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DDDDEEEEPPPPOOOOIIIISSSS DDDDAAAA CCCCHHHHUUUUVVVVAAAA............
Drama Homoerótico
Texto de:
JULIO CARRARA
Escrita em 2005
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 1111
PERSONAGENS:
CRISTIANO
BRUNO
MULHER (OFF)
PASTOR (OFF)
ÉPOCA: Atual.
CENÁRIO: Um minúsculo apartamento, muito simples. Dois colchões, um
puff, um rack onde estão o som, a TV, diversos CDs e livros de Direito como o
Código Penal, por exemplo. No proscênio, uma sacada. Porta de entrada de
um lado e do outro uma minúscula cozinha que conduz ao banheiro.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 2222
CENA 1
(Luz em resistência revelando a sala vazia do apartamento. Ouvem-se ruídos de
trânsito. A porta se abre e entram Bruno e Cristiano carregados de embrulhos.)
BRUNO
É aqui. Que tal, hein?
CRISTIANO
(Olhando pela janela.) A vista não é das melhores, mas até que dá pra
encarar. Morar no edifício São Benedito, do lado do cinema pornô, na frente
do Minhocão e em cima do Ponto G?! Ninguém merece...
BRUNO
Mas daqui até o Mackenzie é um pulinho. O foda é esse barulho infernal
aí fora. E depois, quando a gente voltar da facul, vamos estar tão cansados que
nem vamos ouvir nada. E com o tempo a gente se acostuma.
CRISTIANO
Puta sorte ter te encontrado pra dividirmos o apê. Eu tava vendo umas
pensões pra morar, mas quando via aqueles seres bizarros aparecendo, picava
a mula. Eu tava desesperado atrás de alguém pra dividir o aluguel e o
condomínio. Meu pai tinha pensado na hipótese de ficar lá em casa, mas eu
não aguentaria ir e vir de Atibaia todos os dias. Não iria render nada no curso.
BRUNO
É, o curso de Direito é foda. Não quero nem pensar como é que vai ser.
CRISTIANO
Nem eu. Mas a gente tá junto nessa, véio. Um vai cuidar do outro. Ainda
mais agora que não temos mais mamãe e papai por perto pra ficar pegando no
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 3333
nosso pé... Esse é o preço da tão sonhada liberdade. (Cristiano sobe no parapeito
da sacada.)
BRUNO
Sai daí, seu louco. Quer se esborrachar lá embaixo?
CRISTIANO
(Abre os braços.) “Minhas asas estão prontas para voar. Eu gostaria de
voltar no tempo. Ficaria mais tempo vivo se tivesse menos liberdade”.
BRUNO
Credo, voltar no tempo e ter menos liberdade. Estou contente com o
aqui e agora.
CRISTIANO
(Saindo da sacada.) Eu também tô. Falei por falar. Tô adorando esse
gostinho de liberdade, cara. A gente vai ser muito feliz aqui, Bruno.
BRUNO
Disso eu tenho certeza...
(Ambos se abraçam afetuosamente.)
CRISTIANO
Bem, ao trabalho...
BRUNO
Ao trabalho.
(Começam a arrumar o ambiente alegremente. Bruno coloca um CD no som num
volume ensurdecedor. Depois de um tempo, ouvem-se batidas na parede.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 4444
MULHER
(Off, gritando.) Abaixa esse rádio...
(Cristiano e Bruno, sem se importar, vão até a sacada e gritam para fora.)
AMBOS
Hein?
MULHER
(Off, gritando.) Abaixa o diabo desse rádio...
BRUNO
Ih... ser vizinho de velha é foda.
CRISTIANO
(Alto.)Fala mais alto!!!!
MULHER
(Off.) Eu vou falar com a síndica e ela vai dar uma multa pra vocês, seus
malcriados. Não conhecem as regras de condomínio, não?
AMBOS
Nããããoooo!
MULHER
(Off.) Vocês vão ver... Eu sou a primeira moradora deste edifício e vou
tomar providências contra vocês...
BRUNO
Vai correndo, velha do caralho!...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 5555
MULHER
(Off.) Vocês não perdem por esperar, moleques...
(Ambos riem e voltam para dentro.)
CRISTIANO
Será que ela vai mesmo falar com a síndica?
BRUNO
Se falar, falou... Olha só a minha cara de preocupado... Qualquer coisa, a
gente arrebenta ela e a síndica de porrada... (Riem.)
CRISTIANO
Cara, você é muito louco...
BRUNO
Por que acha que escolhi essa profissão? Existe alguém mais louco do
que um advogado?
CRISTIANO
Ah, existe sim...
BRUNO
Quem?
CRISTIANO
Limpador de janela.
BRUNO
Porteiro de cinema pornô.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 6666
CRISTIANO
Maquiador de defunto.
BRUNO
Puta!
CRISTIANO
Padre!
BRUNO
Ah, padre não é profissão!
CRISTIANO
E puta também não é!
(Ambos caem na gargalhada e começam uma guerra de travesseiros.)
CENA 2
(Bruno e Cristiano sentados no puff, comendo pizza e tomando Coca-Cola.)
BRUNO
Tô vendo que essa será a nossa refeição diária: pizza com Coca-Cola.
Desse jeito vou virar um hipopótamo.
CRISTIANO
O único jeito é aprender a cozinhar...
BRUNO
Eu não sei nem fritar ovo. O que sei é ferver o leite e fazer miojo. Mais
nada.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 7777
CRISTIANO
Eu até que sei fazer alguma coisa. Mas sou preguiçoso. Não tenho saco
pra cozinha. E depois da comida pronta ainda tem que lavar as panelas, os
pratos e os talheres. É muito trampo.
BRUNO
Uma empregada seria o ideal, hein? O que acha?
CRISTIANO
É uma ideia...
BRUNO
Só não pode ser baranga. Porque o que mais existe nesse meio é mulher
bagaceira.
CRISTIANO
Pô Brunão, você foi cruel!
BRUNO
E não é verdade? Fala aí! As empregadas bonitinhas estão em extinção...
E se conseguirmos arrumar uma gostosona pra trabalhar aqui, podemos
aliviar nossas tensões sexuais de vez em quando.
CRISTIANO
Você quer uma empregada ou uma puta?
BRUNO
Se for as duas coisas, melhor ainda. (Riem. Em seguida, arrota.)
CRISTIANO
Suspende a feijoada que o porco tá vivo!
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 8888
BRUNO
Coca-Cola é foda...
CRISTIANO
Foda é galo: trepa com o cu, dorme no pau, tem uma mulher galinha e
um filho que é pinto... (Ri.)
BRUNO
(Sem achar graça.) Que babaca, cara.
CRISTIANO
Você não captou a minha piada...
BRUNO
(Depois de um tempo.) Nossa, faz duas semanas que eu não dou uma. E
você, Cris, há quanto tempo não trepa?
CRISTIANO
Desde que nasci.
BRUNO
Ah, brincou... Você ainda é virgem?
CRISTIANO
Sou.
BRUNO
Caralho! Como consegue? Mas nem uma chupadinha nos peitinhos,
nem um dedinho na xoxotinha? Nenhuma menina te punhetou ou te chupou?
CRISTIANO
Não...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 9999
BRUNO
E nunca teve vontade? Curiosidade? Nunca teve desejo? Nunca ficou de
pau duro ao ver uma gostosa de minissaia passando rebolando perto de você?
Nunca viu revistas de sacanagem, filmes pornôs?
CRISTIANO
Já, claro. Como todo mundo. Mas eu...
BRUNO
Você é tímido, né? Mas não tem problema. Amanhã eu vou te apresentar
umas gatinhas lá do curso. Aí eu xaveco elas pra você e você arrasta alguma
pra cá e faz a festa. Esse apê vai ser um verdadeiro puteiro, maluco. Mas como
só tem um cômodo aqui, vamos usar o velho truque da toalha vermelha.
Quando eu ou você estivermos na ativa com alguma gata, vamos colocar a
toalha na janela pra evitar constrangimentos... Né?
CRISTIANO
(Com um sorriso amarelo.) É.
(Cristiano com um controle remoto muda os canais da TV.)
CRISTIANO
Merda. Não tem nada que preste este horário.
BRUNO
TV aberta é um lixo. Essa hora só tem programa de igreja... (Tirando
sarro.) Corre lá pegar um copo d’água pro pastor abençoar!
(Cristiano coloca num programa de igreja. Ouve-se em off a voz de um pastor.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 10101010
PASTOR
“...liguem para o telefone que está aparecendo no seu vídeo e
respondam a pergunta da nossa enquete de hoje: a homossexualidade é uma
doença ou sem-vergonhice?”
CRISTIANO
Vai se foder, pastor de merda. (Vai mudar de canal.)
BRUNO
Não muda, não, Cris. Vamos ver esse circo.
