O documento discute os problemas causados pelas fazendas industriais de animais, como a falta de bem-estar animal, poluição ambiental e riscos à saúde humana. O jornalista David Kirby relata como as grandes quantidades de dejetos lançados nos rios pelas fazendas de porcos na Carolina do Norte causaram a morte de peixes e afetaram pescadores. Apesar das regulamentações, a fiscalização é insuficiente para lidar com os impactos negativos dessas megafazendas.
1. O mal das fábricas de animais
Autor: Claire Suddath
Entrevistado: David Kirby
Fonte: Revista Time (Time.com)
Data: 23 de abril de 2010
Tradução: Luciano Bitencourt
Se você come carne, é bem provável que esteja se alimentando de um animal que foi
criado numa fazenda industrial (mais conhecida como CAFO [Concentrated Animal Feeding
Operation]). De acordo com o USDA1, 2% do rebanho bovino norte-americano utilizam artifícios
para acelerar o crescimento de aproximadamente 40% de todos os animais da fazenda. Isso
significa que vacas, porcos e galinhas, estão super-concentrados em poucas propriedades de
enormes proporções. Mesmo os vegetarianos correm o risco de sofrer consequências do impacto
ambiental, e na saúde humana, provocado por essa indústria de proteína. No livro Animal Factory,
ou Fábrica de Animais, o jornalista David Kirby explora o problema dessas empresas, abordando
desde a falta de bem-estar animal até a poluição dos rios. Kirby falou à Time sobre as fazendas
industriais que produzem em larga escala, mencionou a dificuldade de fiscalização pela esfera
governamental e o terrível destino do rio Carolina do Norte.
O que é exatamente uma fábrica de animais?
A produção industrial de alimentos de origem animal teve início com o modelo estabelecido pelas
granjas (aves). Nas décadas de 1930 e 40, grandes companhias entraram no ramo agropecuário.
Essas empresas arrendavam as fazendas para a criação de animais. Os fazendeiros geralmente
não possuíam animais – já as empresas, sim. Algo muito semelhante com os sistemas de parceria
já existentes com as lavouras. A empresa explicava-lhes como estruturar a fazenda, o que
exatamente deveria ser criado e como alimentá-lo. O gerenciamento era completo: desde a
temperatura do estábulo até o dia exato em que os animais deveriam ser enviados para o abate.
Em razão do contrato, os fazendeiros não podiam consumir seus próprios animais. Por isso, tinha
gente que produzia frangos para a Perdue2, em Maryland, e depois tinha de ir ao mercado
comprá-los nas lojas da própria Perdue.
De uma forma em geral, nós chamamos esse sistema de fazendas industriais, apesar de não ser
um nome oficial. O governo designou a sigla CAFO, abreviação para Concentrated Animal
Feeding Operation3. Basicamente, trata-se de uma fazenda que tem 1000 ou mais cabeças. Um
boi de corte, por exemplo, corresponde a uma cabeça. Esses animais são criados dentro de baias
a vida inteira. Eles nunca saem para tomar um ar ou pastar. Eles nunca veem o sol.
Quais as ameaças dos confinamentos para a saúde humana e para o meio ambiente?
Em primeiro lugar, os animais não foram concebidos geneticamente para se alimentar da forma
como estão sendo frequentemente alimentados. Bovinos de corte confinados estão sujeitos a uma
dieta à base de farelo de grãos (ração), proveniente de milho ou soja, quando na verdade
1 United States Department of Agriculture, ou Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
2 Empresa norte-americana do setor de aves, fundada em 1920. Atua na comercialização de cortes e especialidades de frango
embalados.
3 Em português, algo como SICA: Sistema Intensivo de Confinamento Animal. Ou, simplesmente, confinamento.
2. deveriam estar comendo pasto. A comida não é natural porque é preciso inserir hormônios e
antibióticos para acelerar o crescimento do gado. O que é um problema quando esse esterco é
lançado na terra.
Por isso, o fato de se aglomerar milhares de animais dentro de uma fazenda, também, pode
ser considerado um erro.
Certamente. Eles são inúmeros animais reunidos num lugar minúsculo. Numa fazenda tradicional,
ou melhor, numa fazenda sustentável, animais e pastagens crescem juntos. No pasto, você coloca
um determinado número de animais por acre 4. Mas quando se coloca em apenas um acre 2000
cabeças, em vez de duas, então, existe um problema. Não é possível adaptá-las ao pasto – é
necessário adaptá-las ao negócio. Não é possível criar bastante pastagem para alimentá-las –
seria necessário transportá-la. Além do mais, não se tem bastante terra para absorver os dejetos.
Será preciso levá-los para algum lugar.
E nesse caso, o que acontece?
O esterco se liquefaz. Até ser utilizado como adubo pelos fazendeiros em algumas plantações, o
dejeto vai escurecendo as lagoas abertas que servem de abastecimento de água. Embora
aconteça mais do que isso. Eu tenho visto os dejetos serem lançados diretamente em rios e
afluentes. Essas lagoas cheias de esterco já se tornaram conhecidas pelas suas rupturas,
vazamentos, infiltrações e outros excessos. Inclusive, não há tratamento. Nós não poderíamos
permitir uma coisa dessas, verdadeiras latrinas de dejetos abertas por humanos, sem tratamento
e despejadas ao lado de casas e escolas. Se isso é agricultura, a administração deveria ser outra.
Você escreveu bastante sobre o North Carolina's Neuse River. O que aconteceu lá?
Centenas de grandes fazendas de porcos se transferiram para a Carolina do Norte 5 nos anos de
1990. Em Animal Factory, eu conto a história de Rick Dove, um antigo fuzileiro naval que se
aposentou e comprou um barco de pesca. Um dia ele constatou que os peixes estavam morrendo
de forma estranha. Principalmente onde haviam muitas algas. Durante o dia, as algas geram
oxigênio através da fotossíntese. A noite, expelem dióxido de carbono. Quando isso acontece, os
peixes ficam literalmente sem oxigênio na água. Então, eles se direcionam até a beira do rio, onde
se debatem tentando respirar através de suas brânquias. De manhã, estão todos mortos. Todos –
robalos, enguias, um pequeno peixe chamado “menhaden”6, caranguejos e camarões. As pessoas
chamam isso de “Jubileu dos Peixes”, porque podem entrar nos rios e pegá-los gratuitamente
para comer.
Logo no começo do evento, Rick Dove ficou sabendo que o “menhaden” estava desenvolvendo
um círculo vermelho em torno dos seus flancos. Isso está de acordo com o que é chamado “morte
espiral”. Eles começam a nadar em círculos até morrer. Ninguém sabia ao certo qual era a causa
desse problema. Até que um belo dia, os pescadores, incluindo Rick e seu filho, perceberam
manchas vermelhas em círculos na própria pele, em partes do corpo que mantêm contato direto
com a água. Em seguida, eles começaram a ficar desorientados. Esqueciam onde viviam e onde
aportavam seus barcos. Então, Rick começou a pesquisar. Um dia ele leu sobre o pfiesteria numa
revista científica, esse plâncton esquisito que emite toxinas que atordoam os peixes e faz com que
4 Cerca de 0,4 hectare.
5 Estado localizado ao Sudeste dos EUA. Grande produtor de tabaco, tem economia voltada também para o turismo e indústria.
6 Brevoortia aurea, espécie que possui uma variante sul-americana denominada Brazilian Menhaden, e conhecida como Savelha.