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M. C.; ROSSI-DORIS, A. (Orgs.). La ricerca delle donne. Studi feministi in Italia.
Torino: Rosenberg, 1987. p. 173 et seq.
A retomada de um tema clássico – o da existência ou
não de uma natureza humana, ou se devemos preferir falar
de uma condição humana, ou então defender que todo
humano é simplesmente algo construído historicamente – serve
de pano de fundo para este diálogo entre duas filósofas: a
norte-americana Judith Butler (1956) e a italiana Adriana
Cavarero (1947), ainda pouco conhecida no Brasil, mas cuja
obra filosófica, centralizada na problemática política, se
constitui em voz importante na discussão histórico-filosófica da
relação entre homens e mulheres, sobretudo no que se poderia
chamar de “teorias euro-latinas do feminino”. Nessa
perspectiva, ela sustenta não só que a diferença homem/
mulher é a mais básica e essencial diferença da humanidade
e, por isso, origem e base de todas as outras divisões
(econômicas, culturais, religiosas, nacionais...), mas também
que o fato de “estar engendrada na diferença é algo não
negociável: para cada uma que nasceu fêmea, já é sempre
assim e não de outra forma, enraizar-se em seu ser não como
algo supérfluo ou algo mais, mas como aquilo que ela
necessariamente é: fêmea”.1
Cavarero, depois de ter trabalhado na Universidade de
Pádua, atualmente é docente de Filosofia Política da
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SELVINO ASSMANN
648 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 647-662, setembro-dezembro/2007
filosófica feminina chamada Diotima, transformando essa
personagem feminina de O banquete de Platão em símbolo
para uma reflexão crítica sobre a primazia do homem na
tradição filosófica ocidental. Adriana Cavarero questiona essa
tradição marcada pela perspectiva identitária de Platão, o
que acarretou, como se sabe, o cancelamento da
individualidade do sujeito em favor de uma definição universal
do ser humano, ou melhor, do Homem, estabelecendo assim
a primazia do abstrato sobre o narrado, o concreto, o particular
e único. Ao fazer uma espécie de desconstrução do texto
ocidental de um ponto de vista feminista, visitando para isso o
pensamento antigo, além do moderno e contemporâneo, a
autora italiana inspira-se sobretudo nas categorias mais
inovadoras trazidas por Hannah Arendt, de quem se tornou
importante estudiosa internacional: não existe o Homem, mas
existem seres humanos únicos, plurais, corpóreos, sexuados, e
irrepetíveis. Uma das contribuições de Cavarero é precisamente
esta: de trazer, também ela, para dentro do debate filosófico
e político, a questão de gênero – o que, aliás, ainda acontece
muito pouco no Brasil – e fazê-lo usando as categorias de
Arendt. Ela mesma faz questão de dizer que seu pensamento
defende “a unicidade viva de um eu que se gera nas relações
plurais, concretas e corpóreas, com os outros seres humanos”,
contrapondo-se dessa maneira não só à “solitária abstratidade
do sujeito filosófico”, mas também à “imprendível
fragmentação pós-moderna”. A atividade de Cavarero é
intensa também enquanto participa diretamente de debates
em vários países europeus, e enquanto já é presença
conhecida no debate norte-americano, tendo sido
recentemente Visiting Professor nas universidades de Harvard,
de Berkeley, de Santa Barbara e de New York.
Além dos muitos ensaios publicados em revistas e obras
coletivas, Adriana Cavarero é autora dos seguintes livros:
Nonostante Platone. Roma, Riuniti, 1990 (In Spite of Plato,
Cambridge, Polity, 1995); Corpo in figure. Filosofia e politica
della corporeità. Milano, Feltrinelli, 1995 (Stately Bodies.
Chicago, Michigan University Press, 2004); Tu che mi guardi, tu
che mi racconti. Filosofia della narrazione. Milano, Feltrinelli,
1997 (Relating Narratives. London, Routledge, 2000); A più voci.
Filosofia dell’espressione vocale. Milano, Feltrinelli, 2003 (For
More than One Voice. Stanford, Stanford University Press, 2004).
