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htervenção clínica quanto à violação dos Direitos Humanos: por uma
       prática desnaturalizadora na teoria, na ética, na política

                      Cecília Maria Bouças Coirnbra
                     Jorge Márcia Pel-eira de Andrade
                          Maria Beatl-iz Sá Leitão
                              Vera Vital Brasil




                           "Atiro-a contr:t as quinas erguidas desta madrllgada,
                               .         contra estes edifícios enormes, parados
        contra o cinza do céu sujo como o sabão que lava o piso dos botequins
                                                                  ao fim da noite.
                                            Atiro-a contra o cansaço do mundo,
                                   contra o 'meu próprio e inenarrável cans,lço,
                 atiro-a em nome da utopia que é minha, a tua, a nossa utopia,

                                 atiro-a com raiva. sem estratégia, se,m prudência,
                                   como hcm()rra[':ia que se esvai e tinge a c:liçada
                                            com o esguicho do seu incêndio rubl'O

                                          Atiro-a p,lra l1é1da,para o nenhum result:tdo
                         do grito que precede o baque do corpo atropelado na rua,
       z.tirc·;l no ,1r do m,lr, 11;1 curva corrosiva do azul, à porta dos orfar:latos e
                                                                            prostíbu Ias,
                               atiro-a ao ch,io comobile sanglli)1(>!enta que eSC0rre,
                   como q:b~m cospe um dente <lrrancad0 por um mllrro na boca.

                          NLls atiro-a, flcch;l rurva, esperançél e nojo, vida e cólera,
                       atiro-a com este punho fechado, com esta sede e esta fome,
                  atirc-~ com a funda mais funda do meu sonho mais profundo,
                   atiro-a contra argentários e fundiários, opressores e ditadores,
                 atiro-a em meu nome e em nome dos que ainda não têm nome,
               e em nome dos que em dores e cólicas acordam para o sell nome,
                                   (: ao rés-da-chão. em plel10 pó, o desentranham."
1 - Introdução:     Movimentos      sociais, direitos humanos e práticas psí nos
ànos 1970 no Brasil

                             Os agenciamentos estão interceptados: foram grampeados. É
                             terminantemente proibido fazer uso da língua a fim de cunhar
                             matéria de expressão para as intensidades atuais: o gesto
                             criador foi desautorizado e quem ousa esboçá-Ia não só será
                             taxado de traidor, o que é pior, estará correndo perigo de
                             vida [...]. É proibido o gesto criador, este debilita-se, transmuta-
                             se e é substituído pelo medo e o medo aumenta ainda mais a
                             timidez do gesto criador. Desencadeia-se um círculo vicioso
                             no qual o desejo vai enfraquecendo cada vez m~is a sua
                             potência de eferuação (ROLNIK, 1989, p. 194,196).

