1) A dívida pública é usada como instrumento para empobrecer as pessoas e reduzir a democracia.
2) Existem desequilíbrios geopolíticos e econômicos na Europa que beneficiam os países do norte em detrimento dos do sul.
3) O capital financeiro global domina a economia e torna as pessoas e empresas dependentes do crédito, priorizando a especulação em vez do bem-estar da população.
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Quando a Dívida aumenta, a Democracia encolhe (1)
Eles,
para utilizarem a dívida como instrumento do nosso
empobrecimento precisam de sequestrar a democracia.
Nós,
para nos libertarmos, temos de mandar este regime
político, com a dívida, pelo cano abaixo.
Começaram no dia 27 de abril debates abertos sobre Democracia e Dívida1
desenvolvidos no espaço público, para que as pessoas não fiquem confinadas
ao que se diz nos media, em regra, superficial ou enganador. Todas as formas
de mobilização popular contra o sufoco que se vive a título da dívida são
necessárias porque a dívida serve também para uma brutal campanha contra os
direitos da população e na qual se inclui uma verdadeira vontade de tornar
residual a democracia. Nesse sentido, decidimos desenvolver, por escrito, o que
vem sendo dito na praça pública.
Sumário
1 - A dívida e as abordagens institucionais
2 Quatro elementos de ordem sistémica
Os desequilíbrios geopolíticos
A financiarização e o predomínio do capital financeiro global
As agendas próprias dos capitalismos nacionais
As caricaturas de democracia política
3 - A formaçao da dívida em Portugal
1
https://www.facebook.com/pages/Democracia-e-D%C3%ADvida/487400131308815?fref=ts
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Quando a Dívida aumenta, a Democracia encolhe (1)
1- A dívida e as abordagens institucionais
Em regra, nos meios políticos, mormente institucionais, a questão da dívida,
considerada de modo circunscrito, na acepção de dívida pública, é apontada
como uma questão de desequilíbrio de ordem financeira, com raízes no
funcionamento dos “mercados”, com origens próximas nos desequilíbrios da
estrutura económica. Complementarmente, refere-se a frase de que “vivemos
acima das nossas possibilidades” o que nada mais representa que o
conformismo pretendido para a continuidade da atuação do sistema financeiro
e dos seus mandarins; a assunção de uma culpa, cuja expiação é inevitável,
como ressalta das escrituras das religiões do “Livro”. Mas, essa culpa serve,
perfeitamente para aceitação da imposição de cortes em rendimentos e
direitos, sem uma contestação que se possa considerar digna.
Dentro dos sectores mais à esquerda do sistema político, a aplicação da lógica
neoliberal constitui uma aberração, a ser substituida por um virtuoso retorno à
ortodoxia keynesiana, com forte investimento público, no seio da harmonia
celeste do modelo social europeu; um retorno aos gloriosos trinta anos que
acompanharam a recuperação e reestruturação capitalista na Europa, a seguir à
última grande guerra.
Essa defesa da boa ortodoxia keynesiana dominante na esquerda do sistema
comporta duas visões distintas, naturalmente, em qualquer delas, sem a
colocação em causa do sistema capitalista, nem do modelo do que
convencionalmente se chama democracia representativa, do mercado eleitoral.
Uma dessas pobres alternativas compreende um modelo mais ou menos
isolacionista ou nacionalista apoiado num Estado intervencionista, com a saída
de Portugal do euro ou mesmo da UE, apresentada de modo tímido ou
implícito e, não como reivindicação política clara ou mobilizadora. A outra visão
baseia-se também na intervenção do Estado mas, tendo como pano de fundo a
crença numa reestruturação da UE no sentido da construção de um macro-
estado dotado de meios financeiros para atuar condignamente com a dimensão
da Europa que se pretende obter no âmbito do cenário global. Na nossa
opinião, nenhum desses modelos tem em conta o bem-estar da população e
dos trabalhadores em particular, apenas a continuidade da encenação
contestatária, na AR ou nas várias procissões ritualmente efetuadas como
justificação para os fundos públicos ou sindicais disponibilizados aos burocratas
da chamada esquerda.
