O poema "Retrato" descreve as mudanças físicas e emocionais ocorridas no eu lírico ao longo do tempo de forma melancólica. O eu lírico não reconhece mais seu rosto, que está "calmo, triste e magro", nem seus olhos "vazios" ou suas mãos "sem força". Ele questiona em que momento perdeu sua aparência juvenil, sugerindo a transitoriedade da vida.
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptx
Análise do poema cecília meireles
1. Análise do poema
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- em que espelho ficou perdida
a minha face?
No início da leitura do poema “Retrato”, notamos também a presença da primeira
pessoa, o “eu” lírico descrevendo o seu próprio rosto, esse rosto que ele não mais
reconhece como sendo o seu, como nesse primeiro verso: Eu não tinha esse rosto
de hoje, a idéia é intensificada pelo advérbio de negação e pelo pronome
demonstrativo, que sugere a passagem de tempo, a transitoriedade da vida; e a
melancolia do “eu” lírico ao fazer esta constatação, continuando no segundo verso,
no qual há a repetição da palavra “assim”, que indica uma mudança ocorrida tanto
no íntimo, na personalidade, como em assim calmo, assim triste, quanto
fisicamente, “assim magro”.
O uso seguido da palavra “assim” dá um ritmo lento a esse verso, como se a
sugerida passagem fosse tranqüila e quase imperceptível para o “eu” lírico.
Na terceira estrofe a constatação continua na percepção dos olhos tão vazios,
devido aos sofrimentos e experiências vividos e o lábio amargo, no quarto verso dá
continuidade a essa idéia. Ocorre uma anáfora, nome dado à figura que resulta
quando se repete a mesma palavra ou frase no começo de vários versos, da
palavra “nem” no início do terceiro e quarto versos desta primeira estrofe, na qual
o “eu” lírico continua reiterando a sua negação da percepção de suas mudanças.
2. No primeiro verso da segunda estrofe, o “eu” lírico observa a mudança ocorrida,
nas suas mãos, partes significativas e simbólicas do corpo e que simbolizam força e
luta pela vida, no poema, esse hoje é sem força e já não se luta mais como nos
tempos remotos, passados. O “eu” lírico continua descrevendo-as no segundo verso
como tão paradas e frias e mortas, destacando-se o tom melancólico. Novamente,
nesse verso a repetição da conjunção “e” imprime lentidão ao ritmo do verso e
sugere a passagem da vida para morte.
Ainda nesta estrofe, no terceiro verso, o eu lírico descreve seu coração, metáfora
para os seus sentimentos, que, antes, eram mostrados, expostos e atualmente
estão retraídos, escondidos, como é dito no quarto verso.
Ocorre na segunda estrofe uma anáfora, com a expressão “eu não tinha” que
introduz o poema. É o “eu” lírico reafirmando a não percepção dessa passagem de
tempo, o que provoca um sentimento de perplexidade.
Na terceira estrofe, no primeiro verso, o “eu” lírico percebe e assume que mudou
fisicamente e interiormente e que isto foi tão simples, tão certa, tão fácil, como se
lê no segundo verso. Mais uma vez, o poeta fala-nos da transitoriedade da vida,
dessa “passagem” para outro lugar, passagem esta que é universal, pois
acontecerá com todos nós, sem saber quando, nem onde, e, mesmo assim, ficamos
surpresos com isto. Há a repetição da palavra “tão” mostrando a certeza da
evolução e o ritmo torna-se acelerado como a passagem da vida.
No penúltimo e último versos da última estrofe há um questionamento “eu” lírico,
que fica desejoso em saber em que momento ele perdeu a sua vitalidade. O poeta
fala isso no poema metaforicamente: “espelho” seria o lugar, o momento; “face”
seria a vida, a juventude.
Cecília Meireles, magnífica e liricamente, aborda o tema da passagem da vida e da
sua transitoriedade de maneira filosófica, universal e simples, influências estas
recebidas do grupo espiritualista ao qual pertenceu, o que aparece em toda a sua
obra.
Sobre essa transitoriedade e fugacidade do tempo, Darcy Damasceno, em Poesia
do Sensível e do Imaginário, afirma: “Contínuo latejar, a consciência da fugacidade
não apenas se torna a mola mestra do lirismo, como, por ansioso esforço de
apreensão do fugidio, busca no concreto as amarras dos fios imaginativos”. (p. 37)
Observamos neste poema a gradação que ocorre nestes versos:
assim calmo, assim triste, assim magro
tão paradas e frias e mortas
tão simples, tão certa, tão fácil
Essas gradações sugerem a evolução, a passagem de tempo do poema.
Em dois momentos ocorre o cavalgamento:
3. eu não tinha este coração
que nem se mostra.
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Ocorre a sugestão ou a impressão de que o “eu” lírico fez uma pausa no seu
pensamento ao constatar todas as mudanças ocorridas.
Ocorrem cesuras nos seguintes exemplos:
Eu não tinha / este rosto de hoje
Eu não tinha / estas mãos sem força
eu não tinha / este coração
Eu não dei / por esta mudança
Este recurso nos sugere a conscientização do “eu” lírico, da sua mudança lenta e
gradual.
É interessante ressaltar que o poeta faz um jogo com as palavras “magro” (o
segundo verso, primeira estrofe) e “amargo” (quarto verso, primeira estrofe). As
letras da primeira aparecem inseridas e na segunda, como se o final da existência
estivesse por pouco tempo e isso o deixa amargurado. Isto ocorre novamente em
“mortas” (segundo verso, segunda estrofe) e “mostra” (quarto verso, segunda
estrofe), significando que a morte sempre se mostra em nossa vida.
O poeta segue a estrutura de três estrofes e cada uma delas é composta por quatro
versos, resquícios da influência simbolista e sua forma tradicional, nunca
abandonadas por Cecília.
Ela utiliza principalmente de assonâncias de /e/ e /o/:
Eu não tinha este rosto de hoje
nem estes olhos tão vazios
4. Dando-nos um sentimento e uma idéia de melancolia permanente. Usa também de
aliteração de /r/ em:
tão paradas e frias e mortas
Nesses versos indica-se o grande obstáculo que é a morte. Nota-se a musicalidade
presente, fato característico no poema.
Também notamos as impressões sensoriais sugeridas no poema., principalmente a
imagem visual que surge com o uso das palavras “rosto”, “calmo”, “triste”,
“magro”, “olhos”, “lábio”, “mãos”, “espelho”, “face” e a imagem do paladar e do
tato em “amargo”, “força”, “parada”, “fria”, “morta”, sugerindo que o corpo
demonstra toda sua tristeza, toda a sua “passagem” desta vida para o
desconhecido.
O título Retrato se encaixa perfeitamente ao poema porque a palavra simboliza algo
estático, parado, eternizado e o “eu” lírico ansiava se eternizar, porém o tempo não
permitiu e, por isso, ao final do poema se indaga em que momento de sua vida a
sua juventude foi eternizada pela imobilidade, como acontece nos álbuns de família.