        A história dos movimentos          de direitos humanos no Brasil está ligada ao
crescimento e ao fortalecimento        dos diversos movimentos sociais surgidos nos anos
1970 em plena vigência dos chamado's "anos ele chumbo". É no seio da ditadura
militar que começam a se gestar, subterraneamente,             novas formas de resistência,
produzindo novos sujeitos políticos (SADER, 1988).
         Queremos apontar que não é somente na década de 1980 - após a "distensâo
lenta, gradual e segura" de Geisel e a "abertura" de Figueiredo (últimos generais
presidentes que implementaram políticas de "redemocratização")           - que os diferentes
movimentos sociais se organizam e se fortalecem. É 110 período mais repressivo da
ditadura militar que novas Rráticas vão se gestando. Pr~lticas que rechaçam os
movimentos tradicionalmente          instituídos, que politizJm o cotidiano dos lugares de
trahal ho c moradia, que inventam novas formas de fazer política.
         Tais processos de singularizaçãol surgem, principalmente, das crises da Igreja,
lbs esquerdas e do sindicalislpo, que a ditadura militar brasileira aprofunda e acirra.
         Os movimentos de direitos bumanos fortalecem·se principalmente através das
dellúnl:Ías sobre a situação de presos políticos, sobre suas rnortes e desaparecimentos.
SmgclIl, ,l'sim, as organizações de bmiliares que, posteriormente,          irão dar origem
;::-.,5 CO:llir(;s Br;lsileiros pela Anistia e ao Movimento        Feminino pela Anistia:
f,Jrta!cccm-se ulll1bém, ligadas à Igreja, as Comissões de Justiça e Paz.
         /lpes:1r d,] massiva produção de subjetividade dominante2          nos anos· 1960 e
J970, que concorreu ativamente para que o terrorismo de Estado se sustentasse e se
expandisse, esses movimentos singulares conseguem se afirmar.
         Se os anos 1960 preparara'il1, os 1970 consolidar:llll uma de'terminada forma
de penS:lr, sent'ir e agir, principalmente nas classes médias urbanas brasileiras, e estas
serãb ávidas consumidoras das práticas psi em curso.
         As subjetividades então produzidas e fortalccidas traduzem-se pela importânci;:)
que é dada ao consumismo, à necessidade de se :lscender socialmente. Acredita-se l}a
ex~clência do sistema e dissemina-se a crença de que "subir na vida" depende das
Virtudes pesso::is, dos méritos de cada um. Há uma aceitação quase unânime das
regras d() :;istema e, principalmente a classe média, além de seus sonhos de ascensão
 social, acclta passivamente que compete ao governo a resolução dos problemas. A
 da cornpcte trabalhar e/ou estudar, e não se imiscllil: em política. Há, nesse momento,
grande preocupação com a família: fala-se da sua importância como mantenedora
 de uma sociedade saudá el onde a disciplina e o controle devem estar presentes.
 fortalece-se o modelo de .família que compra, investe, viaja e ascende socialm,ente,
 enfatizando-se         a responsabilidade    individual de cada membro. A importância da
 privacidade é apregoada intensamente e a culpabilização produzida massivamente.
           O privado, o familiar torna-se refúgio contra os terrores da sociedade: nega-se,
 portanto, o que acontece fora e volta-se para o que acontece dentro de si e de sua
 família.
           Essa visão intimista da sociedade1 produz pessoas interessadas apenas nas
 histórias de suas próprias vidas e em suas emoções particulares.                  Aumentam a
 preocupação e o investimento com as questões "interiores", e o auto-conhecimento
 torna-se uma finaliclade. Acredita-se que a aproximação, a descoberta de si mesmo,
 a liberação das represséles, a busca da autenticidade e do calor humano são essenciais
 para a mel horia das relações e para uma socieebde mais saudável.
           As categorias      políticas são transformadas      em categorias psicológicas;     o
 importante não é o que se faz, como se faz ou para que se faz, mas o que se senfe. Há
  um esvaziamento           político, há uma psicologização do cotidiano e da vida social,
  produzindo-se         uma oposição entre os domínios público e privado.
           Investe-se     permanentemente         110 domínio do priveldo, do familiar, e o
  psicologismo fornece uma legitimação "científicJ" à tecnologia do ajustamento. Para
  essa família em "crise" há que se ter especialistas; qualquer angústia ~u sentimento
  de mal-estar existencial são imediatamente remetidos para o território da "falta",
  onde os especialistas psi estão vigilantes'e atentos para resgatar suas vítimas.
           Diferente do padre e do médico, estes profissionais, com sua providencial
  "nel1tr~diebde" esoutam o desejo de seu cliente, buscando seu engendramento                nas
. fantasias pessoais, tomelclas como universais. Enquadra-se o desejo em um mundo
  fantasmático, onde se aprende que desejar é só desejar.
           Dentre as pr,íticas psi, uma certa leitura da psicanálise torna-se hegemônica.
  Esse modo de pensar a psicanálise produz práticas que trazem como efeitos não
  somente a reprodução,              mas o fortJlecimento    dessas subjetividades dominantes.
  Produzem-se          e natur;1Iizam-se,   com isso, demandas ligadas às instituições4       do
  hmiliarismo,        intimismo, especialismo, neutralismo e cientificismo.
           Nos anos 1980 esse panorama tende a mudar: novas questões trazidas pelos
  ;~lOvimentos sociais, ainda na década anterior, repercutem nas classes médias urbanas
  -FIe, pelo próprio processo recessivo por que passa o país, aliam-se às diferentes
  :urJS nascidas nas periferias.            Assim, l1:lS práticas fJsi verificaram-se  também
  :"ilUvimentos ele singularização. Dêsde, o final dos anos 1970, COI11) exílio da chamada
                                                                              (
   'cgul1(h geração de argentinos, começa a se expandir uma outra leitura da psicanálise.
  Concorrem, também, as contribuições da Análise lllstitucional de origem francesa, do
   :'ênsamcnto de Guattari, de Deleuze e de Foucelult, que tentarão desnaturalizar as
  ~~cmandas então produzi(las e pensar as subjetividades como produções histórico-sociais.
            Da mesma forma que os movimentos sociais, ainda nos anos 1970, enfrentam
   ::11 seu coiidiano a velha polític;1 ainda dominante, essas outras práticas fJsi também
   :;;,lIltêlll um embate com a ortodoxia e o autoritarismo presentes na subjetividade
   :,·~letiv<id:ls demais pr;íticas psi.
            Essas outras pr5ticas fJsi pretendem            produzir   novas questões,     novas
problematizações,  nOvOs territórios, agenciamentos e subjetividades que não sejam
meras -reproduções, mas que consigam afirmar-se no campo da singularidade,

