consegue dar conta da necessaria vinculacac entre o trabalho
pedag6gico ea producao material.
Parecenos,
pois, vao o esforc;odo autor para_ re~~~ir a.au.I_~ COf!lO elemento basico
d_c.i atividade pedag6gica da escola. Ao proceder dessa forma, legitima a atual estrutura
49•
Ibid., p. 118, grifos nesssos.
31. .. . ·-·-
e
· . ·
Caracterizando o problema... 31
··· . .. ..
· ------· -·
· ·.
·---
·
·· ·
·
·.
· •..... . . .. . . . . . . - . . . . ..
,_. ·'
.'
,,<·
I ·.
.
da escola capitalista que separa teoria e pratica adicionando
apenas que o contsudo da
..
. ··
.
•· .
.. .. .. . . . . .
. ~
scola deve ser criti~:_~~
recenos
que o mai°f~
QQ.L~~§.1 .para a Pedago.gJCI Soclalista e
coma ~ncorporar o trabalho material na atividade pedag6gica. Tai fato traz em si, implicita,
.... ----
a crltlca de que nao suficiente a a9ao pedag6gica baseada em um processo djdatico
· ·
·
· -· . . .. .. . .. .. . . . .. .
nao material. O autoG._no entanto, faz o movimento inverse, procura justificar a aula a luz
do concerto do trabalho nao material. Ora.~~l~ e urn. produto da escola capitalista. E o
~e~ento basico e visive! da organiza9ao capitalista da escol~.j~QLQUe conservala?
Naturalmente, sempre havera aluno, materia e professor alern
de objetivos e
condicoes concretas mas
isso nao nos di~_l'"_?.~.?.?.J~spe_ito._dos._processo_s de ensino..
ap..r~.ngJ~?g~r.:n: .. Tai t~f~Q~ nada tern de di~leti.~a, e formal. A dialetica se prende ao
movim~n~9.
Falar em lnterrelacoes
e mediacoes entre os elementos do triangulo nao
ajuda a esclarecer a dinamica concreta deste processo. Representa um forma idealista
e formalista de abordar o fencrneno educacional. , ~.,,
A analise de Ubaneo esquece, ainda, as origens hist6ricas da "aula". Como aponta
Narodowski: "Outros saberes disciplinadores sao tipicos do conhecimento pedag6gico a
medida que o olhar sobre os assuntos educacionais vai aos poucos encontrando a
denominada "disciplina escolar" como conditio sine qua non para o funcionamento
equilibrado da escola. Essa disciplina se tundamenta no que temos chamado de
Hinst~o simultanea" ou "simuftaneidadeaulica': e no principio de autoridade ao qua! se
subordinam os demais componentes do processo de escolariza9ao" (.. .) Ao instalar a
insfrur;aosimultanea, em detrimentode outras configura9oes possf veis, na cotidianidade
de seu discurso, a pedagogia consegue uma vit6ria fundamental: do mesmo modo que
parece inimaginavel a consolida9ao de um processo escolar moderno que nao respeite
a simuffaneidade, tembem parece pouco proveve! encontrar experiencias educacionais
nao escolares que a utilizem. A instru9§0 simultsnee parece ser uma configurar;ao
exc/usiva dos modernos processos de escolarizaq§o. Nada mais e nada menos" 60.
libaneo nao consegue escapar a este desenvolvimento histonco cuja origem remonta a
Didatica Magna de Comenius.
Recusamos o confinamento do pedag6gico aos domlnio do trabalho nao material
50. Narodowsl<i, M. lntancia e Poder: a conformac;ao da pedagogia moderna. Tese de Doutorado. FE/UNICAMP,
1993, p. 2121213.
32. . ·
h ..or forma de facilitar este resncon.
·· ·
·. ... .
·.
- -
Caracterizando o problema... 32
enquanto processo, ainda que este possa ser seu resultado final. Outra coisa, distinta, e
se a escola capitalista tern condicoes de ser algo mais que isto. Achamos que nao, Por
tal razao a negamos. A atividade pedag6gica e trabalho nao material, mas nao
desenvolvido apenas na forma de trabalho nao material (no caso, a aula), Cumpre
restabelecermos a atividade pedag6gica fundada no trabalho material produtivo51. A aula
na.
o e- a-
mel.
tro ja que surgiu como form.
a de legitimar-
... ...
· . .
a separacao entre trabalho intelectual e manual.• homoqeneizar e, aliada aos processes
de avaliacao, assegurar toda uma estrutura de poder no interior da escola..
. . .
