1. Opinias
UMA REVISTA DE IDEIAS, PENSAMENTOS E PONTOS DE VISTA
CULPADO
OU
INOCENTE?
GRAMSCISMO
A revolução
silenciosa
RIMBAUT
Um olhar
fotográfico
JAPÃO
A delicadeza
de um povo
Ano I - nº. 4
Setembro - 2014
O PODER DO JÚRI
PARA FAZER JUSTIÇA
EM NOME DA SOCIEDADE
2. Opinias - Setembro 2014
2
Editorial Sumário
Herança possível
Qual o legado que pretendemos deixar para nossos
descendentes a fim de que possamos cumprir a missão de
tornar melhor a sua vida? Temos realmente essa missão ou
isso é um problema das gerações que irão nos suceder?
Como, então, pretendemos deixar as marcas de nossa
passagem por este mundo? Que temos feito para o bem ou
para o mal da perpetuação da humanidade? Qual nosso
compromisso, afinal, para com um universo tão vasto e
complexo, para que nossa passagem por ele tenha valido a
pena?
Claro que não temos as respostas para tudo isso.
Cada um a seu modo imagina estar cumprindo o seu papel.
Esse questionamento, no entanto, é vital para que
encontremos algum sentido em nossas atitudes e
posicionamentos. Nosso grande trunfo, talvez, seja apenas
o de termos sido dotados do “ânimo vital”. Temos um poder
inimaginável de discernir, discutir e agir, de analisar refletir e
conjecturar, avaliar, decidir e, enfim, interferir nos destinos
de nosso universo. Nossa missão é repleta de paradoxos,
dúvidas e medos. Mas é bem por tudo isso que a vida é
essa aventura tão maravilhosa.
Novamente OPINIAS convida a todos os seus
leitores a algumas reflexões e a uma análise sobre alguns
pontos de vista de pessoas que pretendem deixar alguma
herança possível a seus semelhantes. Por bem ou por mal, a
humanidade caminha. Em meio a guerras, injustiças, doenças
e todo tipo de surpresas. E ainda assim sobrevivendo e se
multiplicando, conforme os desígnios de um Grande
Arquiteto, no qual muitos nem acreditam. Mas, ainda assim,
somos todos bem semelhantes entre nós e compartilhamos
o mesmo habitat, seja lá quem o tenha criado. E quanta
diversidade há nisso, não é? Desafios não nos faltam e um
deles é tentar fazer o melhor bem possível à humanidade,
pelo aperfeiçoamento de nós mesmos!
MARCOS GIMENES SALUN
Jornalista
São Paulo - SP
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03 Drogas
08 Yoga
10
A análise de Carlos Galvão para
um problema cada dia mais
preocupante na sociedade.
Gramscismo 04
Adalto Barreiros descreve e detalha a teoria
e o projeto de dominação concebido pelo
filósofo italiano Antonio Gramsci.
Eliana
Veridiano
Japão
09 Internet
Luciana Gomes
Gimenes
O fotógrafo Marcos Seyde registrou
momentos de rara beleza do Japão.
O poder do júri 12
A promotora Marlusse Pestana Daher
fala sobre a atuação do júri popular
como instrumento de justiça.
Decanters
Carlos Eduardo de Oliveira trata
nesta edição do correto uso dos
decantadores de vinhos
O falar do povo 18
No dicionário de Paulo Camelo, tudo o
que o povo pernambucano tem de
peculiar no seu linguajar do dia a dia.
16
20Rimbaud
Luciana Brandão Carreira faz um
estudo sobre este poeta francês
que, ainda jovem, escreveu boa
parte de sua obra.
Envelhecer 23
Delasnieve Daspet narra sua própria
experiência com o envelhecimento numa
crônica irreverente e bem humorada.
24 Rito de Passagem
A delicada poesia de Eliana Mora vai da
palavra ao silêncio, fechando esta
edição com suavidade.
OPINIAS - ANO I - nº. 4 - Setembro 2014 - Publicação virtual mensal da Rumo Editorial Produções e Edições Ltda. * Diretores: Marcos
Gimenes Salun, Luciana Gomes Gimenes e Naira Gomes Gimenes * Editor e Jornalista Responsável:: Marcos Gimenes Salun (MTb
20.405-SP) * Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671-SP). *Redação e Correspondência: Av. Prof. Sylla Mattos, 652 - conj.12 -
Jardim Santa Cruz - São Paulo - SP - CEP 04182-010 E-mail: rumoeditorial@uol.com.br - Tels.: (11) 2331-1351 Celular (11) 99182-4815.
BLOG: http://opinias2014.blogspot.com.br/ * Colaboradores desta edição: Carlos Augusto Ferreira Galvão (SP), Adalto Luiz Lupi Barreiros
(SP), Eliana Veridiano dos Santos (SP), Luciana Gomes Gimenes (SP), Marcos Seyde (Toyota - Japão), Marlusse Pestana Daher (ES), Carlos
Eduardo de Oliveira (SP), Paulo Camelo (PE), Luciana Brandão Carreira (PA), Delasnieve Daspet (MS) e Eliana Mora (MG). Matérias assinadas
são de responsabilidade de seus autores a quem pertencem todos os direitos autorais. PERMITIDA a reprodução dos artigos desde que citada
a fonte e mencionada a autoria.
3. Opinias - Setembro 2014
3
Por
CARLOS AUGUSTO GALVÃO
Psiquiatra
São Paulo - SP
carlosafgalvao@terra.com.br
Inicialmente se faz necessário retirar este rótulo da
juventude: há muito que as drogas ilícitas estão
disseminadas por todos os extratos sociais, todas as
faixas etárias, enfim espalha-se por toda a
humanidade. Então é profundamente injusto ver o uso
de entorpecentes como atividade própria dos jovens.
Em meu consultório, não é raro aparecerem pessoas
com mais de 50 anos, em busca de apoio psiquiátrico
para livrar-se de dependências químicas, pessoas que,
porém, conseguem trabalhar, manter um nível social
adequado, mas que devido à dependência, assustam-se
com o futuro e com a possibilidade de “perderem o
controle”. Todos comungam com o medo do que
pode acontecer caso não haja êxito terapêutico.
Morrem de medo do escândalo social caso sejam
descobertos, das implicações jurídico/criminais (que
pode arruinar uma reputação), da fragilidade a que se
expõem na hora de comprar estas substâncias, das
balas dos traficantes... Tenho observado, sim, que o
indivíduo, na grande maioria dos casos, chega à
maturidade trazendo um vício adquirido na juventude.
Podemos dizer, no entanto, que os adolescentes são
os mais expostos à incidência dessas afecções, por
uma série de fatores oriundos das próprias
características da juventude (curiosidade, instabilidade
emocional, imaturidade, aventureirismo etc...) ; então
todas as formas de combate à drogadição devem ter
como alvo prioritário o público jovem devido à
vulnerabilidade desta faixa etária, e aí entra a família
como importante ator tanto na profilaxia quanto na
terapêutica deste flagelo da humanidade.
Também é comum receber, em meu consultório, pais
alarmados com filhos que mudam bruscamente de
comportamento, declinam no rendimento escolar,
tornam-se agressivos e irritadiços... Imaginam logo
que o rapaz (ou a moça) estão envolvidos com
entorpecentes.
Há famílias com dificuldades imensas de comunicação
entre as gerações, o que dificulta muito a observação e
identificação de problemas nos mais novos, e aí pode
estar o “caldo de cultura” favorito para o surgimento
da afecção.
Manter
diálogo com
os filhos,
procurar
entender
seus gostos
e desgostos,
suas aflições
(muitas
vezes
insignificantes
quando observadas de fora), suas atividades e
comportamentos tanto escolares quanto fora da
escola, e, sobretudo, seus amigos e sua “turminha” é
muito importante para manter a saúde social de uma
família de uma maneira geral, e detectar o surgimento
de problemas com os jovens, inclusive drogadição.
Há, porém, que se manter o bom senso de não agredir
o filho com observação muito ostensiva, que pode
simplesmente fazer efeito contrário (o jovem passa a
se esconder) e quebrar o diálogo.
Não dá para erradicar esta doença do planeta sem o
engajamento profundo das famílias, em interação com
as autoridades sanitárias.
Drogas
3
4. Opinias - Setembro 2014
4
Por
ADALTO LUIZ LUPI BARREIROS
Militar da Reserva do
Exército Brasileiro
São Paulo - SP
allbarreiros@gmail.com
Sobre a revolução
GRAMSCISTA
no Ocidente
Trata-se de história de como, a partir do Manifesto
Marxista de Marx e Engels, começou a opor-se ao capitalismo
uma teoria que preconizava o fim do capitalismo e a exploração
dos trabalhadores pelo capital. O cenário era favorável (devido
às condições dos trabalhadores na Europa) a uma ideia que
estava fundamentada em dois princípios: o determinismo
histórico – que apregoava o fim inevitável do capitalismo e a
mais-valia que preconizava que a força do trabalho era o fator
mais importante na produção e, portanto, deveria ter a
prevalência sobre ela, devendo toda propriedade pertencer ao
trabalhador (ou seja, a um Estado que representasse a classe
trabalhadora). Estes princípios implicavam na extinção da
propriedade privada e na coletivização de tudo, não só dos
fatores da produção, mas da produção em si. Tudo passaria a
pertencer ao Estado. Não vou detalhar a história. É preciso
conhecer a revolução russa que implantou o comunismo e criou
a União Soviética e depois se estendeu para o Leste europeu e
para a Ásia com a revolução maoísta na China e na Indochina,
até sua derrocada no final do século passado, com a queda do
Muro de Berlim. Essa história perpassa a história da 2.ª Guerra
Mundial e as suas causas e consequências.
O importante é que estas revoluções comunistas seguiam
o princípio da “tomada do poder pela força, com uma insurreição
armada da classe trabalhadora contra a classe dita dominante –
Revolução do Proletariado”. Isto era feito seguindo orientações
das Internacionais que disseminavam as ideias marxistas, dando
à Revolução do Proletariado seu caráter internacionalista. A
palavra de ordem era: Trabalhadores do mundo uni-vos! No
meu testemunho à História Oral do Exército, conto como ocorreu
esse internacionalismo no Brasil.
