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Papafigo
 de David Machado Santos Filho
Papa figo é uma figura lendária do folclore brasileiro, conhecida principalmente na Bahia. Há
relatos em que ele se parece com uma pessoa normal; para outros, teria unhas de ave de rapina, e
orelhas e dentes de vampiro. Ele matava meninos e meninas mentirosos para chupar-lhes o sangue
e comer-lhes o fígado (daí o nome, corruptela de papa-fígado). Isso porque ele sofria de uma
doença rara (para alguns, o mal de Hansen, o que explicaria sua aparência grotesca), e acreditava
que sangue e fígado de crianças o curariam.
Papafigo
        Ele chegou vindo da direção do sol poente, que presenteava todos os que o aguardavam com
um magnífico arrebol, coroando o horizonte daquela planície descampada ao lado do colégio. As
crianças saiam naquele exato momento em direção a suas casas, após uma tarde de aulas. Seu
semblante era simpático, a longa cabeleira vermelha era ainda mais realçada contra o sol poente
atrás dele. Trazia balas, doces, brinquedos, guloseimas e histórias maravilhosas. Muito
rapidamente, assim que começou a contá-las, reuniu logo uma roda de crianças em volta para ouvi-
lo atentos. Ele descrevia mundos subaquáticos, pedras falantes, árvores que guerreavam e protegiam
as antigas florestas que, em suas próprias palavras, "cobriam isto tudo em volta que vocês veem
agora, ocupados por feios prédios cinzentos". A conversa era empolgante. Muitos alunos
simplesmente se esqueceram de voltar para casa: permaneceram lá, suportando um pequeno frio
nem tão intenso assim (naquele mês de julho o inverno estava realmente bastante ameno).
Empanturram-se de açúcar enquanto ouviam aquelas histórias incríveis, de um tempo tão antigo que
nenhum deles era capaz de conceber.

----------

       “Mais três garotos desaparecidos ontem, segunda-feira. Já são cinco, contando os outros
dois da última sexta-feira. Até o momento a polícia não tem nenhuma pista. Descarta-se a ideia de
sequestro, já que até o momento os desaparecidos são de famílias de classe baixa e médio-baixa,
sem grandes recursos financeiros, o que elimina o resgate como possível motivação dos crimes.
Voltaremos com um novo plantão assim que tivermos maiores detalhes deste terrível incidente.”

       Dona Zélia ficou realmente preocupada com o noticiário da TV local. Ela conhecia a mãe
de um dos desaparecidos, ela morava bem perto. Não seria melhor que o filho não fosse à escola
pelo menos hoje? Ou enquanto durasse esta ameaça?

         - Cadu, toma cuidado filho! Não fale com nenhum estranho.

       - Relaxa, mãe! - respondeu no típico tom de um pré-adolescente, seguro de que o mundo lhe
pertencia. - Eu sei me cuidar!

         - Não vai sair por aí...

         - Mãe, tá cheio de polícia aí fora! Ninguém vai ser louco de tentar nada!

         - Saindo da aula, venha direto pra casa!

         - Ah, mãe! Não sou mais criança.

       Enquanto Cadu passava pelo portão de casa, Dona Zélia tentou reforçar o aviso,
assustando o garoto:

         - Você sabe, direto pra casa, hein! Senão o Homem-do-saco...

       - Ah, Mãe!!! Brincadeira, né? - joga a mochila do lado direito do corpo e sai indignado em
direção à escola.

==========
“Minha mãe tem cada uma!”, pensava Cadu, deixando a sala de aula em direção ao portão
de saída do colégio. “Homem-do-saco? Ela acha que tenho quantos anos? Tenho doze, caramba! Já
sou grande! Isso me assustava quando eu era criança. Agora não assusta mais!”

        Procurou pelos amigos, não encontrando nenhum. Onde teriam se escondido? Foram para
casa direto? Estariam também assustados com toda aquela história de desaparecimento? Continuou
caminhando para os portões.

       Atravessando os portões do colégio, vê uma rodinha de moleques a certa distância, no
descampado ao lado. “Vou só dar uma olhadinha”, pensou, incapaz de conter sua curiosidade.
Reconheceu na rodinha o rosto do amigo Tico. Animado ele acenou de longe. Chamou Cadu,
dando-lhe um empurrãozinho a mais para se decidir:

       - Chega aí, Cadu! - ele comia uma barra de chocolate, e o rosto parecia bem animado. - Esse
cara aqui está contando cada história incrível! Você tem que ouvir! - olhando bem, Cadu concluiu
que o amigo estava bem mais animado que o normal!

       O rapaz de cabelos vermelhos continuava falando. Mencionava uma festa com mágicos de
verdade. “Nada de ilusionistas, nem truques. Falo de mágica mesmo! De flores brotando do fogo,
serpentes vestidas de estrelas... este tipo de coisa”. Só então ele repara Cadu, novo na roda, ouvindo
com olhos arregalados:

        - Quer um doce, garoto? - oferece o estranho rapaz de cabeleira vermelha, enquanto Cadu
tenta educadamente recusar.

         - Agora não! Depois!

         Os olhos do estranho parecem brilhar.

         - Muito bom, garoto! Muito bom! Você é diferente dos outros...

         Tico, ao lado de Cadu, ficou bastante entusiasmado com a ideia da festa:

         - Nesta festa mágica que você diz aí, vai ter garotas?
         - Várias delas! Uma mais bonita que a outra!

         - Conte mais disso pra gente!

         E continua contando as histórias para uma plateia vidrada, incapaz de piscar os olhos.

----------

       “Dois corpos foram encontrados!”, noticiava um plantão do jornal local, interrompendo a
novela que Dona Zélia assistia atenta. “Os dois garotos, desaparecidos na semana passada, foram
encontradas mortos no lixão da cidade. Apresentavam um corte costurado do lado direito do
abdômen, e seus fígados haviam sido removidos. A polícia federal já foi acionada, e trabalham com
a hipótese de tráfico internacional de órgãos. Os outros três garotos desaparecidos ontem ainda
não foram localizados...”

         - Cadu! Cadê o Cadu? Onde está meu filho? Já deveria ter chegado!
- Calma, mulher! - Seu Mauro acabara de chegar, e tentava tranquilizar a esposa. - Não vá
pensar besteiras! Ele deve estar aprontando alguma com os amigos. Daqui a pouco ele chega!

        “Ainda é um mistério o motivo de apenas os fígados serem removidos, preservando-se
intactos todos os outros órgãos. Segundo o investigador do caso, o Agente da Polícia Federal
Afonso Chagas, isto não faz parte do ‘modus operandi’ de traficantes de órgãos, que normalmente
tentam aproveitar o máximo possível de suas vítimas.”

         - Ouviu? Ouviu isso? Vou ligar para a polícia agora!!

       Ela tentou. Várias vezes! Mas as linhas estavam todas congestionadas, como era de se
esperar naquela situação. O desespero começava a tomar conta daquela casa...

==========

        Cadu não sabia ao certo o que o convenceu, mas caminhava agora lado a lado com o
estranho. Foram duas, três horas ouvindo aquelas histórias maravilhosas? Não sabia ao certo, mas o
fato é que era noite fechada de inverno agora, o sol já havia descido o poente há muito tempo!

       O estranho tinha uma mania bem estranha de bater com os nós dos dedos em todos os postes
e árvores que encontrava no caminho. Cadu estranhou muito aquilo, mas achou que não seria
educado perguntar algo sobre esta mania maluca.

         - Você não gosta muito de doces, não é mesmo... Qual seu nome?

         - Cadu!

         - Cadu... - repetiu o estranho. - Nome bonito!