2 - O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e o Projeto Clínico-Grupal "
                         "
         o    Grupo Tortura Nunca Mais/R] surgiu em 1985, quando o mamemo
político brasileiro evidenciava um certo esvaziamento das questões relativas ao
terrorismo de Estado dominante nos anos 1970, A Lei de Anistia, de 1979, não foi
"ampla, geral e irrestrita"      como exigiam os movimentos sociais.           Os Comitês
Brasileiros pela Anistia praticamente deixaram de existir, apesar de todo aparato
repressivo     continuar   presente. Inúmeros torturadores       permaneceram     - como
permanecem - em cargos públicos;           diversas formas de tortura prosseguiram - e
prosseguem - sendo exe'rcidas; grupos paramilitares e de extermínio cominuam
atuando impunemente. Nos anos 1980, entretanto, é quando as pessoas começam a
falar publicamente.      O destrave da lífgua se sucedia, lento e comovente, aos "anos
de chumbo".       É nesse contexto que surge, inicialmente no Rio de Janeiro, o Grupo
Tortura Nunca Mais, estendendo-se,              posteriormente,    p'ara outros estados:
Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
        De um modo geral, o Grupo Tortura Nunca Mais/R] tem desenvolvido sua
IUL1 em cima de alguns. eixos:
       - O esclarecimento      das mortes e dos desaparecimentos       políticos ocorridos
durante o período da ditàdura militar, como forma necessária e cap'az de resgatar
uma parte de nossa história;
        - Afastamento de torturadores de cargos públicos e punição para aqueles que,
de alguma forma, deram seu respaldo técnico para o funcionamento da repressão,
como, por exemplo, médicos, a-dvogados, etc.;
        - A luta contínu3 contra a impunidade, denuncÍ;1ndo para a sociedade em geral
o que foram e o que cçmtinuam sendo os horrores da tortura e de qualquer outra
 forma de violência.
        Entendemos que a não punição de todos aqueies que participaram direta ou
 indiretamente do massacre cometido nos anos 1970 tem contribuído decisivamente
para que novas violações de direitos humanós sejam cometidas. Acrescenta-se a isso
 a m<lssiva produção de subjetividades feita através da mídia que aplaude e apóia os
 extermínios, linchamentos, naturalizando, com isso, diferentes formas de violência
 e/ou produzindo o que chamamos "política da indiferença".
        Dentre outras atividades, desde 1990, o Grupo Tortura Nunca Mais/R] vem
 desenvolvendo um projeto pioneiro de apoio psicológico, médico e de reabilitação
 social para vítimas da tortura. O projeto também tem o objetivo de contribuir para
 a formação de profissionais que se voltam para a temática da tortura, violência e
 desrespeito aos direitos humanos.
        No Brasil não há, ao que se saiba, trabalho similar e, para o Grupo Tortura
 Nunca Mais/R], ele se constitui como necessário e prioritário.
        Necessário e prioritário,    posto que a violência do cotidiano no Brasil tem
,ocorrências assustadoras e múltiplas, configurando contínuas violações aos direitqs
 humanos, Denlincias são feitas diariamente, com revelações novas e contundentes,
 inclusive sobre torturas praticadas durante o período da ditadura militar. O público-
.iivo .remete a pessoas que experimentaram              a violência, direta ou indiretamente,
como ex-presos políticos e seus familiares, familiares de mortos e desaparecidos
:lolíticos, ex-exilados, prisioneiros torturados por delitos comuns, familiares de.
:Jessoas assassinadas pela violência policial, testemunhas ameaçadas por ações de
::xtermínio, minorias sociais, vítimas da violência indiscriminada                 (social, racial,
'cxual), portadores do vírus HIV e familiares com questões emergenciais, vítimas de
discriminação, inclusive, por órgãos de assistência à saúde. Evidenciam-se, nessas
?essoas, graves danos e alteFações emocionais decorrentes de formas violentas de
;l1arginalização compulsória da cidadania. A maioria dessas pessoas não têm condições
mínimas para custear um tratamento, o qual só se oferece em âmbito privado. A
deterioração crescente do sistema de atendimento público, distanciado da população
:rabalhadora, a ausência de priorização nas áreas de saúde e educação, a ausênci? e
desvios de recursos complementam              um quadro de violência indiscriminada.              O
.::ontexto dos àtendimentos           01' outro   lado remete à te tão da forma ão do
pro issionais marca da or uma dissocia -                            olítico-social e obre quanto
dO question           o éti                                                                 ectivas
i'11divídualizantes/intimistas/     rivadas.
            projeto; atualmente em curso, é realizado na medida das possibilidades, já
que o Grupo Tortura Nunca Mais/R] é constituído exclusivamente de voluntários e
os recursos obtidos em órgão internacional-           a ONU - para o projeto são insuficientes
para o atendimento        da demanda, necessitando-se obter outros apoios e dotações
para sua ampliação e continuidade.                                       .
        O Grupo Tortura Nunca Mais/R] identifica os beneficiários a partir da história
ressoal de cada um, suas relações e testemunho de outros grupos. Essas pessoas são
encaminhadas aos profissionais que compõem o projeto - médicos, psicoterapeutas,
acompanhantes         psiquiátricos     e reabilitadores     - com formação e experiência
profissional e, também, participantes de movimentos sociais na área de direitos
humanos. Estes têm vinculação com o Grupo Tortura Nunca Mais/R], participando
 de suas reuniões, hem como trabalhando em conjunto~na discussão do processo de
 trabalho, em regime contínuo.
        Os atendimentos são individuais e grupais e, desde o início, O projeto enfatizou
o trabalho terapêutica grupal, entendendo que este institui um vetor privilegiado oe
 .iJ1álise das produções de subjetividades e agenciamentos no campo social. Tal enfoqqe
 consti tu i-se em u 111facdi tador por exce lência do trabalho, promovendo                    uma
 intensificação da solidariedade e dos processos de transformação.




