Abril de 2004 – “Se não serve para brincar, não presta!”. Comunicação apresentada, em colaboração com a Educadora Bibiana Magalhães, no 1º Encontro Nacional de Educadores de Infância e Professores do 1º Ciclo da Areal Editores – Porto
1. 1º Encontro de Professores do Pré-escolar e do 1º Ciclo do
Ensino Básico
Como fazer da Sala de Aula uma Oficina – Utilização de materiais
“Se não serve para brincar, não presta!”
Grupo de Planificação, Execução e Avaliação de Material Didáctico
Associação de Profissionais de Educação de Infância
Bibiana Magalhães e Henrique Santos – Educadores de Infância
Resumo
Mais do que definir quais os materiais a escolher e qual o lugar e espaço a ocupar na sala o
profissional de educação deve ter em conta aspectos como: o seu grau de pertinência, o seu
nível de adequação, a zona de desenvolvimento proximal da criança. A selecção criteriosa dos
equipamentos e dos materiais devem presumir todos estes aspectos e a inter-relação e
implicação entre eles. Os estudos e a literatura revelam-nos qual a importância que os
brinquedos e os materiais Didáctico-Pedagógico assumem na construção do imaginário infantil,
na estimulação do desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança, bem como, a sua
maturação racional e social.
Com esta comunicação pretende-se abordar a importância do papel do profissional na
elaboração, a priori e a posteriori, na construção e orientação de esquemas conceptuais que
permitam uma profunda reflexão-acção sobre o(s) modelo(s) ou referenciais pedagógico(s)
escolhido(s).
Palavras-Chave: Actividade lúdica e jogo. Estratégia e selecção de materiais. Papel e Atitude
do Adulto Educador. Brincar e Brinquedo.
Antes de educardes as crianças começais por conhecê-las, porque
certamente não as conheceis. A criança tem maneiras de ver, de pensar
e de sentir que lhe são peculiares; nada menos sensato que querer
substituí-las pelas nossas. A natureza quer que as crianças sejam
crianças antes de serem homens.
Rosseau (citado por Planchard, 1972)
A criança e o seu mundo mágico, de fantasia e de imaginação
Todos nós, de uma forma mais ou menos empírica, olhámos a infância como o
período de excelência em que o mundo mágico, o domínio da fantasia e o
poder da imaginação assumem contornos únicos e irrepetíveis. Se nos
remetermos a essa mesma infância não haverá, com certeza, quem não se
recorde de, pelo menos, uma situação em que ultrapassou os limites do real
2. nas suas brincadeiras, espantou-se com a magia de um brinquedo e embarcou
numa fantástica descoberta. A magia, a fantasia e a imaginação são, pois,
aspectos inerentes ao próprio desenvolvimento humano.
Transpondo-nos, também nós, para um tempo e um espaço tão distante como
o da antiguidade clássica, reparamos que a expressão mythos entendida como
palavra/discurso ou história/narrativa é marcada pela poesia e pela imaginação.
O mito, reflexo de um património cultural colectivo, é entendido como: relato
tradicional que apresenta a actuação memorável de personagens
extraordinárias, reportadas a um tempo distante e a um tempo prestigioso ou
prestigiante (Jabouille, 1993) correspondente à necessidade intemporal do
Homem em aceitar, compreender, explicar e ultrapassar a sua realidade.
A este propósito, Kédros (1986) afirma que este património é um grande
reservatório de condutas possíveis, um corpus de censuras expressas de
forma simbólica e de ligações do subconsciente. Na opinião do autor, é urgente
apostar no maravilhoso, no fantástico, no insólito, no bizarro, no cómico.
Aspectos imprescindíveis ao equilíbrio mental da criança e que faz entrar o sol
e a alegria na sua realidade quotidiana, permitindo-lhe conhecer, compreender
e dominar o mundo circundante.
Por sua vez, Piaget, e no que se refere ao estádio do pensamento intuitivo ou
pré-operatório, reconhece a existência de estruturas mentais (abertas,
intuitivas, livres e imaginativas) que permitem à criança utilizar a sua
imaginação como forma de experimentar relações com o mundo,
independentemente da realidade mais imediata. Neste período, a criança já
ultrapassou os limites sensoriais e perceptivos da sua relação com o mundo,
para exercer e potenciar as suas capacidades simbólicas em que a
representação mental, a utilização dos símbolos e as associações livres
assumem particular significado.