O seu último livro, Orrorismo. Ovvero della violenza sull’inerme
(Horrorismo. Ou então da violência sobre o inerme, 2007), cria
o neologismo “horrorismo”, violência sobre os inermes, que se
separa do Estado, uma espécie de “crime ontológico que
excede a forma organizada do simples assassínio”, para o
distinguir de terrorismo, violência de Estado. É o horrorismo a
forma atual de se dar a banalidade do mal. Isso se torna mais
um motivo para que ela sustente teoricamente, na companhia
de Judith Butler (cf., por exemplo, Precarious Life. New York
and London: Routledge, 2004), uma condição humana
marcada pela “ontologia da vulnerabilidade”, vulnerabilidade
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EEstudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 647-662, setembro-dezembro/2007 649
coletiva pela vida corpórea uns dos outros, o que pode
constituir uma espécie de ética mínima universal.
Agradecemos muito à imediata e simpática aceitação
do convite que fizemos a Adriana Cavarero para permitir a
publicação da tradução portuguesa do diálogo que ela
manteve com Judith Butler sobre a existência de uma natureza
humana ou de uma condição humana. Ao mesmo tempo
agradecemos a ela por ter facilitado a permissão por parte
da redação de Micromega, que publicou originalmente o
texto. Aliás, vale a pena reiterar que Micromega, revista de
grande divulgação na Itália, se tornou um lugar privilegiado
para a discussão pública do problema da existência ou não
de uma natureza humana, a ponto de neste ano (2007) já
terem sido publicados mais dois números da revista sobre o
tema (existe ou não natureza humana?), reunindo no debate
filósofos, teólogos, cientistas de diferentes áreas, incluindo,
obviamente, biólogos. Trazer para dentro desse debate a
questão de gênero: talvez seja este mais um mérito do diálogo
entre Butler e Cavarero que aqui se publica. Devem-se também
ao interesse de Adriana Cavarero – e agradecemos mais ainda
a ela – o acesso e o direito de publicação do artigo de outra
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Diálogo entre Cavarero e Butler

  • 1. Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 336, setembro-dezembro/2007 647 PPPPPonto de Vistaonto de Vistaonto de Vistaonto de Vistaonto de Vista Condição humana contraCondição humana contraCondição humana contraCondição humana contraCondição humana contra “natureza”:“natureza”:“natureza”:“natureza”:“natureza”: diálogo entre Adrianadiálogo entre Adrianadiálogo entre Adrianadiálogo entre Adrianadiálogo entre Adriana Cavarero e Judith ButlerCavarero e Judith ButlerCavarero e Judith ButlerCavarero e Judith ButlerCavarero e Judith Butler Selvino J. Assmann Universidade Federal de Santa Catarina Copyright 2007 by Revista Estudos Feministas 1 CAVARERO, A. “L’elaborazione filosofica della differenza sessuale“. In: MARCUZZO, M. C.; ROSSI-DORIS, A. (Orgs.). La ricerca delle donne. Studi feministi in Italia. Torino: Rosenberg, 1987. p. 173 et seq. A retomada de um tema clássico – o da existência ou não de uma natureza humana, ou se devemos preferir falar de uma condição humana, ou então defender que todo humano é simplesmente algo construído historicamente – serve de pano de fundo para este diálogo entre duas filósofas: a norte-americana Judith Butler (1956) e a italiana Adriana Cavarero (1947), ainda pouco conhecida no Brasil, mas cuja obra filosófica, centralizada na problemática política, se constitui em voz importante na discussão histórico-filosófica da relação entre homens e mulheres, sobretudo no que se poderia chamar de “teorias euro-latinas do feminino”. Nessa perspectiva, ela sustenta não só que a diferença homem/ mulher é a mais básica e essencial diferença da humanidade e, por isso, origem e base de todas as outras divisões (econômicas, culturais, religiosas, nacionais...), mas também que o fato de “estar engendrada na diferença é algo não negociável: para cada uma que nasceu fêmea, já é sempre assim e não de outra forma, enraizar-se em seu ser não como algo supérfluo ou algo mais, mas como aquilo que ela necessariamente é: fêmea”.1 Cavarero, depois de ter trabalhado na Universidade de Pádua, atualmente é docente de Filosofia Política da Universidade de Verona. Foi fundadora da Comunidade