PASTOR
“... Deus criou o Homem e a Mulher. Se continuar como está, homem
com homem e mulher com mulher, não haverá dentro em breve mais seres
humanos neste Planeta. Você, amigo telespectador, que tem um filho
homossexual, fique tranqüilo. Não o leve para um psiquiatra que não resolve
nada. Esse desvio é espiritual. É coisa do tinhoso. Traga ele até aqui na nossa
igreja, que irei resolver esse problema. Irei tirar o diabo que se apossou do
corpo dele e faz com que ele só lhe traga desgostos...”
CRISTIANO
(Desliga a TV.) Vai se tratar, animal de bosta.
(Cristiano desliga a TV. Está visivelmente nervoso.)
BRUNO
O que foi cara?
CRISTIANO
Eu fico puto quando escuto uma coisa dessas. Essa falsa moral me irrita.
E esse cara é homofóbico.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 11111111
BRUNO
Calma cara. Relaxa. Da maneira que você reagiu, parecia até que ele
estava se referindo a você.
CRISTIANO
E se estivesse, Buba? E se eu fosse um homossexual? Como acha que eu
me sentiria?
BRUNO
Você tá muito abalado, Cris. Mas eu te entendo. Você acabou de sair de
casa e agora é que tá percebendo a barra que vamos enfrentar daqui pra frente.
Vem cá... (Abraça o amigo.) Pensar muito no futuro estraga o presente.
(Cristiano tem o olhar perdido. Luz cai em resistência.)
CENA 3
(Luz sobe lentamente. Cristiano acorda, levanta-se e vai até o banheiro. Lava o rosto,
enxuga-o com uma toalha e vem para a cozinha, pega um copo de água e bebe. Volta
pra sala e fica olhando para Bruno, que aos poucos, vai despertando.)
CRISTIANO
Boa tarde!!!!
BRUNO
(Boceja.) Que horas são?
CRISTIANO
Duas horas.
BRUNO
Putz, por que não me acordou antes?
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CRISTIANO
Porque também acabei de acordar.
BRUNO
E aí, melhorou?
CRISTIANO
De quê? Ah, claro. Nem me lembrava mais. Foi bobagem minha... Às
vezes eu dou umas dessas. Vai se acostumando...
BRUNO
(Mexendo no pau.) Mijar com o pau duro é foda!
(Levanta-se e vai até o banheiro. Vira-se de costas e mija. Dá a descarga e volta para a
cama.)
BRUNO
Já tomou banho?
CRISTIANO
Ainda não. Vou tomar mais tarde.
BRUNO
Então vou eu.
(Tira toda a roupa. Cristiano vira-se de costas para ele, envergonhado.)
BRUNO
Por que ficou de costas, Cris?... Vai me dizer que nunca viu outro
homem pelado?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 13131313
CRISTIANO
Já, mas...
BRUNO
Mas o quê? Pode se virar, cara. O que eu tenho entre as pernas você
também tem... E você, por que não fica pelado também? É muito bom, mano.
O legal é criar o “bicho” solto. E se estamos sozinhos, porque não ficar mais à
vontade? Maldita a hora que inventaram peças de roupa. Se dependesse de
mim, todo mundo andava pelado. E você? Vai ter vergonha de tirar a roupa na
minha frente?
CRISTIANO
É que eu não me sinto à vontade. Sei lá. Acho estranho... Eu não queria
que achasse que eu estivesse me insinuando pra você.
BRUNO
Ah, para meu. E eu, por acaso, tô me insinuando pra você?
CRISTIANO
Não. Claro que não.
BRUNO
Então não tem grilo... Não quero te ver constrangido, belê?
CRISTIANO
Beleza, Buba. Vai pro seu banho.
(Bruno entra no banheiro e abre o chuveiro.)
BRUNO
Vou aproveitar pra tocar uma punheta. Vamos fazer um campeonato de
punheta?
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CRISTIANO
Não tô a fim agora... Quem sabe, mais tarde. Vai fundo...
BRUNO
Quando era moleque vivia com medo de bater punheta. Diziam que
dava espinha, pêlo na palma da mão, que o pau ia cair. Mas que é bom é. Qual
foi o seu recorde?
CRISTIANO
Recorde de quê?
BRUNO
De punheta. Quantas você conseguiu bater num dia?
CRISTIANO
Duas.
BRUNO
Só duas? O máximo que eu consegui num dia foram nove.
CRISTIANO
Porra... Poderoso o rapaz!!!
BRUNO
Mas no outro dia, nem conseguia andar direito. Acho que a minha mão
tem a alma feminina. Quando vê meu pau, já quer grudar. Ela até hoje foi a
minha namorada mais fiel... Bem, vou nessa. Tô com um tesão danado.
(Bruno vai para o banheiro.)
CRISTIANO
Oferece essa punheta pra velha aqui do lado...
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BRUNO
(Volta, cabisbaixo.) Porra, cara. Brochei.
(Luz cai em resistência.)
CENA 4
(Cristiano e Bruno entram carregados de materiais. Exaustos, jogam os materiais num
canto e deitam-se na cama.)
CRISTIANO
Ufff, tô o pó da rabiola!
BRUNO
O professor pegou pesado mesmo. Logo no primeiro dia de aula. Vai se
foder.
CRISTIANO
Tem um “beck” aí?
BRUNO
Tem.
(Bruno tira um papelzinho do bolso da calça, abre-o, prepara uma seda e começa a
dichavar a maconha.)
CRISTIANO
Nunca tive saco pra dichavar maconha, preparar o cigarro de baseado.
O “beck” já deveria vir pronto.
BRUNO
Aí não teria graça nenhuma. O barato é o ritual de preparação da erva.
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CRISTIANO
Nunca consegui enrolar direito. Como consegue?
BRUNO
Anos de prática... Maconheiro profissional.
(Bruno acende o baseado, dá um tapinha e passa para Cristiano.)
BRUNO
Esse fumo é do bom...
CRISTIANO
De quem você comprou?
BRUNO
Do Dani Maluco, do quarto semestre...
CRISTIANO
Esse curso tá começando bem...
BRUNO
E o que você esperava? A gente só faz duas coisas numa faculdade:
fuma maconha e trepa... Ah, seguinte: sabe a Paulinha?
CRISTIANO
Que Paulinha?
BRUNO
Aquela loirinha tesuda da nossa sala que eu tava azarando, saca?
Aquela com cara de puta da Augusta!!!!
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 17171717
CRISTIANO
Hum, sei... O que é que tem?
BRUNO
Então, eu chamei ela pra ver um filme aqui amanhã depois da aula.
CRISTIANO
E ela vem?
BRUNO
Topou na hora.
CRISTIANO
Essa eu pago pra ver... Mas a gente não tem DVD aqui... Ah, não, não
me diga que você vai assistir ao Corujão.
BRUNO
Não... nada disso. Não existe filme nenhum, meu amigo. É uma jogada.
Ela vem aqui, eu procuro o DVD e aí eu me lembro que esqueci de trazer o
aparelho lá de casa, entendeu? Captou o meu raciocínio? Aí a gente ouve uma
musiquinha romântica, toma vinho à luz de velas. O clima vai esquentando,
eu faço ela beber bastante vinho... e parto pro ataque. Aí ela vai tá tão chapada
que nem vai se lembrar do que aconteceu. (Esfrega as mãos.) Nem acredito que
isso tá acontecendo... É bom demais pra ser verdade.
CRISTIANO
É. Mas não precisa se preocupar, viu? Eu não vou atrapalhar vocês. Eu
passo a noite naquele hotelzinho da esquina. É um pulgueiro, mas dá pra
encarar por uma noite...
BRUNO
Deixa disso, Cris.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 18181818
CRISTIANO
Eu não vou me sentir à vontade com vocês aqui. Era só o que me faltava.
Ficar de voyeur vendo você comer a mina.
BRUNO
Você não vai ficar de voyeur porque ela vai trazer uma amiga com ela.
(Cristiano se afoga com o beck.) Desta vez você não escapa. Vai perder o
cabacinho e vai gozar muuuuuuuuito nos peitos da cachorra.
CRISTIANO
Mas eu nem sei quem é a garota!
BRUNO
Na hora você conhece.
CRISTIANO
Do jeito que sou sortudo, imagino o “dragão” que vai aparecer aí...
BRUNO
Deixa de ser pessimista. E mesmo que seja um jaburu, ela tem buceta,
não tem? Tapa a cara dela com um travesseiro e manda ver. (Ri.)
CRISTIANO
Ria, seu bosta, ria da minha desgraça. Queria ver se fosse contigo.
BRUNO
Ih, eu já comi tanta baranga que uma a mais, uma a menos não iria fazer
diferença. O que vier, eu traço mesmo...
CRISTIANO
Até viado?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 19191919
BRUNO
Pô, não precisa apelar, né? Não sou chegado em viado, não. Credo! Meu
negócio é buceta. Só buceta. Nem cu de mulher eu curto. Muito menos um cu
peludo de uma bicha filha da puta...