Antonio Gramsci foi um filósofo, político, cientista
político, comunista e antifascista italiano. Nasceu em 22 de
janeiro de 1891 e morreu em 27 de abril de 1937. Em 8 de novembro
de 1926, a polícia fascista prendeu Gramsci e, apesar de sua
imunidade parlamentar, levaram-no à prisão. Recebeu uma
sentença de cinco anos de confinamento e, no ano seguinte,
uma sentença de 20 anos de prisão em Turi, perto de Bari. Um
projeto para trocar prisioneiros políticos entre a Itália e a União
Soviética falhou em 1932. Dois anos depois de ser libertado por
Mussolini, ele morreu sem ver a sua teoria comunista para a
Europa dominar as Internacionais. Depois do colapso da União
Soviética é que suas ideias foram ressuscitadas e dos “Cadernos
do Cárcere” cuja teorização fora expandida nos meios
intelectuais por marxistas tradicionais e notórios pelo mundo
afora, é que os comunistas passaram a adotar a nova metodologia
de conquista do poder.
Antonio Gramscis
ANTECEDENTES IMEDIATOS
Em 1922, devido à corrupção política e às eleições
fraudadas, bem como a situação do país, os chamados
“tenentes” que já haviam se revoltado contra o governo com o
movimento dos “18 do Forte Copacabana”, acabaram por
provocar nova revolta que visava pôr fim à corrupção política
e aos costumes fraudulentos nos governos do país. Essa
revolta acabou por desembocar na Revolução de 24 em São
Paulo e na Coluna Prestes que durou cerca de 4 anos e percorreu
26.000 km pelo país, lutando contra as Forças Legais do
Governo. É desse movimento dos Tenentes que surgiu Luiz
Carlos Prestes - um Capitão do EB que se converteu ao
comunismo e acabou sendo o principal líder comunista
brasileiro. Cumprindo a orientação da III Internacional e
financiado por ela, ele acabou chefiando e gerando a Revolução
Comunista de 35, um triste episódio de traição e assassinatos
nos quartéis, visando a tomada do governo pelos comunistas
sob a inspiração dos princípios da Revolução do Proletariado.
É história que conheço bem, mas que precisa ser pesquisada
para entender como foi e o que causou, bem como suas
consequências. A Revolução de 35 ocorreu na ditadura Vargas
que fora implantada com a Revolução de 30, apoiada pelos
Tenentes e acabou prolongando a ditadura Vargas que durou
até 45, quando as Forças Armadas, voltando da Itália, depuseram
Getúlio e deram eleições livres no Brasil. Os “tenentes” de
5. Opinias - Setembro 2014
5
22/24 deram origem aos líderes militares que derrotaram os
comunistas em 35 e que, também, deram fim ao chamado Estado
Novo sob a ditadura Vargas que havia se consolidado com a
Carta Constitucional outorgada por ele - a chamada Carta do
Estado Novo de 1937. Essa Constituição foi o resultado do
golpe comunista de 35, bem como a prorrogação do Estado
Novo até o fim da guerra.
Em 64, o que houve foi nova tentativa dos comunistas
tomarem o poder e houve a contrarrevolução de 64, impedindo
de novo esse assalto ao poder que contava com a conivência
do próprio Vice-Presidente que acabara na função presidencial
com a renúncia do Presidente Jânio Quadros (outro que queria
implantar uma ditadura). Jango Goulart era um herdeiro político
de Getúlio que se comprometera com as tais reformas de base
defendida pelos comunistas e com eles mesmos que o apoiavam.
Eles diziam que já estavam no poder e só faltava tomá-lo. É
história sobre a qual é preciso conhecer. Não vou detalhar. É
assunto para se estudar história, com isenção e livre de
propaganda ideológica que voltou a todo vapor hoje no
gramscismo.
ENFOQUE DIFERENCIAL
Aqui trataremos do diferencial como o Ocidente interpreta
a estrutura da sociedade (ou nação), os preceitos da democracia
representativa e como é tratada e operada pela metodologia
gramscista. Este diferencial é básico para se entender o processo.
Além disso, permite que se identifique nos fatos da conjuntura
nacional cada um desses mecanismos que são aplicados.
O espaço nacional de uma nação na democracia é visto
como um agrupamento de cidadãos numa área territorial
organizada pelo Estado nacional, com uma língua, um destino e
interesse comuns, identificados pela sua herança histórica. Já
no gramscismo é apenas um espaço não estatal onde se disputa
a hegemonia sobre os grupos privados onde a identidade
coletiva deve ser fragmentada para se controlar os diversos
aparelhos privados desses grupos. É um lugar de luta pela
hegemonia sobre as classes ditas subalternas e a partir deste
controle projetar essa hegemonia sobre o Estado. A sociedade
é um “ringue” de lutas de classes e não o lugar de exercício da
soberania popular que é garantida pelos direitos e obrigações
individuais que os tornariam iguais perante as leis. Na
democracia a sociedade dita nacional é o lugar onde se busca a
redução das desigualdades, a liberdade (em seu sentido
filosófico), a dignidade humana, e onde a individualidade de
cada um é imaculada. No gramscismo é a arena de luta pela
hegemonia onde se dá a primeira etapa do processo.
Na sociedade civil gramscista, desenvolvem-se os
aparelhos privados de hegemonia política e cultural. É onde
nasce a direção política dos intelectuais orgânicos que são os
condutores do processo e onde se cria as bases para a
hegemonia e para a gestão popular do poder – uma utopia, pois
sempre uma classe privilegiada vai ser selecionada para dirigir
– a nomenklatura!
Ela existiu em todos os países onde há o regime
comunista. Basta olhar para dois exemplos atuais. China e Cuba.
Só o membro do partido hegemônico tem prerrogativa plena de
cidadania. É fundamental entender essas diferenças de como
uma sociedade na democracia (a nacional) e no gramscismo (a
civil) é interpretada. Esse é o princípio básico para se entender
o que é o processo! Uma das razões de se ouvir hoje falar muito
em sociedade civil decorre deste fundamento. Pode-se facilmente
identificar em fatos cotidianos essas diferenças de enfoque
entre mecanismo de democracia e de gramscismo. Por exemplo:
responder por que há tanto conflito social no Brasil em torno
de centenas de temas e grupos sociais! Seria porque a
sociedade é uma “arena” de lutas de classes e não um espaço
de busca de consenso e paz social?
FATORES DETERMINANTES
São cinco os fatores determinantes do processo:
1) Organizar um centro de irradiação (o partido das
classes subalternas) capaz de disputar a hegemonia com as
classes dominantes e dentro dela com a classe dirigente. Isto é
feito a partir de diretrizes dos núcleos de “intelectuais
orgânicos” que são encarregados das “impregnações” culturais
que visam basicamente o que se conhece por “controle
hegemônico das classes subalternas”.
2) Mudar o consenso social, pela preparação ideológica
das classes subalternas, criando as condições para disputar a
hegemonia pelas classes subalternas e neutralizar o poder de
coerção do Estado. Isto é feito pela infiltração de executores
das diretrizes dos “intelectuais orgânicos” em todos os
organismos da nação, em particular nas escolas, na mídia, nas
chamadas “comunidades” etc.
3) Usar a estrutura (a economia) e a superestrutura (o
estado) para criar o que se chama de Estado Ampliado, de
forma que possa haver a CATARSE. No momento em que o
poder estiver sob controle da sociedade civil “modificada” e
da sociedade política devidamente aparelhada, será realizada a
tomada do poder e mudança da estrutura vigente e dos valores,
criando a sociedade coletiva. Assim, se usa os instrumentos
do capitalismo vigente para se aparelhar o estado (a
superestrutura) e para criar associações entre essa
superestrutura e os entes econômicos, de forma que sejam
preservados os princípios capitalistas, até que possa ocorrer a
“catarse”. Isto é feito por etapas.
4) Usar as instituições nacionais e os parâmetros do
capitalismo, para mudar o sistema político e o regime
democrático a partir de suas próprias entranhas. Este é o fator
direcional básico e fundamental. Fala-se permanentemente em
democracia e ampliação de benefícios à sociedade subalterna
até que ela seja instrumento controlado do partido hegemônico
que é responsável pela condução política do processo.
5) Assumir o controle do Estado. Aparelhar esse Estado
com os intelectuais orgânicos e com os militantes do partido
hegemônico das classes subalternas. Isto garante não só a
condução do processo, como minimiza o uso da força. O
aparelhamento do Estado implica em infiltrar os executores do
6. Opinias - Setembro 2014
6
GELADA
6
processo em todas as instituições do Estado e nele implantar
os mecanismos e instrumentos que garantam o controle da
superestrutura (o Estado).
Todos esses fatores estão baseados na definição da
HEGEMONIA. Veja cuidadosamente o conceito de hegemonia
que envolve duas “sociedades” – a civil e a política. A
sociedade civil é a classe subalterna. É a arena da luta. A
sociedade política que será posteriormente alvo do controle
na etapa seguinte é a “superestrutura” do Estado. A primeira
– a civil – é objeto dos aparelhos privados de controle e a
segunda – a política – é objeto do partido hegemônico. A
direção política diz respeito à superestrutura e a direção
cultural, numa primeira etapa, aos aparelhos privados e numa
segunda etapa passará a receber direção da própria
“superestrutura”. Veja o caso, por exemplo, do MEC passar a
distribuir cartilhas de homossexualismo nas escolas de
1.º Grau, a título de combate à homofobia!
A hegemonia é obtida por vários meios. A quebra da
herança histórica é uma alavanca mestra. Quinhentos anos
de história são “o lixo” a ser oxigenado. A fomentação de
dissensos sociais entre minorias étnicas, de opção sexual,
segmentos religiosos, de costumes etc., bem como de
desconstrução de mitos históricos para substituí-los por
mitos ideológicos. Entre outros meios está, também, a
fomentação de debates sobre “falhas” das instituições do
estado e ataques permanentes àquelas que são, por herança
histórica ou por fundamento democrático, mais adversas ao
processo de poder.
A concepção de liberdade está restrita à “libertação”
das classes subalternas depois de ocorrer o controle
hegemônico. Enquanto essa libertação não ocorre não existe
liberdade. Diferente do conceito na democracia, a liberdade
só é inerente a ela quando as classes subalternas e seu partido
hegemônico tiverem conquistado a sociedade civil e a política
(ou seja, a hegemonia sobre a sociedade civil e a
superestrutura, o estado). Tanto nessa concepção de liberdade
como de democracia o partido é o centro diretivo do
processo e instrumento ativo do processo. Ele é a
expressão da sociedade civil libertada do conceito
de liberdade e democracia, tal como esses
conceitos são vistos nas democracias ocidentais.
