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O Monstro 
no Armário Lucas Zanella
1. Pesadelo 
Nataniel chegou em casa após um longo dia de 
trabalho e não aguentava mais ficar em pé. 
Como se não bastasse, precisou ouvir a 
mulher falar sobre seu dia, reclamar sobre clientes e 
outras coisas que simplesmente não conseguiu 
prestar atenção porque suas pupilas se fechavam 
lentamente. E foi acordado dois segundos depois, 
por algo que pensou ser um grito. 
Era apenas uma risada fina e alta da mulher. 
Sua consciência o traía, fazendo ouvir coisas que 
não eram ditas. Sons que não eram emitidos. 
O cabelo era castanho claro e sua franja era 
um pouco comprida, ele gostava dessa maneira. 
Após nove horas agarrando o cabelo e puxando-o 
porque seus alunos não calavam a boca, não gostava 
mais dele. 
Chegava em casa e a primeira coisa que 
pensava era preciso cortar o “ cabelo”. Mas no outro 
dia tudo voltava ao normal, então o cabelo crescia e
crescia, até que chegava a um ponto em que a 
mulher não aguentava mais. 
Karine, eu não aguento – mais essa vida – 
reclamou e esparramou-se na cama, a mulher vestia 
sua camisola branca de seda enquanto observava-se 
no espelho. 
– Qual o problema, Nat? 
– Eu simplesmente não consigo. É coisa 
demais, preciso pedir demissão. 
– E vai fazer o que? Ganhar na loteria? 
Porque essa é a única opção. 
– Ah... mas é... tão difícil. Hoje um dos meus 
alunos me perguntou se a gravidade era a causa do 
aquecimento global! Eu não fiz física pra isso, não. 
Karine deitou-se ao seu lado, observando-o 
com o olhar de quem já passou por aquela situação 
diversas outras vezes e já decorou como deve 
proceder. 
– Mas você adora dar aulas. E mais... 
precisamos do dinheiro. 
Foi uma olhada sutil, mas Nataniel percebeu
que ela olhou para o outro lado do corredor, para o 
quarto da filha. 
Dormiram em poucos minutos, o sono ainda 
não era profundo, mas viera em boa hora. Nataniel 
possuía um sorriso no rosto por conta da felicidade 
de suas pálpebras, que finalmente se fecharam. 
A casa estava em silêncio absoluto, nem 
mesmo os mosquitos podiam ser ouvidos. A calada 
da noite trazia uma surpresa para a família que 
dormia em paz, ou, ao menos, para o casal que 
repousava despreocupado. 
Papai. Papai a voz fina – – e assustada vinha 
do quarto da filha. 
Nataniel acordou num susto. A voz da filha o 
acordava sempre, em qualquer circunstância, e era 
assim desde que a garota possuía um dia de vida. 
– O que foi, Violeta? – entrou no quarto e 
sentou na cama, ao lado da filha, enquanto 
esfregava os olhos para não acabar dormindo sobre 
a garota. 
- Eu tô com medo, papai – ela disse e
abraçou-o, com seus braços lutando para abraçá-lo 
direito, mas eram pequenos demais. Se sentia 
desconfortável, mas mais calma. 
Tudo bem, Violeta, – tudo bem! O que foi 
que aconteceu? – ele fazia um cafuné no cabelo 
louro e um pouco comprido da garota. 
A menina se pôs para trás, saindo dos braços 
do pai e apontou para o outro lado do quarto. 
O quarto era branco e cheio de brinquedos, 
com todos em perfeito estado. Estante para livros 
futuros, por enquanto cheia de algumas lembranças 
dadas por amigos dos pais ou madrinhas e 
padrinhos. 
Um escrivaninha, também vazia, esperava 
alguém que fosse até ela para escrever uma bela 
história. 
Do outro lado do quarto, após o meio com 
algumas roupas jogadas no chão – não recolhidas 
pela empregada por ordem da própria mãe –, uma 
porta branca com pequenos desenhos de flores 
rosas.
Flores que, segundo a mãe, seriam facilmente 
cobertas por tinta branca caso esse fosse o desejo da 
filha quando ficasse mais velha. Ela sabia que a 
garota não gostaria de ter flores rosas em tudo para 
sempre. 
A porta dava para dentro de um pequeno 
armário, quase que um closet. 
O que foi? o – – pai sussurrou enquanto 
observava a porta junto da filha. 
– Eu não quero ele lá! Não consigo dormir – 
uma lágrima desceu pelo olho de Violeta, o pai a 
tirou do rosto com o dedão, levemente, para não 
machucar a mocinha. 
– Tudo bem, Violeta. Vai dormir, eu vou 
dizer para ele sair de lá! 
Ela assentiu e encolheu-se nas cobertas 
novamente. A noite estava fria, e ela voltou a 
dormir rapidamente. 
Nataniel passou a mão pelo cabelo da filha e 
voltou para seu quarto, já sonhando com a cama 
que o esperava.
O que aconteceu? – – Karine perguntou sem 
abrir os olhos enquanto ele se deitava. 
– Ela teve um pesadelo, só isso. 