(Cristiano levanta-se furioso e dá um soco na parede.)
BRUNO
O que foi Cris?
CRISTIANO
Eu nunca imaginei que você fosse preconceituoso.
BRUNO
Mas eu não sou preconceituoso. Foi só uma maneira de falar.
CRISTIANO
Maneira de falar! Jamais esperava ouvir isso de você. Justo de você, o
meu melhor amigo.
BRUNO
Por que isso agora? Não existe nenhuma razão pra se comportar assim.
Você tomou as dores que não são suas. Você nem é gay...
CRISTIANO
Mas tenho um primo que é. E eu sei o quanto ele sofre com isso. Quando
meu tio pegou ele trepando no banheiro com o outro moleque, bateu tanto
nele, até sangrar. Chamou-o de lixo dos lixos e o internou numa clínica
psiquiátrica, porque achava que ele estava louco e que precisava de um
tratamento. Na clínica, enfiaram um cabo no cu dele e deram tanto choque,
mas tanto choque que o coitado acabou pirando... Eu tenho vergonha de ser
um ser humano. Vergonha de pertencer a esse mundo desordenado,
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 20202020
preconceituoso. Eu tenho medo do futuro. Pior ainda, eu tenho pânico quando
sinto o desprezo das pessoas. Porque poderia ser comigo. Poderia ser com
você, Buba. Às vezes eu fico com vontade de acabar com tudo. É tão simples.
Pular desta janela, tomar veneno, ter uma overdose, cortar os pulsos, dar um
tiro na cabeça, sei lá... Só precisa um pouco de coragem. Um pouco de
coragem pra gente acabar com todo esse inferno. Não pode haver um lugar
pior do que essa merda de cidade, essa merda de estado, essa merda de
planeta... O inferno é aqui, o inferno são as pessoas que vivem aqui...
BRUNO
Desculpa Cris.
CRISTIANO
Nunca mais fale dessa maneira. Nunca mais. Entende agora o motivo
da minha raiva por aquele pastor de merda? E depois quando você falou
daquela maneira... É como se tivesse me dado uma punhalada pelas costas.
BRUNO
Desculpa pela minha falta de tato.
CRISTIANO
Eu precisava falar isso, senão eu iria explodir...
BRUNO
Claro. E pode contar sempre comigo. Pra tudo...
(Bruno coloca a cabeça de Cristiano em seu colo.)
BRUNO
Tá mais calmo agora?
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CRISTIANO
Buba...
BRUNO
Hum?!
CRISTIANO
Eu amo você.
BRUNO
(Sorri.) Eu também amo você.
(Luz cai em resistência.)
CENA 5
(Uma forte chuva cai lá fora. Somente relâmpagos e trovões clareiam a cena. A porta se
abre e entram os garotos ensopados. Bruno tem um litro de vinho nas mãos.)
CRISTIANO
Que dilúvio!
BRUNO
(Ligando e desligando o interruptor de luz.) Pra ajudar acabou a energia...
CRISTIANO
Vamos tirar essas roupas antes que a gente fique doente.
(Bruno coloca o vinho no chão e ambos tiram as roupas ficando de cueca.)
CRISTIANO
Não se enxerga nada aqui dentro.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 22222222
BRUNO
Vou ver se acho as velas. (Iluminando a cena com um isqueiro.) Achei!
(Acende as velas. Cristiano pega uma toalha e entrega para Bruno.)
CRISTIANO
A toalha... (Pega outra e ambos se enxugam.)
BRUNO
Cara, sacanagem da Paulinha, né? Preferir a carona do Caio do que vir
aqui. Eu tava certo. Ela é mesmo mó putona.
CRISTIANO
Pelo menos eu me livrei da amiga dela. Eu tinha certeza que ela era
monstruosa. Toda gatinha anda com um dragão do lado... Obrigado, meu São
Sinfrônio por atender as minhas preces...
BRUNO
Que porra de santo é esse?
CRISTIANO
Sei lá.
BRUNO
Por que as mulheres são interesseiras, né? Bastam ver um carro ou
dinheiro que tão logo abrindo as pernas. Aquela frase está mesmo correta:
Quem gosta de homem é viado. Mulher gosta de dinheiro... (Percebe a gafe.) Ah,
desculpa, cara.
CRISTIANO
Tudo bem, fica frio.
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BRUNO
E nem um banho quente vai dar pra gente tomar... (Grita.) Merda de luz!
CRISTIANO
Mas tem vinho.
BRUNO
(Abrindo o vinho.) Este vinho tá longe de ser o do Porto. Mas vamos
encarar, né? Se a gente tivesse grana pra comprar um melhor.
CRISTIANO
E isso embebeda rapidinho...
BRUNO
Eu sou péssimo pra beber. Bastam três tacinhas e já tô capotando...
CRISTIANO
Ah, foda-se. Vamos chapar mesmo.
(Bruno coloca o vinho nas taças.)
BRUNO
(Levantando um brinde.) Um brinde à nossa amizade.
(Brindam. Bebem.)
BRUNO
Como esquenta...
CRISTIANO
Vamos virar tudo de uma vez?
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BRUNO
Ah, não. Eu sou fraco.
CRISTIANO
Relaxa... Vamos curtir. Não vamos fazer isso todo o dia...
(Viram a taça e enchem novamente as taças de vinho.)
CRISTIANO
De novo.
(Viram a taça novamente.)
BRUNO
(Bêbado.) Ah, Cris. Não aguento mais... Parei. (Ri.)
CRISTIANO
Mas e esse restinho?
BRUNO
Guarda pra temperar a salada... Ai, cara. Já tô doidão... Vou capotar. Boa
noite.
(Deita-se na cama e adormece imediatamente. Cristiano termina de beber mais um
cálice de vinho, fecha a garrafa, senta-se ao lado de Bruno e observa o rapaz. Passa as
mãos nos cabelos do amigo, em seguida acaricia o seu rosto e sua boca. Tomado por um
súbito desejo, Cristiano beija-lhe a boca. É um beijo suave, que se prolonga por um
tempo. Cristiano afasta sua boca da do amigo, em seguida beija o peito, desce pro
abdômen e transa com Bruno. Black-out.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 25252525
CENA 6
(Amanhece aos poucos. A luz ainda não voltou. Bruno continua dormindo. Cristiano,
na sacada, sente a chuva fina molhar seu rosto.)
BRUNO
(Deitado, resmungando.) Ai que dor de cabeça... Maldito vinho... Que
horas são, Cris?
CRISTIANO
Tá amanhecendo.
BRUNO
A luz já voltou?
CRISTIANO
Já... Vem aqui na janela sentir os pingos da chuva na cara. (Bruno levanta-
se e vai até a janela.)
CRISTIANO
Que tal?
BRUNO
Ótimo pra curar a ressaca.
CRISTIANO
Vem comigo até a sacada?
BRUNO
É perigoso, cara. E eu morro de medo de altura. Eu sempre tenho a
impressão de que alguém vai chegar e me empurrar...
(Cristiano estende a mão e lentamente conduz Bruno até a sacada.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 26262626
BRUNO
(Aproxima-se, temeroso.) Que cagaço.
(Cristiano olha abobalhado para Bruno.)
BRUNO
Que cara é essa, Cris?... Você tá me olhando de uma forma... Até parece
que...
CRISTIANO
...Que o quê?
BRUNO
Nada, não. Bobagem... coisa de bêbado.
CRISTIANO
Bruno, eu preciso te contar uma coisa...
BRUNO
Conta aí...
CRISTIANO
É um segredo que eu guardo comigo por um bom tempo. Tinha medo,
vergonha de contar pra alguém, mas eu não consigo guardar isso por mais
tempo. E eu preciso me abrir com você.
(A chuva para e o sol começa a nascer.)
BRUNO
Não me assuste, cara. Fala de uma vez.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 27272727
CRISTIANO
Vamos sair daqui... (Saem da janela e sentam-se no colchão no chão.)
Bruno...Não fala nada, só me escuta, por favor... Me escuta e tenta me
entender... Desde pequeno, eu minto pra mim mesmo. Até ontem eu fingi ser
uma pessoa que não era, uma pessoa que fui educada para ser. E quanto mais
o tempo passava, mais forte essa coisa se manifestava em mim. Até o dia em
que resolvi arrumar uma namorada pra provar pra todo mundo, inclusive
para mim, que eu era um garoto como outro qualquer e não um alienígena que
todo mundo achava que eu fosse. Foi uma catástrofe a relação com essa
menina. Não durou duas semanas. Terminei com ela e sequer disse o motivo
pelo qual tava terminando. Eu não sentia tesão por ela. Ela podia ficar pelada
na minha frente que eu não ia ligar. E não só ela. Qualquer menina poderia
ficar pelada na minha frente que não ia ligar, porque nunca senti tesão por
garotas... Apenas por um garoto. Um garoto que a cada olhar, a cada toque, a
cada gesto me fez sentir vivo e amado. Como nunca ninguém me amou. Só
que esse garoto nunca vai me olhar como eu queria que olhasse.