CATARSE
Acima dei o exemplo do MEC passar a distribuir
cartilhas de homossexualismo nas escolas de 1.º Grau, a título
de combate à homofobia, para ilustrar como, após o
aparelhamento do Estado, ele mesmo passa a atuar em reforço
aos aparelhos privados de hegemonia! Veja um exemplo em
http://www.youtube.com/watch?v=S63PlEIHdnA .
Nesta etapa a “superestrutura” já aparelhada passa a
reforçar os “aparelhos privados” de hegemonia. Podem ser
aparelhos privados de hegemonia os sindicatos, movimentos
sociais (com personalidade jurídica própria ou clandestinos,
como o MST, M sem Teto, Força Campesina etc.), ONGs,
associação de classe (como a UNE, a UBES ou qualquer outra
de qualquer tipo), instituições de classe (como o é a OAB),
grupos representativos de minorias (como os movimentos
GBLST, Blogues, mídias virtuais etc.). Relembro que a
liberdade, cujo conceito na cultura judaico-cristã se refere ao
indivíduo como ser único, é regido pelo princípio fundamental
das democracias. O cidadão pode fazer tudo o que a lei não
proíba e o Estado só pode fazer o que a Lei manda. A liberdade
no gramscismo se refere ao ser coletivo que emerge da classe
subalterna quando é ela sujeita ao controle hegemônico. Só esse
ser coletivo é livre e a liberdade a ele se refere.
O binômio “sociedade civil + sociedade política” é objeto
assim de um conceito estratégico que preconiza etapas até a
CATARSE. Desse conceito estratégico, decorrem as diferenças
entre princípios da “Revolução do Proletariado” tal com ocorreu
em 1917 na Rússia e era preconizado pelo Movimento Comunista
Internacional (MCI) e a Revolução na forma atual, para implantar
regimes comunistas. Estas diferenças podem ser resumidas:
No marxismo-leninismo tradicional, as condições objetivas
se situam nas condições da classe trabalhadora (nas injustiças
sociais do capitalismo e na exploração da mais-valia na força de
trabalho) e as subjetivas nas formas da democracia burguesa e
na inércia e conformismo das “classes subalternas”. Com estas
condições, cria-se a crise institucional e se sujeita o capitalismo
ao “determinismo histórico” (seu fim porque contém o DNA da
autoextinção).
Através da violência revolucionária, criam-se os focos de
insurreição e se assalta o poder pela força das armas, expropriadas
das instituições do Estado que detém o monopólio do uso da
força. Cria-se o Exército Revolucionário constituído das “classes
subalternas”. Este exército atuará contra as “burguesias”
esmagando-as e expropriando os seus bens privados.
É esse uso da força das armas que cria o Estado Ampliado
onde, da crise orgânica surge o Estado Classe (a do proletariado),
onde é implantada a “ditadura do proletariado”. Nesta fase estatal
é que se vai ao socialismo e dele para a catarse. Na experiência
7. Opinias - Setembro 2014
7
prática dos regimes comunistas, esta fase estatal, como a
sucessiva – a do comunismo – é que se instala a
nomenklatura (ou classe dirigente) que são os membros do
partido comunista. Todos os partidos são extintos e surge o
Partido Único. Nessa fase é que sucedem as exterminações
em massa e as depurações.
No gramscismo a primeira fase – econômico-corporativa
– o regime mantém a face do regime liberal
democrático, enquanto se luta pelo controle hegemônico
através da penetração cultural que envolve todas as formas,
instrumentos e mecanismos que foram citados no “conceito
da hegemonia”, acima, e como eles agem. A ação é, portanto,
sobre o binômio “sociedade civil x sociedade política”. Na
primeira agem os aparelhos privados de controle
inicialmente, na busca do novo consenso e na segunda agem
o partido hegemônico e os intelectuais orgânicos. Ambas
buscam a direção moral e cultural do binômio, a partir do
controle hegemônico e para completar esse controle. Desse
“consenso” se vai então criar o Estado Ampliado, onde a
crise orgânica decorrente vai fazer surgir o Estado-Classe e
a Ditadura do Proletariado, exatamente como na metodologia
do marxismo-leninismo. Esse “consenso” implica em destruir
valores para substituí-los por novos!
A primeira fase, que é diferente em cada uma das
formas de implantação de regime comunista, mostra a criação
do partido hegemônico (o partido-classe) que através dos
intelectuais orgânicos implanta e dá curso à fase
“econômico-corporativa” usando todas as franquias do
regime liberal democrático, seus princípios, fundamentos,
mecanismos e instrumentos.
CONSENSO
Vejamos como se dá a 2.ª Fase, a partir do regime
liberal democrático, seus princípios, fundamentos,
mecanismos e instrumentos. Nesta fase se reitera
insistentemente os valores democráticos e as lutas pela
redemocratização. Tudo é feito em nome da democracia. Nela
os aparelhos privados que se inseriram em toda e qualquer
instituição da sociedade começam a “organizar” a sociedade
civil – onde se vai buscar a hegemonia sobre as classes
subalternas – a arena onde se disputa o controle sobre as
classes ditas dominantes.
Nela a hegemonia é buscada pela superação do
senso-comum, ou seja, pela superação dos valores em que
se baseou a herança cultural na formação da nação e, ao
mesmo tempo, pela conscientização política ideológica das
classes subalternas. Na primeira “reforma intelectual e moral”
– a superação do senso-comum – se busca a virtual e real
destruição dos mitos, heróis, versão histórica e/ou
consciência histórica que formou a nacionalidade, bem como
dos valores judaico-cristãos em que se baseou. Na segunda
forma de “reforma intelectual e moral” – a conscientização
ideológica – se implanta por todos os meios possíveis,
exatamente usando os princípios democráticos fundamentais
(liberdade de expressão, liberdade da imprensa, direitos
humanos etc.) a nova ideologia. Nesta área de busca de
controle hegemônico, é comum o uso das “falhas” do sistema
econômico e das instituições do Estado para “vender” a
visão da “utopia da igualdade absoluta” e do paraíso
“socialista” que é prometido. Nela começam a se intensificar
ä “luta de classe” e a fragmentação social tanto pela ruptura
dos valores do senso-comum, como pelo confronto de minorias
étnicas, de opção sexual, religiosa etc. É uma fase em que as
instituições que são óbices a esse esforço, pela sua doutrina ou
pela sua sujeição aos dispositivos legais, ou, ainda, pela sua herança
histórica ideológica (como é o caso das FFAA, por exemplo) são
alvo de esforços sucessivos de separação da população (quebra
de consenso sobre o que elas representam à nação e sobre o
conceito que gozam junto a ela).
Com estes dois instrumentos da reforma intelectual e moral
da sociedade se constrói o CONSENSO. O que seria esse
consenso? É a nova estrutura de valores em que a sociedade civil
se organiza, na medida em que os valores deteriorados do senso-comum
foram alijados da cultura nacional. É o surgimento da nova
cultura. É preciso ressaltar que não se trata de evolução dessa
estrutura, decorrente das mudanças sociais a que toda sociedade
se sujeita ao longo da vida. Trata-se de construir uma nova tábua
de valores que visa tão somente a neutralização do aparelho
hegemônico do Estado nacional enquanto este organiza a nação.
O que se visa é a desestruturação do próprio Estado, de forma que
ele se torne (como superestrutura) presa do mesmo esforço,
quando as “trincheiras” da sociedade liberal-democrática
estiverem enfraquecidas.
Formado o novo consenso, o esforço irá se dirigir à
neutralização desse aparelho do estado – a superestrutura, uma
vez que ele detém o monopólio da força e da violência que lhe dá
o poder de coerção. Assim, o que se identifica por “grupo
dominante” (a massa crítica da nação) estará sujeita à tomada e à
derrota. Quando isto ocorre temos o Estado Ampliado.
Nele a sociedade civil e a sociedade política estarão
integradas. Estão sob o mesmo tipo de controle hegemônico. Ou
seja, o binômio se unifica sob o controle do partido hegemônico
que passa a deter a direção moral e política. Nesse binômio já
unificado tanto uma como outra (sociedade civil e sociedade
política) estarão sob domínio da Sociedade Ampliada, condição
necessária para a 3.ª Fase. Sociedade Ampliada é sinônimo de
Estado Ampliado e é o objetivo desta fase.
Em todos os casos de aplicação desse processo de poder,
são identificáveis os 4 (quatro) meios de aparelhamento do estado.
Esse aparelhamento ocorre não só por integrantes do partido
hegemônico, mas também por “forças aliadas” que, muitas vezes,
dissimulam uma “oposição política” ao partido hegemônico e
também por “forças” e “organizações sociais” que podem ou não
estar de acordo com as leis ainda vigentes. Neste processo é
comum o próprio Estado Ampliado passar a financiar estas “outras”
forças, tanto por meios legais como por meios ilegais, bem como
receber financiamentos de centros de poder externo. A corrupção
nesta fase assola o Estado e alimenta, com essa forma de
criminalidade institucional, a criminalidade social que vai ajudar a
fragmentar a sociedade civil, mantendo-a sob controle hegemônico.
8. Opinias - Setembro 2014
8
Yoga
Equilíbrio para o
Por
ELIANA VERIDIANO
Personal Treiner
São Paulo - SP
elibenessere@gmail.com
CORPO
A expectativa de vida aumentou nos últimos tempos. As pessoas vivem
mais, seja graças ao avanço de tecnologias que propiciam melhor
qualidade de vida, seja graças às campanhas que visam motivar as pessoas
a cuidarem melhor da saúde e do bem-estar.
Contudo, diante de influências culturais, sociais ou financeiras, o ser
humano às vezes se perde em angústias decorrentes da agitação do dia a
dia e de seus afazeres, o que acaba causando o estresse. E com isso
desenvolve ou adquire doenças, inclusive as psicossomáticas.
Daí a importância de procurar alternativas como a prática da atividade
física, bem como a conscientização de viver com qualidade e bem-estar
físico, mental, emocional e espiritual. Uma dessas alternativas está na
prática do Yoga. A utlização de suas técnicas auxilia no autoconhecimento
com maturidade, consciência e com respeito à integridade física,
influenciando nos aspectos comportamentais.