       Ele ainda se lembrava do apelo do amigo Tico, então vermelho como camarão e
visivelmente alterado. O que havia naqueles doces? “Não vai, Cadu! Sua mãe vai ficar
preocupada!” Mas para ele eram todos um bando de medrosos. O estranho havia falado de uma
festa mágica. Mais que isso, garantiu que haveria garotas lá. E o rosto do estranho inspirava tanta
confiança que o garoto o seguiu sem medo. Cadu, o destemido, que não tem medo de nada! Agora
começava a se arrepender... mas seria incapaz de fazer feio perante o estranho.

         - Não é muito longe, mas tem uma boa subida! Está bom das pernas?

         - Vamos lá! Poderia escalar o Everest. - disse o garoto confiante, cheio de coragem.

       Ele sabia que não deveria subir o morro, ainda mais com um estranho! Mas iria mostrar
fraqueza? Lógico que não! E foi assim que ele acabou se perdendo em meio aos labirínticos becos
daquela favela, acompanhado de um estranho que o encorajava o tempo todo.

         - Relaxa, comigo você está seguro! Você nem imagina o que existe onde estou te levando!

         Seguiu morrendo de medo, mas confiando no novo amigo.

----------

       - Ah, graças a Deus! É meu filho, ele sumiu! Faz horas que devia ter chegado do colégio!
Estou desesperada!
- Calma, senhora! Conte-nos tudo: quem é, de que colégio, desde quando desapareceu, com
quem estava...

       - Este traficante de órgãos! Sei que ele pegou meu filho! Que eu faço? Que eu faço?!!

       - Não vamos nos precipitar, senhora!

      - Eu disse para ele não ir pra escola! Eu disse!! - e começa um choro convulsivo. Seu
Mauro precisa tomar o aparelho telefônico para continuar a conversa com o atendente da polícia.

       - Minha mulher está incapaz de continuar, eu lhes dou os detalhes.

       - Por favor, senhor...

       - Mauro!

       - Senhor Mauro, qualquer informação nos será útil.

       - Então... Nosso filho costuma sair 17:30 do colégio, e em no máximo 15 minutos está em
casa. Mas até o momento... - agora é ele que começa a soluçar.

       - Fiquem calmos! Mandaremos uma viatura até aí imediatamente. Podem fornecer o
endereço?

========

       - Já tomou cerveja, Cadu?

       - Lógico que não! Meu pai não deixa. Por quê?

       - Só curiosidade! Nem escondido?

       - Nem escondido. - e pergunta, desconfiado. - Vai ter cerveja na festa?

       - Não vai ter não. Você é bem novo, né?

        Continuam caminhando, subindo ladeiras cada vez mais íngremes. “Mesmo alpinistas teriam
dificuldade em subir aqui”, pensa Cadu.

       Olha para o abdômen do garoto.

       - Você não tem barriga d’água também, né?

       - Que é isso?

       O estranho olha a barriga reta do garoto:

       - Esquece! Você não tem...
Depois de atravessarem becos tortuosos, chegam ao alto do morro. Uma grande pedra negra
se ergue no centro de uma espécie de praça, rodeada de construções mal acabadas de alvenaria e
algumas de madeira.

       - É aqui!

       - Aqui? - estranha Cadu.

       - Você precisa confiar em mim agora, Cadu. Nós vamos entrar!

       - Na pedra?

       - Sim, na pedra! Você acredita em Mágica? - remexe seu bolso, e tira uma pequena bolota
esverdeada dele. - Mas antes você tem que tomar isto aqui! Para entrar!

       Cadu olha desconfiado. Seria educado recusar?

      - As pessoas normais não veem a entrada. Procuram, procuram... mas não encontram nada.
Porém ela existe! Mas você precisa tomar isto aqui, garoto! Para ver onde ela está.

       Cadu olha em volta. Há certa distância, vê uma rodinha de moleques fumando qualquer
coisa malcheirosa. Pensa: "Vou fingir que tomo, e depois eu cuspo". Assim pega a bolinha
esverdeada oferecida pelo estranho e a leva à boca. Mesmo sem engolir, o efeito surpreendente é
mágico! Vê claramente uma abertura levando para dentro da rocha! Como não vira antes?
Acompanhando o estranho de cabelos ruivos, ambos entram na pedra e encontram uma escadaria
em seu centro talhada em rocha, que começam a descer.

       A paz jamaicana daquela roda é interrompida por uma observação inesperada.

        - Cê viu aquilo, maluco??? - um dos integrantes da rodinha, de pele bem negra e com um
boné vermelho-vivo sobre a cabeça, dá o alarme. - Os caras entraram na pedra!!! Entraram na
pedra, cara!!!

       - Ah, Perê! Nem vem com história!

       - Sério! Eu vi!

       - Para de inventar coisas e passa logo esse cachimbo aí! Esse fumo tá bom mesmo...

       Quando o moleque se levanta da roda num pulo, fica claro que ele tem uma única perna.
Salta em direção à rocha, passa as mãos incrédulo sobre a superfície negra.

       - Eles entraram por aqui! Eu vi! Juro!!

       Mas só havia uma parede de pedra sólida. Todos começam a rir.

       - Cê ta bem lôco mesmo, Perê! Acho que já fumou demais!

       - Eu vi! Eu vi! Juro!

      - Ah, Perê! - se impacienta um da turma. - Deixa de lorota e volta aqui, põe logo este
cachimbo na roda de novo!
Saci Pererê, vulgo Perê, volta com a pulga atrás da orelha. Que ele viu os caras entrarem na
pedra, isto ele viu! Fumava há bastante tempo, sabia muito bem separar o que era alucinação do que
era real. E o que ele viu era real! Os dois caras, um garoto e um rapaz de pernas tortas, literalmente
ENTRARAM na pedra!

...

        A descida era interminável! Cadu ainda não tivera chance de cuspir a bala de estranho sabor.
Não era doce, nem azeda, nem salgada, nem amarga... Mas tinha um gosto! Ele não saberia explicar
qual, mas tinha! Uma palavra lhe surgiu na cabeça. Ele tentou afastar como absurda, mas não
conseguiu: a bala tinha um gosto de “verde”! Gosto de “verde”? Sim, agora estava claro: a bala
tinha “gosto de verde”!

       A descida só não se dava em completo breu porque uma luz alaranjada parecia vir do fundo
daquele poço, ladeado pela escada em espiral.

         - Põe a mão na parede, vai se sentir mais seguro!

        A parede parecia ser de granito, também esculpida em rocha sólida. Mesmo material da
escadaria. Estava úmida, aqui e ali aparecia um pouco de limo. Mas, apesar disto, os degraus
permaneciam incrivelmente secos! Logo Cadu descobriu o porquê: entre a parede e a escada em
espiral havia sido escavada uma pequena valeta, que acumulava a água que escorria pelas paredes e
a levavam diretamente para baixo, preservando secos os degraus de granito. “Por que aqui embaixo
tudo parece ser de granito, se a pedra por onde entrei era bem negra?”, ele pensou. Bom, era nua
nova, a noite estava bem escura. Provavelmente a pedra só parecia negra naquelas condições de
fraca iluminação. Continuou descendo...

        O estranho vigiava Cadu o tempo todo, desconfiado de algo. Enfim Cadu aproveitou um
momento de distração e cuspiu a “bala verde”. Mas, embora não a tendo engolido, uma sonolência
seguida da clara impressão de que as paredes se moviam e respiravam indicava que o pouco do que
consumiu fez algum efeito. Desabou desacordado. Felizmente o seu acompanhante, atento, o
segurou. Colocou-o dentro de um saco de estopa que trazia escondido, e continuou descendo com o
garoto nas costas, dentro deste saco.