BRUNO
E quem é esse garoto? Eu conheço?
CRISTIANO
Você é tão ingênuo a ponto de não perceber de quem eu tô falando?
BRUNO
Juro que não faço ideia de quem seja.
CRISTIANO
É você, Buba! Eu sei que é difícil pra você entender, mas, por favor, não
me queira mal... Quando eu vim morar pra cá e a nossa relação se tornou mais
estreita, aí eu tive certeza daquilo que queria. Eu te dei várias indiretas que
você nem percebeu. Quando eu disse que te amava, você levou pra outro lado:
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 28282828
amor de amigo, amor de irmão... Eu também te amo como amigo, como
irmão... Mas, o que eu sinto por você é... amor de homem.
BRUNO
(Sem palavras.) Francamente, não sei o que dizer...
CRISTIANO
Não, não diga nada, deixe eu terminar... E ontem à noite, depois que
você caiu bêbado na cama, eu fiquei te observando por um tempo. E ao te ver
ali, dormindo, não pude segurar o meu desejo. Experimentei um prazer que
nunca havia experimentado antes: o de sentir o teu pau dentro de mim...
(Bruno está perplexo. Levanta-se e não tem coragem de olhar para Cristiano. Fica de
costas para ele.)
BRUNO
(Meio tom.) Eu tenho... nojo de você... (Furioso.) Por que você fez isso
comigo? Nunca me senti tão sujo! Nenhum banho, água nenhuma vai limpar a
sujeira que você deixou em mim. Essa sujeira não tá no corpo, não. Tá na alma.
Minha alma tá imunda!
CRISTIANO
E a minha tá mais pura do que a alma de um bebê recém-nascido
porque fui honesto com você.
BRUNO
Não, não foi. Você se aproveitou de um momento de fraqueza que eu
tive pra me usar.
CRISTIANO
Eu não te usei...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 29292929
BRUNO
Ah, não? E o que fez, então? E eu que achava que você fosse o meu
melhor amigo. Que a gente iria construir algo junto, e você pegou tudo isso e
jogou pela janela... Sai daqui, cara. Sai daqui antes que eu faça uma besteira.
Mesmo você sendo o asqueroso que é eu não quero te fazer mal.
CRISTIANO
E existe mal maior que me odiar?
BRUNO
Você é um traidor da pior espécie.
CRISTIANO
Se eu fosse um traidor você nunca saberia o que tinha acontecido entre a
gente. Eu guardaria isso só pra mim. Seria um segredo só meu.
BRUNO
Que também trancaria a sete chaves como fez com a sua
homossexualidade... Não confiou nem na sua própria família.
CRISTIANO
Pra quê? Pra eles me apedrejarem como o meu tio fez com o meu primo?
Pra eles me levarem ao psiquiatra, me tratarem como doente mental? Eu me
abri com você porque tinha a certeza de que me entenderia... Só que você me
apedreja e ainda é capaz de ir correndo contar esse segredo para os meus pais.
BRUNO
Não vou fazer isso.
(Cristiano tenta abraçar Bruno que o repele.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 30303030
BRUNO
Tire suas mãos nojentas de cima de mim. Eu não quero mais olhar pra
tua cara. Eu quero que você se mude daqui o quanto antes. E por favor, não
piore as coisas.
CRISTIANO
Você fala como se estivesse disposto a não ceder e a não acreditar?
BRUNO
É a minha última palavra. Procure outro lugar para morar porque aqui,
não dá mais. Acabou... (Pega uma toalha.) E agora dá licença que eu preciso
muito de um banho. Vou tentar me livrar dessa nhaca que você me deixou.
Que nojo! (Vai para o banheiro.)
CRISTIANO
Nenhuma mulher vai te dar o amor e o carinho que lhe dei e ainda
tenho pra dar. Pensa nisso. Se conseguir provar que tudo o que eu fiz foi com
má-intenção, aí sim, pode me chamar de traidor.
(Abre a porta e sai.)
CENA 7
(Bruno está deitado no puff, perturbado. Ouve-se uma chave girando no tambor. A
porta se abre e por ela entra Cristiano, abatido. Fica parado à porta esperando alguma
reação de Bruno, que permanece indiferente o tempo todo.)
CRISTIANO
Posso entrar?
BRUNO
Já entrou...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 31313131
CRISTIANO
Cara, a gente precisa conversar.
BRUNO
Não tenho mais nada pra falar com você.
CRISTIANO
E o que você vai fazer?
BRUNO
Esperar que você tome vergonha nesta cara imunda e se mande daqui...
CRISTIANO
Eu preciso de um tempo. Não é fácil alugar um apê. E como eu vou
explicar pro meu pai o motivo pelo qual tô saindo daqui? Ele vai querer saber.
E se descobrir o verdadeiro motivo, nem sei o que ele seria capaz de fazer...
Acho que seria capaz até de me matar.
BRUNO
Eu teria feito o mesmo se eu tivesse um filho como você. Coitado do seu
pai!!! Que humilhação pra ele...
CRISTIANO
Eu cometi algum crime? Porra, cara. Pensa que é fácil pra mim? Você
acha que eu tô feliz com essa situação?
BRUNO
E eu, Cristiano? Como acha que eu tô me sentindo? Você conseguiu
quebrar todos os laços de carinho que eu tinha por você.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 32323232
CRISTIANO
E é em nome desse carinho que eu te peço: tenta, ao menos, entender o
porquê “daquilo”.
BRUNO
Para de ser ridículo! Você destruiu a minha vida. Será que isso já não foi
o suficiente? Por favor, não fale mais comigo e me deixe ver a TV.
CRISTIANO
(Fica na frente da TV.) Não. A gente precisa conversar nem que seja pela
última vez.
BRUNO
Sai da frente...
CRISTIANO
De jeito nenhum.
BRUNO
Se você não sair da frente da porra desta TV, eu não respondo por mim.
CRISTIANO
Vai fazer o quê?
BRUNO
Não me provoca...
CRISTIANO
Vai fazer o quê? (Desliga a TV.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 33333333
BRUNO
(Empurra Cristiano violentamente.) Sai daí... Me deixa em paz... Seu, seu...
sua, sua...
CRISTIANO
Diga... O que eu sou? Diga! Ficou mudo por quê? Vai fugir mais uma
vez? Mais uma vez vai se comportar como um covarde?
BRUNO
(Explode.) Covardia foi o que você fez comigo. Quando eu olho pra sua
cara eu tenho vontade de vomitar. Eu devo ser muito burro mesmo. Como não
fui perceber isso antes? Mas tem uma coisa que não nega: a tua cara. É só
olhar com mais atenção pra você que logo a gente percebe o que tá por trás
desta sua máscara.
(Bruno coloca uma bermuda e uma camiseta e faz menção de sair.)
CRISTIANO
Onde você vai?
BRUNO
Não é da sua conta.
CRISTIANO
Vai fugir mais uma vez?
BRUNO
Entenda como quiser.
(Bruno sai. Cristiano corre até a porta e grita para fora.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 34343434
CRISTIANO
Vai... foge... vai pro inferno!
BRUNO
(Off.) Vai se foder.
(Cristiano bate a porta. Ao voltar para dentro, chuta o puff com muita raiva. Em
seguida começa a colocar suas roupas numa mala com muita rapidez. Depois de um
tempo, Bruno volta.)
BRUNO
Por que você tá arrumando a mala?
CRISTIANO
Não era isso que você queria? Que eu sumisse daqui? Muito bem. Seja
feita a sua vontade.
BRUNO
Peraí, cara. Não é assim. Vamos conversar.
CRISTIANO
Não temos mais nada pra conversar. Você já disse tudo o que tinha pra
me dizer.
BRUNO
Pra onde você vai?
CRISTIANO
Que importância tem isso agora?
BRUNO
Mas e a facul?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 35353535
CRISTIANO
Antes de cair na estrada eu passo lá pra trancar a matrícula.
BRUNO
Não faz isso, cara.
CRISTIANO
Não tava curtindo o curso. E também porque não vou conseguir ficar
perto de você depois de tudo o que aconteceu entre a gente. Tô tirando meu
time de campo. (Vai saindo.)
(Bruno segura Cristiano pelo braço e num impulso, beija-o. Quando percebe o que fez,
empurra Cristiano.)
BRUNO
Vá embora, cara. Vai embora.
(Bruno não consegue encarar Cristiano.)
CRISTIANO
(Ao chegar à porta, para e vira-se para Bruno.) Até quando vai continuar
mentindo pra si mesmo, Bruno? Até quando vai fingir ser uma pessoa que não
é? Até quando vai conviver com esse medo? Eu não queria estar no seu lugar,
porque viver com medo, Bruno, é viver pela metade.