0 autor afinna: "Esta questao suscita outra: a pratica docente, nao sendo trabalho
produtivo material e, no entente, trabalho produtivo? Vazques nao trata dessa questao,
mas sugere a conotagao de trabalho produtivo nao material.(. .. ) D. Saviani, ao discutir a
natureza ea especificidade da eauceceo de um ponto de vista marxista (. ..) recorre{r} a
outra consideragao do mesmo Marx quando especifica a prodw;§o nao material.
-
O
trab
a
-
-
-
··
/ho nao material, segundo Saviani, seria pro<tμr;aQ_ de conhecimentos, ideias,. .con~JJQ.;
.. .. . ,,_
valores, stmoctos, atitudes, habilidad ~--e.
.s -· ,
-
na- mesma /inha sugerida (embora nao
exp/
icitada) por Vazques" 52•
Achamos, no entanto, que o autor faz uso indevido desta diterenciacao, quando
procura justificar a atual estrutura da escola, baseada na aula, a partir da mesma
diferencia~. Como ja dissemos, a existencia do trabalho nao material e real, mas que
a escola a ele se reduza, a partir da escolha da aula como unidade de anahse basica, e
diferente.
o autor continua: ·~ importancia desta distim;lio e evidente: a generalizar;ao pela
qua! todo trabalho produtivo e produr;ao material na forma social especifica que /he
confere o capitalismo, /evaria a concluir pela cotrespondencie entre o processo de
produ<;ao na fabricae na escola e, por consequlmciapela nao especificidade da atividade
pedag6gicaH 53.
Todas as vezes que a escola tomar por base o trabalho material concreto (nao
51. Ver a este respeito, Nogueira, M.A. Educavao, saber, produv~o em Marx e Engels. S Ao Paulo: Cortez, 1990.
52•
Ubaneo , J. c. op. cit, p. 119.
53• Ibid., p. 119.
33. Caracterizando o problema... 33
restrito a forma de media<;ao via materias) estara condenada a verse
identificada com a
forma que o trabalho material assume na fabrica?
0 pr6prio autor nao pode deixar, ao final de suas reflexoes, de fazer a ressalva de····
sua propria.enalise: "Permanece, ainda, a questao das condi<;oes sociais e hist6ricas da
produ9aomaterial e nao material, particularmenteas re/a¢es de classes /igadas ao modo
de produt;ao capitalista, tema que sere tratado msis adiante. lmportante e assinalar o
cereter de trabalho nao material da atividade educativa, ainda que nao se deva desvin-cute-
to da produ9ao material e suas caracterfstices sociais e hist6ricas. Vale relembrar,
a este prop6sito, a dta9ao de Marx: "Os homens sao os produtores de suas represen-ta9oes,
de sues ideias, etc. mas os homens reais e ativos, ta/ como se acham
condicionados por um determinado desenvolvimento de suas torces produtivas e pelo
intercemblo que a ele corresponde, ate chegar as suas forma¢es mais amp/as" 54•
Achamos que esta proposicao s6 pode ser desenvolvida se o processo educative
envolve trabalho material produtivo. Nao basta olhar para as rnaterias da escola de forma
.crftica. A escola pode ter como produto o trabalho nao material desde
que nao se reduza
o processo educativo a isto insistimos.
Como objetivo de estabelecer a equivalencia entre aula e trabalho nao material,
libaneo prossegue: "Entre as formas de trabalho humano inclui-se, pois, o trabalho meis
imediato- a atividade produtiva material - e, na dependenciadesta, o trabalho mediatizado
por diferentes atividadesque compreendem o trabalho total que se realiza na sociedade,
entre as quais esta a atividadedocente, trabalho produtivo nao material" (. . .). "A atividade
docente - assim como outros tipos de atividade pedag6gica - nao se dirige imediatamente
a transforma<;ao material de estruturas e formas de objetos e processos sociais,ainda que
pela modifica9aonos estados psfquicos do sujeito (representar;oes, ideias, teoties, ar;Oes
intelectuais) instrumentalize-o culturalmente, convence-o au tncite-o a empreender
determinadas a¢es materiais. Queremos dizer, com isso, que pode existir af uma
finalidade indireta de transtormaQao da rea/idade. (... ) Tudo isso envotve uma certa
aqao pratica. mas nao s§o essas as finalidades da atividade docente que se centram.
antes.
54• Ibid., p. 120.