----------

        O novo dia mal havia amanhecido quando o investigador Afonso subiu o morro em busca
de informações. Os amigos do garoto deixaram claro que ele e o desconhecido ruivo seguiram em
direção à favela! Como era de se esperar, na favela ninguém viu nada, ninguém sabia de nada...
Um garoto e um rapaz de cabelos ruivos? "Imagina, doutor! Por aqui não passou ninguém assim
não..."

       Mas um moleque de pele bem negra usando boné e bermuda vermelhos se apresentou. Na
verdade, quase é impedido pelos amigos, aflitos: "Vê lá o que vai falar, cara! Ele é polícia,
entendeu? Polícia!" Mas o moleque se apresentou ao investigador apesar de todas as
recriminações dos amigos. Só que seus olhos vermelhos injetados fizeram com que o investigador
não desse, logo de cara, muita importância ao que ele porventura teria para dizer. Ainda assim,
ouviu! No pé em que estavam as coisas, qualquer informação era informação.

         - Eu vi bem assim, doutor! Um menino e um rapaz de cabelo vermelho! Eles entraram na
pedra!
Entraram na pedra? Que história era esta? Que alucinação louca aquele “nóia” veio lhe
descrever? Olhou os olhos vermelhos do moleque. Seria ocasião de dar logo um flagrante? Melhor
não, havia algo muito mais importante para resolver naquele momento. Hora ou outra alguém iria
pegá-lo. Continuou ouvindo:

       - Pedra? Quem? Que pedra? - com sede, pega uma garrafinha plástica com um resto de
água mineral ao fundo. Havia falado com muita gente, não havia pregado o olho desde que aquela
mãe aflita avisou de um novo desaparecimento. A madrugada inteira acordado, falando com
possíveis testemunhas. Estava com a boca seca.

        - O rapaz mais velho tinha pernas bem tortas... - Perê olha triste sua perna única,
mostrando que ainda não estava superada sua deficiência, e completa: - Mas pelo menos ele tinha
duas... Tortas ou não, ele tinha duas...

       - Tortas? Como assim? Um ruivo de pernas tortas?

       Animou-se um pouco. Aquela descrição bem incomum reduzia bastante seu campo de
buscas! Quantos ruivos de pernas tortas deveriam existir por aquelas redondezas? O investigador
abre a garrafa, toma o último gole, e coloca a garrafa plástica vazia sobre o capô da viatura. Perê
olha apavorado para a garrafa. Vê-se claramente terror em seus olhos! Corre como ninguém seria
capaz de imaginar que alguém de uma única perna fosse capaz de correr. Afonso faz uma cara de
“quê foi que houve?” para os amigos do moleque, que estavam em volta observando tudo
(certamente para terem certeza de que ele não entregaria nenhum deles):

       - É uma maluquice do Perê, doutor!

       - Maluquice?

       - Um desses negócios que os psicólogos falam, sabe? Como chama mesmo? “Fobóide”,
“fobina”...

       - Fobia! - completa Afonso, querendo demonstrar cultura.

       - Isso aí! Fobia!

       -Fobia de quê?

       -Uma coisa bem doida mesmo! O Perê morre de medo de garrafas vazias! Foge delas como
o diabo fugindo da cruz! Além de ter medo de peneiras também...

       Comprovado: estava lidando com um maluco! Tratou logo de descartar o depoimento inútil
de sua caderneta. Uma testemunha com um medo irracional de peneiras e garrafas vazias não
poderia mesmo ser muito confiável...

========

       Cadu acorda dentro de um saco de estopa, pendurado num gancho nas paredes do fundo
daquele poço.

       - Ele recusou mesmo os doces?
- Sim senhor!

          - Ótimo! Bom trabalho! Sabe como açúcar me faz mal, não é mesmo?

       Ele ainda não controla plenamente seus músculos, mas pode ver claramente a cena macabra
pelas aberturas do saco. Meu Deus, por que será que ele não conseguia mover um único músculo?
Percebeu estar numa grande câmara no fundo daquele poço com escada em espiral. Há uma espécie
de bancada de pedra no centro, e um garoto sobre ela, com o abdômen exposto. Viu que estava
acordado, mas... por que não reagia? Provavelmente pelo mesmo motivo que ele mesmo não
conseguia mover um dedo.

       - Você sabe muito bem que eu não sou sádico, nem perverso, não é? Simplesmente não
tenho escolha, entende? Preciso fazê-lo!

       - O senhor paga, eu faço meu serviço: trago-te os garotos. Nada mais me interessa! Não
estou aqui para julgar nada! Executo o trabalho pelo qual fui pago para fazer, nada mais do que
isso! Na verdade, não sinto um pingo de simpatia por esta gente, que fez minha floresta
desaparecer...

          - Sei sei... Mas queria deixar isto bem claro, porque... Bom, vamos lá!

          É quando Cadu vê as unhas. Que unhas medonhas! Afiadíssimas, como unhas de ave de
rapina!

       - Traficante de órgãos... Que absurdo! Que rótulo ridículo! Só idiotas não sabem que o
fígado é uma glândula hipertrofiada, e não um órgão!

        Com as unhas afiadíssimas, corta o abdômen do garoto na diagonal. De cima para baixo,
entre o peito e o umbigo, seguindo as costelas em direção ao hipocôndrio direito. O pobre garoto
está visivelmente horrorizado, mas não demonstra sentir dor. Enfiou a mão por baixo das costelas, e
tirou de lá uma massa arroxeada, ainda pingando sangue. Levou à boca, deu uma boa mordida, mas
cuspiu longe o pedaço arrancado.

          - Argh!!! Este está estragado!!

          Olhou com fúria o assistente de cabelos ruivos.

          - Quantos anos tinha este garoto? Você perguntou se ele bebia?

          - Senhor, eu... posso ter esquecido...

       - Incompetente! - joga o fígado recentemente extirpado do garoto na parede. Vendo que o
garoto sangrava sem parar, explode: - Fecha logo este aí, pra não fazer muita sujeira!!! Odeio cheiro
de sangue com álcool!

          Obediente, o rapaz ruivo começa a costurar o corte enorme no abdômen do garoto.

          - Me passe aquele outro.

       É quando Cadu percebe existir outro saco pendurado ao seu lado. E ele agora sabia muito
bem qual era o conteúdo dele... O primeiro garoto (agora claramente sem vida) é retirado do “altar
satânico”. Um garoto novo é colocado no lugar, igualmente atordoado. "Por que eles não fogem??",
Cadu se pergunta. Mas não é a pergunta correta. O que ele deveria perguntar, na verdade, deveria
ser: "Por que EU não fujo?"

        O ritual macabro se repete, iluminado por aquela luz alaranjada diabólica que parecia
emanar das próprias paredes do lugar. Ele crava as unhas no lado direito do garoto, retira um fígado
de cor arroxeada, leva à boca, e diz, satisfeito:
        - Ah, este está maravilhoso! - Cadu percebe claramente agora os dentes afiados do carrasco,
tintos de sangue vermelho. - Como eu estava faminto!! - esfrega o fígado no rosto com satisfação
insana.

      Quando se pergunta mais uma vez, apavorado, "Por que não fujo?", Cadu percebe que
começa a controlar parcialmente seus movimentos.