YOGA
Surgiu há mais de 5.000 anos na Índia, e foi
transmitido oralmente até próximo do ano 400 a.C.,
quando foi codificado por PATANJALI nos Yoga
Sutra, onde dizia: “Saber relaxar bem é saber
viver bem.”
É o equilíbrio perfeito entre o corpo e a mente,
autossuficiência, bem-estar e satisfação.
Integração, união e prática; a força, o poder e a
energia. É uma ciência ancestral, que auxilia no
autoconhecimento, com maturidade e consciência.
BENEFÍCIOS DA PRÁTICA
*Melhora da força muscular;
*Melhora da flexibilidade articular e postura corporal;
*Aumento da capacidade de concentração e percepção;
*Afloramento da sensibilidade, espiritualismo,
autoestima e desinibição;
*Prevenção de doenças;
*Influencia o indivíduo a adquirir um estilo
de vida mais saudável;
*Promove o bem-estar e a qualidade de vida.
HATHA YOGA
O “Yoga Vigoroso” ou “Hatha Yoga” é oriundo
da época medieval. Seu objetivo supremo é
idêntico ao de todas as formas autênticas de Yoga:
“transcender a consciência egoica e realizar o Si
Mesmo, a Realidade Divina”.
“Ha” é o princípio solar e “Tha” é o princípio lunar
– é portanto uma fusão dos princípios positivo e
negativo, masculino e feminino. Trabalha para
fortalecer o corpo.
9. Opinias - Setembro 2014
9
Por
LUCIANA GOMES GIMENES
Administradora de empresas e
Coordenadora de compras
São Paulo - SP
lucianagg@uol.com.br
NETDicas e links
Nesta edição selecionamos mais três opções para você se divertir passeando na
rede: uma para quem gosta de música e poderá curtir 1001 álbuns diferentes,
altamente recomendados, tudo on-line; outra para quem tem curiosidade sobre
(quase) tudo, inclusive cultura inútil; e finalmente uma dica para quem quer
saber mais sobre a grande Clarice Lispector. Navegue à vontade e boa diversão!
PARA OUVIR ANTES DE MORRER
A rádio romena 3 Net disponibiliza os álbuns do projeto “1001 Álbuns Para Ouvir
Antes de Morrer.” do livro homônimo do jornalista Robert Dimery. Do rock ao pop,
são apresentados os melhores álbuns dos últimos 50 anos. Você vai encontrar de
Frank Sinatra a Arcade Fire. Artistas brasileiros como João Gilberto, Tom Jobim,
Caetano Veloso, Astrud Gilberto, Bebel Gilberto, Mutantes, Chico Buarque, Elis
Regina, Jorge Ben Jor e Sepultura também estão presentes.Para ouvir, basta clicar
no CD desejado e aguardar o player no canto superior direito do site. O projeto
ainda não está disponível para plataformas móveis. OUÇA:
http://www.radio3net.ro/play#
PARA TODOS OS CURIOSOS
Se há um lugar na internet onde você vai encontrar informações e
curiosidades sobre praticamente tudo, este se chama
“Guia dos Curiosos”. Alí o jornalista Marcelo Duarte juntou, como parte
de seu amplo projeto editorial que abrange livros e outras midias, todo
tipo de notas sobre animais, cultura e entretenimento, literatura, esporte,
variedades, futebol, datas e comemorações, enfim... É um universo a ser
explorado por quem tem curiosidade e pretende matar a curiodidade com
diversão garantida e bons momentos de lazer. BISBILHOTE:
http://www.guiadoscuriosos.com.br/
PARA OS FÃS DE CLARICE
O Instituto Moreira Sales criou um site dedicado
exclusivamente a Clarice Lispector. Em suas páginas, há uma
cronologia ilustrada; obras comentadas; destaques do acervo
que está sob a guarda do instituto; aulas especialmente
preparadas por José Miguel Wisnik; traduções comparadas e
muitas outras informações que certamente serão úteis e
agradarão aos fãs da escritora. VISITE:
http://claricelispectorims.com.br/
10. Opinias - Setembro 2014
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JAPÃO
a delicadeza
de um povo Por
MARCOS SEYDE
Fotógrafo
Toyota (Aichi - JAPÃO)
hannamidori@outlook.com
Opinias - Setembro 2014
10
Monte Fuji
Kyoto Arashiyama - Floresta de Bambu
Sakura Street
O festival da Flor de
Cerejeira é comemorado
com muito entusiasmo.
Olá! Sou Marcos Seyde, carioca, e moro no Japão há 12
anos. Quero recomendar um pouco das maravilhas do
Nihon que conheci e fotografei para quem vier para cá a
passeio ou a trabalho!
Monte Fuji
É um dos símbolos mais conhecidos do Japão. Está localizado
nas Províncias de Shizuoka e Yamanashi. É a mais alta
montanha do arquipélago japonês com 3.776 m. Trata-se, na
verdade, de um vulcão ativo, mas com baixo risco de erupção, e
que, em junho de 2013, entrou para a lista de Patrimônio
Mundial da Unesco devido à inspiração que este vulcão
despertou em diversas gerações de artistas ao longo dos
séculos. Existem cinco lagos ao redor do Monte Fuji. Acredita-se
que sua formação deu-se quando as lavas vulcânicas
interromperam o curso do rio. No local existe uma variedade
enorme de comércio e atrações que variam entre parques
temáticos, passeios de barcos e jardins imensos que abrigam um
número muito grande de flores e plantas.
Floresta de Bambu
Sagano Bamboo Forest é uma linda floresta de bambu que
cobre uma área de aproximadamente 16 km. quadrados,
localizada em Arashiyama, Kyoto.O lugar encanta não só pela
sua beleza natural, mas pelos sons produzidos pelo vento
soprando por entre as árvores do bambu. Visto como símbolo de
resistência, o bambu está presente em todo o Japão, nas artes,
nas paisagens, na arquitetura e nos jardins dos Templos.
11. Opinias - Setembro 2014
Matsumoto Castel
Sakura
O festival da Flor de Cerejeira (Sakura), é
comemorado com muita ênfase por toda a
população japonesa com seus Hanami
(apreciação das flores) ou piqueniques sob a
florada. Esse festival é cercado de muitas
histórias e crendices do povo japonês que
participa sempre com muito entusiasmo e
empenho. Essa tão esperada florada dura só de 2
a 3 semanas. Também há as glicíneas,
conhecidas como Flor de Fuji, com suas flores e
árvores centenárias.
Castelo de Matsumoto
O Castelo de Matsumoto é um dos 12 Castelos
do país que mantém a construção original
preservada. Está listado como Tesouro Nacional
do Japão. Construído no século 16, tem seis
andares e cerca de 30 metros de altura. Outros
castelos que devem ser vistos são os de Nagoya,
Osaka e de Himeiji, esse usado para as
filmagens de “O Último Samurai”.
Templo Kiyomizudera
É o segundo templo mais antigo da Cidade de
Kyoto que abriga 2.000 templos de muita
importância religiosa. Esse templo é destaque por
ser Patrimônio da Unesco e o salão principal, de
nome Hondo, possui uma varanda em um
precipício apoiada por 139 pilares e 90 vigas que
são encaixadas umas às outras, sem utilizar
pregos! Em Kioto também se localiza o pavilhão
de ouro Kinkakuji que tem suas paredes
folheadas de ouro e seu pavilhão todo dourado,
composto de 3 andares com estilos diferentes. O
primeiro andar, com estilo de palácio, o segundo
com estilo de casa de samurai e o terceiro com
estilo de templo zen.
Jardins do Castelo de Nagoya
Templo Kiyomizudera - Pavilhão Dourado
Saiba mais sobre o Japão
11
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/atracoes-turisticas-no-japao-especial
12. Opinias - Setembro 2014
12
O
JÚRI
Por
MARLUSSE PESTANA DAHER
Promotora de Justiça, radialista,
jornalista e escritora
Vitória – ES
mpdaher@ig.com.br
Com a feição mais aproximada da que conhecemos hoje, o júri
originou-se na Inglaterra, no período sucessivo ao Concílio de Latrão. Remonta
entretanto, ao período áureo do direito romano com os seus judices juratis.
Entre os gregos era formado dos diskatas e entre os germanos pelos centeni
comites.
De início, revelava forte conotação mística e religiosa, tanto que era
formado de doze jurados, número que corresponde ao dos doze apóstolos,
seguidores do Cristo nos seus dias da Galileia.
Chegado à Gália, logrou ser ali rapidamente adotado, uma vez que
representou a forma de na época da revolução burguesa, ser manifestado o
repúdio e aversão tributada à classe dos magistrados, historicamente vinculada
à nobreza e artífice de toda sorte de arbitrariedades. Foi a época das práticas
irracionais dos chamados “juízos de Deus” de que os combates judiciários,
a imersão em água fervente, a aplicação do ferro em brasa foram
algumas das mais bárbaras demonstrações.Da França, disseminou-se por
todo o continente.
Data deste tempo o direito de dizer, por parte de um Juiz togado, se
o réu devia ou não ser submetido ao crivo do julgamento popular.
No Brasil, a instituição do júri data de 18 de junho de 1822 e se
encarregava do julgamento dos crimes de imprensa. Em 1824, inserido na
Constituição do Império, passou a integrar o Poder Judiciário. Pelo Código
de Processo Criminal de 1832 e pela reforma de 1871, foi alterado em sua
estrutura e competência. Foi mantido na Constituição de 1891 e nas sucessivas,
até 1937, quando a Carta foi omissa sobre ele, razão que a fez vir a ser
corrigida por um Decreto-Lei, o de n.º 167 de 5 de janeiro de 1938, o qual
delimitava a soberania dos veredictos.
13. Opinias - Setembro 2014
13
No capítulo dos direitos e garantias
individuais, sua soberania voltou a ser assegurada, seja
na Constituição de 1946, seja na de 1967.
Consolidado na sua razão de ser, permaneceu,
na Constituição de 1988, no título que assegura os nossos
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS –
CAPÍTULO I – DOS DIREITOS E DEVERES
INDIVIDUAIS E COLETIVOS; inciso XXXVIII - é
reconhecida a instituição do júri, com a organização
que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de
defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos
veredictos; d) a competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.
A lei que organiza o júri, na verdade o Decreto-
-Lei de n.º 3.689, datado de 03 de outubro de 1941,
sofreu no decurso desse tempo algumas modificações.