34. Caracterizando o problema... 34
'
no desenvolvimento e transformaQao da personalidade do eluno" 55•
·1
Eis o que restou para a escola ! Desenvolver a personalidade do aluno para que
depois ele atue na transtormacao de sua realidade. Mudar consciencias. Mas as
consciencias mudam sem a vlvsncia da pratica social? Como incluir o trabalho material
se a aula esta confinada como
processo e produto aos
dominios do trabalho nao
material? Admite o autor "uma certa a~o pratica", mas para ele, como demonstraremos,
mesmo esta parcela de ac;:ao pratica encontrase
do
ponto de vista do rnetodo de ensino
circunscrita
ao campo nao material. A limitai;ao que o autor quer impor ao trabalho
pedag6gico na forma de trabalho nao material advem de fora dele insistimos
advem
da estrutura social na qual a escola esta inserida, que separa o trabalho intelectual do
trabalho manual. Sua limitac;:ao de trabalho nao material pode ser rompida a medida que
se veja a escola inserida e nao afastada do trabalho material produtivo, dentro de outras
relacoes sociais. De nossa parte, preferimos enterrar a aula junto com a organiza<;ao da
escola capitalista, num processo dialetico de superacao que aponte claramente esta
direcao. Assim, talvez llberassemos novas formas de trabalho padag6gico.
Um resumo da posicao do autor pode ser melhor encontrada na seguinte
passagem: "O trabalho docente fica restrito as paredesda sala de au/a, sem oreocupa9ao
com a pratica da vida cotidiana das ctiences fora da escola (que influem poderosamente
nas condi¢Jes de aprendizagem)e sem voltar os olhos para o fato de que o ensino busca
resultados oara a vida pratic2. para o traba/ho. para a vida na sociedade. 0 trabalho
docente, portanto, deve fer como reterencie, coma ponto de partida e como ponto de
chegada a pratica social, isto e, a realidade social, polftica e economice, cultural da qua/
tanto o professbr como os alunos sao parte integrante" 56. E continua: "Mas devemos res-saltar
aue o ensino e um campo especial da atividadehumana que, se em ultima instancia
relaciona-se com a atividade pretco-trenstormedore, fem como objetivo principal e
imediato a transmissao e assimila9ao do saber, sendo pois uma atividade espiritual
(te6rica>. isto e. ativjdade de produQao nao material. O ensino nao e. portanto. a pratica
de vida: ele propida o vinculodos conhecimentos com a pratica de vide, ou melhor, toma
55•
Ibid., p. 135/136, grifos nossos.
56• Libflneo, op. cit, 1991, p. 79, grifos nosscs.
35. Caracterizando o problema... 35
a pratica de vida (as verdades da pratica de vida) conteudos de connecimemo:".
Notese.
0 trabalho docente deve preocuparse
com a pratica da vida cotidiana;
a pratica influi portanto,
esta fora; o ensino busca resultados para o trabalho consequsncias
do ensino para o trabalho, o que indica a separacao entre ensino e
trabalho.
Vejamos como o autor exemplifica uma aprendizagem escolar adequada: nA
professora conta uma est6ria. 0 aluno recebe o "ccnteudo" da est6ria, ass;mila-o, seja
memorizando, seja captando a sua mensagem. Aparenfemente a atifude do aluno e
passiva, mas, na verdade, ligando a est6ria com seu imaginario (experiencia vivida), esta
"frabalhando" a est6ria na sua mente. Esta aprendendo" 58•
Ou, ainda, vejamos como o autor concebe a ligayao entre teoria e pratica: ·~
ligar;ao entre teoria e pratica, no processo de ensino, ocorre em verios momentos do
trabalho docente: a verifica9ao dos conhecimenfos e expetiencies dos alunos em rela9§o
ao conteuoo novo, para toma/
oscomo ponto de partida: a comprovar;ao de que os alunos
dominaram os conhecimentos, aplicando-se em situa¢Jes novas; a demonstrar;ao do valor
pratico dos conhecimentos; a liqac§o dos problemas concretos do meio ao conhecimento
cientf fico. /sso significa que, nas au/as. as vezes se vai da pratica para a teotie, outras
vezes se vei da teoria para a pratica" 59•
Notese
que, sem sair da dimensao da aula, podese,
para o autor, transitar entre
a teoria e a pratica. Uma prattca contada por alunos ou professores, que esteja ligada ao
conteudo escolar. Uma pratica verbalizada. O maxirno que o autor concebe, para alern
da pratica verbalizada, e "observar as coisas do mundo circundante" ou o "estudo do
meio". Preferimos entender, como Enguita, que, ao avaliar a origem do conceito de critica
em Marx, diz: "a muoence ·de consaence« ja nSo e nem condi9ao nem resultado da
mudence das arcunstenaes, mas sim. e ao mesmo temoo condia§o e resultado. isto e.
forma parte do vrocesso mesmo de mudanr;a da realidade. No transcurso de sua luta
contra a realidade existente os pr6prios homens se transformam a si mesmos,
57•
Libaneo, op. cit., 1990, p. 225, grifos nossos.