(Cristiano sai. Bruno mantém-se indiferente. Cristiano bate a porta. Nesse momento,
Bruno deixa aflorar todos os seus sentimentos e fica olhando para o vazio enquanto
uma lágrima escorre pelo seu rosto. Em seguida caminha lentamente até a sacada. Luz
cai em resistência até o black-out final.)
FIM
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 36363636
(...) “Sejamos mais precisos: melhor que de homossexualidade, deveríamos falar de
relações entre pessoas do mesmo sexo. Deveríamos, então, empregar o termo
homofilia”.
Jean-Philippe Catonné
Novembro/2005

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  • 1. DDDDEEEEPPPPOOOOIIIISSSS DDDDAAAA CCCCHHHHUUUUVVVVAAAA............ Drama Homoerótico Texto de: JULIO CARRARA Escrita em 2005
  • 2. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 1111 PERSONAGENS: CRISTIANO BRUNO MULHER (OFF) PASTOR (OFF) ÉPOCA: Atual. CENÁRIO: Um minúsculo apartamento, muito simples. Dois colchões, um puff, um rack onde estão o som, a TV, diversos CDs e livros de Direito como o Código Penal, por exemplo. No proscênio, uma sacada. Porta de entrada de um lado e do outro uma minúscula cozinha que conduz ao banheiro.
  • 3. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 2222 CENA 1 (Luz em resistência revelando a sala vazia do apartamento. Ouvem-se ruídos de trânsito. A porta se abre e entram Bruno e Cristiano carregados de embrulhos.) BRUNO É aqui. Que tal, hein? CRISTIANO (Olhando pela janela.) A vista não é das melhores, mas até que dá pra encarar. Morar no edifício São Benedito, do lado do cinema pornô, na frente do Minhocão e em cima do Ponto G?! Ninguém merece... BRUNO Mas daqui até o Mackenzie é um pulinho. O foda é esse barulho infernal aí fora. E depois, quando a gente voltar da facul, vamos estar tão cansados que nem vamos ouvir nada. E com o tempo a gente se acostuma. CRISTIANO Puta sorte ter te encontrado pra dividirmos o apê. Eu tava vendo umas pensões pra morar, mas quando via aqueles seres bizarros aparecendo, picava a mula. Eu tava desesperado atrás de alguém pra dividir o aluguel e o condomínio. Meu pai tinha pensado na hipótese de ficar lá em casa, mas eu não aguentaria ir e vir de Atibaia todos os dias. Não iria render nada no curso. BRUNO É, o curso de Direito é foda. Não quero nem pensar como é que vai ser. CRISTIANO Nem eu. Mas a gente tá junto nessa, véio. Um vai cuidar do outro. Ainda mais agora que não temos mais mamãe e papai por perto pra ficar pegando no
  • 4. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 3333 nosso pé... Esse é o preço da tão sonhada liberdade. (Cristiano sobe no parapeito da sacada.) BRUNO Sai daí, seu louco. Quer se esborrachar lá embaixo? CRISTIANO (Abre os braços.) “Minhas asas estão prontas para voar. Eu gostaria de voltar no tempo. Ficaria mais tempo vivo se tivesse menos liberdade”. BRUNO Credo, voltar no tempo e ter menos liberdade. Estou contente com o aqui e agora. CRISTIANO (Saindo da sacada.) Eu também tô. Falei por falar. Tô adorando esse gostinho de liberdade, cara. A gente vai ser muito feliz aqui, Bruno. BRUNO Disso eu tenho certeza... (Ambos se abraçam afetuosamente.) CRISTIANO Bem, ao trabalho... BRUNO Ao trabalho. (Começam a arrumar o ambiente alegremente. Bruno coloca um CD no som num volume ensurdecedor. Depois de um tempo, ouvem-se batidas na parede.)
  • 5. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 4444 MULHER (Off, gritando.) Abaixa esse rádio... (Cristiano e Bruno, sem se importar, vão até a sacada e gritam para fora.) AMBOS Hein? MULHER (Off, gritando.) Abaixa o diabo desse rádio... BRUNO Ih... ser vizinho de velha é foda. CRISTIANO (Alto.)Fala mais alto!!!! MULHER (Off.) Eu vou falar com a síndica e ela vai dar uma multa pra vocês, seus malcriados. Não conhecem as regras de condomínio, não? AMBOS Nããããoooo! MULHER (Off.) Vocês vão ver... Eu sou a primeira moradora deste edifício e vou tomar providências contra vocês... BRUNO Vai correndo, velha do caralho!...
  • 6. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 5555 MULHER (Off.) Vocês não perdem por esperar, moleques... (Ambos riem e voltam para dentro.) CRISTIANO Será que ela vai mesmo falar com a síndica? BRUNO Se falar, falou... Olha só a minha cara de preocupado... Qualquer coisa, a gente arrebenta ela e a síndica de porrada... (Riem.) CRISTIANO Cara, você é muito louco... BRUNO Por que acha que escolhi essa profissão? Existe alguém mais louco do que um advogado? CRISTIANO Ah, existe sim... BRUNO Quem? CRISTIANO Limpador de janela. BRUNO Porteiro de cinema pornô.
  • 7. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 6666 CRISTIANO Maquiador de defunto. BRUNO Puta! CRISTIANO Padre! BRUNO Ah, padre não é profissão! CRISTIANO E puta também não é! (Ambos caem na gargalhada e começam uma guerra de travesseiros.) CENA 2 (Bruno e Cristiano sentados no puff, comendo pizza e tomando Coca-Cola.) BRUNO Tô vendo que essa será a nossa refeição diária: pizza com Coca-Cola. Desse jeito vou virar um hipopótamo. CRISTIANO O único jeito é aprender a cozinhar... BRUNO Eu não sei nem fritar ovo. O que sei é ferver o leite e fazer miojo. Mais nada.
  • 8. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 7777 CRISTIANO Eu até que sei fazer alguma coisa. Mas sou preguiçoso. Não tenho saco pra cozinha. E depois da comida pronta ainda tem que lavar as panelas, os pratos e os talheres. É muito trampo. BRUNO Uma empregada seria o ideal, hein? O que acha? CRISTIANO É uma ideia... BRUNO Só não pode ser baranga. Porque o que mais existe nesse meio é mulher bagaceira. CRISTIANO Pô Brunão, você foi cruel! BRUNO E não é verdade? Fala aí! As empregadas bonitinhas estão em extinção... E se conseguirmos arrumar uma gostosona pra trabalhar aqui, podemos aliviar nossas tensões sexuais de vez em quando. CRISTIANO Você quer uma empregada ou uma puta? BRUNO Se for as duas coisas, melhor ainda. (Riem. Em seguida, arrota.) CRISTIANO Suspende a feijoada que o porco tá vivo!
  • 9. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 8888 BRUNO Coca-Cola é foda... CRISTIANO Foda é galo: trepa com o cu, dorme no pau, tem uma mulher galinha e um filho que é pinto... (Ri.) BRUNO (Sem achar graça.) Que babaca, cara. CRISTIANO Você não captou a minha piada... BRUNO (Depois de um tempo.) Nossa, faz duas semanas que eu não dou uma. E você, Cris, há quanto tempo não trepa? CRISTIANO Desde que nasci. BRUNO Ah, brincou... Você ainda é virgem? CRISTIANO Sou. BRUNO Caralho! Como consegue? Mas nem uma chupadinha nos peitinhos, nem um dedinho na xoxotinha? Nenhuma menina te punhetou ou te chupou? CRISTIANO Não...
  • 10. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 9999 BRUNO E nunca teve vontade? Curiosidade? Nunca teve desejo? Nunca ficou de pau duro ao ver uma gostosa de minissaia passando rebolando perto de você? Nunca viu revistas de sacanagem, filmes pornôs? CRISTIANO Já, claro. Como todo mundo. Mas eu... BRUNO Você é tímido, né? Mas não tem problema. Amanhã eu vou te apresentar umas gatinhas lá do curso. Aí eu xaveco elas pra você e você arrasta alguma pra cá e faz a festa. Esse apê vai ser um verdadeiro puteiro, maluco. Mas como só tem um cômodo aqui, vamos usar o velho truque da toalha vermelha. Quando eu ou você estivermos na ativa com alguma gata, vamos colocar a toalha na janela pra evitar constrangimentos... Né? CRISTIANO (Com um sorriso amarelo.) É. (Cristiano com um controle remoto muda os canais da TV.) CRISTIANO Merda. Não tem nada que preste este horário. BRUNO TV aberta é um lixo. Essa hora só tem programa de igreja... (Tirando sarro.) Corre lá pegar um copo d’água pro pastor abençoar! (Cristiano coloca num programa de igreja. Ouve-se em off a voz de um pastor.)