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2- Quatro elementos de ordem sistémica
Comecemos por sinteticamente, apontar alguns dos aspetos balizadores da
realidade económica e política geral e, particularmente, em Portugal.
Os desequilíbrios geopolíticos
Há, na Europa, uma especialização económica que vocaciona os países do Sul e
do Leste para o fornecimento dos países do Norte, dedicando-se estes à
produção e exportação de bens de elevado valor acrescentado para o mercado
global. Está em formação um quintal de pobreza que rodeia uma casa senhorial
situada no Norte da Europa; uma zona de transição para o mundo islâmico e a
Rússia, no que se pode configurar como uma revisitação de Huntington.
Acumulando-se os capitais e os superavits externos no Norte da Europa,
sobretudo Alemanha e Holanda, são estes que ficam em condições de financiar
os restantes, deficitários, impondo as suas condições para que se mantenha
uma dívida eterna e uma subalternidade total 2
.
Balança corrente (M euros) Soma 2002-2012 (set)
Saldos positivos Saldos negativos
Alemanha 1.336.079 Espanha -611.758
Holanda 403.504 Itália -266.534
Áustria 73.947 Grécia -210.543
Finlândia 53.097 França -169.495
Bélgica 38.901 Portugal -156.035
Irlanda -29.408
Total 1.905.528 Total -1.443.773
Fonte: Eurostat
Nesse contexto, as estruturas produtivas nacionais e regionais vão-se
distorcendo e reproduzindo as desigualdades e a pobreza. E as soluções
apoiadas no fomento da exportação acentuam os desequilíbrios, estando
condenados ao fracasso, pois essa política é adoptada mimeticamente, por
todos e, todos concorrem junto dos mesmos potenciais compradores, também
eles, próximos da recessão. Uma obsessão para servir os mercados externos só
por acaso pode coincidir com a satisfação das necessidades das populações dos
países exportadores.
A financiarização e o predomínio do capital financeiro global
O capitalismo é o primeiro sistema económico que não tem como fulcro as
necessidades das pessoas mas, o “mercado”, tornando o trabalho uma
abstração, uma mercadoria, um factor de produção. O predomínio do capital
financeiro torna dependentes de si, através do crédito, empresas e pessoas e,
tendo em conta a invenção de múltiplas formas e expedientes de promoção da
reprodução de capital-dinheiro através da especulação, é para esta que é
2
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html
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privilegiada a canalização dos capitais que faltam para o investimento no bem
estar das populações.
A produção para o “mercado”, a satisfação dos insondáveis caprichos dos
“mercados” constituem um alibi para gerar o frenesi da competitividade, da
produtividade, do individualismo, do consumismo e da redução dos custos
sociais. Resulta daí a disponibilidade de imensa quantidade de bens de
consumo e serviços, em paralelo com milhões de pessoas com carências
elementares por satisfazer.
Neste contexto é a própria sobrevivência de parte importante da Humanidade
que fica ameaçada de genocídio uma vez que, sem poder de compra, nem
utilização viável na produção capitalista, parte importante dos seres humanos é
totalmente inútil para os mercados financeiros, é apenas um estorvo.
As agendas próprias dos capitalismos nacionais
O sistema financeiro global interage com os diversos países de acordo com a
dimensão política e económica do conjunto dos capitalistas nacionais, com
destaque para os respetivos sistemas financeiros. Essa relação matiza a posição
em que cada país se encontra na hierarquia das nações, emanada das relações
de poder que cada país incorpora e ainda a sua organização política e social, o
poder financeiro, a valia do seu aparelho produtivo, as capacidades do seu povo
em termos de conhecimento e auto-organização, a sua valia geopolítica...
Cada capitalismo nacional mediatiza através do seu Estado a criação de
condições para a satisfação das suas necessidades de acumulação. No caso
português, tratando-se de um capitalismo dependente e periférico, desde
sempre apostado na minimização de custos salariais e sociais e na utilização da
corrupção como fonte essencial de acumulação, chega-se neste momento a um
ponto de verdadeiro protetorado internacional.
A dívida é um instrumento de exercício da punção financeira, tendencialmente
eterna e, que exige como preço, o desmantelamento da produção de bens e
serviços, o empobrecimento de quase todos e a inanição de grande parte da
população.