58• Libaneo, op. cit., 1991, p. 82.
59.
Libaneo, op. cit., 1991, p. 157, grifos nossos.
36. Caracterizando o problema... 36
fransformam sua pr6pria consciends. A, crltica ja nao e a/go que cotre a trente ou
paralelamente a Juta cotidiana, mas sim a manifesfa9ao consciente desta luta... "60•
Neste sentido a Pedagogia CriticoSocial
dos Conteudos ao centrar sua reflexao
na criticidade dos conteudos, ofusca a pratica social, o trabalho material produtivo ou
socialmente util come elemento de fundamenta980 da atividade nao material exercida na
escola. E como se fosse suficiente problematizar os conteudos dentro da sala de aula
envolvendo "uma certa pratica".
Nas condicoes colocadas por Libaneo, em que pese nao ser esta a intsncao
proclamada pelo autor, na pratica, seu posicionamento acercase
ao reformismo
pedag6gico. Como diz Enguita: "a op<;ao por mudar primeiramente o homem conduz ao
socialismo ut6pico e ao utopismo em gera/, que aspira a convencer lenta e
progressivamenteo conjunto da sociedade das medidas necesseties a tomar. Conduz as
teorias da "revolur;aocultural" previa, da necessidade de "mudar ao homem" antes de
tentar mudar a sociedade e como requisito para isso. Esta, em fim, e isto e o mais
importante para n6s, na base de todas as verssee do reformismo pedag6gico, cujo
abjetivo n§o e outro que o de mudar as consciencies" 61.
Tendo formulado sua compreensao sobre a natureza do processo pedag6gico, o
autor caminha agora para identificar as formas que o comp6em e ap6s examinar as
caracteristicas do mesmo, chega a tormulacao das "forrnas met6dicas e organizativas"
mediante as quais ele se movimenta: "tais tormas ou componentes sao: objetivos de
cunho geral e parcial referenfes ao coletivo de alunos e que envolvem cada aluno em
particular; conteudos que devem ser assimilados em funqao dos objetivos e que consti-tuem
a base informativa concreta do processo educativo; os metodos e as formas
organizativas que indicam as condi9oes externas, os procedimentos e medidas que
caracterizam a dire~ao pedag6gica propriamente dita em rela<;Bo 8 metetie e aos objeti-vos.
lmportam, decisivamente, no conjunto interligado desses componentes, as condi¢es
de efetivat;ao... " 62.
60.
Enguita, op. cit, 1985, p. 82, grifos nossos.
61• Ibid., p. 101.
62•
Li>aneo, op. cit, 1990, p. 264; cf. tambem, op. cit., 1991, pp. 56/57.
37. Caracterizando o problema... 37
Mais adiante o autor ira dzer, mais especificamente a prop6sito da Didatica, que:
HA Didatica forma seu coaieuao buscando metodicamente na pratica educativa escolar -
mormente no processo de ensino e aprendizagem das metenes - e nas cienciee
auxiliares, regularidades gerais do ensino e aprendizagem (. ..) Tendo como objeto de
estudo o processo de ensino, este compreende: objetivos, os conteuoo« os metoaos e
formasorganizativas de ensino, bem como leis do ensino e aprendizagem das meteties
na sua dimensao pedag6gico-didatica, e as condi<;oes concretas do ensino; a au/a e
objeto de estudo da Didatica.enquanto forma basica de organizaQ§odo ensino (. .. Jf;3.
Como se chegou a formula~o de tais categorias? Qual o grau de dependsncia em
que se encontram da forma de organizarse
a escola capitalista? Seriam estas as
mesmas categorias da escola socialista? Em primeiro lugar, para o autor, elas pairam
sabre a organiza<;ao da escola capitalista de forma perene. Em segundo lugar, coerente
com a orienta~o que vem seguindo desde o infcio do trabalho, ~lege a aula coma objeto
de estudo da didatica enquanto forma basica de organizacao do ensino. Certamente, que
a aula nao necessitara ser a aula tradicional que o autor critica ao longo de seu estudo.