No entanto, não no que a ele se refere. Esse decreto é o
Código de Processo Penal e estabelece como
competência privativa do Tribunal do Júri, o julgamento
dos crimes de homicídio, simples ou qualificado, o
infanticídio, o aborto; na forma consumada, isto é, com
a culminação do evento morte, ou apenas tentada. Por
fim, a conduta tem que ter sido praticada de forma dolosa,
isto é, quando há deliberação para sua prática, com o
lançar mão ou valer-se de meio idôneo, utilizá-lo e colimar
o intento, ou não o colimando que tenha sido
independente da vontade do agente.
Assim, quando acontece um homicídio, morte
de alguém por outrem, a polícia judiciária adotará as
providências preliminares. Dirigindo-se ao local,
providencia análise das diversas circunstâncias e
motivações do delito, identifica o autor e testemunhas
que possam informar sobre o fato, remove o corpo para
efeito de necropsia, no Instituto Médico Legal, onde
existe, na ausência deste, o médico que, sob
compromisso, emitirá o laudo respectivo, detalhando as
lesões e atestando-as como causa da morte.
Tais diligências compõem o inquérito policial
que é instaurado mediante PORTARIA de competência
do Delegado de Polícia, hoje, bacharéis em direito e
com preparação específica ao desempenho do mister
judiciário. Quando o inquérito é concluído, o Autor do
delito é indiciado e os autos são remetidos ao Juiz de
Direito que, por sua vez, determina abertura de vista ao
Promotor de Justiça, o qual, formando seu juízo, denuncia
o autor.
Denúncia é a peça mediante a qual o Órgão do
Parquet se dirige ao Estado Juiz, e depois de qualificar o
indiciado de forma a tornar inequívoca sua identidade,
narra a partir da hora, dia e local em que o delito tiver
sido praticado, as circunstâncias em que se deu, as
motivações que o rodeiam, o modo com que agiu e todos
os demais detalhes, de tal forma que não pairem motivos
de suposição ou dúvida, até porque, é nos termos da
denúncia que se vai arrimar o contraditório. Vale para a
defesa o que estiver escrito. Finalmente, aponta os
dispositivos do Código Penal infringidos e requer citação
do denunciado para que promova sua defesa como
melhor entender; nesta oportunidade, ainda, apresenta
o rol de testemunhas a serem ouvidas na fase instrutória
processual.
O Juiz, recebendo a denúncia, determina a
citação do denunciado e seu comparecimento à sua
presença para ser interrogado. Nesta oportunidade, ele
toma conhecimento formal dos termos da acusação que
lhe é feita, apresenta a própria versão para o fato ou de
sua conduta, nomeia o Advogado que vai defendê-lo,
ou se for pobre, no sentido da lei, tem conhecimento do
que lhe é nomeado. É um grande momento do processo,
é o momento em que pode falar, depois, estará limitado
a ouvir. Tanta é sua importância que só deve ser feito de
forma presencial, quando, além de através das palavras,
o Juiz pode analisar o interrogando lendo no seu ânimo,
deduzindo pelo como se comporta.
Quando o inquérito é concluído, o Autor
do delito é indiciado e os autos são
remetidos ao Juiz de Direito que, por sua
vez, determina abertura de vista ao
Promotor de Justiça, o qual, formando
seu juízo, denuncia o autor.
14. Opinias - Setembro 2014
14
Em seguida, o advogado, respaldando os
termos do interrogatório, não concorda ou concorda
apenas em parte com a denúncia, apresenta o rol de
testemunhas ou requer outras diligências. Geralmente,
reserva-se o direito de só fazer conhecida sua tese, a
final. Tem início o contraditório, fundamental para a
validade de todos os atos. O próprio Promotor que
entender pela não defesa de quem é acusado, na sua
função de fiscalizar a correta aplicação da lei, deve vigiar
neste sentido, ou seja, no sentido de que o
contraditório seja potencialmente exercido.
São ouvidas as testemunhas
arroladas pelo Ministério Público, em
seguida, as que a defesa apresentou. Finda
esta fase, são feitas as alegações finais pelas
partes e mediante o que tiver concluído, à
vista do que tiver sido provado, o Juiz
proferirá uma decisão de impronúncia ou de
pronúncia. No primeiro caso, decide pela
absolvição do denunciado e julga
improcedente a denúncia; no segundo,
reconhece a presença dos elementos
constitutivos do dolo, sem aprofundar-se no
mérito, mesmo que paire alguma dúvida,
neste caso, o in dubio é pro societate, e
remete o julgamento ao Tribunal Popular do
Júri.
Júri popular é, portanto, julgamento de
alguém do povo, pelo próprio povo.
Em certos casos, até menos, mas o tempo de
tramitação de um processo está legalmente previsto, para
acontecer em noventa dias.
Em toda Comarca, anualmente, são alistados
cidadãos entre 21 (vinte e um) a 60 (sessenta) anos de
idade, pessoas indicadas pelas diferentes repartições em
que trabalham e que vão estar a serviço do júri o que é
obrigatório. O exercício efetivo da função de jurado
constitui serviço público relevante, estabelece
presunção de idoneidade moral, assegura prisão
especial, em caso de crime comum, até o julgamento
definitivo, bem como preferência, em igualdade de
condições, nas concorrências públicas.
Os jurados representam a sociedade da qual
fazem parte. Quando investidos da função, decidem em
nome dos demais. É portanto, o júri, expressão
eminentemente democrática, intérprete da vontade do
povo, competindo aos que o integram agir de forma
independente e magnânima. Por isto, conta com a
votação secreta e seu veredicto é soberano.
Os sete integrantes do conselho de sentença,
sorteados entre os vinte e um convocados para cada
sessão, são Juízes de fato. Podem requerer diligências,
mais que simplesmente ouvir respostas formuladas pelo
Juiz, pela defesa ou pelo Ministério Público, inquirir as
testemunhas, valerem-se de quaisquer recursos que os
conduzam a um juízo preciso a respeito da decisão a ser
tomada. Assim, formam a própria convicção e mediante
resposta por um NÃO ou um SIM, cédula que vão
depositando numa pequena urna, após cada uma das
questões que lhe são propostas, decidem pela inocência
ou pela culpa de quem devem julgar.
É a eles que se dirigem o Ministério Público e a
defesa, cada qual apresentando sua versão da conduta
em julgamento. Em número de sete, jamais correm o
risco de ocorrência de um empate na votação. O Juiz de
Direito que ali está preside a sessão, vela pela ordem e
pela normalidade dos atos, mas quando, ao final, vai
prolatar a sentença, estará condicionado ao que lhe tiver
sido prescrito pelos jurados, nem mais, nem menos.
Júri popular é, portanto, julgamento de
alguém do povo, pelo próprio povo.
15. Opinias - Setembro 2014
15
Aqui em Vitória, acabamos de acompanhar um julgamento cuja duração, três dias, só tem precedente
com o do esquadrão da morte. Refiro-me ao julgamento do líder dos “sem-terra”, José Rainha Júnior.(*)
A imputação que lhe é feita data de 1989.
As opiniões se dividem. Para uns, é inocente; para outros, é culpado. Culpado ou não, o povo que estava
representado pelos componentes do Conselho de Sentença por 4 votos contra 3, pressionado ou não, dizem que
atemorizado pela multidão que postou-se na frente e dentro da Catedral Metropolitana, (onde se permitiu fazer
nada menos que tudo), disse que é inocente e só restou, ao Juiz Presidente, absolvê-lo.
Uma das duas eram as hipóteses do que sucederia: Rainha é culpado ou Rainha é inocente. Condenado,
pairaria a dúvida sobre a efetiva realização da justiça, mas não é que não subsista, agora que foi absolvido.
Ai é que, ainda que haja divergências entre a culpa e a inocência, num ponto há unanimidade e está na
consciência dos longos onze anos que se passaram os quais nos autorizam a voltar a repetir como o fizera Rui
Barbosa, na sua Oração aos Moços, (exortação a paraninfados de um curso de Direito): “Mas justiça atrasada
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
(*) Julgamento realizado em abril de 2000.
DAHER, Marlusse Pestana. O júri. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1070>. Acesso em: 4 ago. 2014.
Muitos já devem ter
visto uma imagem ou uma
estátua de uma mulher
vendada representando a
Justiça. O que a maioria
não sabe é que essa mulher
é a representação de uma
deusa greco-romana;
chamada pelos gregos
antigos de Têmis e pelos romanos
de Justiça.
Esta era filha de Urano (o deus-céu
ou o próprio céu personificado) e de Gaia
(a deusa-terra ou sua personificação),
sendo, portanto, filha do céu e da terra.
Têmis era a deusa da justiça, da lei
e da ordem, sendo também a protetora dos
oprimidos, e a própria personificação do
Direito, apoiada nos costumes e nas leis.
Em regra, é representada por uma mulher
vendada, onde a cegueira significa que a
justiça não diferencia as pessoas, ideia que
já era concebida pelos romanos antigos e
que se encontra manifesta em nossa
Constituição Federal (lei maior que
determina todo o funcionamento do Estado
brasileiro e o modo de suas leis):
Art. 5.º, caput : Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade (…).
Na figura de Têmis, ainda podemos
encontrar outros elementos de forte simbolismo
e o segundo que merece ser mencionado é a
balança, que, assim como a venda, sempre está
presente em sua representação. A balança tem
o significado do equilíbrio (equidade) que a
Justiça deve ter, representa o próprio conceito
de justiça como pensado por Aristóteles na
distante Grécia antiga: dar a cada um o que é
seu proporcionalmente as suas necessidades.
Colocando pessoas de níveis diferentes
em situação equivalente. São exemplos
clássicos da manifestação deste conceito na
justiça brasileira o direito do trabalho e do
consumidor, que têm o objetivo de proteger
aquele mais fraco na relação (o trabalhador e
o consumidor). Há ainda outros dois elementos
na figura de Têmis de significado pertinente: o
que ela segura na outra mão, que às vezes é a
espada e outras a lei. Quando é a espada, diz-se
que é o próprio peso da lei (ou seus meios
de punição) aguardando para atuar diante de
seu descumprimento; quando é a lei, o
significado não muda muito, pois esta também
é utilizada para fazer valer a justiça.
Têmis
16. Opinias - Setembro 2014
16
Por
CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA
Engenheiro
Santo André - SP
carlos@sabbahi.com.br
decantando
O VINHO
Salut les amis!