2. O Armário 
A casa da família Queiroz era bonita, embora não 
muito grande. Era toda branca, uma cor pacífica. O 
jardim era grande o suficiente para que Violeta 
brincasse nele nos dias quentes. 
Nenhuma flor ou planta, apenas grama 
pontiaguda, porém fofa. Assim como uma pista de 
pedra clara para o carro entrar no pátio e ser 
estacionado sobre uma proteção do sol que ficava ao 
lado da casa. 
À noite, tudo ficava escuro, mas isso era 
óbvio. O que não era óbvio é que, de dia, tudo 
ficava vulnerável para que as mais medonhas pessoas 
entrassem na casa. Mas aquela não era uma pessoa. 
Se muito, um demônio vestido de humanoide. 
– Papai – Violeta chamou novamente, e o pai
foi até o quarto, apenas porque não queria acordar 
Karine e dizer é sua “ vez”. Ela dormia tão 
pacificamente, como um anjo que repousa no 
paraíso. 
– Que foi, Violeta? – fez o mesmo ritual de 
antes, mas sem perceber ele. 
– Tira ele daqui, pai – implorou a filha. 
– Violeta, não tem nada lá! – olhou de relance 
para o armário, agora com a porta entreaberta. 
– Mas ele me dá medo – sussurrou a garota 
enquanto encarava um canto do quarto. 
O pai lentamente virou o pescoço, olhando 
para trás e vendo-o. O homem era alto, o cabelo era 
longo, mas os fios eram poucos. O olho brilhava 
num tom vermelho e ele o olhava com a cabeça 
inclinada e sorrindo ameaçadoramente. 
Não piscava, o que o deixava ainda mais 
assustador. Nem mesmo pupilas possuía. Seus olhos 
eram secos como o deserto. Usava um macacão de 
fazendeiro, azul e surrado, sujo também. 
O coração de Nataniel deu um salto e ele saiu
da cama, pondo-se em frente a filha. Se o homem a 
quisesse, já a teria matado, se estava realmente em 
seu armário, pensou. 
Quem... a voz – – saiu como um sussurro 
alto, e falhou na metade da sentença. Não sabia 
direito o que perguntar, não sabia nem mesmo se 
conseguiria perguntar. 
– Tira ele daqui – pediu a filha novamente. 
– Tudo bem, filha – conseguiu dizer sem 
expressar tanto pavor, mas foi difícil. 
O homem alto continuava a observá-los, e 
apenas isso. Era como se esperasse para atacar, 
aguardasse pelo momento ideal. Isso deixava o pai 
em um pânico interminável. 
O quarto estava no completo escuro, sendo 
iluminado apenas pela tênue luz que vinha do 
corredor que ligava os dois quartos e a escada, e 
também pela luz vermelha que brilhava no olho do 
homem. 
Agarrou a filha pela mão sem tomar o 
cuidado de ser delicado, empurrou-a para seu lado e
foi andando devagar. Pretendia sair do quarto antes 
de ser atacado, ao menos levar a filha para um lugar 
seguro. 
Lembrou-se de Karine, que dormia como um 
anjo no quarto que podia, a qualquer momento, ser 
invadido por um demônio. O homem de macacão 
de fazendeiro não mudou de lugar, apenas os 
acompanhou com o olhar. Sua pele era de velho, e 
seu olhar era petrificante. Nataniel estava indeciso. 
Não teria como levar a filha junto para o quarto 
sem botá-la no risco de bater em algo, pois entraria 
lá encarando o homem, e a filha, atrás dele, seria 
guiada nas cegas. Não podia deixar Karine lá 
porque havia o perigo de ele chegar até ela e a 
matar, se é que faria isso. 
Gritar para ela? E se isso ativasse o demônio? 
Até agora, os seguia com o olhar esquisito, mas e se 
gritar fosse o fazer atacar? Se atacasse, Nataniel não 
saberia como reagir. Provavelmente seria o 
primeiro a morrer, seguido da filha e então esposa. 
Não, gritar não era uma opção. Agora o demônio
começara a soltar um grunhido agudo e pavoroso. 
Nataniel? Karine – – chamou seu nome, o 
demônio parou sua respiração e olhou-o enquanto 
inclinava a cabeça ainda mais, aproximando-se. 
Agora ele andava. 
– Shhh – tentou falar para a esposa, pois não 
poderia gritar para que calasse a boca porque ele 
estava cara a cara com um homem esquisito que 
andava lentamente, em passos pesados como o da 
criatura do dr. Frankenstein. 
– Nat? – agora a mulher sussurrou, e 
levantou-se da cama enquanto segurava a camisola 
de seda com as mãos, era curta demais para andar 
com ela no frio da noite, mas não sabia o que 
acontecia fora de seu quarto. O cabelo de Karine 
era louro escuro e cacheado. Ela estava, como Nat 
mesmo disse antes de dormirem: “Sensual demais 
para que se pudesse acreditar”. Ele a beijou, se virou 
e tentou atingir o sono REM. Fora acordado pouco 
tempo depois pela filha, e foi quando tudo 
começou.