Mas a unidade "aula'' sugere uma orqanizacao da atividade de ensino que unida a
concepcao do trabalho nao material (te6rico) que o autor defende, transforma o trabalho
como principio educative (central na pedagogia socialista) em mais uma atividade
pedag6gica entre outras a escolherse
por ocasiao do planejamento da aula. Ora, nao e
esta a concepcao que temos de vincutayao do ensino com o trabalho material produtivo.
Nao se trata de criar atividades parecidas com o trabalho material, tratase
de uma
articulacao direta com o trabalho material. A aula tennina, pois, par remeternos
a mesma}
orqanizacao do trabalho pedag6gico da escola capitalista.t_~~I~ e.~m.pr~~!C)_da_ esc~I~ ·~:
capitalista que assumiu o ensino coletlvo (30 alunos para um professor). A natureza
~letl~~· da aula e propria da escola capitalista esta
presente na pr6pria arquitetura da
escola". Alem disso, a propria organizayao da escola (homoqeneizacao, senacao,
simultaneidade de contet.Jdos, metodos e livros, estrutura de poder, etc.) encerra objetivos
que encamam as necessidades pr6prias da sociedade capitalista.
63. Libatieo, op. cit, 1990, p. 376.
64• Ct. Perrenoud, P. La ~ns1rucci6ndel exito y del fracasso escolar. Madrid: Morata, 1990.
38. ·Caracterizando
o problema... 38
Manacorda afirma: "Mas esta real participa~ do trabalho coma processo
educativo na fransforma9ao social, sera tanto mais eficaz na medida em que nao seja
uma mera engenhosidadedidatica,mas sim uma real inse~ no processo real de traba-lho,
uniao entre estruturas educativas e estruturas produtivas, o que nao quer dizer,
necessariamente, uniao "escote-tebtice ". dado que os ?ois termos nao sao igualmente
coessenciais a sociedade moderna, mais representando a "escola" um residua de
organiza9oes sociais precedentes; mas significa certamente uniao ensino-prooucso:".
Notese,
nos trechos abaixo, como o trabalho mat~laJL.c;t_realidade social, continua
- ---
· .
·
·
·do
lado de fora da escola, tendo entrad~.~P~!J.~~.gQIJ19J:DllOi.y~~
ra_9s cor::i!~~dos (na
torma de materias) da escola: "O segundo aspecto consiste em considerer que a pratica
de vida cotidiana dos alunos na familia, no trabalho, no meio cultural urbano e rural,
proveem os fatos, os problemas, isto e, a meiette prima da realidade, a serem intro-duzidos
no estudo sistematico das msteties. Os alunos vivem num ambiente do qua/
extraem os conhecimentos e expetiencies que se manifestam em formas de linguagem
e vivencias que sao ponto de oartida para a compreensao cientifica dos fatos e
tenomenos" {. . .). "Para isso, e preciso transformar OS COnfeudos em quesfQes OU probJe-
~ verificar os conhecimentos que possuem ou que nao possuem para enfrentar a
mstene nova, refletir nas conexoes entre os conteudos e os problemas do meio
social" 66).
Nesta direcao o autor, no capitulo final de sua Tese, diz: "O cereter essencial
dessas funcl)es didaticas ou fases que as expressam n§o e o de constituirem uma
sequencia rigida e linear ao modo de passos formais. tat coma oostutem, por exemplo, o
sistema de Herbart e seus discipulos ou o sistema Morrison de unidades didaticas. Nao
e o ceso, por outro /ado, de desconhecer que, de fato, ha uma ordem legitima de passos
OU fases, pois nao e necessario muita pesquisapara se Verificarque 0 processo de ensino
inclui a introdur;ao dos objetivos e do tema de au/a, a transmissao do noyo. a
consolida~ao. a recorda~ao. a aplicacao. os exercicios e a avalia@o. O que importa e a
variedade de funq{>esdidaticas ou fases tendo em vista a escolha daque/as que, em
65• Manacorda, M.A. Marx ea Pedago gia modema. Barcelona: OikosTa
uEd., 1979, p. 61.
66•
Libaneo, op. cit., 1990, p. 455, grifos nossos.
39. Caracterizando o problema... 39
siiuecoe« didaticas especificas da metetie, do aluno, do meiodo, propiciam o caminho
mais efetivo para o dominio de conhecimentos e desenvolvimento de capacidades"67.