Na coluna de hoje, vamos falar um pouco sobre a decantação dos vinhos. Algumas vezes vamos a
restaurantes ou algum evento de degustação e os vinhos nos são apresentados naqueles belos
recipientes cristalinos. Mas, afinal, o que são, para que servem e quando devem ser usados os
decanters?
Devemos partir do princípio de que a grande maioria dos vinhos pode ser
perfeitamente servida diretamente da garrafa para a taça. Poucos vinhos
têm a real necessidade de serem decantados devido à presença de
depósitos de material sólido nas garrafas, o que pode prejudicar uma
perfeita degustação – essa “borra” tem o gosto amargo e pode turvar o
líquido, prejudicando sua aparência. A decantação pode então melhorar
os vinhos sob dois aspectos: eliminando essas partículas indesejáveis ou
servindo para “aerar” o líquido, fazendo com que os aromas de vinhos
“fechados” se desprendam com mais facilidade.
Os decanters são recipientes de vidro ou cristal, em diversos formatos de
jarra ou garrafa, onde se verte o vinho proveniente de outro recipiente –
de outras garrafas, das chamadas bag in box ou diretamente de barris –
pois antigamente o vinho da casa nos estabelecimentos era comprado a
granel direto do produtor e armazenado em barril, devendo então ser
colocado em uma jarra menor para ir à mesa. Com o aumento da
produção de vidro, no final da Idade Média, as garrafas deste material
passaram a ser utilizadas com esta finalidade (pois só viriam a ser
“popularizadas” muitos anos mais tarde, no século XVIII). Com o uso
desse expediente ao longo do tempo, verificou-se que alguns vinhos eram
beneficiados pela agitação do líquido, pois “abriam” seus aromas, que se
volatizavam mais facilmente após o contato com o ar. A decantação desse
tipo (que não significa propriamente uma decantação no sentido de
concentração de partículas) beneficia em maior parte os vinhos tintos
jovens, aqueles mais concentrados, tânicos e alcoólicos.
16
17. Opinias - Setembro 2014
17
Neste caso, recomenda-se o uso
de recipientes bojudos, de forma
que se obtenha a maior superfície
de contato possível entre o líquido
e o ar. Quanto mais agitação na
operação de transvase, mais
oxigenação, melhor para este tipo
de vinho. Depois, deixa-se o vinho
em repouso por um pouco de
tempo antes da degustação.
Normalmente, uma ou duas horas de decantação é
o suficiente para que os aromas explodam; e
quando necessário, o decanter pode repousar
sobre um recipiente ou dentro de um balde com
água gelada, para que o vinho seja servido na
temperatura ideal. Além dos tintos “saradões”,
alguns vinhos brancos mais encorpados, como os
Borgonhas e chardonnays do Novo Mundo (EUA,
Austrália, Nova Zelândia, América do Sul),
também podem se beneficiar com esse tipo de
decantação. Hoje em dia são vendidos artefatos
que prometem aerar instantaneamente o vinho ao
ser vertido para a taça, o que eliminaria a função
da decantação. Mas convenhamos que servir um
bom vinho, límpido e brilhante, em uma bela garrafa
de cristal também traz uma grande vantagem
estética, não é mesmo?
Outro caso onde se utiliza a decantação é para eliminar
partículas suspensas nas garrafas de velhos vinhos, aqueles
que não passaram por filtração ou que acumularam ao longo
do tempo partículas provenientes da polimerização dos
taninos. Esse processo pede um pouco de paciência: com
uma boa antecedência devemos colocar a garrafa em pé, de
modo que a borra depositada na lateral da garrafa – que
deve ter sido armazenada deitada – se acumule no fundo do
recipiente – aquele fundo côncavo de algumas garrafas
também tem como objetivo concentrar o acúmulo da borra no
fundinho do recipiente.
SAIBA MAIS EM “CONSERVADO NO VINHO”
Depois de algum tempo, o sedimento sólido se
acumula no fundo da garrafa, e deve-se sacar a rolha
o mais cuidadosamente possível, evitando agitar o
líquido - o que revolveria novamente a borra – e
verte-se o vinho em um decanter. Pode-se utilizar
para isso acessórios como funis ou peneiras, mas o
mais importante é posicionar o gargalo da garrafa
contra uma fonte de luz – que pode ser uma vela, uma
lâmpada ou lanterna – o que vai facilitar a observação
do movimento das partículas pela garrafa, e a
operação de transvase deve ser interrompida quando
a borra atingir o gargalo. Ao contrário dos vinhos
novos e concentrados, os vinhos velhos – já
“amaciados” pela ação do tempo – não se beneficiam
com a oxigenação, e então devem ser manuseados
com lentidão e delicadeza, sem grande agitação, e de
preferência devem permanecer em recipientes mais
estreitos, com uma pequena superfície de contato com
o ar.
A princípio pode parecer um pouco complicado, mas
como tudo – ou quase tudo – nesta vida, com o tempo
e a experiência a prática da decantação e todo o ritual
que se segue à abertura da garrafa de vinho tornarão
ainda mais prazeroso o culto a essa bebida com que
Baco nos presenteou! No próximo mês, começaremos
a conversar sobre a geografia do vinho.
Santé, et à la prochaine!
http://www.conservadonovinho.blogspot.com.br/
18. Opinias - Setembro 2014
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O jeito de falar
pernambucano
Por
PAULO CAMELO
Médico e escritor
Recife - PE
camelo.paulo@gmail.com
O Brasil é um país de dimensões continentais e
um único idioma. Embora alguns linguistas falem em
“dialetos”, o idioma é o mesmo e as regras se mantêm
em qualquer região. O que muda – e é muito em alguns
aspectos – é a maneira de falar, é o vocabulário próprio,
é o aspecto fonético e fonológico de cada região.
Alguns aspectos me fazem renunciar à tese de
dialeto: a gramática única, a coincidência da maioria das
palavras e expressões em todas as regiões e a
possibilidade de diálogo inteligível entre habitantes de
regiões diferentes. Mesmo assim, há características
regionais que levam os especialistas a manter tal tese de
dialeto. E isso se dá no âmbito do falar, e não no do
escrever.
Eu nasci e me criei em Pernambuco. E sempre
falei como se fala em Pernambuco. Mas eu achava
engraçado ouvir as pessoas falando com corruptelas, e
tais fatos me levaram a iniciar um rudimento de pesquisa
linguística para saber por que assim eram pronunciadas
as palavras, quais os significados originais ou de onde
provinham.
Como em todo idioma, vemos, em nosso, uma
diferença entre o idioma escrito, ou culto, e o idioma
falado, ou vulgar. A variante do idioma vulgar que chama
atenção é o falar errado, que dá lugar a uma deturpação
do idioma escrito, fazendo aparecer pseudoidiomas (que
mais se parecem dialetos) em cada região do país, como
o denominado pernambuquês, que nada mais é do que
a expressão escrita do falar errado do pernambucano
inculto.
É sempre bom fazer uma diferenciação entre o
falar pernambucano e o chamado pernambuquês, pois
este mostra um pseudoidioma deturpado, depreciado e
caricato. Ao contrário, o pernambucano médio – e
mesmo o inculto – fala de uma maneira que a maioria
dos falantes lusófonos entende.
É caricata e depreciativa a grafia insistentemente
errada feita por alguns escritores, quando só o que muda
é algum fonema, mais fechado aqui ou ali, aberto em
outras ocasiões, sibilado ou com exclusão de sílabas ou
do “s”, “r” ou “l” finais.
Assim, se em alguns momentos o nativo faz
concordância falha, o que mais se pode fazer é mostrar
essa falha de concordância, e não grafar erradamente
uma ou outra pronúncia mais fortemente denunciadora.
Quando o pernambucano diz “nós vamos falar”,
deprecia-se seu falar escrevendo “nóis vamu falá”. Isso
é inversão de valores, parecendo que a forma vulgar
interfere na culta, ao invés de ser sua variante.
Vemos isso em várias ocasiões. Até um bloco
carnavalesco envereda por esse erro. Ao querer registrar
a variante vulgar de não concordância nominal e uso de
fonemas característicos, escreveu “Nóis sofre mais nóis
goza”, quando o “Nós sofre mas nós goza” mostraria
essa variante sem assassinar o léxico.
O falar pernambucano sofreu influência dos
idiomas nativos indígenas, mormente o tupi e sua vertente
tupi-guarani. Os termos dali advindos estão mais
arraigados em uma ou outra região e, desses termos,
tomamos propriedade, como nossos. Assim são:
catapora, tipoia, pereba etc. São de nosso uso desde
sempre, porém não se limitam a nossa região.
19. Opinias - Setembro 2014
19
Sofreu, também, influência dos idiomas africanos
que vieram com os escravos. Recebeu carga linguística
dos holandeses, dos americanos e, por tabela ou
indiretamente, de outros povos e outros idiomas, tais
como o árabe, o francês, o espanhol, entre outros.
Com o tempo e as várias influências, algumas
palavras ou expressões foram se apagando e, se não
postas em uma obra e publicadas, podem desaparecer
por completo. E esta foi uma das razões por que eu me
propus a escrever o “Dicionário do falar pernambucano”.
A internet, o mais recente meio de comunicação,
faz com que se globalizem os termos, as palavras, as
expressões. E muitas daquelas que antes eram
características ou exclusivas de uma região, um estado,
uma comunidade, passaram a ser ditas e escritas por
outras pessoas, de rincões tão distantes dos locais de
origem. Isso faz com que utilizemos, muitas e muitas
vezes, termos que nem parecem mais ser de origem
regional, e também capturemos outros originários em
outras regiões e já encravados em nosso falar de tal modo
que nos parecem familiares desde criancinhas.
A globalização trouxe três fenômenos no modo
de falar de um povo: a exportação, a importação e a
substituição de termos. Dessa forma, corroborando o
dito acima, podem ser encontrados termos de origem
em outras plagas, como podem também existir aqueles
já do conhecimento de muitos. Há, também, aqueles
termos que, substituídos, saíram de circulação, e muitos
dos que hoje usam o falar pernambucano talvez não os
conheçam, por arcaísmo, por desuso.
As expressões e os ditos são outros aspectos
importantes no falar regional, e o falar pernambucano
não se diferencia disso. Utilizando termos de uso não
necessariamente pernambucano, formamos expressões
que na maioria das vezes só por essas terras são
pronunciadas e entendidas.