----------

       Incapaz de conseguir qualquer informação útil na favela, o investigador volta para o último
lugar em que o garoto fora visto. O sol já havia nascido há alguns minutos. Dezenas de amigos do
Cadu, preocupados, já se encontravam no local para contribuir com qualquer ajuda que fosse
possível oferecer, qualquer informação pertinente que pudesse ajudar o investigador. Muitos se
decepcionaram com a figura de Afonso, esperando de alguma forma acompanhar o trabalho de
algum tipo de “Sherlock Holmes”, com cachimbo, uma lupa na mão, casaco marrom. Era também
o ídolo de infância de Afonso! O que o levou a seguir a atual carreira. A realidade foi cruel...
Vários foram os golpes que recebeu ao perceber, caso após caso, que a realidade não era assim tão
“bonita”, interessante e previsível por indução lógica quanto a ficção...

       - A gente estava aqui, doutor! - de fato, as marcas em forma de roda na terra não deixavam
dúvidas.

         - Como era ele? Este estranho?

       - Um rapaz de cabelos bem vermelhos! - a cabeça de Tico ainda doía muito, e o inspetor,
observador perspicaz, não deixou de notar isto.

         - Ele ofereceu algo a vocês?

         - Alguns doces, mas o Cadu não comeu!

        “Típico!”, pensou Afonso. “Traficante tentando conquistar novos usuários oferecendo
guloseimas recheadas de drogas para os garotos! Achava que a moçada de hoje estava mais
esclarecida, mas parece que não...” E, do fundo da alma, emerge aquele ódio: “Ah, se eu pego este
canalha!!” Mas, apesar de tudo, ele realmente não conseguia ver ligação nenhuma entre aquilo e
tráfico de órgãos...

         - Pra onde mesmo eles seguiram?

         - Pra direção da favela, doutor!

       Ele seguiu aquela direção, procurando pegadas. A terra era seca e dura, de forma que ele
não teve sucesso. Continuou seguindo naquela direção. Enfim encontrou o que queria: terra
úmida! Se procurasse direito, encontraria o que queria!

========
- Me traz o saco novo, e joga estes outros dois aqui junto com o de ontem! No lugar
combinado, você sabe onde!

           Cadu tremeu sem parar: o próximo saco era ele! A tremedeira não passou despercebida!

           - Você deu a verdinha pra ele?

           - Sim, senhor!

           - Viu ele engolir?

           De novo, o ruivo percebe que provavelmente tinha feito besteira.

           - Ele pode ter cuspido... sem que eu visse...

           O urro desumano deixou até o ruivo de cabelos em pé!

       - Traz assim mesmo, incompetente! Estou dois dias em jejum! Você só me trouxe fígados
estragados até agora...

--------

        Havia pegadas recentes naquele terreno argiloso. Levavam à favela, indicando que sua
primeira intuição estava correta. Mas havia algo muito estranho aqui. Eles caminhavam lado a
lado, não é? Foi o que disseram os amigos do garoto, e até mesmo aquele maluco de boné
vermelho. De fato havia marcas de tênis indo em direção ao morro. Havia mais pegadas ao lado
destas. De pés descalços. Acompanhavam as primeiras? Bom, de fato eram paralelas. Mesma
direção, só que seguiam sentidos opostos: as pegadas de tênis IAM para a favela; as descalças
VINHAM da favela...

========

        Cadu tentou resistir. Mas, fraco, acabou permitindo que o rapaz ruivo lhe enfiasse outra
"verdinha" goela abaixo. O fato dele ter cuspido a primeira só fez o efeito durar menos tempo, mas
ele ainda estava atordoado o bastante para não conseguir resistir. Engoliu a segunda sem resistência.
E sem perceber, era ele quem estava agora deitado sobre aquele altar do demônio.

      - Senhor, por favor, sei quem você é! Vamos conversar! - ele ainda controlava parcialmente
os músculos faciais.

        - Garoto. - começa a dizer com frieza o Papafigo. - Não costumo conversar com minha
refeição...

----------

      - Não sei o que viram. - começou o investigador. - Mas as evidências das pegadas provam
que o garoto não saiu acompanhado! Os garotos foram drogados, estou quase certo que este
"acompanhante" que afirmam ver foi pura alucinação!

           - Mas EXISTIU alguém, não é, inspetor?
Ele ficou furioso.

         - Agente da Polícia Federal, por favor!

         - Certo, Agente Afonso! Me desculpe...

       - Mas é certo que tal estranho VEIO da favela, as pegadas provam isto! Vêm desta direção!
Para onde ele foi depois?

         Um policial chega com a notícia.

         - Encontramos mais pegadas, pés descalços que combinam com os primeiros!

         - Ótimo! Pra onde foi o sujeito?

         - Foi na direção oeste!

         - Vamos lá! Sigam as pegadas! Vamos encontrar este canalha!!!

==========

       - Papafigo! Minha avó costumava me contar estas histórias... - com muita dificuldade, Cadu
tentava coordenar suas ideias. - Papafigo, papafigo, papa... - o controle começou a lhe escapar
rapidamente, impregnado como estava seu corpo pela substância alucinógena e anestesiante daquela
bala verde.

        Seria efeito da droga, ou Cadu viu uma lágrima de arrependimento descer pelo rosto de seu
carrasco? Parece ter ouvido um murmúrio bem baixinho: “Sinto muito, garoto! Mas é você ou eu..”
Tanto faz agora, Papafigo não iria desistir de seu intento. De fato Cadu estava anestesiado. Não
diria que não sentiu nada quando aquelas unhas rasgaram sua barriga: sentiu sim, mas não era dor.
Parecia mais como se estivessem rasgando um pano sobre sua pele, e não que estavam rasgando sua
própria pele. Mesmo não sentindo dor, era incapaz de ver a própria barriga sendo aberta. Não podia
aguentar a terrível visão. Tombou a cabeça para o lado. Foi quando viu os pés do rapaz de cabeleira
vermelha, ao lado do altar. Estaria vendo coisas? Não, ele estava bem certo do que vira: os pés do
rapaz apontavam para TRÁS!!!

----------

        - Dona Zélia! Lamentamos dar esta notícia, mas... Encontramos outro corpo! Acreditamos
que seja teu filho... Meus pêsames, senhora. Mas precisamos que reconheça o corpo. Sentimos
muito...

       Mesmo padrão dos anteriores: o corpo apareceu com um corte suturado no abdômen, sem o
fígado! Mesmos responsáveis, ao que tudo indicava! Mas, ainda agora, completo breu! Nenhuma
pista.

         - O Papafigo! Foi o Papafigo!!

       Seis fortes policiais mal conseguiam segurar a mãe ensandecida pela dor que agora
deixava o necrotério.
- Minha mãe sempre falou dele! O Papafigo pegou minha criança! Ah Deus! Que dor!!!!
Que dor!!!

==========

        - Nossa presença aqui começou a ficar perigosa, meu caro Curupira!

        - Fiz algo errado, Senhor Papafigo?

       - Muita coisa! Eu diria tudo! Mas isto não importa agora... - seu estômago roncava. -
Precisamos procurar rápido novos ares. Este Rio de Janeiro é povoado demais, precisamos fazer isto
em cidades mais calmas, do interior... Onde os sumiços não irão repercutir tanto assim.

        - Bom... Continuo contratado, não é?

        - Lógico que sim! Apesar das besteiras imperdoáveis, ainda confio muito mais em você para
fazer isto do que em qualquer outro. Aquele Pererê sem noção, por exemplo, que quase nos
entregou... Acha que o trocaria por ele para fazer o serviço?

        Curupira se sentiu lisonjeado.

        - Estou ao seu dispor, Senhor Papafigo!

        Quando aquelas duas figuras saem de dentro da pedra negra, não percebem que a certa
distância, atrás de uma moita, eram observadas. Perê não se atreve a sair, apavorado, mas cutuca o
amigo ao lado:

        - Viu só! Saíram da pedra! Eu sei o que vi!

