O documento discute a estrutura social e as desigualdades em três frases: (1) As desigualdades aparecem em elementos materiais como moradia e educação e se evidenciam no contraste entre riqueza e pobreza. (2) A estrutura social define cada sociedade e inclui estratificação em camadas sociais com mobilidade limitada. (3) Sistemas de castas como na Índia e estamentos como na França feudal estratificaram sociedades de forma rígida com pouca mobilidade social.
1. A estrutura social e as desigualdades
As desigualdades sociais aparecem, de imediato, em elementos materiais,
como a moradia, as roupas, os meios de locomoção. Mas elas também se
manifestam no acesso à educação e aos bens culturais, os chamados bens
simbólicos.
As desigualdades se evidenciam no dia a dia pelos contrastes entre a
riqueza e a pobreza, que podemos constatar com nossos próprios olhos
ou mediantes as estatísticas e os meios de comunicação.
Estrutura e estratificação social
Estrutura social é o que define determinada sociedade. A estrutura social
se constitui da relação entre os vários fatores – econômicos, históricos,
sociais, religiosos, culturais – que caracterizam cada sociedade.
Uma das características da ESTRUTURA DE UMA SOCIEDADE é sua
ESTRATIFICAÇÃO, ou seja, a maneira como os diferentes indivíduos e
grupos são classificados em estratos(= camadas) sociais e o modo como
ocorre mobilidade de um nível para outro.
A estratificação social foi analisada, em diferentes sociedades, com base
na forma como os indivíduos organizam a produção econômica e o poder
político . Para estudar a estratificação é necessário que se verifique COMO
SE ORGANIZAM AS ESTRUTURAS DE APROPRIAÇÃO (ECONÔMICA) E
DOMINAÇÃO (POLÍTICA).
Entretanto, essas estruturas são atravessadas por outros elementos –
como a religião, a etnia, o sexo, a tradição e a cultura -, que, de uma
forma ou de outra, influem no processo de divisão social do trabalho e no
processo de hierarquização.
A estratificação social e as desigualdades decorrentes são produzidas
HISTORICAMENTE, ou seja, são geradas por situações diversas e se
expressam na organização das sociedades em sistemas de castas, de
estamentos ou de classes.
2. AS SOCIEDADES ORGANIZADAS EM CASTAS
O sistema de castas é uma configuração social de que se tem registro em
diferentes tempos e lugares, mas é na Índia que está a expressão mais
acabada desse sistema.
A sociedade indiana começou a se organizar em castas e subcastas há
mais de 3 mil anos, adotando uma hierarquização baseada em religião,
etnia, cor, hereditariedade e ocupação, que definem a organização do
poder político e a distribuição da riqueza gerada pela sociedade.
Apesar de haver na Índia, hoje, uma ESTRUTURA DE CLASSES, o sistema de
castas permanece mesclado a ela. O sistema sobrevive por força de
tradição, pois legalmente foi abolido em 1950.
Existem QUATRO grandes castas na Índia:
- BRÂMANES: casta sacerdotal, superior a todas as outras;
- XÁTRIAS: casta intermediária, formada formalmente pelos guerreiros,
que se encarregam do governo e da administração pública;
- VAIXÁS: casta dos comerciantes, artesãos e camponeses, que se situam
abaixo dos xátrias;
- SUDRAS: casta dos inferiores, na qual se situam aqueles que fazem
trabalhos manuais considerados servis.
Os PÁRIAS são os que não pertencem a nenhuma casta e vivem, portanto,
fora das regras existentes.
(Há, ainda, um sistema de castas regionais que subdividem em outras
tantas subcastas).
O sistema de castas caracteriza-se por relações muito ISOLADAS. Não há,
portanto, MOBILIDADE SOCIAL nesse sistema.
Os elementos mais visíveis da IMOBILIDADE SOCIAL são:
- Hereditariedade;
- Endogamia (casamentos só entre membros da mesma casta);
- Regras relacionadas à alimentação (só pode-se ter refeições com os
membros da própria casta e alimentos preparados por elas mesmas);
-Proibição do contato físico entre membros das castas inferiores e
superiores.