Este e o real entendimento que o autor tern de aula, de escola e da producao de
conhecirnento. Exceto pela grande consciencia filos6fica com a qual o autor Iida corn o
tema, seu conceito de aula nao difere da versao classica da mesma. Mas que rnetodos
variados seriam esses? Vejamos. "Em funr;ao desse criteria basico, no qua/ a direr;ao do
ensino se orienta para a ativac;ao das torces cognoscitivas do aluno, podemos classificar
os metodo«de ensino da seguinteforma: asoectos externos: metodos de exposi<;ao pelo
professor; de trabalho independente do aluno; de elaboraqao conjunta (conversar;ao
dirigida); de trabalho em grupo. Asoectos intemos: fases ou fun<;Oes didaticas;
procedimentos16gicos e psicol6gicos de assimilac;ao" 68•
Mais adiante o autor define sua concepcao de aula envolvendo as seguintes fases
ou passes didaticos:
"-Preparar;ao e introduyao da materia, incluindo a problematizar;ao;
- Tratamento da metetie nova (transmissaolassimila9ao);
- Consolida9ao e aprimoramentodos conhecimentos, habilidades, habitos;
- Aplicar:;ao;
- Controle e avaliar:;ao" 69.
O autor formula a noyao de "estudo ativo". Este poderia ssr, a porta para o trabalho
como principio educative. Mas mais uma vez, a definicao esta autocontida pela categoria
"aula": "Vimos quefestudo ativo e o conjunto das taretas cognosdtivas gue concorrem
para o desenvolvimento das atividadesmentais dos a/unos coma a converseceo dirigida,
a discussao, o estudo dirigido individual e em grupo, os exercicos, as observar:;oes das
coises do mundo circundante, os habitos de estudo e de organiza980 pessoal, as tarefas
de casa, o estudo do meio, etc." 70.
Nao vamos examinar cada uma das fases propostas pelo autor. Basta nos dirigirD7.
Ibid., p. 466, grifos nossos.
68
. Ibid., p. 462.
69• lbid., p. 470; cf. tambern, Libaneo, op. cit., 1991, pp. 97198.
70•
Libaneo, op. cit., 1991, p. 108, grifos nossos.
40. Caracterizando o problema... 40
mos, diretamente, a fase denominada 'Tratarnsnto da materia nova" para termos uma
ideia da proposicao do autor. Diz assim: ~A assimilar;ao de boa parte dos conhecimentos
L....
que comp0em o ensino de 1 o. grau se inicia pela percep<;ao da realidade. A perce~ao
e uma qualidade da nossa mente que permite o conhecimento ou a tomada de contato
com as coisas e tenomenos da realidade, por meio dos sentidos. (.. .) A percepqao ativa
ea primeira familiariza<;aodo a/uno com a materia, orientada pelo professor. (. .. )Pode ser
direta ou indireta. Pela via direfa ha um confronto com as coisas e tenomenos por meio
de experimenfos simples, manipula9ao de objefos, estudo do meio. A indireta inclui a
explicar;8odo professor para trazer n~oes concretas a mente dos alunos mediante ilus-tra<;
oes, demonstrecoes, a/em da pr6pria conversa9ao ou discussao dos temas. (. ..)
Sempre que passive/ deve-se empregar a via direta, por ser mais rica e mais suscetivel
de gerar boas representa9(5es" 71•
Como se ve o trabalho material, socialmente util, sequer figura come recurso
didatico. Podese
dizer que "Philips 66" e "estudo do meio" sao trabalho, mas s6 as custas
deconfundir
"atividade" com "trabalho material produtivo". Como assinala Engels: "o
traba/ho e viae i, ..)" 12•
Na fase de consolidacao e aprimoramento dos conhecimentos e habilidades, podsse
ver mais claramente a concepcao de producao de conhecimento do autor, come se o
conhecimento pudesse ser primeiro assimilado pelo aluno e depois aplicado. Notese.
''A
. consolidac;aopode ser reprodutiva, de generaliza9ao e criativa. A reprodutiva e a que se
costuma chamar de fixa9ao: com efeito, os alunos, ap6s a compreenseo da materia
deverao estar em condfr;oes de reproduzir os conhecimentos adquiridos e aplica-los a
uma situac;ao conhecida. Para isso sao de grande valia os exerclcios que fem, tembem,
fun<;aode desenvolver habilklades e habitos. Efes completam o processo de assimitac;ao
e implicam certa automatizayao dessas habilidades e habitos. A consolida9ao
generalizadoravisaampliar a aplicar;§o de conhecimentos para situa<;oes novas, ao Jevar
ao estabelecimento de rela¢es entre os conceitos, ve-los sob verios pontos de vista e
vlncute-ios a pratica social. A consolidar;ao criativa implica o trabalho relativamente
71 •
libaneo, op. cit., 1990, p. 475.
72•
Engels, F. Los Anales FrancoAlemanes,
1970, p. 211, cltado por Enguita, op. cit., 1985, p. 82.