      Desde os primeiros momentos do projeto, vários questionamentos se colôcaram,
tais como: trabalhar com pessoas que vivenciaram a violência se constituiria em
Uil1a especialidade? _Críticos do especialismo e da instituição do cientificismo - que
opera através de dogmas e se apresenta           detentora   do saber e de verdades
"inquestionávcis"   e absolutas -, temos aprendido e construído o trabalho junto com
os pacientes. Entre outras aprendizagens, ressaltamos a constatação de que estes
enfrentaram a violência c são sobreviventes dela: antes de vítimas, são guerreiros da
e pela vida. Portanto, trabalhar junto com é trabalhar ao lado do guerreiro e do
resistente;      é concorrer     para a pot(;l1cializaçi1o desses devires, marcados pela
 ~wsitivida(k e não pela falta. Por outro bdé.', 0 conhecimentolreconhecimento                  eb
 violência em seus corpos, suas afccçõcs c as p05sibilid;des de construção de relações
 produtivas prazerosas só teriam sentido se cofltextualizados nos agenciamentos das
 produções dessas violências: de onde vêm, como vêm, para que vêm, quem as porta,
 quem as produz, quais o momentos em que presentificam ... Não havia, pois,
 propostas de trabalho prontas, mas perguntas, elucidações, construção continua de
 acontecimcntos       e ações produzidas no acontecimento - atendimento.              Não caberia,
 no trahalho, a perspectiva da neutrafid:::de: a estreiteza do exerclcio de uma tarefa
 que separJ. indivíduo e atos político-sociais,           a cidadania da análise, a análise da
 polífica e " política dos acontecimentos.
          Estivemos      desde sempre engajados,          Sim, nUIT,a perspectiva       em que a
 subjetividade é entendida dent o do contexto dinâmico das produções sociais: não
 aceit.amos () conceito de estrutura psíquica universal, mas a capacidade de não somente
 agir e reagir, mas também de_buscar caminhos diferenciados. Eles podem instituir
 tantü padrõc:; dominantes,            desde o org;mizo.dn e estahelecido, como formas de
 singubri:>.:lç50 qtic irrn:npem e inauguram formas múl:iplas de vida e ação. , Em
()pos;ç:1~) 0,; sllbjetiviebdes que uniformizam e assujeitam, sabemos que o desejo pode
 ser rev'_'~u:·~ion;.írio.Nesse sentido, nossa questão não é se o desejo é o desejo da falta,
  mas o que c:.:vemos <"Ir desejo. Buscamos então construir Ullla perspectiva na qual,
  :Itravés do processo         terapêutico,      fosse possível trabalhar       outras formas de
  enfrentamento.        Isso implica:
        . A) Investigação dos agenciamentos5          que constituem modos desejantes, ·através
  de diversos campos de s'lbjetivação, isto é, como as formas de perceber, pensar,
  sentir, illtuir, viver e agir no mundo são construídas social e historicamente e, port;;nto,
  passlveis de transformação;
          B) Construção      de intervençôes possíveis, isto é, a construção de dispositivos e
  estratégi:1S capazes de tr.l7.er à tena outros investimentos desejantes c outras formas
  de reJaçôes e prábcas. Ne~se sentido, estar ao lado e com os pacientes nesse processo
  seria cst:r em busca de relações ativas e produtivas" evidenciadas pela análise das
  implicaçôes(', pela utilização de analisadores7,         ao invés de en!a<;armo-nos em cipós
  illtirnisLas que remetem ao mundo de fantasias intr:1 e interpessoais psicologizantes.
          Entendemos que a grande barreira para as inaugl'fações, pessoais e grupais,
  constitui-se nos processos de naturalização. É como se as pessoas passasse!TI a ser algo
  - o fragi!i/.ado, a vítima, o triste ... Cristalizam-se e perpe.:uam-se estados transitórios'
   que n;'1opermitem a diversidade, mas a semelhança, a repetição e a exclusão. Naturaliza-
   se tudo; é COIl1U fosse sempre assim~ intrínseco ao sujeito e não se tratasse de produções
                      se
   ele todos historic:lmente. Em nossa prática, tentamos trahalhar com uma proposta
   distinta: 3 de desnaturalização, que procura possibilidades de singularização. Entretanto,
   é apenas através de uma intencionalidade político-ética e não tecnicista-neutra que é
   possível, ao nosso ver, interrogar essas produções de opacidade social, produções ativas
   ele invisibilidade que redundam em um suposto oculto.
           Quanto maiores os índices de transversalidadex         e a possibilidade de reconhecer
   fluxos e atravessamentos
             ,            ,        institucionais - modos de produção -, maior ' a instauração
   de possibilidades.       Trata-se, então, de enfocar a questão do co!etivo-em-nós            em
   oposição ao individualismo e ao autoritarismo.
As referências teóricas da Análise Institucional, as idéias de Deleuze, Guattari e
  roucault,  uma Psicanálise revisitada constituíram,        então - ao lado de'outras
,perspectivas - o caráter transdisciplinar do trabalho, Fundamentalmente      construído,
 como afirmamos, no próprio acontecimento           terapêutica,  em cada momento do
 rrabalho, posto que ali conhecimentos diversos se presentificam e, ainda, se constrói
 conhecimento,    se indaga e disparam-s/e possibilidades de novos acontecimentos,