3. As palavras chaves para definir o sistema de castas são REPULSÃO,
HIERARQUIA E ESPECIALIZAÇÃO HEREDITÁRIA.
Embora seja proibido, as castas inferiores adotam costumes, ritos e
crenças dos brâmanes, e isso cria uma certa homogeneidade de costumes
entre castas. A rigidez das regras também é relativizada por casamentos
entre membros de castas diferentes (menos com os brâmanes), o que não
é comum, mas ocorre.
A urbanização e a industrialização crescentes e a introdução dos padrões
comportamentais do Ocidente têm levado elementos de diferentes castas
a se relacionarem, o que vai contraa persistência dos padrões mais
tradicionais, pois, no sistema capitalista, no qual a Índia está fortemente
inserida, a estruturação societária anterior só se mantém se é
fundamental para a sobrevivência do próprio sistema.
Assim, no caso da Índia, o sistema de castas está sendo gradativamente
desintegrado, o que não significa, entretanto, que as normas e os
costumes relacionados com a diferenciação em castas tenham
desaparecido do cotidiano das pessoas. Isso é confirmado pela existência
de programas de cotas de inclusão para as castas consideradas inferiores
nas universidades públicas.
Nas palavras de BOUGLÉ
A palavra “CASTA” não faz pensar, apenas, nos trabalhos
hereditariamente divididos, e sim também nos direitos desigualmente
repartidos.
Os vários grupos dos quais essa sociedade é composta se repelem, em vez
de atrair-se, que cada um desses grupos se dobra sobre si mesmo, se isola
faz quanto pode para impedir seus membros de contrair aliança ou, até,
de entrar em relação com os membros dos grupos vizinhos.
Repulsão, hierarquia, especialização hereditária, o espírito de casta reúne
essas três tendências. Cumpre retê-las a todas se se quiser chegar a uma
definição completa do regime de castas.
4. AS SOCIEDADES ORGANIZADAS POR ESTAMENTOS
O sistema de ESTAMENTOS ou ESTADOS constitui outra forma de
ESTRATIFICAÇÃO.
(Ex. SOCIEDADE FEUDAL. França no século XVIII era dividida em três
estados: nobreza, clero e terceiro estado, que incluía todos os outros
membros da sociedade.).
A sociedade estamental não se revela e explica apenas no nível das
estruturas de poder e apropriação.
Para compreender os ESTAMENTOS (em si e em suas relações
hierárquicas), é indispensável compreender o modo pelo qual categorias
tais como tradição, linhagem, vassalagem, honra e cavalheirismo parecem
predominar no pensamento e na ação das pessoas.
Assim, o que identifica um estamento é também o que o diferencia, ou
seja, um conjunto de direitos e deveres, privilégios e obrigações que são
aceitos como naturais e são publicamente reconhecidos, mantidos e
sustentados pelas autoridades oficiais e também pelos tribunais.
Em uma sociedade estamental, a condição dos indivíduos e dos grupos em
relação ao poder e à participação na riqueza produzida pela sociedade não
é só uma questão de fato, mas também de direito. Assim, a desigualdade,
além de existir, torna-se um direito.
A possibilidade de MOBILIDADE de um estamento para outro existia, mas
era muito controlada – alguns chegavam a conseguir títulos de nobreza, o
que, no entanto, não significava obter o bem maior da época, a TERRA.
A propriedade da terra definia o prestígio, a liberdade e o poder dos
indivíduos. Os que não a possuíam eram DEPENDENTES, economicamente
e politicamente além de SOCIALMENTE INFERIORES.
O que explica, entretanto, a relação entre os estamentos é a
reciprocidade.
(Ex. SOCIEDADE FEUDAL: Obrigação dos servos para com os senhores
(trabalho) e destes para com aqueles (proteção), ainda que os
camponeses e servos estivessem sempre em uma condição de
inferioridade).
5. Entre os proprietários de terras, havia uma relação de outro tipo: um
senhor feudal (suserano) exigia serviços militares e outros dos senhores a
ele subordinados (vassalos). Formava-se, então, uma REDE DE
OBRIGAÇÕES RECÍPROCAS, como também de fidelidade, observando-se
uma HIERARQUIS EM CUJO TOPO ESTAVAM OS QUE DISPUNHAM DE MAIS
TERRAS E MAIS HOMENS ARMADOS.