  • 11. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 10101010 PASTOR “...liguem para o telefone que está aparecendo no seu vídeo e respondam a pergunta da nossa enquete de hoje: a homossexualidade é uma doença ou sem-vergonhice?” CRISTIANO Vai se foder, pastor de merda. (Vai mudar de canal.) BRUNO Não muda, não, Cris. Vamos ver esse circo. PASTOR “... Deus criou o Homem e a Mulher. Se continuar como está, homem com homem e mulher com mulher, não haverá dentro em breve mais seres humanos neste Planeta. Você, amigo telespectador, que tem um filho homossexual, fique tranqüilo. Não o leve para um psiquiatra que não resolve nada. Esse desvio é espiritual. É coisa do tinhoso. Traga ele até aqui na nossa igreja, que irei resolver esse problema. Irei tirar o diabo que se apossou do corpo dele e faz com que ele só lhe traga desgostos...” CRISTIANO (Desliga a TV.) Vai se tratar, animal de bosta. (Cristiano desliga a TV. Está visivelmente nervoso.) BRUNO O que foi cara? CRISTIANO Eu fico puto quando escuto uma coisa dessas. Essa falsa moral me irrita. E esse cara é homofóbico.
  • 12. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 11111111 BRUNO Calma cara. Relaxa. Da maneira que você reagiu, parecia até que ele estava se referindo a você. CRISTIANO E se estivesse, Buba? E se eu fosse um homossexual? Como acha que eu me sentiria? BRUNO Você tá muito abalado, Cris. Mas eu te entendo. Você acabou de sair de casa e agora é que tá percebendo a barra que vamos enfrentar daqui pra frente. Vem cá... (Abraça o amigo.) Pensar muito no futuro estraga o presente. (Cristiano tem o olhar perdido. Luz cai em resistência.) CENA 3 (Luz sobe lentamente. Cristiano acorda, levanta-se e vai até o banheiro. Lava o rosto, enxuga-o com uma toalha e vem para a cozinha, pega um copo de água e bebe. Volta pra sala e fica olhando para Bruno, que aos poucos, vai despertando.) CRISTIANO Boa tarde!!!! BRUNO (Boceja.) Que horas são? CRISTIANO Duas horas. BRUNO Putz, por que não me acordou antes?
  • 13. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 12121212 CRISTIANO Porque também acabei de acordar. BRUNO E aí, melhorou? CRISTIANO De quê? Ah, claro. Nem me lembrava mais. Foi bobagem minha... Às vezes eu dou umas dessas. Vai se acostumando... BRUNO (Mexendo no pau.) Mijar com o pau duro é foda! (Levanta-se e vai até o banheiro. Vira-se de costas e mija. Dá a descarga e volta para a cama.) BRUNO Já tomou banho? CRISTIANO Ainda não. Vou tomar mais tarde. BRUNO Então vou eu. (Tira toda a roupa. Cristiano vira-se de costas para ele, envergonhado.) BRUNO Por que ficou de costas, Cris?... Vai me dizer que nunca viu outro homem pelado?
  • 14. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 13131313 CRISTIANO Já, mas... BRUNO Mas o quê? Pode se virar, cara. O que eu tenho entre as pernas você também tem... E você, por que não fica pelado também? É muito bom, mano. O legal é criar o “bicho” solto. E se estamos sozinhos, porque não ficar mais à vontade? Maldita a hora que inventaram peças de roupa. Se dependesse de mim, todo mundo andava pelado. E você? Vai ter vergonha de tirar a roupa na minha frente? CRISTIANO É que eu não me sinto à vontade. Sei lá. Acho estranho... Eu não queria que achasse que eu estivesse me insinuando pra você. BRUNO Ah, para meu. E eu, por acaso, tô me insinuando pra você? CRISTIANO Não. Claro que não. BRUNO Então não tem grilo... Não quero te ver constrangido, belê? CRISTIANO Beleza, Buba. Vai pro seu banho. (Bruno entra no banheiro e abre o chuveiro.) BRUNO Vou aproveitar pra tocar uma punheta. Vamos fazer um campeonato de punheta?
  • 15. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 14141414 CRISTIANO Não tô a fim agora... Quem sabe, mais tarde. Vai fundo... BRUNO Quando era moleque vivia com medo de bater punheta. Diziam que dava espinha, pêlo na palma da mão, que o pau ia cair. Mas que é bom é. Qual foi o seu recorde? CRISTIANO Recorde de quê? BRUNO De punheta. Quantas você conseguiu bater num dia? CRISTIANO Duas. BRUNO Só duas? O máximo que eu consegui num dia foram nove. CRISTIANO Porra... Poderoso o rapaz!!! BRUNO Mas no outro dia, nem conseguia andar direito. Acho que a minha mão tem a alma feminina. Quando vê meu pau, já quer grudar. Ela até hoje foi a minha namorada mais fiel... Bem, vou nessa. Tô com um tesão danado. (Bruno vai para o banheiro.) CRISTIANO Oferece essa punheta pra velha aqui do lado...
  • 16. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 15151515 BRUNO (Volta, cabisbaixo.) Porra, cara. Brochei. (Luz cai em resistência.) CENA 4 (Cristiano e Bruno entram carregados de materiais. Exaustos, jogam os materiais num canto e deitam-se na cama.) CRISTIANO Ufff, tô o pó da rabiola! BRUNO O professor pegou pesado mesmo. Logo no primeiro dia de aula. Vai se foder. CRISTIANO Tem um “beck” aí? BRUNO Tem. (Bruno tira um papelzinho do bolso da calça, abre-o, prepara uma seda e começa a dichavar a maconha.) CRISTIANO Nunca tive saco pra dichavar maconha, preparar o cigarro de baseado. O “beck” já deveria vir pronto. BRUNO Aí não teria graça nenhuma. O barato é o ritual de preparação da erva.
  • 17. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 16161616 CRISTIANO Nunca consegui enrolar direito. Como consegue? BRUNO Anos de prática... Maconheiro profissional. (Bruno acende o baseado, dá um tapinha e passa para Cristiano.) BRUNO Esse fumo é do bom... CRISTIANO De quem você comprou? BRUNO Do Dani Maluco, do quarto semestre... CRISTIANO Esse curso tá começando bem... BRUNO E o que você esperava? A gente só faz duas coisas numa faculdade: fuma maconha e trepa... Ah, seguinte: sabe a Paulinha? CRISTIANO Que Paulinha? BRUNO Aquela loirinha tesuda da nossa sala que eu tava azarando, saca? Aquela com cara de puta da Augusta!!!!
  • 18. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 17171717 CRISTIANO Hum, sei... O que é que tem? BRUNO Então, eu chamei ela pra ver um filme aqui amanhã depois da aula. CRISTIANO E ela vem? BRUNO Topou na hora. CRISTIANO Essa eu pago pra ver... Mas a gente não tem DVD aqui... Ah, não, não me diga que você vai assistir ao Corujão. BRUNO Não... nada disso. Não existe filme nenhum, meu amigo. É uma jogada. Ela vem aqui, eu procuro o DVD e aí eu me lembro que esqueci de trazer o aparelho lá de casa, entendeu? Captou o meu raciocínio? Aí a gente ouve uma musiquinha romântica, toma vinho à luz de velas. O clima vai esquentando, eu faço ela beber bastante vinho... e parto pro ataque. Aí ela vai tá tão chapada que nem vai se lembrar do que aconteceu. (Esfrega as mãos.) Nem acredito que isso tá acontecendo... É bom demais pra ser verdade. CRISTIANO É. Mas não precisa se preocupar, viu? Eu não vou atrapalhar vocês. Eu passo a noite naquele hotelzinho da esquina. É um pulgueiro, mas dá pra encarar por uma noite... BRUNO Deixa disso, Cris.
  • 19. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 18181818 CRISTIANO Eu não vou me sentir à vontade com vocês aqui. Era só o que me faltava. Ficar de voyeur vendo você comer a mina. BRUNO Você não vai ficar de voyeur porque ela vai trazer uma amiga com ela. (Cristiano se afoga com o beck.) Desta vez você não escapa. Vai perder o cabacinho e vai gozar muuuuuuuuito nos peitos da cachorra. CRISTIANO Mas eu nem sei quem é a garota! BRUNO Na hora você conhece. CRISTIANO Do jeito que sou sortudo, imagino o “dragão” que vai aparecer aí... BRUNO Deixa de ser pessimista. E mesmo que seja um jaburu, ela tem buceta, não tem? Tapa a cara dela com um travesseiro e manda ver. (Ri.) CRISTIANO Ria, seu bosta, ria da minha desgraça. Queria ver se fosse contigo. BRUNO Ih, eu já comi tanta baranga que uma a mais, uma a menos não iria fazer diferença. O que vier, eu traço mesmo... CRISTIANO Até viado?