       Tomemos a história de um paciente que vivenciou a clandestinidade,       fugindo
cios órgãos de repressão, perdendo o contato com o trabalho, amigos e atividades
culturais, o qual, preso, também vivenciou privação de sono e repouso, de alimentos,
jgua e contato       com familiares;   que sofreu ameaças de morte pessoal e de
companheiros;       humilhações, isolamento total, convivência prolongada com sons
"ltos, ruídos, luz e animais ameaçadores;    pau-de-arara;   choques elétricos em várias
partes do corpo, choques térmicos; injeções de éter; surras e socos com objetos
contundúites, sufocação e afogamentos. Em conseqüência, esse paciente sofreu perda
:emporária de visão, desmaio$, esmagamento parcial de ossos das mãos, dedos, face
ç traumatismo    craniano. Sugerem, ainda durante a prisão, que este tenha atendimento
médico, sem que nunca tenha se efetivado. Torturaram-no           enquanto tinha febre,
decorrente de malária.
       Como trabalhar com tal paciente, o qual, após essa histórià de torturas, passou
a ter manifestações epiléticas com crises convulsivas e desmaios? Já fora medicado
com pesados psicofármacos         e passara por urna internação psiquiátrica.     Como
cumpliciar-se com suas possibilidades de viver produtivamente,         se sua angústia e
depressão, sua vontade de morrer parecem ser sua única forma de expressão? Alguém
que não consegue trabalhar, que se desencontrou de companheiros, da família, perdeu- ,
se de alguns de seus rcferencias políticos, não encontrando outros ou se permitindo
revisitá-Ios? Atribuiríamos sua vontade de morrer à pulsão' de morte, a uma forma de
masoquismo, a fantasias 'onipotentes, à imersão no mundo narcísico pela impossibilidade
de viver a falta, à negativa de entender que o desejo é o desejo do desejo?
       Para nós, aprender e construir com o paCiente outras relações e práticas de
'ida tem se constituído       em percorrer   os agenciamentos      que provocam      sua
sintümarcilogia,    aliar-se aos seus desejos de construçz.o, desnaturalizar    um viés
"mortífero" que não era seu, mas est'ava vivo na privação da cidadania, no sistema
médico-hospitalar      e nos grupos. Agregamos, aos componentes que constroem a
potência da vontade e aos devires., que instituem, a vontade de viver. Ao não nos
agenciarmos com os especialisl110s e com o distanciamenro da neutralidade, estam os
nos implicando com os direitos humanos, com a ética de plena' cidadania, com uma
                                          