  • 2. SELVINO ASSMANN 648 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 647-662, setembro-dezembro/2007 filosófica feminina chamada Diotima, transformando essa personagem feminina de O banquete de Platão em símbolo para uma reflexão crítica sobre a primazia do homem na tradição filosófica ocidental. Adriana Cavarero questiona essa tradição marcada pela perspectiva identitária de Platão, o que acarretou, como se sabe, o cancelamento da individualidade do sujeito em favor de uma definição universal do ser humano, ou melhor, do Homem, estabelecendo assim a primazia do abstrato sobre o narrado, o concreto, o particular e único. Ao fazer uma espécie de desconstrução do texto ocidental de um ponto de vista feminista, visitando para isso o pensamento antigo, além do moderno e contemporâneo, a autora italiana inspira-se sobretudo nas categorias mais inovadoras trazidas por Hannah Arendt, de quem se tornou importante estudiosa internacional: não existe o Homem, mas existem seres humanos únicos, plurais, corpóreos, sexuados, e irrepetíveis. Uma das contribuições de Cavarero é precisamente esta: de trazer, também ela, para dentro do debate filosófico e político, a questão de gênero – o que, aliás, ainda acontece muito pouco no Brasil – e fazê-lo usando as categorias de Arendt. Ela mesma faz questão de dizer que seu pensamento defende “a unicidade viva de um eu que se gera nas relações plurais, concretas e corpóreas, com os outros seres humanos”, contrapondo-se dessa maneira não só à “solitária abstratidade do sujeito filosófico”, mas também à “imprendível fragmentação pós-moderna”. A atividade de Cavarero é intensa também enquanto participa diretamente de debates em vários países europeus, e enquanto já é presença conhecida no debate norte-americano, tendo sido recentemente Visiting Professor nas universidades de Harvard, de Berkeley, de Santa Barbara e de New York. Além dos muitos ensaios publicados em revistas e obras coletivas, Adriana Cavarero é autora dos seguintes livros: Nonostante Platone. Roma, Riuniti, 1990 (In Spite of Plato, Cambridge, Polity, 1995); Corpo in figure. Filosofia e politica della corporeità. Milano, Feltrinelli, 1995 (Stately Bodies. Chicago, Michigan University Press, 2004); Tu che mi guardi, tu che mi racconti. Filosofia della narrazione. Milano, Feltrinelli, 1997 (Relating Narratives. London, Routledge, 2000); A più voci. Filosofia dell’espressione vocale. Milano, Feltrinelli, 2003 (For More than One Voice. Stanford, Stanford University Press, 2004). O seu último livro, Orrorismo. Ovvero della violenza sull’inerme (Horrorismo. Ou então da violência sobre o inerme, 2007), cria o neologismo “horrorismo”, violência sobre os inermes, que se separa do Estado, uma espécie de “crime ontológico que excede a forma organizada do simples assassínio”, para o distinguir de terrorismo, violência de Estado. É o horrorismo a forma atual de se dar a banalidade do mal. Isso se torna mais um motivo para que ela sustente teoricamente, na companhia de Judith Butler (cf., por exemplo, Precarious Life. New York and London: Routledge, 2004), uma condição humana marcada pela “ontologia da vulnerabilidade”, vulnerabilidade física e corpórea, que nos deveria conduzir à responsabilidade
  • 3. CONDIÇÃO HUMANA CONTRA “NATUREZA” EEstudos Feministas, Florianópolis, 15(3): 647-662, setembro-dezembro/2007 649 coletiva pela vida corpórea uns dos outros, o que pode constituir uma espécie de ética mínima universal. Agradecemos muito à imediata e simpática aceitação do convite que fizemos a Adriana Cavarero para permitir a publicação da tradução portuguesa do diálogo que ela manteve com Judith Butler sobre a existência de uma natureza humana ou de uma condição humana. Ao mesmo tempo agradecemos a ela por ter facilitado a permissão por parte da redação de Micromega, que publicou originalmente o texto. Aliás, vale a pena reiterar que Micromega, revista de grande divulgação na Itália, se tornou um lugar privilegiado para a discussão pública do problema da existência ou não de uma natureza humana, a ponto de neste ano (2007) já terem sido publicados mais dois números da revista sobre o tema (existe ou não natureza humana?), reunindo no debate filósofos, teólogos, cientistas de diferentes áreas, incluindo, obviamente, biólogos. Trazer para dentro desse debate a questão de gênero: talvez seja este mais um mérito do diálogo entre Butler e Cavarero que aqui se publica. Devem-se também ao interesse de Adriana Cavarero – e agradecemos mais ainda a ela – o acesso e o direito de publicação do artigo de outra intelectual italiana, Olivia Guaraldo, também estudiosa de Hannah Arendt, e tradutora de Judith Butler e de Hannah Arendt para o italiano.