  • 20. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 19191919 BRUNO Pô, não precisa apelar, né? Não sou chegado em viado, não. Credo! Meu negócio é buceta. Só buceta. Nem cu de mulher eu curto. Muito menos um cu peludo de uma bicha filha da puta... (Cristiano levanta-se furioso e dá um soco na parede.) BRUNO O que foi Cris? CRISTIANO Eu nunca imaginei que você fosse preconceituoso. BRUNO Mas eu não sou preconceituoso. Foi só uma maneira de falar. CRISTIANO Maneira de falar! Jamais esperava ouvir isso de você. Justo de você, o meu melhor amigo. BRUNO Por que isso agora? Não existe nenhuma razão pra se comportar assim. Você tomou as dores que não são suas. Você nem é gay... CRISTIANO Mas tenho um primo que é. E eu sei o quanto ele sofre com isso. Quando meu tio pegou ele trepando no banheiro com o outro moleque, bateu tanto nele, até sangrar. Chamou-o de lixo dos lixos e o internou numa clínica psiquiátrica, porque achava que ele estava louco e que precisava de um tratamento. Na clínica, enfiaram um cabo no cu dele e deram tanto choque, mas tanto choque que o coitado acabou pirando... Eu tenho vergonha de ser um ser humano. Vergonha de pertencer a esse mundo desordenado,
  • 21. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 20202020 preconceituoso. Eu tenho medo do futuro. Pior ainda, eu tenho pânico quando sinto o desprezo das pessoas. Porque poderia ser comigo. Poderia ser com você, Buba. Às vezes eu fico com vontade de acabar com tudo. É tão simples. Pular desta janela, tomar veneno, ter uma overdose, cortar os pulsos, dar um tiro na cabeça, sei lá... Só precisa um pouco de coragem. Um pouco de coragem pra gente acabar com todo esse inferno. Não pode haver um lugar pior do que essa merda de cidade, essa merda de estado, essa merda de planeta... O inferno é aqui, o inferno são as pessoas que vivem aqui... BRUNO Desculpa Cris. CRISTIANO Nunca mais fale dessa maneira. Nunca mais. Entende agora o motivo da minha raiva por aquele pastor de merda? E depois quando você falou daquela maneira... É como se tivesse me dado uma punhalada pelas costas. BRUNO Desculpa pela minha falta de tato. CRISTIANO Eu precisava falar isso, senão eu iria explodir... BRUNO Claro. E pode contar sempre comigo. Pra tudo... (Bruno coloca a cabeça de Cristiano em seu colo.) BRUNO Tá mais calmo agora?
  • 22. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 21212121 CRISTIANO Buba... BRUNO Hum?! CRISTIANO Eu amo você. BRUNO (Sorri.) Eu também amo você. (Luz cai em resistência.) CENA 5 (Uma forte chuva cai lá fora. Somente relâmpagos e trovões clareiam a cena. A porta se abre e entram os garotos ensopados. Bruno tem um litro de vinho nas mãos.) CRISTIANO Que dilúvio! BRUNO (Ligando e desligando o interruptor de luz.) Pra ajudar acabou a energia... CRISTIANO Vamos tirar essas roupas antes que a gente fique doente. (Bruno coloca o vinho no chão e ambos tiram as roupas ficando de cueca.) CRISTIANO Não se enxerga nada aqui dentro.
  • 23. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 22222222 BRUNO Vou ver se acho as velas. (Iluminando a cena com um isqueiro.) Achei! (Acende as velas. Cristiano pega uma toalha e entrega para Bruno.) CRISTIANO A toalha... (Pega outra e ambos se enxugam.) BRUNO Cara, sacanagem da Paulinha, né? Preferir a carona do Caio do que vir aqui. Eu tava certo. Ela é mesmo mó putona. CRISTIANO Pelo menos eu me livrei da amiga dela. Eu tinha certeza que ela era monstruosa. Toda gatinha anda com um dragão do lado... Obrigado, meu São Sinfrônio por atender as minhas preces... BRUNO Que porra de santo é esse? CRISTIANO Sei lá. BRUNO Por que as mulheres são interesseiras, né? Bastam ver um carro ou dinheiro que tão logo abrindo as pernas. Aquela frase está mesmo correta: Quem gosta de homem é viado. Mulher gosta de dinheiro... (Percebe a gafe.) Ah, desculpa, cara. CRISTIANO Tudo bem, fica frio.
  • 24. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 23232323 BRUNO E nem um banho quente vai dar pra gente tomar... (Grita.) Merda de luz! CRISTIANO Mas tem vinho. BRUNO (Abrindo o vinho.) Este vinho tá longe de ser o do Porto. Mas vamos encarar, né? Se a gente tivesse grana pra comprar um melhor. CRISTIANO E isso embebeda rapidinho... BRUNO Eu sou péssimo pra beber. Bastam três tacinhas e já tô capotando... CRISTIANO Ah, foda-se. Vamos chapar mesmo. (Bruno coloca o vinho nas taças.) BRUNO (Levantando um brinde.) Um brinde à nossa amizade. (Brindam. Bebem.) BRUNO Como esquenta... CRISTIANO Vamos virar tudo de uma vez?
  • 25. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 24242424 BRUNO Ah, não. Eu sou fraco. CRISTIANO Relaxa... Vamos curtir. Não vamos fazer isso todo o dia... (Viram a taça e enchem novamente as taças de vinho.) CRISTIANO De novo. (Viram a taça novamente.) BRUNO (Bêbado.) Ah, Cris. Não aguento mais... Parei. (Ri.) CRISTIANO Mas e esse restinho? BRUNO Guarda pra temperar a salada... Ai, cara. Já tô doidão... Vou capotar. Boa noite. (Deita-se na cama e adormece imediatamente. Cristiano termina de beber mais um cálice de vinho, fecha a garrafa, senta-se ao lado de Bruno e observa o rapaz. Passa as mãos nos cabelos do amigo, em seguida acaricia o seu rosto e sua boca. Tomado por um súbito desejo, Cristiano beija-lhe a boca. É um beijo suave, que se prolonga por um tempo. Cristiano afasta sua boca da do amigo, em seguida beija o peito, desce pro abdômen e transa com Bruno. Black-out.)
  • 26. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 25252525 CENA 6 (Amanhece aos poucos. A luz ainda não voltou. Bruno continua dormindo. Cristiano, na sacada, sente a chuva fina molhar seu rosto.) BRUNO (Deitado, resmungando.) Ai que dor de cabeça... Maldito vinho... Que horas são, Cris? CRISTIANO Tá amanhecendo. BRUNO A luz já voltou? CRISTIANO Já... Vem aqui na janela sentir os pingos da chuva na cara. (Bruno levanta- se e vai até a janela.) CRISTIANO Que tal? BRUNO Ótimo pra curar a ressaca. CRISTIANO Vem comigo até a sacada? BRUNO É perigoso, cara. E eu morro de medo de altura. Eu sempre tenho a impressão de que alguém vai chegar e me empurrar... (Cristiano estende a mão e lentamente conduz Bruno até a sacada.)
  • 27. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 26262626 BRUNO (Aproxima-se, temeroso.) Que cagaço. (Cristiano olha abobalhado para Bruno.) BRUNO Que cara é essa, Cris?... Você tá me olhando de uma forma... Até parece que... CRISTIANO ...Que o quê? BRUNO Nada, não. Bobagem... coisa de bêbado. CRISTIANO Bruno, eu preciso te contar uma coisa... BRUNO Conta aí... CRISTIANO É um segredo que eu guardo comigo por um bom tempo. Tinha medo, vergonha de contar pra alguém, mas eu não consigo guardar isso por mais tempo. E eu preciso me abrir com você. (A chuva para e o sol começa a nascer.) BRUNO Não me assuste, cara. Fala de uma vez.