Ela andava em passadas leves, como de 
bailarina. Chegou na porta e viu o que Nataniel via. 
O homem parado passara a encará-la rapidamente, e 
agora avançava mais rapidamente. 
Segure ela! Nataniel – – disse e a mulher 
obedeceu, pegando a filha e preparando-se para 
fazer algo, qualquer coisa que o marido fizesse. Ele 
era o físico, o que ele esperava que ela fizesse? 
Com muita relutância e pouca força de vontade, 
Nataniel empurrou o homem e o deixou preso 
contra a parede, prendendo o pescoço com o braço 
direito, e segurando seus braços com a mão 
esquerda. 
– VAI! – gritou com raiva, a mulher estava 
petrificada ao seu lado. Acordou num instante e 
desceu as escadas correndo, enquanto segurava 
Violeta, que começara a chorar de leve. 
O homem começou a rir enquanto era quase 
estrangulado pelo braço fraco, porém fortemente 
pressionado contra seu pescoço. A risada era
profunda e aterrorizante, parecia vir direto de sua 
alma. Se é que tivesse uma. 
A boca completamente aberta, ele gargalhava 
como se estivesse numa peça de stand-up, seus 
dentes eram podres e com respingos de sangue 
escuro neles. Pouco tempo depois, uma fina linha 
vermelha escura desceu pelo canto direito da boca. 
Nataniel a notou e viu as outras acompanharem a 
primeira. Ele sangrava, como se tivesse antes sido 
esfaqueado até a morte. 
O macacão azul era encharcado de vermelho, 
mas seu sangue não parecia comum. Não parecia... 
humano. 
Nataniel o empurrou forte uma vez, para 
desnorteá-lo e desceu as escadas também, para achar 
a mulher e a filha. 
Tudo bem, querida, – tudo bem! – Karine 
esfregava o cabelo de Violeta e balançava-a como se 
fosse um bebê que se assustou com o barulho de um 
trovão. Violeta soluçava e fazia uma careta de 
choro, embora ele não pudesse ser ouvido.
Que merda vocês ainda – tão fazendo aqui? 
Era para terem saído! – gritou com elas quando 
desceu, seu rosto estava vermelho de raiva e ele 
olhava para cima, querendo ver se o homem os 
seguia. 
Tudo vazio, o que era pior. A parede branca, 
embora manchada com o sangue do maldito, estava 
sozinha. Parecia ter desaparecido para ir atormentar 
outra casa, ou então apenas tomara um tempo para 
decidir quando voltar a atormentar aquela. 
3. A Porta 
– Como você queria que a gente saísse se você tava 
lá em cima dando uma de herói? – Karine gritou de 
volta. Nataniel pareceu bravo com a situação, mas 
calou-se. 
– Saiam. Agora! – gritou e apontou para a 
porta, Karine segurou a filha mais forte nos braços e 
correu até a porta branca. 
Estavam na sala de estar, e ela parecia ter sido 
assaltada. O sofá fora rasgado com uma faca e toda a
espuma interior estava para fora. As cadeiras puffs 
também estavam espalhadas pela sala, como se 
jogadas do andar superior. 
Nataniel olhou para cima e viu-o. Estava 
apoiado no vidro de proteção – manchando-o com 
aquele sangue sujo – e sorrindo com os dentes 
podres. Em sua mão direita, uma grande faca cutelo. 
Nataniel já viu até mesmo o anúncio: 
“Cutelo. Ideal para cortar ossos”. Não fora algo 
parecido que fizera ele comprar uma parecida com 
aquela? Não se lembrava, comerciais mexiam 
demais com sua mente, e era impossível se lembrar 
de todos. 
– Aquilo é... meu! – ele notou, por fim, que o 
homem segurava sua própria faca. 
Correu até a cozinha – que era separada da 
sala apenas por alguns balcões brancos. Sim, a faca 
era sim dele. A parte superior do balcão branco que 
comportava gavetas com talheres e toalhas estava 
suja, não apenas de sangue, mas também de terra. 
Era como se aquele demônio tivesse subido
até a Terra diretamente do inferno, escavando seu 
caminho por meio da sujeira que estava na terra. 
Abriu a gaveta e pegou outra faca – era uma 
simples faca trinchante de cabo preto. Não era nada 
comparada a cutelo – ou “faca de açougueiro”, 
como Karine a chamava –, mas serviria para se 
proteger e proteger as duas amadas. 
Conseguia ouvir o grunhido de Karine 
enquanto incansavelmente tentava abrir a porta, 
com a mão já vermelha pois não aguentava mais. 
Começou a bater nela tentando pedir por ajuda, 
mas as pessoas das outras casas já deveriam estar 
dormindo. 
– Socorro! – gritou com força diversas vezes, 
a voz chegou a falhar no último grito. Respirou 
fundo e sentiu uma pontada no coração. Nataniel se 
aproximou segurando a faca na mão direita, ela o 
viu – Tá trancada! 
– Então destranca, ora! – gritou e quase 
perdeu a paciência. 