        - Não vi nada, Perê? Quem saiu da pedra?

        - Aqueles dois caras ali, maluco!

        - Que dois caras? Eu hein!! Tá cada dia pior! Acho que tá na hora de você parar com isso,
Perê!


       O saci continua observando incrédulo àquelas duas figuras se afastando. Estaria vendo
coisas mesmo?

       Papafigo e Curupira seguem caminhando. Ambos abandonam o morro, em busca de uma
nova cidade do interior do Brasil mais segura para Papafigo continuar satisfazendo sua fome
implacável por fígados saudáveis de garotos jovens...


                                                  FIM

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Papafigo

  • 1. Papafigo de David Machado Santos Filho
  • 2. Papa figo é uma figura lendária do folclore brasileiro, conhecida principalmente na Bahia. Há relatos em que ele se parece com uma pessoa normal; para outros, teria unhas de ave de rapina, e orelhas e dentes de vampiro. Ele matava meninos e meninas mentirosos para chupar-lhes o sangue e comer-lhes o fígado (daí o nome, corruptela de papa-fígado). Isso porque ele sofria de uma doença rara (para alguns, o mal de Hansen, o que explicaria sua aparência grotesca), e acreditava que sangue e fígado de crianças o curariam.
  • 3. Papafigo Ele chegou vindo da direção do sol poente, que presenteava todos os que o aguardavam com um magnífico arrebol, coroando o horizonte daquela planície descampada ao lado do colégio. As crianças saiam naquele exato momento em direção a suas casas, após uma tarde de aulas. Seu semblante era simpático, a longa cabeleira vermelha era ainda mais realçada contra o sol poente atrás dele. Trazia balas, doces, brinquedos, guloseimas e histórias maravilhosas. Muito rapidamente, assim que começou a contá-las, reuniu logo uma roda de crianças em volta para ouvi- lo atentos. Ele descrevia mundos subaquáticos, pedras falantes, árvores que guerreavam e protegiam as antigas florestas que, em suas próprias palavras, "cobriam isto tudo em volta que vocês veem agora, ocupados por feios prédios cinzentos". A conversa era empolgante. Muitos alunos simplesmente se esqueceram de voltar para casa: permaneceram lá, suportando um pequeno frio nem tão intenso assim (naquele mês de julho o inverno estava realmente bastante ameno). Empanturram-se de açúcar enquanto ouviam aquelas histórias incríveis, de um tempo tão antigo que nenhum deles era capaz de conceber. ---------- “Mais três garotos desaparecidos ontem, segunda-feira. Já são cinco, contando os outros dois da última sexta-feira. Até o momento a polícia não tem nenhuma pista. Descarta-se a ideia de sequestro, já que até o momento os desaparecidos são de famílias de classe baixa e médio-baixa, sem grandes recursos financeiros, o que elimina o resgate como possível motivação dos crimes. Voltaremos com um novo plantão assim que tivermos maiores detalhes deste terrível incidente.” Dona Zélia ficou realmente preocupada com o noticiário da TV local. Ela conhecia a mãe de um dos desaparecidos, ela morava bem perto. Não seria melhor que o filho não fosse à escola pelo menos hoje? Ou enquanto durasse esta ameaça? - Cadu, toma cuidado filho! Não fale com nenhum estranho. - Relaxa, mãe! - respondeu no típico tom de um pré-adolescente, seguro de que o mundo lhe pertencia. - Eu sei me cuidar! - Não vai sair por aí... - Mãe, tá cheio de polícia aí fora! Ninguém vai ser louco de tentar nada! - Saindo da aula, venha direto pra casa! - Ah, mãe! Não sou mais criança. Enquanto Cadu passava pelo portão de casa, Dona Zélia tentou reforçar o aviso, assustando o garoto: - Você sabe, direto pra casa, hein! Senão o Homem-do-saco... - Ah, Mãe!!! Brincadeira, né? - joga a mochila do lado direito do corpo e sai indignado em direção à escola. ==========
  • 4. “Minha mãe tem cada uma!”, pensava Cadu, deixando a sala de aula em direção ao portão de saída do colégio. “Homem-do-saco? Ela acha que tenho quantos anos? Tenho doze, caramba! Já sou grande! Isso me assustava quando eu era criança. Agora não assusta mais!” Procurou pelos amigos, não encontrando nenhum. Onde teriam se escondido? Foram para casa direto? Estariam também assustados com toda aquela história de desaparecimento? Continuou caminhando para os portões. Atravessando os portões do colégio, vê uma rodinha de moleques a certa distância, no descampado ao lado. “Vou só dar uma olhadinha”, pensou, incapaz de conter sua curiosidade. Reconheceu na rodinha o rosto do amigo Tico. Animado ele acenou de longe. Chamou Cadu, dando-lhe um empurrãozinho a mais para se decidir: - Chega aí, Cadu! - ele comia uma barra de chocolate, e o rosto parecia bem animado. - Esse cara aqui está contando cada história incrível! Você tem que ouvir! - olhando bem, Cadu concluiu que o amigo estava bem mais animado que o normal! O rapaz de cabelos vermelhos continuava falando. Mencionava uma festa com mágicos de verdade. “Nada de ilusionistas, nem truques. Falo de mágica mesmo! De flores brotando do fogo, serpentes vestidas de estrelas... este tipo de coisa”. Só então ele repara Cadu, novo na roda, ouvindo com olhos arregalados: - Quer um doce, garoto? - oferece o estranho rapaz de cabeleira vermelha, enquanto Cadu tenta educadamente recusar. - Agora não! Depois! Os olhos do estranho parecem brilhar. - Muito bom, garoto! Muito bom! Você é diferente dos outros... Tico, ao lado de Cadu, ficou bastante entusiasmado com a ideia da festa: - Nesta festa mágica que você diz aí, vai ter garotas? - Várias delas! Uma mais bonita que a outra! - Conte mais disso pra gente! E continua contando as histórias para uma plateia vidrada, incapaz de piscar os olhos. ---------- “Dois corpos foram encontrados!”, noticiava um plantão do jornal local, interrompendo a novela que Dona Zélia assistia atenta. “Os dois garotos, desaparecidos na semana passada, foram encontradas mortos no lixão da cidade. Apresentavam um corte costurado do lado direito do abdômen, e seus fígados haviam sido removidos. A polícia federal já foi acionada, e trabalham com a hipótese de tráfico internacional de órgãos. Os outros três garotos desaparecidos ontem ainda não foram localizados...” - Cadu! Cadê o Cadu? Onde está meu filho? Já deveria ter chegado!