  • 28. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 27272727 CRISTIANO Vamos sair daqui... (Saem da janela e sentam-se no colchão no chão.) Bruno...Não fala nada, só me escuta, por favor... Me escuta e tenta me entender... Desde pequeno, eu minto pra mim mesmo. Até ontem eu fingi ser uma pessoa que não era, uma pessoa que fui educada para ser. E quanto mais o tempo passava, mais forte essa coisa se manifestava em mim. Até o dia em que resolvi arrumar uma namorada pra provar pra todo mundo, inclusive para mim, que eu era um garoto como outro qualquer e não um alienígena que todo mundo achava que eu fosse. Foi uma catástrofe a relação com essa menina. Não durou duas semanas. Terminei com ela e sequer disse o motivo pelo qual tava terminando. Eu não sentia tesão por ela. Ela podia ficar pelada na minha frente que eu não ia ligar. E não só ela. Qualquer menina poderia ficar pelada na minha frente que não ia ligar, porque nunca senti tesão por garotas... Apenas por um garoto. Um garoto que a cada olhar, a cada toque, a cada gesto me fez sentir vivo e amado. Como nunca ninguém me amou. Só que esse garoto nunca vai me olhar como eu queria que olhasse. BRUNO E quem é esse garoto? Eu conheço? CRISTIANO Você é tão ingênuo a ponto de não perceber de quem eu tô falando? BRUNO Juro que não faço ideia de quem seja. CRISTIANO É você, Buba! Eu sei que é difícil pra você entender, mas, por favor, não me queira mal... Quando eu vim morar pra cá e a nossa relação se tornou mais estreita, aí eu tive certeza daquilo que queria. Eu te dei várias indiretas que você nem percebeu. Quando eu disse que te amava, você levou pra outro lado:
  • 29. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 28282828 amor de amigo, amor de irmão... Eu também te amo como amigo, como irmão... Mas, o que eu sinto por você é... amor de homem. BRUNO (Sem palavras.) Francamente, não sei o que dizer... CRISTIANO Não, não diga nada, deixe eu terminar... E ontem à noite, depois que você caiu bêbado na cama, eu fiquei te observando por um tempo. E ao te ver ali, dormindo, não pude segurar o meu desejo. Experimentei um prazer que nunca havia experimentado antes: o de sentir o teu pau dentro de mim... (Bruno está perplexo. Levanta-se e não tem coragem de olhar para Cristiano. Fica de costas para ele.) BRUNO (Meio tom.) Eu tenho... nojo de você... (Furioso.) Por que você fez isso comigo? Nunca me senti tão sujo! Nenhum banho, água nenhuma vai limpar a sujeira que você deixou em mim. Essa sujeira não tá no corpo, não. Tá na alma. Minha alma tá imunda! CRISTIANO E a minha tá mais pura do que a alma de um bebê recém-nascido porque fui honesto com você. BRUNO Não, não foi. Você se aproveitou de um momento de fraqueza que eu tive pra me usar. CRISTIANO Eu não te usei...
  • 30. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 29292929 BRUNO Ah, não? E o que fez, então? E eu que achava que você fosse o meu melhor amigo. Que a gente iria construir algo junto, e você pegou tudo isso e jogou pela janela... Sai daqui, cara. Sai daqui antes que eu faça uma besteira. Mesmo você sendo o asqueroso que é eu não quero te fazer mal. CRISTIANO E existe mal maior que me odiar? BRUNO Você é um traidor da pior espécie. CRISTIANO Se eu fosse um traidor você nunca saberia o que tinha acontecido entre a gente. Eu guardaria isso só pra mim. Seria um segredo só meu. BRUNO Que também trancaria a sete chaves como fez com a sua homossexualidade... Não confiou nem na sua própria família. CRISTIANO Pra quê? Pra eles me apedrejarem como o meu tio fez com o meu primo? Pra eles me levarem ao psiquiatra, me tratarem como doente mental? Eu me abri com você porque tinha a certeza de que me entenderia... Só que você me apedreja e ainda é capaz de ir correndo contar esse segredo para os meus pais. BRUNO Não vou fazer isso. (Cristiano tenta abraçar Bruno que o repele.)
  • 31. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 30303030 BRUNO Tire suas mãos nojentas de cima de mim. Eu não quero mais olhar pra tua cara. Eu quero que você se mude daqui o quanto antes. E por favor, não piore as coisas. CRISTIANO Você fala como se estivesse disposto a não ceder e a não acreditar? BRUNO É a minha última palavra. Procure outro lugar para morar porque aqui, não dá mais. Acabou... (Pega uma toalha.) E agora dá licença que eu preciso muito de um banho. Vou tentar me livrar dessa nhaca que você me deixou. Que nojo! (Vai para o banheiro.) CRISTIANO Nenhuma mulher vai te dar o amor e o carinho que lhe dei e ainda tenho pra dar. Pensa nisso. Se conseguir provar que tudo o que eu fiz foi com má-intenção, aí sim, pode me chamar de traidor. (Abre a porta e sai.) CENA 7 (Bruno está deitado no puff, perturbado. Ouve-se uma chave girando no tambor. A porta se abre e por ela entra Cristiano, abatido. Fica parado à porta esperando alguma reação de Bruno, que permanece indiferente o tempo todo.) CRISTIANO Posso entrar? BRUNO Já entrou...
  • 32. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 31313131 CRISTIANO Cara, a gente precisa conversar. BRUNO Não tenho mais nada pra falar com você. CRISTIANO E o que você vai fazer? BRUNO Esperar que você tome vergonha nesta cara imunda e se mande daqui... CRISTIANO Eu preciso de um tempo. Não é fácil alugar um apê. E como eu vou explicar pro meu pai o motivo pelo qual tô saindo daqui? Ele vai querer saber. E se descobrir o verdadeiro motivo, nem sei o que ele seria capaz de fazer... Acho que seria capaz até de me matar. BRUNO Eu teria feito o mesmo se eu tivesse um filho como você. Coitado do seu pai!!! Que humilhação pra ele... CRISTIANO Eu cometi algum crime? Porra, cara. Pensa que é fácil pra mim? Você acha que eu tô feliz com essa situação? BRUNO E eu, Cristiano? Como acha que eu tô me sentindo? Você conseguiu quebrar todos os laços de carinho que eu tinha por você.
  • 33. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 32323232 CRISTIANO E é em nome desse carinho que eu te peço: tenta, ao menos, entender o porquê “daquilo”. BRUNO Para de ser ridículo! Você destruiu a minha vida. Será que isso já não foi o suficiente? Por favor, não fale mais comigo e me deixe ver a TV. CRISTIANO (Fica na frente da TV.) Não. A gente precisa conversar nem que seja pela última vez. BRUNO Sai da frente... CRISTIANO De jeito nenhum. BRUNO Se você não sair da frente da porra desta TV, eu não respondo por mim. CRISTIANO Vai fazer o quê? BRUNO Não me provoca... CRISTIANO Vai fazer o quê? (Desliga a TV.)
  • 34. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 33333333 BRUNO (Empurra Cristiano violentamente.) Sai daí... Me deixa em paz... Seu, seu... sua, sua... CRISTIANO Diga... O que eu sou? Diga! Ficou mudo por quê? Vai fugir mais uma vez? Mais uma vez vai se comportar como um covarde? BRUNO (Explode.) Covardia foi o que você fez comigo. Quando eu olho pra sua cara eu tenho vontade de vomitar. Eu devo ser muito burro mesmo. Como não fui perceber isso antes? Mas tem uma coisa que não nega: a tua cara. É só olhar com mais atenção pra você que logo a gente percebe o que tá por trás desta sua máscara. (Bruno coloca uma bermuda e uma camiseta e faz menção de sair.) CRISTIANO Onde você vai? BRUNO Não é da sua conta. CRISTIANO Vai fugir mais uma vez? BRUNO Entenda como quiser. (Bruno sai. Cristiano corre até a porta e grita para fora.)
  • 35. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 34343434 CRISTIANO Vai... foge... vai pro inferno! BRUNO (Off.) Vai se foder. (Cristiano bate a porta. Ao voltar para dentro, chuta o puff com muita raiva. Em seguida começa a colocar suas roupas numa mala com muita rapidez. Depois de um tempo, Bruno volta.) BRUNO Por que você tá arrumando a mala? CRISTIANO Não era isso que você queria? Que eu sumisse daqui? Muito bem. Seja feita a sua vontade. BRUNO Peraí, cara. Não é assim. Vamos conversar. CRISTIANO Não temos mais nada pra conversar. Você já disse tudo o que tinha pra me dizer. BRUNO Pra onde você vai? CRISTIANO Que importância tem isso agora? BRUNO Mas e a facul?
  • 36. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 35353535 CRISTIANO Antes de cair na estrada eu passo lá pra trancar a matrícula. BRUNO Não faz isso, cara. CRISTIANO Não tava curtindo o curso. E também porque não vou conseguir ficar perto de você depois de tudo o que aconteceu entre a gente. Tô tirando meu time de campo. (Vai saindo.) (Bruno segura Cristiano pelo braço e num impulso, beija-o. Quando percebe o que fez, empurra Cristiano.) BRUNO Vá embora, cara. Vai embora. (Bruno não consegue encarar Cristiano.) CRISTIANO (Ao chegar à porta, para e vira-se para Bruno.) Até quando vai continuar mentindo pra si mesmo, Bruno? Até quando vai fingir ser uma pessoa que não é? Até quando vai conviver com esse medo? Eu não queria estar no seu lugar, porque viver com medo, Bruno, é viver pela metade. (Cristiano sai. Bruno mantém-se indiferente. Cristiano bate a porta. Nesse momento, Bruno deixa aflorar todos os seus sentimentos e fica olhando para o vazio enquanto uma lágrima escorre pelo seu rosto. Em seguida caminha lentamente até a sacada. Luz cai em resistência até o black-out final.) FIM
  • 37. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Depois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da ChuvaDepois da Chuva............ 36363636 (...) “Sejamos mais precisos: melhor que de homossexualidade, deveríamos falar de relações entre pessoas do mesmo sexo. Deveríamos, então, empregar o termo homofilia”. Jean-Philippe Catonné Novembro/2005