política que privilegia o coleti,vo. Compartilhamos     com esse paciente os espaços de
atividades     do Grupo Tortura       Nunca Mais/RJ,       em seus eventos e outros
acontecimentos.      Percebemos, então, que tentamos não trabalhar com conceitos
fechados, que esse proceSso de trabalho é inacabado, que a análise das implicações é
permanente e que construir é, de fato, o próprio processo de vida,
       Est<l perspectiva questiona, necessariamente, a noção de vitimologja. Cremos
que a conscruçiio        do lugar de vitimado     fàz funcionar    um movinento       de
despotencialização      política e uma rede de transformação das violências sociais em
problemáticas      individuais que favorecem o isolamento, constituído        no silêncio
solitário. Nessa linha de silenciamento          se produzem, historicamente,  o "doente
mental" e o "subversivo", que são comumente percebidos, o primeiro, desde uma
"falta de razão normal" - paradigma construído pela ordem médico-psicológica - e
o segundo, desde a "falta de uma razão política" - paradigma elaborado pela ordem
jurídico-política.    A ambos se destina um tratamento moral.
        A proximidade torturante entre a psiquiatrização e a tortura não é um acidente,
mas uma estratégia na construção de mundos totalitários, já que o "doente mental"
está tutelado e é considerado incapaz - neste caso, de compreender as "necessidades"
da ordem existente. De qualquer modo, os "perdedores" são sempre aqueles que
deslegitimam ou desreconhecem            os meandros microscópicos do poder legalizado.
        Uma nova noção de vida equivalente,             somente, à sobrevida, como uma
alternativa à morte, é algo para ser questionado pelos sobreviventes e, também, por
todos nós. A violência ~ue ameaça a sobrevivência acaba por transformar a vivência
em sobrevi da. As lutéls pela vida, no entanto, apontam para muito mais: para uma
vivência absolutamente         possível, potente, prazerosa e inventiva.




ROLNIK,S. C(lrtografia Sentimental: Transformações Contemporânea~ do Desejo. São
Paulo: Estação Liberdade, 1989.
SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1998.
GUATTARI, E; ROLNIK, S. Micropolítica:         Cartografias do desejo. Rio de Janeiro:
Vozes, 1986.
COIMBRA, C. t'1. B. Gerentes da Ordem: Algumas práticas psi nos anos 70 no Brasil.
Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995.
SENNETT, R. O Declíl1io do Homem Público. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
GUATTARI, F. Revoluções Políticas do Desejo. São Paulo: Brasi!iense, 1987.
RODRIGUES, H.li.C. Psicanálise e Análise Institucional. 111: RODRIGUES, H.E.C.;
LEITÃO, i1.P>.S.;Barros, R.D.n. Grupos e Instituições em Análise. Rio de Janeiro: Rosa
dos Tempos, 1990, p. 42-55.