Decorrente do exposto será coerente afirmar que, neste e noutros estádios, a
criança adquire capacidades e desenvolve potencialidades com uma facilidade
surpreendente, devendo-se apostar em estímulos adequados ao seu grau de
desenvolvimento e ao seu nível de maturação. Assim, é importante analisar a
gama de estímulos presentes num determinado ambiente, reforçá-lo e
enriquecê-lo, de acordo com as suas necessidades.
- 2 -
3. Os brinquedos passam a ter vida própria, os objectos assumem diversificadas
funcionalidades, nascem e criam-se amigos imaginários e a natureza assume
contornos animistas.
Actividade lúdica, jogo e desenvolvimento
A actividade lúdica e a situação de jogo, levadas a cabo pela criança, não
dispensando o acompanhamento e a vigilância do adulto, constituem forças
inesgotáveis nos mais diferentes domínios.
No domínio da interacção mãe/filho facilita e satisfaz as necessidades dos
contactos, dos afectos, dos sorrisos, dos reforços positivos; no domínio
cognitivo ajuda a criança a desenvolver as capacidades de abstracção,
simbolização, imaginação e criatividade, assim como possibilita o exercício da
concentração e memorização; no domínio da linguagem possibilita a aquisição
de novos conceitos e palavras, desenvolve capacidades de percepção,
nomeação e verbalização, aumenta capacidades linguísticas (fonéticas,
fonológicas, semânticas, sintacto/morfológicas); no domínio da socialização
possibilita a interacção, facilita a assimilação da noção de grupo, promove
capacidades de ouvinte activo, desenvolve potencialidades de interiorização e
cumprimento de regras.
A criança e o brinquedo
O brinquedo, na actividade lúdica e nas situações de jogo, apresenta-se como
instrumento facilitador da acção e da interacção da criança sendo
simultaneamente um meio promotor das suas capacidades mágicas,
fantásticas, imaginativas e criativas. No entanto, há que ter em conta vários
aspectos, entre eles: a idade da criança, o seu nível de desenvolvimento; as
suas preferências e motivações; as características do brinquedo (dimensão,
textura, forma, cor, etc.); o cumprimento dos critérios de segurança e higiene;
objectivos educativos e a intencionalidade educativa subjacente à escolha do
brinquedo.
A criança e a actividade lúdica
- 3 -
4. Ao olharmos o mundo que nos rodeia, deparamo-nos quotidianamente com a
diferença e a diversidade, considerando-os como desafios gratificantes e fortes
contributos para o nosso crescimento individual.
A experiência demonstra-nos que quanto maiores forem as capacidades de
adaptação à situação e de adequação ao contexto, maiores são as
capacidades de resposta e de resolução de problemas.
As crianças diferentes (qualquer que seja a diferença) apresentam, em relação
à actividade lúdica e às situações de jogo, o mesmo padrão de evolução e de
comportamento, exigindo, no entanto, uma atenção redobrada em relação a
determinados aspectos, entre eles:
− a qualidade,
− a intensidade,
− a pertinência,
− a regularidade dos estímulos fornecidos;
− a organização e valorização de um determinado espaço e tempo lúdico;
− o nível de desenvolvimento em relação aos seus pares;
− o investimento qualitativo em verdadeiras experiências diferenciadas e
vivências significativas;
− a necessidade de uma maior iniciativa e de uma maior disponibilidade
por parte do adulto;
− a simplificação e a adequação das propostas ao padrão de
desenvolvimento e comportamento apresentado;
− as atitudes de reforço e de discriminação positiva.
A criança, a família e o educador
“Quem chamou BRINCAR ao viver do miúdo foi o adulto. O miúdo, de
tão demasiado ocupado a viver, nunca de tal palavra se lembraria”
Pedro Soares Onofre
Já na Antiguidade Grega, escola queria dizer loisir, tempo suficiente para se
fazer o que é agradável e professor queria dizer mestre de jogo.
É urgente e necessário que a Escola aprenda a jogar antes de aplicar e “impor”
as suas perspectivas e intenções sobre a função do jogo.