41. Caracterizando o problema... 41
independente dos etunos, sobre a base das consolidar;Oes anteriores" 73.
Sobre a fase de Aplicayao podemos ler: '~ aplicaqao ea culminancia relativa do .
processo de ensino. Ela ocorre em fodas as demais efapas, mas aqui frata-se de prover
oportunidadespara os alunos uti/izarem de forma mais criativa os conhecimentos, unindo
teoria e pratica, aplicando conhecimentos seja na pr6pria pratica escofar (inclusive em
outras materias) seja na vida social (nosproblemas do cotidiano, na familia, no trabalho).
O objetivo da apfica9ao e estabelecer vinculos do conhecimento com a vida de modo a .
suscitar tndepenoena« de pensamento e atifudes crieiives e entices" 74.
Eis o lugar do "trabalho" na didatica do autor o
memento da aplicacao.
Atrelado a categoria "aula", forma predominante de ensino na escola capitalista, ·
o autor se atern ao senso comum das classificacoes dos metodos de ensino. 0 esquema
classificat6rio e simplificado a seguir com base na pubucacao de 1991, p. 160173.
1. Metodos de exposicao pelo professor
exposicao
verbal
dernonstracao
ilustracao
exempllficacao
2. Metodos de trabalho independente
como
tarefa preparat6ria
come
tarefa de assirnilacao de contsudo
como
tarefa de elaboracao pessoal
estudo
dirigido individual au em duplas
fichas
didatlcas
instruyao
programada
3. Metodo de elaboracao conjunta
conversacao
didatica
73.
Ubllneo, op. cit, 1990, p. «rt.
7~. Ibid., p. 477.
42. t
/
'
Caracterizandoo problema... 42
4. Metodo de trabalho em grupo
grupos
fixos ou variavsis de 3 a 5 alunos
debate
Philips
6ff
tempestade
mental ,
GVGO'
semlnario
5. Atividades especiais
estudo
do meio
Como se poderia antever, os rnstodos de ensino/aprendizagem propostos pelo
autor terminam sendo os mesmos propostos pelos manuais classicos de didatica. O
trabalho como principio educative, desapareceu e 0 agravante e que 0 autor retorna a
nocao de metodo geral de ensino, independente dos conteudos, A classificacao dos
rnetodos aplicase
a quaisquer conteudos.
0 formalismo da abordagem de Libaneo tarnbem e criticado por Oliveira: "Um
segundo ponto a se discutir diz respeito a operacionaliza9ao defendida pela Didatica
critico-societ dos conteudos quanto a realizar;ao do processo de ensino. O nfvel de
detalhamentos de prescri<;oes que o professor deve seguir para a realiza9ao de seu
trabalho docente, ta! como apresentadopela proposta, parece bastante alto e formalizado.
Com isso, um dos desafios a ser enfrentadopela Didatica critico-sociei dos conteudos
parece set o de evitar o risco da subsungao do conteuao pela forma na area da Didatica,
o que lmplicetie o retorno aquela situaqao de formalismo rejeitada pela Didatica crltice"
75
,
Alertados per Saviani76, gostarf amos de introduzir, para exame, uma citayao de J
Marx que pode ajudar a entender as relac;Oes entre a didatica e o conteudo: "~ sem l
·····•· ... ·
··
·
·
··
··
·I
duvide, necesseno distinguir o metoao de exposi<;§o formalmente, do metodo de /
I
pesquisa. A pesquisa fem que captar detalhadamente a meieti«, analisar as suas vsries (
15• Oliveira, op. cit., 1992, p. 115.
76•
Saviani , 0. Comunic~o pessoal, 1994.
43. ---
Caracterizando o problema... 43
formas de evoluc;ao e rastrear sua conexfio intima. S6 depois de conclufdo esse trabalho
e que se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga isso, e
espelhada idealmente agora a vida da materia, talvez possa parecer que se esteja
tratando de uma construqao "a priori" 77.
0 trecho acima chama a atencao para a intima relacao existente entre a didatica
e a produyao do conhecimento em determinado campo. Sugere que a didatica esta
·
·profundafl1~
ote re!ac;JQI1~~§._(1QJ T.~I .iot_imidade do conhecimento produzido. Como afirma
·· .. ·----· - . ..···....
·
·
·
··
·
·
·~.
·Hegel,
o
m
e
t '"
odo nao
·
e
a
·
forma exte-rn-
_5._mc,i.so.. G.9I!~~!to.do..conteudq".
···
·
·
·
····· .... ..