19
PEGANDO BIGU
Dicionário do falar pernambucano
de Paulo Camelo
Editora Paulo Camelo - Recife - PE - 2014 - 288 páginas
I.S.B.N.: 978-85-904262-9-5
Preço: R$40.00
Sinopse: 2.280 verbetes correspondendo ao falar
pernambucano. Substantivos, adjetivos, verbos,
locuções, expressões que estão no falar cotidiano do
pernambucano. Explicações, citações, etimologia.
288 páginas ilustradas. Capa e ilustrações do desenhis-ta
Fábio Maia. Acompanham referências bibliográficas e
índice onomástico de autores citados.
AQUISIÇÕES: camelo.paulo@gmail.com
aboiar » v. t. d. - cantar um aboio; » s. m. - aboio.
“Onde o forte aboia a sorte
no seu canto de lutar.”
(Janduhy Finizola - “Glória”)
até Mané chegar » expr. - sem tempo
determinado; sem hora para terminar.
“Agora, Mestre Bentevi, pegue a sua viola
pra nós cantar repente até Mané chegar, em
honra da minha patroa e do mestre Quinca
Tomaz...” (Zé Limeira, apud Orlando Tejo -
“Prestando contas ao mestre”)
bigu » s. m. - carona.
ETIMO - Inglês: be good (seja bom).
Expressão utilizada pelos americanos,
em trabalho no Recife durante a
Segunda Guerra, ao pedir carona.
“Do Colégio Pio X onde me hospedava à
universidade, caminhei por uns vinte anos,
somente aceitando bigu nos seis quilômetros
se o tempo fazia-se chuvoso.” (José Rafael
de Menezes - “Memórias de um escritor”)
caçoar » v. int. e t. i. - fazer caçoada; galhofar.
caçoleta » s. f. - medalhão com local para se
colocar retrato, geralmente usado pendurado
no pescoço.
bater a caçoleta » morrer.
escuma » s. f. - espuma.
ETIMO - germ.: skuma = espuma.
“Cervejinha é essa, Sá Marica? Só tem
escuma!” (Luiz Gonzaga - “Karolina com
K”)
mel-de-furo » s. m. - mel resultante da decantação do
mel-de-engenho não cristalizado na preparação do
açúcar-bruto; melaço; cabaú.
melé » s. m. - curinga do baralho.
passista » adj. e s. 2 gên. - dançarino do frevo.
“Ao ouvir um frevo tocado por alguma orquestra, o
passista parte para algum lugar que nem ele sabe
qual será.” (Reinaldo de Oliveira - “O frevo”)
pei » interj. - exprime ação imediata; » conj. aditiva –
exprime ação imediata; então.
pei bufe » acertou!; na mosca!
piojota » s. f. - 1) cepa de cana-de-açúcar; 2) (fig.)
bebedeira.
ETIMO - var. de peojota, da sigla POJ - Posto
de Observação de Java.
piripaque » s. m. - mal súbito; desmaio.
“Por que uma pessoa, gozando de boa saúde, tem um
piripaque e morre?” (José Urbano de Andrade Almeida
- “Quase”)
20. Opinias - Setembro 2014
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Ruptura e reinvenção:
Por
LUCIANA BRANDÃO CARREIRA
Psicanalista, Professora e
Escritora
Belém - PA
lucianabrandaocarreira@gmail.com
O que
RIMBAUD
tem a nos ensinar
sobre o Ato
À une raison
Un coup de ton doigt sur le tambour décharge tous
les sons et commence la nouvelle harmonie.
Un pas de toi, c’est la levée des nouveaux hommes
et leur en-marche.
Ta tetê se détourne: le nouvel amour!
Ta Tetê se détourne – le nouvel amour!
“Change nos lots, crible les fléaux, à commencer
par le temps” te chantent ces enfants. “Elève
n’importe où la substance de nos fortunes et de
nos voeux” on t’en prie.
Arrivée de toujours, qui t’en iras partout.
Jean-Nicolas-Arthur Rimbaud.
À uma Razão
Um toque de teu dedo no tambor desencadeia todos
os sons e dá início a uma nova harmonia.
Um passo teu recruta novos homens, e os põe em
marcha.
Tua cabeça se vira: o novo amor! Tua cabeça se volta,
– o novo amor!
“Muda nossos destinos, acaba com as calamidades, a
começar pelo tempo”, cantam estas crianças, diante
de ti. “Semeia não importa onde a substância de nossas
fortunas e desejos”, pedem-te.
Chegada de sempre, que irás por toda parte.
Jean-Nicolas-Arthur Rimbaud (tradução livre da
autora).
Jean-Nicolas-Arthur Rimbaud começou a escrever o livro Illuminations em
1873, quando estava prestes a completar 20 anos de idade, enquanto percorria a
Bélgica, a Inglaterra e toda a Alemanha, ao lado de seu amante, o também poeta Paul
Verlaine.
Ao meio de muito haxixe, álcool, violência e escândalos, Rimbaud também
chocava a sociedade com a sua homossexualidade. E, quando encerra a obra citada,
o escritor se afasta da literatura por quase dez anos, entrando numa espécie de exílio
voluntário, deixando o Ocidente ao partir para uma vida no deserto da Etiópia e do
Egito.
Finalizado em 1875, tal livro é composto por pequenos textos (prosas, em
sua maioria), parecendo desprovido de tema, tamanha a liberdade com a qual o
poeta o concebera. Talvez por esse motivo o escritor tenha denominado os anos nos
quais escrevera Illuminations como um período de “desregramento de todo o sentido”.
Jean-Michel Espitallier considera Illuminations como a primeira compilação
de videoclips da história, “rodada” vinte anos antes do nascimento do cinema e um
século antes dos primeiros clips televisuais. Considerados por tal crítico como “prosas
rasgadas”, tais textos parecem surgir de uma urgência furiosa de Rimbaud em
reproduzir com palavras as cenas do mundo que o capturavam, registradas em seus
versos tal como se a escrita jorrasse dos olhos fotográficos de um jovem homem
apressado. Esse caráter faz que Jean-Michel Espitallier considere o seu “modelo de
21. Opinias - Setembro 2014
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poema em prosa” como tendo sido o pioneiro – o
verdadeiro pioneiro”, “inventado” quarenta anos antes
do que se estima ter nascido com Bertrand, tendo
influenciado, enfim, muitos dos grandes poetas do século
dezenove, dentre os quais, Baudelaire.
Em Rimbaud a prosa não visa à narrativa. O
enredo, este se precipita sobre zonas visuais,
consideradas pelo próprio Rimbaud como “fotografias
do tempo passado” – como a grafia de um instante tão
infinitamente fugaz que a escrita dele suscitada é
simplesmente a memória de um átimo que não se deixa
apreender.
Rimbaud inaugurou-se na poesia extremamente
jovem, escrevendo em Latim aquilo que foram os seus
primeiros versos, apenas quatro anos antes do
Illuminations. Trazendo a luz para o título com o qual
ele nomeou tal obra – utilizando-se de uma palavra que,
em inglês, quer dizer “gravuras coloridas” – Rimbaud
então vincularia sua poesia à ruptura e à reinvenção,
definitivamente, desestabilizando assim o pilar racionalista
do pensamento francês. Deste livro pinçamos o curto
poema em prosa À une raison, tantas vezes citado por
Lacan ao longo de seu ensino. Por que o fazemos?
Porque no contexto em que surge, esse texto nos permite
apreender o giro discursivo, enquanto efeito de
linguagem, que se opera na passagem de um discurso a
outro, em cujas bases encontramos o amor que enlaça.
Afinal, ao desestabilizar o racionalismo francês, Rimbaud
aponta que o Eu não é senhor de seus atos, indicando
que há uma suspensão do Eu no ato da criação, liberdade
à qual todo artista está condenado.
Entusiasmado pela Comuna de Paris, lembremos
que o poeta francês parecia ansiar por uma nova ordem
social, esperançoso que estava por uma renovação da
sociedade e de seus costumes, que seriam alcançadas
por via de uma revolução. Contudo, podemos dizer que
o texto À une raison anuncia uma outra espécie de
revolução; reviravolta que convoca o homem, em sua
marcha pelo mundo, a semear o desejo por onde quer
que ele passe. A nosso ver, o poeta convida e estabelece
uma torção no eixo do amor num sentido ainda mais
radical, tal como Lacan a propôs ao discorrer sobre o
Novo amor em seu seminário Mais, ainda (1972-1973),
pois, para Lacan, o Novo amor nada mais é do que o
signo da emergência de um novo discurso, indicando
um novo laço social, inédito e original. Disso decorre a
passagem do discurso da histérica ao discurso do analista,
no final de análise, quando um amor novo no laço
psicanalítico se estabelece. Ao acompanharmos os passos
do poeta, bem como os de Lacan, encontramos assim o
desejo de semear o desejo.
Pouco antes, em seu seminário sobre O ato
analítico (LACAN, 1968-1969), foi também a partir
desse poema, no qual um Novo amor é evocado, que
Lacan propôs a fórmula do ato, uma vez que o ato
analítico suscita o novo, um novo desejo, um novo amor
transferencial. Na imprevisibilidade de um encontro com
o Real, eis a essência do desejo do analista: transmitir o
intransmissível de uma experiência limite (o Real
inapreensível pelo significante) que provoca um giro
discursivo e uma ruptura no saber, pois “o intransmissível
está no coração do desejo de transmitir” (PORGE, 2009,
p.15). Afinal, como Rimbaud persevera em seu verso,
basta “Um toque do dedo no tambor” para que se
desencadeiem “todos os sons” e se inicie “uma nova
harmonia”; basta “um passo” para que se recrutem novos
homens e estes, a partir daí, enveredem por esta nova
trilha. Rimbaud associa o novo ao movimento capaz de
mudar destinos e direções, reinventando caminhos, e,
mais importante, semeando o desejo ao longo dessa
errância pelo mundo afora.
Mas de que maneira Lacan trabalha a partir desse
poema no seminário Mais, ainda (1972-1973)?
Para acompanharmos os desenvolvimentos de
Lacan em tal contexto, situemos, em primeiro lugar, que
todo amor é narcísico. Os laços sociais, que são laços
amorosos em sua essência, propiciam toda sorte de
fenômenos imaginários de massa, uma vez que se pautam
em ideais identificatórios do eu.