– Você acha que eu não tentei isso, já? – ela
levantou a mão para mostrar o que segurava, a 
chave da porta estava quebrada, como se tivesse sido 
colocada numa fechadura errada e girada 
fortemente. E ela já tava assim, – antes que resolva 
me culpar! 
Ouviram a respiração bufante do homem que 
não conheciam e nem desejavam conhecer. Não 
estava perto deles, mas era como se estivesse. 
Pareciam sentir seu bafo e o ar quente de sua 
respiração, parecia estar juntinho deles. Nataniel 
sentiu um calafrio. 
– Fique aqui! – ordenou para a mulher e 
começou a andar sorrateiramente até o salão de 
festas da casa. A parede de lá era de vidro, com uma 
porta também de vidro que dava para o jardim 
grande e de grama verde no meio. 
A porta do lado deles era de correr e opaca. 
Estava entreaberta. 
A respiração pareceu se intensificar. O salão 
estava com as luzes desligadas, assim como a sala, 
mas nela era mais claro por conta da luz da lua. No
salão, apesar da parede de vidro, tudo estava escuro. 
Ele entrou no salão e estava no centro dele, 
olhando para todos os lados ao mesmo tempo, sua 
cabeça girando. A respiração permanecia constante, 
e ele sempre com o sentimento de que o homem 
estava ao seu lado. 
O pior é que até mesmo poderia estar, mas ele 
não teria como saber. O homem poderia estar ao 
seu lado, e Nataniel nem mesmo o veria. O escuro 
escondia um ser inexplicável ou um maluco 
improvável. 
Mas muitas coisas eram improváveis naquela 
noite, então como poderia ter certeza do que era 
aquele homem? Humano ou demônio? 
E mesmo se fosse humano, o que teria 
acontecido com o coitado para ficar daquela 
maneira? 
Nataniel sentiu o homem o observando com 
seus olhos sem pálpebras, que não piscavam nunca, 
encarando-o com a cabeça inclinada e um sorriso 
irônico no rosto.
Olhou para trás e viu a mulher balançar a 
filha nos braços, dizendo-lhe palavras de conforto. 
Aproximou-se da parede e apertou o interruptor de 
luz. 
A luz era tênue, como se estivesse falhando, 
também bruxuleava e não iluminava quase nada. 
Parecia estar em “meia fase”. 
Foi o suficiente para fazer um esboço do rosto 
do homem. Nataniel voltou o olhar para frente e lá 
estava o monstro, tal como imaginara, porém quase 
colado a ele. A boca ainda derramando uma fina 
linha de sangue. Ele parecia querer mostrar a faca 
cutelo que segurava, mas não era isso o que queria 
fazer. 
Aproximou-se ainda mais de Nataniel e fez 
com que o pai de Violeta se afastasse, tropicando 
enquanto andava às cegas para trás. Levantou a faca 
e estava preparado para cortar Nataniel. Mas o pai 
se jogou para o lado e caiu sobre alguns sofás do 
salão de festas. 
O homem desconhecido, ficando sem
equilíbrio, acabou batendo com o corpo num 
batente de mármore de uma prateleira do salão. Ele 
grunhiu novamente, e agora parecia ainda mais 
disposto a matar Nataniel e a família que morava lá. 
– Quem... diabos é você? – Nataniel 
perguntou, mas não obteve nenhuma resposta a não 
ser o grunhido que não parava mais. 
Agora começara a rir, a voz saindo um pouco 
rouca e parecendo estar prestes a se engasgar com o 
próprio sangue que inundava a boca. 
Nataniel, caído sobre os sofás, era observado 
pelo homem que continuava em pé. Sua cabeça 
novamente inclinada num sorriso irônico deu ao 
pai uma sensação de raiva. 
– Me responda! – gritou. 
Levantou-se abruptamente e golpeou-o, a 
facada mais o fez cambalear para trás do que o 
cortou. 
– Seu monstro! – parecia ter raiva, e sua raiva 
alimentava sua malvadeza, como faz com todos. 
Golpeou a faca no estômago do monstro e ele
com certeza a sentiu. Gemeu de dor, mas conseguiu 
retirar a faca e jogá-la no chão. Pegou o cutelo que 
deixara cair e voltou a tentar golpear Nataniel. 
Nataniel levou cortes no rosto e no braço, 
logo começou a sangrar tanto quanto o monstro, 
mas ainda tentava matá-lo. O cutelo muitas vezes 
passava raspando por seu rosto ou pescoço. O 
maldito tentou também cortar seu braço ou, pelo 
menos, a mão fora. 
Nataniel desviou bravamente de praticamente 
todos, com exceção de alguns grandes cortes no 
abdome. Caiu ao chão e arrastou-se até sua faca, 
manchada de sangue e caída ao chão a alguns 
metros de distância. Em volta dela, uma pequena 
poça de sangue, mas grande demais para ter saído 
diretamente da faca. A não ser que o sangue se 
multiplicasse. 
Agarrou-a e levantou o torço, parando um 
ataque fatal do monstro. Pôs-se de pé num pulo e, 
como um mestre, cravou a faca no crânio macio, 
provavelmente podre, do monstro.