  • 5. - Calma, mulher! - Seu Mauro acabara de chegar, e tentava tranquilizar a esposa. - Não vá pensar besteiras! Ele deve estar aprontando alguma com os amigos. Daqui a pouco ele chega! “Ainda é um mistério o motivo de apenas os fígados serem removidos, preservando-se intactos todos os outros órgãos. Segundo o investigador do caso, o Agente da Polícia Federal Afonso Chagas, isto não faz parte do ‘modus operandi’ de traficantes de órgãos, que normalmente tentam aproveitar o máximo possível de suas vítimas.” - Ouviu? Ouviu isso? Vou ligar para a polícia agora!! Ela tentou. Várias vezes! Mas as linhas estavam todas congestionadas, como era de se esperar naquela situação. O desespero começava a tomar conta daquela casa... ========== Cadu não sabia ao certo o que o convenceu, mas caminhava agora lado a lado com o estranho. Foram duas, três horas ouvindo aquelas histórias maravilhosas? Não sabia ao certo, mas o fato é que era noite fechada de inverno agora, o sol já havia descido o poente há muito tempo! O estranho tinha uma mania bem estranha de bater com os nós dos dedos em todos os postes e árvores que encontrava no caminho. Cadu estranhou muito aquilo, mas achou que não seria educado perguntar algo sobre esta mania maluca. - Você não gosta muito de doces, não é mesmo... Qual seu nome? - Cadu! - Cadu... - repetiu o estranho. - Nome bonito! Ele ainda se lembrava do apelo do amigo Tico, então vermelho como camarão e visivelmente alterado. O que havia naqueles doces? “Não vai, Cadu! Sua mãe vai ficar preocupada!” Mas para ele eram todos um bando de medrosos. O estranho havia falado de uma festa mágica. Mais que isso, garantiu que haveria garotas lá. E o rosto do estranho inspirava tanta confiança que o garoto o seguiu sem medo. Cadu, o destemido, que não tem medo de nada! Agora começava a se arrepender... mas seria incapaz de fazer feio perante o estranho. - Não é muito longe, mas tem uma boa subida! Está bom das pernas? - Vamos lá! Poderia escalar o Everest. - disse o garoto confiante, cheio de coragem. Ele sabia que não deveria subir o morro, ainda mais com um estranho! Mas iria mostrar fraqueza? Lógico que não! E foi assim que ele acabou se perdendo em meio aos labirínticos becos daquela favela, acompanhado de um estranho que o encorajava o tempo todo. - Relaxa, comigo você está seguro! Você nem imagina o que existe onde estou te levando! Seguiu morrendo de medo, mas confiando no novo amigo. ---------- - Ah, graças a Deus! É meu filho, ele sumiu! Faz horas que devia ter chegado do colégio! Estou desesperada!
  • 6. - Calma, senhora! Conte-nos tudo: quem é, de que colégio, desde quando desapareceu, com quem estava... - Este traficante de órgãos! Sei que ele pegou meu filho! Que eu faço? Que eu faço?!! - Não vamos nos precipitar, senhora! - Eu disse para ele não ir pra escola! Eu disse!! - e começa um choro convulsivo. Seu Mauro precisa tomar o aparelho telefônico para continuar a conversa com o atendente da polícia. - Minha mulher está incapaz de continuar, eu lhes dou os detalhes. - Por favor, senhor... - Mauro! - Senhor Mauro, qualquer informação nos será útil. - Então... Nosso filho costuma sair 17:30 do colégio, e em no máximo 15 minutos está em casa. Mas até o momento... - agora é ele que começa a soluçar. - Fiquem calmos! Mandaremos uma viatura até aí imediatamente. Podem fornecer o endereço? ======== - Já tomou cerveja, Cadu? - Lógico que não! Meu pai não deixa. Por quê? - Só curiosidade! Nem escondido? - Nem escondido. - e pergunta, desconfiado. - Vai ter cerveja na festa? - Não vai ter não. Você é bem novo, né? Continuam caminhando, subindo ladeiras cada vez mais íngremes. “Mesmo alpinistas teriam dificuldade em subir aqui”, pensa Cadu. Olha para o abdômen do garoto. - Você não tem barriga d’água também, né? - Que é isso? O estranho olha a barriga reta do garoto: - Esquece! Você não tem...
  • 7. Depois de atravessarem becos tortuosos, chegam ao alto do morro. Uma grande pedra negra se ergue no centro de uma espécie de praça, rodeada de construções mal acabadas de alvenaria e algumas de madeira. - É aqui! - Aqui? - estranha Cadu. - Você precisa confiar em mim agora, Cadu. Nós vamos entrar! - Na pedra? - Sim, na pedra! Você acredita em Mágica? - remexe seu bolso, e tira uma pequena bolota esverdeada dele. - Mas antes você tem que tomar isto aqui! Para entrar! Cadu olha desconfiado. Seria educado recusar? - As pessoas normais não veem a entrada. Procuram, procuram... mas não encontram nada. Porém ela existe! Mas você precisa tomar isto aqui, garoto! Para ver onde ela está. Cadu olha em volta. Há certa distância, vê uma rodinha de moleques fumando qualquer coisa malcheirosa. Pensa: "Vou fingir que tomo, e depois eu cuspo". Assim pega a bolinha esverdeada oferecida pelo estranho e a leva à boca. Mesmo sem engolir, o efeito surpreendente é mágico! Vê claramente uma abertura levando para dentro da rocha! Como não vira antes? Acompanhando o estranho de cabelos ruivos, ambos entram na pedra e encontram uma escadaria em seu centro talhada em rocha, que começam a descer. A paz jamaicana daquela roda é interrompida por uma observação inesperada. - Cê viu aquilo, maluco??? - um dos integrantes da rodinha, de pele bem negra e com um boné vermelho-vivo sobre a cabeça, dá o alarme. - Os caras entraram na pedra!!! Entraram na pedra, cara!!! - Ah, Perê! Nem vem com história! - Sério! Eu vi! - Para de inventar coisas e passa logo esse cachimbo aí! Esse fumo tá bom mesmo... Quando o moleque se levanta da roda num pulo, fica claro que ele tem uma única perna. Salta em direção à rocha, passa as mãos incrédulo sobre a superfície negra. - Eles entraram por aqui! Eu vi! Juro!! Mas só havia uma parede de pedra sólida. Todos começam a rir. - Cê ta bem lôco mesmo, Perê! Acho que já fumou demais! - Eu vi! Eu vi! Juro! - Ah, Perê! - se impacienta um da turma. - Deixa de lorota e volta aqui, põe logo este cachimbo na roda de novo!
  • 8. Saci Pererê, vulgo Perê, volta com a pulga atrás da orelha. Que ele viu os caras entrarem na pedra, isto ele viu! Fumava há bastante tempo, sabia muito bem separar o que era alucinação do que era real. E o que ele viu era real! Os dois caras, um garoto e um rapaz de pernas tortas, literalmente ENTRARAM na pedra! ... A descida era interminável! Cadu ainda não tivera chance de cuspir a bala de estranho sabor. Não era doce, nem azeda, nem salgada, nem amarga... Mas tinha um gosto! Ele não saberia explicar qual, mas tinha! Uma palavra lhe surgiu na cabeça. Ele tentou afastar como absurda, mas não conseguiu: a bala tinha um gosto de “verde”! Gosto de “verde”? Sim, agora estava claro: a bala tinha “gosto de verde”! A descida só não se dava em completo breu porque uma luz alaranjada parecia vir do fundo daquele poço, ladeado pela escada em espiral. - Põe a mão na parede, vai se sentir mais seguro! A parede parecia ser de granito, também esculpida em rocha sólida. Mesmo material da escadaria. Estava úmida, aqui e ali aparecia um pouco de limo. Mas, apesar disto, os degraus permaneciam incrivelmente secos! Logo Cadu descobriu o porquê: entre a parede e a escada em espiral havia sido escavada uma pequena valeta, que acumulava a água que escorria pelas paredes e a levavam diretamente para baixo, preservando secos os degraus de granito. “Por que aqui embaixo tudo parece ser de granito, se a pedra por onde entrei era bem negra?”, ele pensou. Bom, era nua nova, a noite estava bem escura. Provavelmente a pedra só parecia negra naquelas condições de fraca iluminação. Continuou descendo... O estranho vigiava Cadu o tempo todo, desconfiado de algo. Enfim Cadu aproveitou um momento de distração e cuspiu a “bala verde”. Mas, embora não a tendo engolido, uma sonolência seguida da clara impressão de que as paredes se moviam e respiravam indicava que o pouco do que consumiu fez algum efeito. Desabou desacordado. Felizmente o seu acompanhante, atento, o