A rede discursiva é tecida por esses fios, ainda
que o amor, que faz laço, demande simplesmente o amor.
Mas o amor é impotente, pois a relação complementar
entre os sexos é impossível, uma vez que, havendo
reciprocidade, tal amor é guiado pelo desejo de fazer
unidade, própria ao amor fusional que aliena. Ao indicar
que o seu aforismo “o inconsciente é estruturado como
uma linguagem” não é do campo da linguística, e sim da
21
22. Opinias - Setembro 2014
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linguisteria, eis então que Lacan avança, circunscrevendo
uma modalidade amorosa nova, própria ao seu discurso.
Ainda que o amor seja um signo, Lacan
circunscreve, assim, que o amor de que se trata é signo
de uma mudança discursiva. Lacan pouco a pouco vai
delineando uma modalidade de amor que não é alienante,
e que tampouco escraviza. Amor que está num mais além
do narcisismo, capaz de romper e esvaziar as
identificações imaginárias. Um puro amor. Amor que é
pura potência criativa, inovadora, que nos “constrange
a decidir uma nova maneira de ser”, como bem
estabelece Alain Badiou ao se referir ao que é da ordem
de um acontecimento. (BADIOU, 1993, p.38). Logo,
o gozo do Outro não é, em absoluto, um signo do amor.
Ao contrário, o que é signo de amor é a torção que aí se
produz, no lugar onde tal gozo é vislumbrado e
entrevisto.
Mas apesar de todos esses elementos listados,
compartilhamos da ideia de que a razão cantada nos
versos de Rimbaud não equivale à descoberta freudiana
do inconsciente; assim, sua “razão poética não é nem o
senso cartesiano nem o inconsciente freudiano”.
(BERNARDES, 2009, p.102).
De todo modo, o fazer poético, próprio ao ato
do poeta, desvela que o material com o qual o poeta
trabalha, – ao esbarrar no gozo do sem-sentido que se
infiltra em Lalangue –, é o mesmo do qual o inconsciente
se serve. Território do desconhecido onde a razão não
tem vez, justamente porque o sentido aí se desfaz,
constrangendo o artista e impelindo-o a fazer algo com
isso que lhe escapa.
Seja como for, Rimbaud rompeu com as formas
clássicas da poesia metrificada e versificada, reinventando
a lógica e a sintaxe, inaugurando uma nova maneira de
fazer poesia. Fazer poético que muito nos lembra o
trabalho operado por Clarice Lispector, cuja potência
subverteu o campo literário, reinventando-o, enquanto
signo de um novo amor que fez emergir um laço novo;
um novo laço social que aflora enquanto acontecimento
de discurso, efeito do encontro com o Real.
Acontecimento que impulsiona uma torção na
ordem vigente, de maneira imprevista, determinando um
novo começo, novamente. Fruto de um amor que é pura
contingência, capaz de transformar nossos destinos, como
Sendo assim, a “razão” sobre a qual Rimbaud bem profetizou Rimbaud.
BIBLIOGRAFIA:
FORESTIER, L. Oeuvres complètes/correspondance. Paris:
Robert Lafont, 2004.
BADIOU, A. L´étique; essai sur la conscience du Mal. Paris:
Hatier, 1993.
BERNARDES, A. Um amor reinventado: a arte do poeta e o
discurso do analista. In. MELLO, M e JORGE, M. (org).
Psicanálise e Arte: saber fazer com o Real. Rio de Janeiro:
Cia de Freud, 2009, p. 99-107.
BERNARD, S. Rimbaud et la création d´une nouvelle langue
poétique, in Le poème em prose de Baudelaire à nos jours.
Paris: Nizet, 1959.
BRUNEL, P. Éclats de violence; pour une lecture
comparatiste des Illuminations d´Arthur Rimbaud. Paris :
José Corti, 2004.
LACAN, J. (1968-69) O ato analítico. (Seminário inédito)
LACAN, J. (1972-1973) O seminário, livro 20: Mais, ainda.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
PORGE, E. Trasmettre la Clinique Psychanalytique – Freud,
Lacan, aujourd’hui. Toulouse: Éditions Érès, 2005.
PORGE, E. Transmitir a clínica psicanalítica. Tradução:
Viviane Veras e Paulo Souza. Campinas, S.P: Editora da
Unicamp, 2009.
se refere em seu poema À une raison é signo de um
novo amor, pois “o amor, nesse texto, é o signo,
apontado como tal, de que se troca de razão, e é por
isso que o poeta se dirige a essa razão. Mudamos de
razão, quer dizer – mudamos de discurso”. (LACAN,
[1972-73] 1985, p.26).
Pois bem, dito isto, voltemos a Rimbaud uma
vez mais.
Apontando ao que se opera na emergência de
um novo laço social, Rimbaud sacode as bases do
racionalismo cartesiano, subvertendo-o, uma vez que,
ao invés de louvar uma racionalidade amparada na razão,
ao contrário, Rimbaud se dirige, nesse poema, a uma
Razão que é de outra ordem. (BRUNEL, 2004, p.218).
Numa de suas cartas endereçadas a Paul
Démeny, Rimbaud deixa clara a sua discordância em
relação ao “penso, logo sou” cartesiano, propondo, em
contrapartida, a máxima “Eu é um outro”. Para ele, a
fórmula “Eu penso” é um grande engodo, pois considera
que, ao invés disso, o que se passa na verdade é da
ordem de um “Pensam-me”. Ou seja, o Eu, – diz
Rimbaud antes mesmo que Freud o faça –, é pensado
por um outro.
23. Opinias - Setembro 2014
Por
DELASNIEVE DASPET
Poeta, Advogada e Ativista Cultural e Social
Campo Grande - MS
daspet@uol.com.br
Que botox, que cirurgia, que nada! Cheguei aos 62
anos completamente com 62 anos... Ninguém me dá
um dia a menos ou a mais. E que bom chegar aos 62
anos com a cabeça e o corpo de 62 anos. Eu não
malho. Não tenho saco para isso. Não ando, sou
preguiçosa... Mas adoro dançar – já quis fazer várias
vezes um curso de dança... mas, dançar sozinha, ou
com aqueles meninos... não me dá nenhum tesão,
então, fico aqui – eu e os meus livros, minhas canetas,
computador, agenda, e, meu cérebro. Gosto de
exercitá-lo e faço isso em todos os momentos. Crio,
recrio, fantasio, valseio, falseio, pazeio... Não bebo,
não fumo, até comer – não abuso. Não me preocupo,
nunca me preocupei com qualquer glamour... Mas
adoro pensar que tenho um pote de ouro no final do
arco-íris: os meus sonhos, os meus ideais,
as minhas conquistas.
Nestes tempos, ridículos, do politicamente correto, me
pego com saudades do passado quando podíamos
brincar sem acusações de intolerâncias, de racismo, e
de tantos outros “ismos” e modismos. Eu, por
exemplo, acho que todas as diferenças podem
conviver em perfeita harmonia, e, que o direito de um
começa onde termina o do outro. Qualquer um tem de
conquistar o seu espaço respeitando o dos outros, isto
é, não se pode obrigar ninguém a aceitar nada... pode-se
esclarecer as coisas, a aceitação ou não vai de cada
um. Assim é, e, assim deveria ser, sempre.
Filhos, tenho dois. Um me paparica todos os dias, o
outro, ocasionalmente. Mas não posso mudar os fatos
– cada um é como é. Os amigos, conto-os e os
reconto e alguns podem ser chamados como tais –
mas com tantos conhecidos – como são poucos, os
amigos! Mesmo assim, eu continuo a chamá-los para
que não se olvidem de que estamos juntos
na caminhada.
Gosto de movimento... Do vento que balança as folhas
e faz tilintar os sinos da varanda. Gosto de gatos –
quando eles ouvem a minha voz – me rodeiam com
seus miados doces e interesseiros... eu, também, sou
interesseira, adoro receber seus carinhos
e acarinhá-los.
E, o melhor de tudo, é que sou soberana nas minhas
atitudes e dos meus atos, ainda mais quando nunca me
preocupei com o que podiam dizer ou pensar de mim.
Já dei sonoras bananas sem me importar a quem...
Tenho orgulho de dizer que piorei, sempre falei
palavrões... com a idade, como bom vinho, melhorei e
aperfeiçoei... o vocabulário em guarani,
espanhol, francês...
Não sou, totalmente, tola... percebo com clareza
quando me usam... às vezes me deixo trampolim por
meu interesse. E, quando oportuno, deixo claro, para
que não pairem dúvidas, sobre o meu realizar. Porém,
nunca, nunca, nunca, deixo porém o “pé na minha
onça” e tirar foto... Se fui eu quem a abateu, digo em
alto e bom som... Não divido meu chapéu.
Que o tempo continue passando... Que eu possa
contar ao espelho a história de cada ruga, dos cabelos
brancos, das mãos envelhecidas, da gordura que
acumulei, do olhar faceiro; que eu tenha a ventura de
contar os dias vividos em tão boa companhia e
parceria, eu tive a sorte de achar o parceiro perfeito –
que sempre respeitou meus espaços.
Que eu me complete neste ir e vir, como ondas do
mar, que vai e vem e sempre morre na praia, como
lágrimas de espuma que a areia branca se encarrega
de guardar. Que seja assim, no último alento, quando
misturada ao vermelho de minha terra, possa voar,
voar, voar... e, integrar-me ao verde de nossos
cerrados, à pureza de nossos rios, ao cantar dos
pássaros e, quem sabe, camuflada como um urutau,
cantar em noites de lua cheia as saudades
que deixei na terra.
En
velhe
cendo
Opinias - Setembro 2014
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24. Rito de
PASSAGEM
Por
ELIANA MORA
Jornalista e poeta
Juiz de Fora - MG
elianamora@uol.com.br
A palavra espera
tem o poder de transformar-se em
algo
líquido
quase amorfo
consegue adaptar-se às paredes do
cérebro
da garganta
do coração
escorrer pelas veias e concentrar-se
em local desconhecido
a palavra pede
precisa transformar-se novamente em
algo
que possui sons e feitios
para logo após diluir-se no ar
não sem ter encontrado
seu destino
[ao menos o daquele momento]
o silêncio se arruma em torno dela
novamente
e as construções das letras aí iniciam
sua expansão
concentram-se
dilatam-se
até sua generosa saída para o mundo
aí, então, completamente
amadurecidas.