Ele caiu aos seus pés e o pai segurava na mão 
direita a faca que pingava sangue no chão. Nataniel 
olhava para Karine e Violeta com olhos esquisitos, a 
cabeça levemente inclinada. 
Caminhou até elas rapidamente, que gritaram 
como se pedissem por misericórdia, mesmo ele 
sendo o pai e o marido delas. Então encarou uma 
escuridão. 
Respirava esquisito, soltando um grunhido. A 
escuridão deixava-o desconfortável, e queria 
acender a luz. 
Apalpou sua frente e algo se moveu, um leve 
rangido ele ouviu. Por uma fresta, viu um quarto de 
uma garota jovem, que não conseguia dormir 
porque o encarava. 
Mas a garota não encarava ele, ela encarava 
seu armário. 
- Papai! Papai! gritou – baixinho, o pai 
chegou logo em seguida para confortar a filha. 
O círculo vicioso reiniciara. 
Nataniel sentiu vontade de matar.

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O monstro no armário

  • 1. O Monstro no Armário Lucas Zanella
  • 2. 1. Pesadelo Nataniel chegou em casa após um longo dia de trabalho e não aguentava mais ficar em pé. Como se não bastasse, precisou ouvir a mulher falar sobre seu dia, reclamar sobre clientes e outras coisas que simplesmente não conseguiu prestar atenção porque suas pupilas se fechavam lentamente. E foi acordado dois segundos depois, por algo que pensou ser um grito. Era apenas uma risada fina e alta da mulher. Sua consciência o traía, fazendo ouvir coisas que não eram ditas. Sons que não eram emitidos. O cabelo era castanho claro e sua franja era um pouco comprida, ele gostava dessa maneira. Após nove horas agarrando o cabelo e puxando-o porque seus alunos não calavam a boca, não gostava mais dele. Chegava em casa e a primeira coisa que pensava era preciso cortar o “ cabelo”. Mas no outro dia tudo voltava ao normal, então o cabelo crescia e
  • 3. crescia, até que chegava a um ponto em que a mulher não aguentava mais. Karine, eu não aguento – mais essa vida – reclamou e esparramou-se na cama, a mulher vestia sua camisola branca de seda enquanto observava-se no espelho. – Qual o problema, Nat? – Eu simplesmente não consigo. É coisa demais, preciso pedir demissão. – E vai fazer o que? Ganhar na loteria? Porque essa é a única opção. – Ah... mas é... tão difícil. Hoje um dos meus alunos me perguntou se a gravidade era a causa do aquecimento global! Eu não fiz física pra isso, não. Karine deitou-se ao seu lado, observando-o com o olhar de quem já passou por aquela situação diversas outras vezes e já decorou como deve proceder. – Mas você adora dar aulas. E mais... precisamos do dinheiro. Foi uma olhada sutil, mas Nataniel percebeu
  • 4. que ela olhou para o outro lado do corredor, para o quarto da filha. Dormiram em poucos minutos, o sono ainda não era profundo, mas viera em boa hora. Nataniel possuía um sorriso no rosto por conta da felicidade de suas pálpebras, que finalmente se fecharam. A casa estava em silêncio absoluto, nem mesmo os mosquitos podiam ser ouvidos. A calada da noite trazia uma surpresa para a família que dormia em paz, ou, ao menos, para o casal que repousava despreocupado. Papai. Papai a voz fina – – e assustada vinha do quarto da filha. Nataniel acordou num susto. A voz da filha o acordava sempre, em qualquer circunstância, e era assim desde que a garota possuía um dia de vida. – O que foi, Violeta? – entrou no quarto e sentou na cama, ao lado da filha, enquanto esfregava os olhos para não acabar dormindo sobre a garota. - Eu tô com medo, papai – ela disse e
  • 5. abraçou-o, com seus braços lutando para abraçá-lo direito, mas eram pequenos demais. Se sentia desconfortável, mas mais calma. Tudo bem, Violeta, – tudo bem! O que foi que aconteceu? – ele fazia um cafuné no cabelo louro e um pouco comprido da garota. A menina se pôs para trás, saindo dos braços do pai e apontou para o outro lado do quarto. O quarto era branco e cheio de brinquedos, com todos em perfeito estado. Estante para livros futuros, por enquanto cheia de algumas lembranças dadas por amigos dos pais ou madrinhas e padrinhos. Um escrivaninha, também vazia, esperava alguém que fosse até ela para escrever uma bela história. Do outro lado do quarto, após o meio com algumas roupas jogadas no chão – não recolhidas pela empregada por ordem da própria mãe –, uma porta branca com pequenos desenhos de flores rosas.
  • 6. Flores que, segundo a mãe, seriam facilmente cobertas por tinta branca caso esse fosse o desejo da filha quando ficasse mais velha. Ela sabia que a garota não gostaria de ter flores rosas em tudo para sempre. A porta dava para dentro de um pequeno armário, quase que um closet. O que foi? o – – pai sussurrou enquanto observava a porta junto da filha. – Eu não quero ele lá! Não consigo dormir – uma lágrima desceu pelo olho de Violeta, o pai a tirou do rosto com o dedão, levemente, para não machucar a mocinha. – Tudo bem, Violeta. Vai dormir, eu vou dizer para ele sair de lá! Ela assentiu e encolheu-se nas cobertas novamente. A noite estava fria, e ela voltou a dormir rapidamente. Nataniel passou a mão pelo cabelo da filha e voltou para seu quarto, já sonhando com a cama que o esperava.