As caricaturas de democracia política
Hoje, são mal suportadas as ditaduras militares ou pessoais e também os
golpes de estado… excepto em todos os casos em que são tolerados. Instituiu-
se uma arquitetura política chamada democracia representativa, que se baseia
em eleições onde, por regra, o ganhador é uma estrutura mafiosa designada
partido - financiada em parceria pelo Estado e pelo capital - que tratam de
controlar os media para manipular os eleitores. Também, em geral, está
montado um sistema de rotatividade entre uns poucos gangs que alternam no
governo para que a encenação se mostre perfeita. A esmagadora maioria da
população jamais poderá exercer funções políticas sem pertencer a um partido
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de governo, nem lhe é permitida qualquer outra forma de controlo da ação
governativa, para além das manipuladas eleições.
O sistema político, é apresentado como segmentado entre poder e oposição,
num maniqueismo infantil que é mediaticamente incutido na população.
Porém, os agentes do sistema político, a chamada classe política, constitui entre
si uma hierarquia, que na sua parcela com propensão governamental é, de
facto, escolhida e controlada pelos meios da finança, enquanto à parte afastada
do poder de estado compete desempenhar condignamente o enquadramento
da conflitualidade social dentro das conveniências da reprodução do capital.
Neste contexto e através da classe política assim domesticada, o capital
financeiro apropria-se do Estado, privatizando as essenciais funções de
produção de leis, a punção fiscal e o aparelho repressivo (forças armadas,
policiais e tribunais).
3 - A formaçao da dívida em Portugal
Como se disse atrás, é curto colocar apenas a questão da dívida pública como a
causa das desgraças atuais ou a chave da via rápida para a redenção. Separar a
dívida pública da privada é ocultar as caraterísticas atuais do capitalismo
financeiro3
; é ignorar o caráter instrumental da dívida pública para a
acumulação capitalista e para a redistribuição dos rendimentos; é esconder que
há um sistema de vasos comunicantes entre os vários sectores da economia; é
branquear o papel do Estado como departamento integrado (e agente
integrador) no seio do sistema financeiro.
Por outro lado, encarar a dívida como uma questão financeira, resolúvel como
um valor a pagar e não como um processo de empobrecimento e escravização
é enganador. Proceder desse modo é considerar que o modelo político atual é
independente das dificuldades que sofremos e que é possível resolver o
problema da dívida e obviar à deriva empobrecedora, no mesmo quadro
institucional, com um Estado pertencente ao sistema financeiro e uma classe
política delegada dos banqueiros.
Note-se que há um muro de silêncio quanto ao capitalismo, ao sistema político
de “democracia representativa” e ao modelo de representação, silêncio esse
que irmana todos os partidos do sistema, apostados na continuidade da
situação. Revela-se, com a aceitação acrítica daqueles elementos estruturais das
sociedades, o imenso conservadorismo das classes políticas, subscritoras da
perpetuidade do domínio capitalista, da ausência de alternativas, da aceitação
post-mortem da tese que celebrizou Fukuyama. Para a continuidade do seu
bem estar, as classes políticas soletram intra-muros, baixinho, “que se lixe o
povo”.
3
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/05/divida-portuguesa-total-canibalizacao.html
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A distribuição dessa dívida total, pelos vários sectores institucionais que
contraem crédito, essencialmente interno, junto do sistema financeiro, revela
alterações marcantes quer na evolução, quer na estrutura.