I
Disso deduzimos a individuatidade dos metooosde ensino, vinculados a diferentes
conteudos, ea possibilidade de se construir uma didatica geral, somente na forma de I
principios norteadores e categorias gerais, a partir dos pr6prios rnetodos especificos de '
ensinar conteudos especificos vale
dizer, a partir da pratica pedag6gica da sala de aula
e da escola atual. Tais categorias gerais da teoria pedag6gica (didatica) terao diferentes
conteUdos na dependencia do memento hist6rico que considerarmos come
ocorre, per
exemple, com a categoria trabalho, a qual, ao longo dos varies modes de producao, vai
mudando seu contsudo. Oaf sua caracterfstica hist6rico16gica.
A evolucao hist6rica
destas categorias suas
formas de superacac e
sua consistencia 16gica sao as
preocupacoes da teoria pedag6gica, a partir da realidade atual da escola capitalista.
Sao suficientes os aspectos abordados para demonstrar que, de fate, toda a
consciencia filos6fica de Libaneo foi utilizada para reabilitar a aula convencional. Nesta
linha de anatise. infelizmente, o autor fez o percurso inverse aquale sugerido por Saviani.
Ao inves de ir "do senso comum a consciencia filos6fica", em matsrla de dldattca, o autor
trafegou na contrarnao e terminou indo da conscisncia filos6fica ao senso comum.
Cabe, aqui, retomar o caminho sugerido por Saviani na apresentacao do livro de
Wachowicz uHa os que imaginam que a uma concep9ao dialetica de educa<;§o
corresponde uma pedagogia dialeticae, por consequencia, uma didatica dietetic«. Assim
pensando esperam por uma nova didatica construfda em seu todo, com regras c/aras e ,
n. Mal)(, op. cit 1983, p. 20.
79.
Hegel, G. W. F. CIAncia da L6gica. Buenos Aires: Solar/Hachette , 1968.
44. Caracterizando o problema... 44
acabadas, prontas para ser ap/icadas pelo professor em suas salas de au/a. Nessa
expectativanao se dao conta de que e predsamente a conceocso dialeticaque desauto-riza
ta/ entendimento" 79•
Continuemos, agora, com a analise de alguns aspectos da prod~o de Wachowicz
e 1eiga.
Os trabalhos funcionam como contraponto a producao da Pedagogia CriticoSocial
dos Conteudos e sao, em nossa opiniao, uma rejeic;ao ao formalismo na didatica.
Veiga80 prop6e relacoes a serem pesquisadas e aprofundadas no processo de construcao
de urn a didatica cujas bases te6ricas estao ancoradas na pedagogia hist6ricocrftica.
A autora especifica tais relacoes da seguinte forma: "O papel de sintese entre a
teoria (ideeno pedag6gico) ea pratica (fazer pedag6gico) assegura a interdependenda
entre as finalidades e objetivos da educa9ao e do ensino; descreve e expfica as rela90es
entre ensino e aprendizagem,ensino e pesquisa, conteuao e forma, professor e aluno.
Precisamentepara articula-losno processo de ensino a partir das determina¢es sociais,
filos6ficas, psico/6gicas, pedag6gicas e que se requer a didetice. Em fum;ao disso, a
didatica recorre a contribui<;ao das demais ciencias pedag6gicas, provendo o que e
comum, basico e indispensavelpara o ensino de todas as demais disciplinasde conteuao
especltico. Como teoria geral do ensino ela generaliza o que e comum e fundamental
para
a prettce pedag6gica" 81.
Para a autora esta construcao se da alicercada em tres grandes pressupostos: a~
eoucacao e um processo que faz parte do conteudo global da sociedade; b) a escola e;
parte integrante do todo social e c} a pratica pedag6gica e vista come pratica social. Em.
retacao a este ultimo aspecto, cabe destacar a cornpreensao da autora: "~ te6rica serri
ser mera contemptecso, uma vez que e a teoria que guia a a9ao e e pratica sem
ser. simples aplica9ao da teoria e que nao se confunde com um mero exerctcio" 82•
O trabalho de Wachowicz e mais extenso e parte de uma investiqacao a respeito
79•
Em Wachow icz, L. A 0 metodo dialetico na didatica. Campinas: Papirus, 1989, p. 7.
80• Veiga, I. P. A A cons~ao da didatica numa perspe ct iva hist6ricoaitica
de educac~o: estudo introdut6rio. In
ORveira, M. R. N. S. (Org.) op. cit., 1993.
61•
lbld., p. 80.
82•
Ibid .. p. 81.