  • 7. O que aconteceu? – – Karine perguntou sem abrir os olhos enquanto ele se deitava. – Ela teve um pesadelo, só isso. 2. O Armário A casa da família Queiroz era bonita, embora não muito grande. Era toda branca, uma cor pacífica. O jardim era grande o suficiente para que Violeta brincasse nele nos dias quentes. Nenhuma flor ou planta, apenas grama pontiaguda, porém fofa. Assim como uma pista de pedra clara para o carro entrar no pátio e ser estacionado sobre uma proteção do sol que ficava ao lado da casa. À noite, tudo ficava escuro, mas isso era óbvio. O que não era óbvio é que, de dia, tudo ficava vulnerável para que as mais medonhas pessoas entrassem na casa. Mas aquela não era uma pessoa. Se muito, um demônio vestido de humanoide. – Papai – Violeta chamou novamente, e o pai
  • 8. foi até o quarto, apenas porque não queria acordar Karine e dizer é sua “ vez”. Ela dormia tão pacificamente, como um anjo que repousa no paraíso. – Que foi, Violeta? – fez o mesmo ritual de antes, mas sem perceber ele. – Tira ele daqui, pai – implorou a filha. – Violeta, não tem nada lá! – olhou de relance para o armário, agora com a porta entreaberta. – Mas ele me dá medo – sussurrou a garota enquanto encarava um canto do quarto. O pai lentamente virou o pescoço, olhando para trás e vendo-o. O homem era alto, o cabelo era longo, mas os fios eram poucos. O olho brilhava num tom vermelho e ele o olhava com a cabeça inclinada e sorrindo ameaçadoramente. Não piscava, o que o deixava ainda mais assustador. Nem mesmo pupilas possuía. Seus olhos eram secos como o deserto. Usava um macacão de fazendeiro, azul e surrado, sujo também. O coração de Nataniel deu um salto e ele saiu
  • 9. da cama, pondo-se em frente a filha. Se o homem a quisesse, já a teria matado, se estava realmente em seu armário, pensou. Quem... a voz – – saiu como um sussurro alto, e falhou na metade da sentença. Não sabia direito o que perguntar, não sabia nem mesmo se conseguiria perguntar. – Tira ele daqui – pediu a filha novamente. – Tudo bem, filha – conseguiu dizer sem expressar tanto pavor, mas foi difícil. O homem alto continuava a observá-los, e apenas isso. Era como se esperasse para atacar, aguardasse pelo momento ideal. Isso deixava o pai em um pânico interminável. O quarto estava no completo escuro, sendo iluminado apenas pela tênue luz que vinha do corredor que ligava os dois quartos e a escada, e também pela luz vermelha que brilhava no olho do homem. Agarrou a filha pela mão sem tomar o cuidado de ser delicado, empurrou-a para seu lado e
  • 10. foi andando devagar. Pretendia sair do quarto antes de ser atacado, ao menos levar a filha para um lugar seguro. Lembrou-se de Karine, que dormia como um anjo no quarto que podia, a qualquer momento, ser invadido por um demônio. O homem de macacão de fazendeiro não mudou de lugar, apenas os acompanhou com o olhar. Sua pele era de velho, e seu olhar era petrificante. Nataniel estava indeciso. Não teria como levar a filha junto para o quarto sem botá-la no risco de bater em algo, pois entraria lá encarando o homem, e a filha, atrás dele, seria guiada nas cegas. Não podia deixar Karine lá porque havia o perigo de ele chegar até ela e a matar, se é que faria isso. Gritar para ela? E se isso ativasse o demônio? Até agora, os seguia com o olhar esquisito, mas e se gritar fosse o fazer atacar? Se atacasse, Nataniel não saberia como reagir. Provavelmente seria o primeiro a morrer, seguido da filha e então esposa. Não, gritar não era uma opção. Agora o demônio
  • 11. começara a soltar um grunhido agudo e pavoroso. Nataniel? Karine – – chamou seu nome, o demônio parou sua respiração e olhou-o enquanto inclinava a cabeça ainda mais, aproximando-se. Agora ele andava. – Shhh – tentou falar para a esposa, pois não poderia gritar para que calasse a boca porque ele estava cara a cara com um homem esquisito que andava lentamente, em passos pesados como o da criatura do dr. Frankenstein. – Nat? – agora a mulher sussurrou, e levantou-se da cama enquanto segurava a camisola de seda com as mãos, era curta demais para andar com ela no frio da noite, mas não sabia o que acontecia fora de seu quarto. O cabelo de Karine era louro escuro e cacheado. Ela estava, como Nat mesmo disse antes de dormirem: “Sensual demais para que se pudesse acreditar”. Ele a beijou, se virou e tentou atingir o sono REM. Fora acordado pouco tempo depois pela filha, e foi quando tudo começou.