Dívida bruta M euros
2007 2013 var. (%)
Estado 112.804,1 19,5 199.676,0 27,8 77,0
Empresas públicas 29.707,1 5,1 46.720,7 6,5 57,3
Empresas privadas 270.380,2 46,6 307.344,4 42,8 13,7
Particulares 166.766,0 28,8 164.921,2 22,9 -1,1
Total 579.657,4 100,0 718.662,3 100,0 24,0
PIB 169.319,2 165.409,2 -2,3
* março para o Estado, fevereiro para os restantes
Do quadro anterior, extraem-se as seguintes conclusões:
• As famílias constituem o único agregado que tem um comportamento
semelhante ao observado para o PIB, numa demonstração evidente da
sua racionalidade, de que não vivem acima das suas posses, de que têm
uma percepção da realidade bem mais acurada do que o Estado, seus
mandarins e outros devotos do mercado. Por outro lado, o seu
endividamento recente, reduziu o peso relativo para 22.9% do total;
• O Estado, em conjunto com as empresas públicas passou a representar
mais de um terço da dívida global (34.3%) contra quase um quarto
(24.6%) em finais de 2007. Dentro das dificuldades globais, é o Estado
que consegue financiamento no exterior tal como as empresas públicas,
neste caso, devidamente ajudadas na subscrição de swats pelo
prestimoso sistema financeiro. Até à intervenção da troika viveu-se um
periodo de grande felicidade para o sistema bancário que obtinha
crédito do BCE para comprar dívida pública, com uma enorme margem
de lucro, apenas porque na ortodoxia do BCE – onde o devoto Gaspar
trabalhou longos anos – aquele banco não pode financiar Estados
diretamente, devido ao perigo de inflação (!!) – o único objetivo,
expresso, da instituição – como resultado do… trauma alemão com a
hiperinflação dos anos 20 do século passado. Alguém precisará de
psicanálise…
• As empresas privadas continuam a mostrar-se como o sector mais
endividado, a que não é estranha a sua histórica descapitalização, a sua
dependência – tão desejada – do sistema financeiro, a alegre e ruinosa
parceria na expansão imobiliária dos últimos vinte anos. Como já se
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observou, esse acréscimo de crédito não foi, obviamente, aplicado no
investimento4
.
Os vários sectores institucionais recorrem, em graus muito distintos, ao crédito
externo e, internamente, tem significado o financiamento entre empresas.
Porém, o crédito é obtido essencialmente junto do sistema bancário; e daí que
seja interessante, uma observação aligeirada sobre as origens do financiamento
obtido pelos bancos.
Dívida do sistema financeiro * M euros
2007 2012 var. (%)
Depósitos de
empresas e pessoas
326.972,0 74,8 369.046,0 60,7 12,9
Títulos excepto ações 48.747,0 11,2 132.289,0 21,8 171,4
Empréstimos obtidos 61.311,0 14,0 106.442,0 17,5 73,6
Soma 437.030,0 100,0 607.777,0 100,0 39,1
Do qual ao exterior 44.517,0 10,2 107.875,0 17,7 142,3
PIB 169.319,2 165.409,2 -2,3
Fonte: Banco de Portugal
* engloba B de Portugal, outras instituições financeiras monetárias (bancos), outros
intermediários financeiros, seguradoras e fundos de pensões
Neste contexto,
• A recessão tem um efeito bem visível no volume de depósitos
constituidos junto do sistema bancário o que, associado ao grande
aumento dos prazos para o crédito concedido, dadas as dificuldades das
empresas, obrigou o sistema financeiro a procurar outras fontes de
financiamento. Assim, os depósitos dos clientes que representavam
quase ¾ dos recursos alheios dos bancos passaram a ser apenas 60.7%
do total;
• Entre essas fontes, a mais dinâmica é a da emissão de títulos que quase
triplicou o seu valor em cinco anos, seguida dos empréstimos. Estas
fontes de capitais alheios que pesavam cerca de um quarto do total em
2007 passaram para 39.3%, revelando assim um grande aumento dos
custos dos bancos na captação de dinheiro porquanto a forma mais
barata é, sem dúvida, através da massa dos depositantes;
• Finalmente, refira-se ainda que, inserida naquela global captação de
capitais, se evidencia um forte crescimento do financiamento externo,
que aumenta 142.3% nos cinco anos considerados.
4
http://pt.scribd.com/doc/106026499/A-divida-de-pessoas-e-empresas-%E2%80%93-a-dependencia-
eterna
8. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 16-5-2013 8
Efetuada esta caraterização global, proceder-se-á, em breve, a uma abordagem
mais específica sobre a dívida privada e sobre a dívida pública, deixando-se
para o final uma abordagem política de ambas e o desenho de alternativa
possível; naturalmente, fora do quadro do putrefacto ordenamento político.
Este e outros documentos em:
http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://grazia-tanta.blogspot.com/