- 4 -
5. A Escola, a braços com o seu falso problema do insucesso escolar, não tem
sabido estudar profundamente a natureza lúdica dos miúdos.
Ao contrário disso, o processo escolar tem sido concebido segundo o modelo
produtivo do adulto, interpretando os miúdos não segundo a natureza destes
mas procurando torná-los “animais sábios”.
Estes, descompensados já na escola, poderão continuar assim, em menor ou
maior grau, na sua vida mais tarde.
Ao chegar ao final desta exposição não se poderia deixar de referir o papel
indiscutivelmente importante da família e do educador neste processo de
actividade lúdica e de jogo da criança.
Reflexo da evolução da sociedade contemporânea, particularmente após a II
Revolução Industrial, deparamo-nos com diferentes condicionalismos, sociais e
laborais, que tem reduzido, em tempo e em espaço, a conviviabilidade entre os
elementos da família.
Não poderemos esquecer, no entanto, que são os pais e a família os principais
responsáveis pela educação da criança e com os quais esta estabelece laços
que perduram ao longo da vida. São eles os que mais profundamente
influenciam a criança através duma relação afectiva, de suporte e protecção,
estável e equilibrada.
Sublinhando igualmente a importância da função técnica, pedagógica, e
educativa do Profissional de Educação, consciente e conhecedor da sua acção,
há a acrescentar que este constitui um elemento facilitador do processo de
interacção, articulado e contínuo, entre criança e a sua família.
O educador, através da sua presença activa, dinâmica e colaborante,
contribuirá, directa e indirectamente, para o enriquecimento da actividade
lúdica e das situações de jogo, assim como promoverá a construção do mundo
mágico, fantasioso, imaginativo e criativo da criança potenciando as suas
capacidades pessoais e sociais.
A organização das situações de jogo são aspectos fundamentais na acção
educativa, porque tendem a realizar esse projecto de contínua desestruturação
e reestruturação da personalidade (Desenvolvimento movimento descontínuo
assimilação e acomodação) como processo que implica, não só, a percepção
das relações, mas também, a capacidade de perceber novas relações numa
perspectiva criadora.
- 5 -
6. O problema do adulto, professor, educador, animador é de saber
organizar sem hierarquizar. Temos de dizer que não há magia do chefe
e da causa, do sacrifício e da sacralização, das regras e dos ritos, que
aniquilam a vontade de viver e transformar.
Pedro Onofre
O Adulto, na sua “vertigem de civilização” endurece a pedagogia em nome da
rentabilidade.
Até o próprio jogo de âmbito corporal e motor é cuidadosamente organizado
competitivamente, sem apelo criativo, a título de supostos objectivos de
melhoria de destreza e de saúde.
A nossa escola relega os tempos agradáveis para fora dos seus conteúdos e
até para os fins do tempo lectivo...
A sociedade moderna tornou-se séria, austera, exploradora até à obsessão e
ao seu esgotamento.
A Escola escolheu “jogos-exercício” que são demasiados automatismos de
acumulação e não de procura e de solução.
A criatividade, na sociedade e na Escola, permanece marginal e suburbana.
“...o adulto terá que facilitar a concretização daquilo que a criança estiver
pronta a encontrar...; procurando acompanhar a omnipotência mágica da
experiência dela”
Winnicot
- 6 -
7. Anexos
Child Games
Atitude do Educador
O que fazer com uma bola de Ping-Pong?
É fundamental compreender que o processo de valorização do objecto se faz
no sentido da prática efectiva para a contextualização pedagógica e não o
contrário, ou seja, a importância do brincar precede a descrição educativa
Potencialidades Atributos e Conceitos
Orientações Educativo-
Pedagógicas
Nomear verbalmente os atributos da
bola (cor, textura, forma, dimensão,
tamanho, volume, funcionalidade)
Descrever o objecto, brincando com a
linguagem;
Falar com os outros sobre o objecto;
Reconhecer a bola pelo som, pelo
cheiro, pelo tacto…
Cor
Textura
Forma
Dimensão
Tamanho
Volume
Funcionalidade
Estímulos sensoriais
Colaboração/Interacção
Área de Expressão e Comunicação
Domínio da Linguagem Oral e
abordagem à escrita
Domínio da Matemática
Área do Conhecimento do Mundo
a capacidade de observar;
o desejo de experimentar;
a curiosidade de saber
Atirar a bola, com diferente
intensidade, para frente/trás;
cima/baixo;
Lançar a bola para um colega, para
um determinado local ou objecto
(frente/trás; cima/baixo;
direita/esquerda).