segurou. Colocou-o dentro de um saco de estopa que trazia escondido, e continuou descendo com o garoto nas costas, dentro deste saco. ---------- O novo dia mal havia amanhecido quando o investigador Afonso subiu o morro em busca de informações. Os amigos do garoto deixaram claro que ele e o desconhecido ruivo seguiram em direção à favela! Como era de se esperar, na favela ninguém viu nada, ninguém sabia de nada... Um garoto e um rapaz de cabelos ruivos? "Imagina, doutor! Por aqui não passou ninguém assim não..." Mas um moleque de pele bem negra usando boné e bermuda vermelhos se apresentou. Na verdade, quase é impedido pelos amigos, aflitos: "Vê lá o que vai falar, cara! Ele é polícia, entendeu? Polícia!" Mas o moleque se apresentou ao investigador apesar de todas as recriminações dos amigos. Só que seus olhos vermelhos injetados fizeram com que o investigador não desse, logo de cara, muita importância ao que ele porventura teria para dizer. Ainda assim, ouviu! No pé em que estavam as coisas, qualquer informação era informação. - Eu vi bem assim, doutor! Um menino e um rapaz de cabelo vermelho! Eles entraram na pedra!
  • 9. Entraram na pedra? Que história era esta? Que alucinação louca aquele “nóia” veio lhe descrever? Olhou os olhos vermelhos do moleque. Seria ocasião de dar logo um flagrante? Melhor não, havia algo muito mais importante para resolver naquele momento. Hora ou outra alguém iria pegá-lo. Continuou ouvindo: - Pedra? Quem? Que pedra? - com sede, pega uma garrafinha plástica com um resto de água mineral ao fundo. Havia falado com muita gente, não havia pregado o olho desde que aquela mãe aflita avisou de um novo desaparecimento. A madrugada inteira acordado, falando com possíveis testemunhas. Estava com a boca seca. - O rapaz mais velho tinha pernas bem tortas... - Perê olha triste sua perna única, mostrando que ainda não estava superada sua deficiência, e completa: - Mas pelo menos ele tinha duas... Tortas ou não, ele tinha duas... - Tortas? Como assim? Um ruivo de pernas tortas? Animou-se um pouco. Aquela descrição bem incomum reduzia bastante seu campo de buscas! Quantos ruivos de pernas tortas deveriam existir por aquelas redondezas? O investigador abre a garrafa, toma o último gole, e coloca a garrafa plástica vazia sobre o capô da viatura. Perê olha apavorado para a garrafa. Vê-se claramente terror em seus olhos! Corre como ninguém seria capaz de imaginar que alguém de uma única perna fosse capaz de correr. Afonso faz uma cara de “quê foi que houve?” para os amigos do moleque, que estavam em volta observando tudo (certamente para terem certeza de que ele não entregaria nenhum deles): - É uma maluquice do Perê, doutor! - Maluquice? - Um desses negócios que os psicólogos falam, sabe? Como chama mesmo? “Fobóide”, “fobina”... - Fobia! - completa Afonso, querendo demonstrar cultura. - Isso aí! Fobia! -Fobia de quê? -Uma coisa bem doida mesmo! O Perê morre de medo de garrafas vazias! Foge delas como o diabo fugindo da cruz! Além de ter medo de peneiras também... Comprovado: estava lidando com um maluco! Tratou logo de descartar o depoimento inútil de sua caderneta. Uma testemunha com um medo irracional de peneiras e garrafas vazias não poderia mesmo ser muito confiável... ======== Cadu acorda dentro de um saco de estopa, pendurado num gancho nas paredes do fundo daquele poço. - Ele recusou mesmo os doces?
  • 10. - Sim senhor! - Ótimo! Bom trabalho! Sabe como açúcar me faz mal, não é mesmo? Ele ainda não controla plenamente seus músculos, mas pode ver claramente a cena macabra pelas aberturas do saco. Meu Deus, por que será que ele não conseguia mover um único músculo? Percebeu estar numa grande câmara no fundo daquele poço com escada em espiral. Há uma espécie de bancada de pedra no centro, e um garoto sobre ela, com o abdômen exposto. Viu que estava acordado, mas... por que não reagia? Provavelmente pelo mesmo motivo que ele mesmo não conseguia mover um dedo. - Você sabe muito bem que eu não sou sádico, nem perverso, não é? Simplesmente não tenho escolha, entende? Preciso fazê-lo! - O senhor paga, eu faço meu serviço: trago-te os garotos. Nada mais me interessa! Não estou aqui para julgar nada! Executo o trabalho pelo qual fui pago para fazer, nada mais do que isso! Na verdade, não sinto um pingo de simpatia por esta gente, que fez minha floresta desaparecer... - Sei sei... Mas queria deixar isto bem claro, porque... Bom, vamos lá! É quando Cadu vê as unhas. Que unhas medonhas! Afiadíssimas, como unhas de ave de rapina! - Traficante de órgãos... Que absurdo! Que rótulo ridículo! Só idiotas não sabem que o fígado é uma glândula hipertrofiada, e não um órgão! Com as unhas afiadíssimas, corta o abdômen do garoto na diagonal. De cima para baixo, entre o peito e o umbigo, seguindo as costelas em direção ao hipocôndrio direito. O pobre garoto está visivelmente horrorizado, mas não demonstra sentir dor. Enfiou a mão por baixo das costelas, e tirou de lá uma massa arroxeada, ainda pingando sangue. Levou à boca, deu uma boa mordida, mas cuspiu longe o pedaço arrancado. - Argh!!! Este está estragado!! Olhou com fúria o assistente de cabelos ruivos. - Quantos anos tinha este garoto? Você perguntou se ele bebia? - Senhor, eu... posso ter esquecido... - Incompetente! - joga o fígado recentemente extirpado do garoto na parede. Vendo que o garoto sangrava sem parar, explode: - Fecha logo este aí, pra não fazer muita sujeira!!! Odeio cheiro de sangue com álcool! Obediente, o rapaz ruivo começa a costurar o corte enorme no abdômen do garoto. - Me passe aquele outro. É quando Cadu percebe existir outro saco pendurado ao seu lado. E ele agora sabia muito bem qual era o conteúdo dele... O primeiro garoto (agora claramente sem vida) é retirado do “altar satânico”. Um garoto novo é colocado no lugar, igualmente atordoado. "Por que eles não fogem??",
  • 11. Cadu se pergunta. Mas não é a pergunta correta. O que ele deveria perguntar, na verdade, deveria ser: "Por que EU não fujo?" O ritual macabro se repete, iluminado por aquela luz alaranjada diabólica que parecia emanar das próprias paredes do lugar. Ele crava as unhas no lado direito do garoto, retira um fígado de cor arroxeada, leva à boca, e diz, satisfeito: - Ah, este está maravilhoso! - Cadu percebe claramente agora os dentes afiados do carrasco, tintos de sangue vermelho. - Como eu estava faminto!! - esfrega o fígado no rosto com satisfação insana. Quando se pergunta mais uma vez, apavorado, "Por que não fujo?", Cadu percebe que começa a controlar parcialmente seus movimentos. ---------- Incapaz de conseguir qualquer informação útil na favela, o investigador volta para o último lugar em que o garoto fora visto. O sol já havia nascido há alguns minutos. Dezenas de amigos do Cadu, preocupados, já se encontravam no local para contribuir com qualquer ajuda que fosse possível oferecer, qualquer informação pertinente que pudesse ajudar o investigador. Muitos se decepcionaram com a figura de Afonso, esperando de alguma forma acompanhar o trabalho