José Souza Martins:
“Um nobre pobre, na consciência social da época e na realidade das
relações sociais, valia dezesseis vezes um pobre que não era nobre,
porque as necessidades de um nobre pobre eram completamente
diferentes das necessidades sociais de um pobre apenas pobre”.
Basicamente é isso que distingue estamento de classe social: não se levam
em consideração as origens das pessoas, e sim as condições econômicas.
Atualmente, muitas vezes utilizamos o termo ESTAMENTO para designar
determinada categoria ou atividade profissional que tem regras muito
precisas para que se ingresse nela ou para que o indivíduo se desenvolva
nela, como um rígido código de hora e de obediência. Assim, usar as
expressões “estamento militar” ou “estamento médico”, significa afirmar
as características que definiam as relações na sociedade estamental.
6. POBREZA: CONDIÇÃO DE NASCENÇA, DESGRAÇA, DESTINO
A pobreza é a expressão mais visível das desigualdades em nosso
cotidiano, recebendo diferentes explicações ao longo da história.
No período medieval, o pobre era uma personagem complementar ao
rico. Não eram critérios econômicos ou sociais que definiam a pobreza,
mas a CONDIÇÃO DE NASCENÇA, como afirmava a IGREJA CATÓLICA, que
predominava na Europa ocidental.
Havia até uma visão positiva da pobreza, pois esta despertava a caridade e
a compaixão. E não se tratava de uma situação fixa, pois, como havia uma
moral positiva, podiam ocorrer situações compensatórias em que o ricos
eram considerados “POBRES EM VIRTUDES” e, os pobres, “RICOS EM
QUALIDADES”. De acordo com essa visão cristã de mundo, os ricos tinham
a obrigação moral de ajudar os pobres;
Outra explicação paralela, corrente no mesmo período, atribuía a pobreza
a uma DESGRAÇA decorrente das GUERRAS ou ADVERSIDADES como
doenças ou deformidades físicas.
Isso tudo mudou a partir do século XVI, quando se iniciou uma nova
ordem, na qual o indivíduo se tornou o centro das atenções. O pobre
passava a encarnar uma ambiguidade: representava a pobreza de Cristo e,
ao mesmo tempo, era um perigo para a sociedade. Sendo uma ameaça
social, a solução era a DISCIPLINA e ENQUADRAMENTO. Assim, o Estado
herdou a função de CUIDAR dos pobres, o que antes era função dos ricos.
Com o crescimento da produção e do comércio, principalmente na
Inglaterra, houve necessidade crescente de mão de obra, e a pobreza e a
miséria passaram a ser interpretadas como resultado da PREGUIÇA e da
INDOLÊNCIA dos indivíduos que não queriam trabalhar, uma vez que havia
muitas oportunidades de emprego. Essa justificativa tinha por finalidade
fazer com que as grandes massas se submetessem às condições do
trabalho industrial emergente.
No final do éculo XVIII, com o fortalecimento do LIBERALISMO, outra
justificativa foi formulado: as pessoas eram responsáveis pelo seu próprio
7. DESTINO e ninguém era obrigado a dar trabalho ou assistência aos mais
pobres. Muito ao contrário, dizia-se que era necessário manter o medo à
fome para que os trabalhadores realizassem bem suas tarefas.
Segundo THOMAS MALTHUS, a população crescia mais que os meios de
subsistência e, assim, afirmava que toda assistência social aos pobres era
REPUDIÁVEL, uma vez que os estimularia a ter mais filhos, aumentando
assim a sua miséria.
Posteriormente, apareceram recomendações e orientações de abstinência
sexual e casamento tardio para os pobres, pois desse modo teriam menos
filhos.
Em meados do século XIX, difundiu-se a ideia de que os trabalhadores
eram perigosos por duas razões:
- Eles poderiam transmitir doenças porque vivam em condições precárias
de saneamento e de saúde
- Podiam se rebelar, fazer movimentos sociais e revoluções, questionando
os privilégios das outras classes, que possuíam riqueza e poder.