Rodar à volta do objecto ou rodar a
Manipulação
Direcção
Sentido
Lateralidade
Correspondência
Equilíbrio
Destreza
Motricidade
Área de Expressão e Comunicação
Domínio das expressões motora,
dramática, plástica e musical
Domínio da Matemática
- 7 -
8. - 8 -
bola sobre si mesma no chão, na
mão.
Rolar sobre a bola ou rolar a bola
sobre partes do seu próprio corpo ou
sobre o corpo do “outro”.
Transportar a bola em diferentes
partes do corpo (mão, pé, cabeça) de
olhos fechados/vendados sob as
indicações de um colega.
“Vamos fazer de conta...”
Contar uma história
Ouvir os sons/silêncio que podemos
criar...
Musicar com recurso aos sons da
bola
Experimentar
Ouvir
Interacção
Colaboração
Expressão
Área do Conhecimento do Mundo
a capacidade de observar;
o desejo de experimentar;
a curiosidade de saber
Área de Expressão e Comunicação
Domínio das expressões motora,
dramática, plástica e musical
Domínio da Linguagem Oral e
abordagem à escrita
Área de Formação Pessoal e Social
Educação estética.
Organização do Ambiente Educativo
OOrrggaanniizzaaççããoo
ddoo GGrruuppoo,, ddoo
EEssppaaççoo ee ddoo
TTeemmppoo
OO GGrruuppoo
OO EEssppaaççoo
OOrrggaanniizzaaççããoo
ddoo tteemmppoo
OOrrggaanniizzaaççããoo
ddoo mmeeiioo
iinnssttiittuucciioonnaall
RReellaaççããoo ccoomm
ooss ppaaiiss ee
oouuttrrooss
ppaarrcceeiirrooss
AAbboorrddaaggeemm ssiissttéémmiiccaa ee eeccoollóóggiiccaa
AArrttiiccuullaaççããoo ddee
CCoonntteeúúddooss
Área de Expressão
e Comunicação
Área do
Conhecimento
do Mundo
Área de
Formação Pessoal
e Social
Domínio das
expressões
motora,
dramática,
plástica e musical
Domínio da
Linguagem Oral e
abordagem à
escrita
Domínio da
Matemática
Educação
multicultural;
Educação sexual;
Educação para a
saúde;
Educação para a
prevenção de
acidentes;
Educação do
consumidor;
Educação estética.
a capacidade de
observar;
o desejo de
experimentar;
a curiosidade de
saber e
a atitude crítica
Continuidade Educativa
ÁÁrreeaass ddee CCoonntteeúúddoo
OOrrggaanniizzaaççããoo ddoo AAmmbbiieennttee EEdduuccaattiivvoo
9. Referências
Bettelheim, B. (1998). Psicanálise dos Contos de Fadas. Lisboa. Bertrand
Editora
Jabouille, V. (1993). Do Mythos ao Mito. Lisboa. Edições Cosmos.
Kédros, A. O maravilhoso na literatura para jovens na era da tecnologia;
Comunicação ao 15º Congresso do IBBY. Atenas. 1976 (Texto
fotocopiado).
Madeira, S. A função do Imaginário – Entre o Individual e o Colectivo. Texto
fotocopiado. Lisboa. Novembro de 2000.
Onofre, P.S. (1996) “Antes do poder do adulto o princípio era o brincar, e antes
da invenção da Escola, o princípio era o jogo”. Cadernos de Educação
de Infância, Dez 96. APEI: Lisboa
Pranchar E. (1972). A Pedagogia Contemporânea. Coimbra. Editora L.da.
Proteste. (2003) Brinquedos: Como escolher - Brincadeiras muito sérias.
Proteste, 241. Novembro 2003, p.16-17.
Teste Saúde (2003). Brinquedos perigosos. Teste Saúde n.º 41,
Janeiro/Fevereiro 2003, p. 9-11.
Rigolet, S. (1998). Para uma aquisição precoce e optimizada da linguagem.
Porto. Porto Editora.
- 9 -