  • 12. Ela andava em passadas leves, como de bailarina. Chegou na porta e viu o que Nataniel via. O homem parado passara a encará-la rapidamente, e agora avançava mais rapidamente. Segure ela! Nataniel – – disse e a mulher obedeceu, pegando a filha e preparando-se para fazer algo, qualquer coisa que o marido fizesse. Ele era o físico, o que ele esperava que ela fizesse? Com muita relutância e pouca força de vontade, Nataniel empurrou o homem e o deixou preso contra a parede, prendendo o pescoço com o braço direito, e segurando seus braços com a mão esquerda. – VAI! – gritou com raiva, a mulher estava petrificada ao seu lado. Acordou num instante e desceu as escadas correndo, enquanto segurava Violeta, que começara a chorar de leve. O homem começou a rir enquanto era quase estrangulado pelo braço fraco, porém fortemente pressionado contra seu pescoço. A risada era
  • 13. profunda e aterrorizante, parecia vir direto de sua alma. Se é que tivesse uma. A boca completamente aberta, ele gargalhava como se estivesse numa peça de stand-up, seus dentes eram podres e com respingos de sangue escuro neles. Pouco tempo depois, uma fina linha vermelha escura desceu pelo canto direito da boca. Nataniel a notou e viu as outras acompanharem a primeira. Ele sangrava, como se tivesse antes sido esfaqueado até a morte. O macacão azul era encharcado de vermelho, mas seu sangue não parecia comum. Não parecia... humano. Nataniel o empurrou forte uma vez, para desnorteá-lo e desceu as escadas também, para achar a mulher e a filha. Tudo bem, querida, – tudo bem! – Karine esfregava o cabelo de Violeta e balançava-a como se fosse um bebê que se assustou com o barulho de um trovão. Violeta soluçava e fazia uma careta de choro, embora ele não pudesse ser ouvido.
  • 14. Que merda vocês ainda – tão fazendo aqui? Era para terem saído! – gritou com elas quando desceu, seu rosto estava vermelho de raiva e ele olhava para cima, querendo ver se o homem os seguia. Tudo vazio, o que era pior. A parede branca, embora manchada com o sangue do maldito, estava sozinha. Parecia ter desaparecido para ir atormentar outra casa, ou então apenas tomara um tempo para decidir quando voltar a atormentar aquela. 3. A Porta – Como você queria que a gente saísse se você tava lá em cima dando uma de herói? – Karine gritou de volta. Nataniel pareceu bravo com a situação, mas calou-se. – Saiam. Agora! – gritou e apontou para a porta, Karine segurou a filha mais forte nos braços e correu até a porta branca. Estavam na sala de estar, e ela parecia ter sido assaltada. O sofá fora rasgado com uma faca e toda a
  • 15. espuma interior estava para fora. As cadeiras puffs também estavam espalhadas pela sala, como se jogadas do andar superior. Nataniel olhou para cima e viu-o. Estava apoiado no vidro de proteção – manchando-o com aquele sangue sujo – e sorrindo com os dentes podres. Em sua mão direita, uma grande faca cutelo. Nataniel já viu até mesmo o anúncio: “Cutelo. Ideal para cortar ossos”. Não fora algo parecido que fizera ele comprar uma parecida com aquela? Não se lembrava, comerciais mexiam demais com sua mente, e era impossível se lembrar de todos. – Aquilo é... meu! – ele notou, por fim, que o homem segurava sua própria faca. Correu até a cozinha – que era separada da sala apenas por alguns balcões brancos. Sim, a faca era sim dele. A parte superior do balcão branco que comportava gavetas com talheres e toalhas estava suja, não apenas de sangue, mas também de terra. Era como se aquele demônio tivesse subido
  • 16. até a Terra diretamente do inferno, escavando seu caminho por meio da sujeira que estava na terra. Abriu a gaveta e pegou outra faca – era uma simples faca trinchante de cabo preto. Não era nada comparada a cutelo – ou “faca de açougueiro”, como Karine a chamava –, mas serviria para se proteger e proteger as duas amadas. Conseguia ouvir o grunhido de Karine enquanto incansavelmente tentava abrir a porta, com a mão já vermelha pois não aguentava mais. Começou a bater nela tentando pedir por ajuda, mas as pessoas das outras casas já deveriam estar dormindo. – Socorro! – gritou com força diversas vezes, a voz chegou a falhar no último grito. Respirou fundo e sentiu uma pontada no coração. Nataniel se aproximou segurando a faca na mão direita, ela o viu – Tá trancada! – Então destranca, ora! – gritou e quase perdeu a paciência. – Você acha que eu não tentei isso, já? – ela
  • 17. levantou a mão para mostrar o que segurava, a chave da porta estava quebrada, como se tivesse sido colocada numa fechadura errada e girada fortemente. E ela já tava assim, – antes que resolva me culpar! Ouviram a respiração bufante do homem que não conheciam e nem desejavam conhecer. Não estava perto deles, mas era como se estivesse. Pareciam sentir seu bafo e o ar quente de sua respiração, parecia estar juntinho deles. Nataniel sentiu um calafrio. – Fique aqui! – ordenou para a mulher e começou a andar sorrateiramente até o salão de festas da casa. A parede de lá era de vidro, com uma porta também de vidro que dava para o jardim grande e de grama verde no meio. A porta do lado deles era de correr e opaca. Estava entreaberta. A respiração pareceu se intensificar. O salão estava com as luzes desligadas, assim como a sala, mas nela era mais claro por conta da luz da lua. No
  • 18. salão, apesar da parede de vidro, tudo estava escuro. Ele entrou no salão e estava no centro dele, olhando para todos os lados ao mesmo tempo, sua cabeça girando. A respiração permanecia constante, e ele sempre com o sentimento de que o homem estava ao seu lado. O pior é que até mesmo poderia estar, mas ele não teria como saber. O homem poderia estar ao seu lado, e Nataniel nem mesmo o veria. O escuro escondia um ser inexplicável ou um maluco improvável. Mas muitas coisas eram improváveis naquela noite, então como poderia ter certeza do que era aquele homem? Humano ou demônio? E mesmo se fosse humano, o que teria acontecido com o coitado para ficar daquela maneira? Nataniel sentiu o homem o observando com seus olhos sem pálpebras, que não piscavam nunca, encarando-o com a cabeça inclinada e um sorriso irônico no rosto.