de algum tipo de “Sherlock Holmes”, com cachimbo, uma lupa na mão, casaco marrom. Era também o ídolo de infância de Afonso! O que o levou a seguir a atual carreira. A realidade foi cruel... Vários foram os golpes que recebeu ao perceber, caso após caso, que a realidade não era assim tão “bonita”, interessante e previsível por indução lógica quanto a ficção... - A gente estava aqui, doutor! - de fato, as marcas em forma de roda na terra não deixavam dúvidas. - Como era ele? Este estranho? - Um rapaz de cabelos bem vermelhos! - a cabeça de Tico ainda doía muito, e o inspetor, observador perspicaz, não deixou de notar isto. - Ele ofereceu algo a vocês? - Alguns doces, mas o Cadu não comeu! “Típico!”, pensou Afonso. “Traficante tentando conquistar novos usuários oferecendo guloseimas recheadas de drogas para os garotos! Achava que a moçada de hoje estava mais esclarecida, mas parece que não...” E, do fundo da alma, emerge aquele ódio: “Ah, se eu pego este canalha!!” Mas, apesar de tudo, ele realmente não conseguia ver ligação nenhuma entre aquilo e tráfico de órgãos... - Pra onde mesmo eles seguiram? - Pra direção da favela, doutor! Ele seguiu aquela direção, procurando pegadas. A terra era seca e dura, de forma que ele não teve sucesso. Continuou seguindo naquela direção. Enfim encontrou o que queria: terra úmida! Se procurasse direito, encontraria o que queria! ========
  • 12. - Me traz o saco novo, e joga estes outros dois aqui junto com o de ontem! No lugar combinado, você sabe onde! Cadu tremeu sem parar: o próximo saco era ele! A tremedeira não passou despercebida! - Você deu a verdinha pra ele? - Sim, senhor! - Viu ele engolir? De novo, o ruivo percebe que provavelmente tinha feito besteira. - Ele pode ter cuspido... sem que eu visse... O urro desumano deixou até o ruivo de cabelos em pé! - Traz assim mesmo, incompetente! Estou dois dias em jejum! Você só me trouxe fígados estragados até agora... -------- Havia pegadas recentes naquele terreno argiloso. Levavam à favela, indicando que sua primeira intuição estava correta. Mas havia algo muito estranho aqui. Eles caminhavam lado a lado, não é? Foi o que disseram os amigos do garoto, e até mesmo aquele maluco de boné vermelho. De fato havia marcas de tênis indo em direção ao morro. Havia mais pegadas ao lado destas. De pés descalços. Acompanhavam as primeiras? Bom, de fato eram paralelas. Mesma direção, só que seguiam sentidos opostos: as pegadas de tênis IAM para a favela; as descalças VINHAM da favela... ======== Cadu tentou resistir. Mas, fraco, acabou permitindo que o rapaz ruivo lhe enfiasse outra "verdinha" goela abaixo. O fato dele ter cuspido a primeira só fez o efeito durar menos tempo, mas ele ainda estava atordoado o bastante para não conseguir resistir. Engoliu a segunda sem resistência. E sem perceber, era ele quem estava agora deitado sobre aquele altar do demônio. - Senhor, por favor, sei quem você é! Vamos conversar! - ele ainda controlava parcialmente os músculos faciais. - Garoto. - começa a dizer com frieza o Papafigo. - Não costumo conversar com minha refeição... ---------- - Não sei o que viram. - começou o investigador. - Mas as evidências das pegadas provam que o garoto não saiu acompanhado! Os garotos foram drogados, estou quase certo que este "acompanhante" que afirmam ver foi pura alucinação! - Mas EXISTIU alguém, não é, inspetor?
  • 13. Ele ficou furioso. - Agente da Polícia Federal, por favor! - Certo, Agente Afonso! Me desculpe... - Mas é certo que tal estranho VEIO da favela, as pegadas provam isto! Vêm desta direção! Para onde ele foi depois? Um policial chega com a notícia. - Encontramos mais pegadas, pés descalços que combinam com os primeiros! - Ótimo! Pra onde foi o sujeito? - Foi na direção oeste! - Vamos lá! Sigam as pegadas! Vamos encontrar este canalha!!! ========== - Papafigo! Minha avó costumava me contar estas histórias... - com muita dificuldade, Cadu tentava coordenar suas ideias. - Papafigo, papafigo, papa... - o controle começou a lhe escapar rapidamente, impregnado como estava seu corpo pela substância alucinógena e anestesiante daquela bala verde. Seria efeito da droga, ou Cadu viu uma lágrima de arrependimento descer pelo rosto de seu carrasco? Parece ter ouvido um murmúrio bem baixinho: “Sinto muito, garoto! Mas é você ou eu..” Tanto faz agora, Papafigo não iria desistir de seu intento. De fato Cadu estava anestesiado. Não diria que não sentiu nada quando aquelas unhas rasgaram sua barriga: sentiu sim, mas não era dor. Parecia mais como se estivessem rasgando um pano sobre sua pele, e não que estavam rasgando sua própria pele. Mesmo não sentindo dor, era incapaz de ver a própria barriga sendo aberta. Não podia aguentar a terrível visão. Tombou a cabeça para o lado. Foi quando viu os pés do rapaz de cabeleira vermelha, ao lado do altar. Estaria vendo coisas? Não, ele estava bem certo do que vira: os pés do rapaz apontavam para TRÁS!!! ---------- - Dona Zélia! Lamentamos dar esta notícia, mas... Encontramos outro corpo! Acreditamos que seja teu filho... Meus pêsames, senhora. Mas precisamos que reconheça o corpo. Sentimos muito... Mesmo padrão dos anteriores: o corpo apareceu com um corte suturado no abdômen, sem o fígado! Mesmos responsáveis, ao que tudo indicava! Mas, ainda agora, completo breu! Nenhuma pista. - O Papafigo! Foi o Papafigo!! Seis fortes policiais mal conseguiam segurar a mãe ensandecida pela dor que agora deixava o necrotério.
  • 14. - Minha mãe sempre falou dele! O Papafigo pegou minha criança! Ah Deus! Que dor!!!! Que dor!!! ========== - Nossa presença aqui começou a ficar perigosa, meu caro Curupira! - Fiz algo errado, Senhor Papafigo? - Muita coisa! Eu diria tudo! Mas isto não importa agora... - seu estômago roncava. - Precisamos procurar rápido novos ares. Este Rio de Janeiro é povoado demais, precisamos fazer isto em cidades mais calmas, do interior... Onde os sumiços não irão repercutir tanto assim. - Bom... Continuo contratado, não é? - Lógico que sim! Apesar das besteiras imperdoáveis, ainda confio muito mais em você para fazer isto do que em qualquer outro. Aquele Pererê sem noção, por exemplo, que quase nos entregou... Acha que o trocaria por ele para fazer o serviço? Curupira se sentiu lisonjeado. - Estou ao seu dispor, Senhor Papafigo! Quando aquelas duas figuras saem de dentro da pedra negra, não percebem que a certa distância, atrás de uma moita, eram observadas. Perê não se atreve a sair, apavorado, mas cutuca o amigo ao lado: - Viu só! Saíram da pedra! Eu sei o que vi! - Não vi nada, Perê? Quem saiu da pedra? - Aqueles dois caras ali, maluco! - Que dois caras? Eu hein!! Tá cada dia pior! Acho que tá na hora de você parar com isso, Perê! O saci continua observando incrédulo àquelas duas figuras se afastando. Estaria vendo coisas mesmo? Papafigo e Curupira seguem caminhando. Ambos abandonam o morro, em busca de uma nova cidade do interior do Brasil mais segura para Papafigo continuar satisfazendo sua fome implacável por fígados saudáveis de garotos jovens... FIM