  • 19. Olhou para trás e viu a mulher balançar a filha nos braços, dizendo-lhe palavras de conforto. Aproximou-se da parede e apertou o interruptor de luz. A luz era tênue, como se estivesse falhando, também bruxuleava e não iluminava quase nada. Parecia estar em “meia fase”. Foi o suficiente para fazer um esboço do rosto do homem. Nataniel voltou o olhar para frente e lá estava o monstro, tal como imaginara, porém quase colado a ele. A boca ainda derramando uma fina linha de sangue. Ele parecia querer mostrar a faca cutelo que segurava, mas não era isso o que queria fazer. Aproximou-se ainda mais de Nataniel e fez com que o pai de Violeta se afastasse, tropicando enquanto andava às cegas para trás. Levantou a faca e estava preparado para cortar Nataniel. Mas o pai se jogou para o lado e caiu sobre alguns sofás do salão de festas. O homem desconhecido, ficando sem
  • 20. equilíbrio, acabou batendo com o corpo num batente de mármore de uma prateleira do salão. Ele grunhiu novamente, e agora parecia ainda mais disposto a matar Nataniel e a família que morava lá. – Quem... diabos é você? – Nataniel perguntou, mas não obteve nenhuma resposta a não ser o grunhido que não parava mais. Agora começara a rir, a voz saindo um pouco rouca e parecendo estar prestes a se engasgar com o próprio sangue que inundava a boca. Nataniel, caído sobre os sofás, era observado pelo homem que continuava em pé. Sua cabeça novamente inclinada num sorriso irônico deu ao pai uma sensação de raiva. – Me responda! – gritou. Levantou-se abruptamente e golpeou-o, a facada mais o fez cambalear para trás do que o cortou. – Seu monstro! – parecia ter raiva, e sua raiva alimentava sua malvadeza, como faz com todos. Golpeou a faca no estômago do monstro e ele
  • 21. com certeza a sentiu. Gemeu de dor, mas conseguiu retirar a faca e jogá-la no chão. Pegou o cutelo que deixara cair e voltou a tentar golpear Nataniel. Nataniel levou cortes no rosto e no braço, logo começou a sangrar tanto quanto o monstro, mas ainda tentava matá-lo. O cutelo muitas vezes passava raspando por seu rosto ou pescoço. O maldito tentou também cortar seu braço ou, pelo menos, a mão fora. Nataniel desviou bravamente de praticamente todos, com exceção de alguns grandes cortes no abdome. Caiu ao chão e arrastou-se até sua faca, manchada de sangue e caída ao chão a alguns metros de distância. Em volta dela, uma pequena poça de sangue, mas grande demais para ter saído diretamente da faca. A não ser que o sangue se multiplicasse. Agarrou-a e levantou o torço, parando um ataque fatal do monstro. Pôs-se de pé num pulo e, como um mestre, cravou a faca no crânio macio, provavelmente podre, do monstro.
  • 22. Ele caiu aos seus pés e o pai segurava na mão direita a faca que pingava sangue no chão. Nataniel olhava para Karine e Violeta com olhos esquisitos, a cabeça levemente inclinada. Caminhou até elas rapidamente, que gritaram como se pedissem por misericórdia, mesmo ele sendo o pai e o marido delas. Então encarou uma escuridão. Respirava esquisito, soltando um grunhido. A escuridão deixava-o desconfortável, e queria acender a luz. Apalpou sua frente e algo se moveu, um leve rangido ele ouviu. Por uma fresta, viu um quarto de uma garota jovem, que não conseguia dormir porque o encarava. Mas a garota não encarava ele, ela encarava seu armário. - Papai! Papai! gritou – baixinho, o pai chegou logo em seguida para confortar a filha. O círculo vicioso reiniciara. Nataniel sentiu vontade de matar.