 1 P.rocesso de singu!arização é uma l:oção utilizada por Guat:ari para designar os processos
 disruptores no c:llnpo c9 produção do desejo: trata-se dt movimentos de protesto do
 inconsciente contra a subjetividad~ capitalística, através da :lfirmação de outras maneiras
 de ser, outras sensibilidades, outra percepção, etc. (GUATTARI, F.; ROLNIK, S., 1986,
 p.45).
 2 No conceito de subjetividade dominante ou hegemônica, Guattari mostrà que " ... a
 produção de subjetividades constitui· matéria-prima de toda e qualquer produção. As
 forças sociais que administram 'o capitalismo hoje entendem que a produção de
 subjetividades talvez seja mais importante que qualquer outro tipo de produção [...]
visto produzirem    esquemas dominantes de percepção do mundo". (GU.TTARI;
ROLNIK, 19??, p. 40). Sobre o assuntO produção de subjetividades nos anos 1960 e
1970 no Brasil, consultar Coimbra (1995).
3 Sobre o assunto ver SENNETT (1998).
4 A Ilação de instituição para a Análise Institucional de origem francesa difere da de
organização ou estabelecimento. Instituição é onde as relações de exclusão, de dominação
e exploração estão instituídas de maneira aparentemente natural, eterna e necessária e
não onde o jurídico se manifesta.
5 Agenciamento, para Guattari e Deleuze, é uma montagem produtora de inovações
que constituem acontecimentos.      Cada um de nós é uma espécie de processador-
agenciador, ao invés de indivíduos independentes das produções sociais. (GUATIARI,
1987).
6 Análise das implicações, noção advinda da An,'ílise Institucional, surge a partir da
contra transferência, opondo-se à posição neutro-positiva, e vai nos falar do intelectual
implicado, aquele que analise as implicações de suas pertenças e referências institucionais,
analisando também o lugar que ocupa na divisão social do trabalho, da qual é um dos
legitimadores. Portanto, esta noção leva a uma análise do lugar que se ocupa nas relações
sociais em geral, e não apenas no âmbito da intervenção que se está realizando.
7 Analisador, dentro da Análise Institucional, são situações espontâneas ou produzidas
que realizam G! análise, sem necessidade de "peritos" para esclarecê-Ias. São formas de
intervenção ao nível do vivido, resgatando acontecimentos que podem ser fontes
autênticas d_econhecimento e de transformações sociais. "Ou melhor dizendo, reva!orizam
a experiência direta, o 'saber das pessoas', como possíveis caminhos para a análise política,
para o inconsciente político, para o acesso ao que foi e é ativamente reprimido e para os
mecanismos sociais envoltos nesta repressão" (RODRIGUES, ] 990, p. 42-55).
8 A noção de transversalidade,        criada por Guattari c muito utilizada em Análise
lnstitucional, representa a clareza que se tem dos entrecruzamentos, das pertenças e
referências de todos os tipos (político, econômico, social, cultural, sexual, libidinal, etc.)
 que atravessam nossas vidas; as relações transversais são, em geral, inconscient~s, não
sabidas e descon hecidas.

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Palestra Prof. Sérgio Adorno
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Clínica e política

  • 1. htervenção clínica quanto à violação dos Direitos Humanos: por uma prática desnaturalizadora na teoria, na ética, na política Cecília Maria Bouças Coirnbra Jorge Márcia Pel-eira de Andrade Maria Beatl-iz Sá Leitão Vera Vital Brasil "Atiro-a contr:t as quinas erguidas desta madrllgada, . contra estes edifícios enormes, parados contra o cinza do céu sujo como o sabão que lava o piso dos botequins ao fim da noite. Atiro-a contra o cansaço do mundo, contra o 'meu próprio e inenarrável cans,lço, atiro-a em nome da utopia que é minha, a tua, a nossa utopia, atiro-a com raiva. sem estratégia, se,m prudência, como hcm()rra[':ia que se esvai e tinge a c:liçada com o esguicho do seu incêndio rubl'O Atiro-a p,lra l1é1da,para o nenhum result:tdo do grito que precede o baque do corpo atropelado na rua, z.tirc·;l no ,1r do m,lr, 11;1 curva corrosiva do azul, à porta dos orfar:latos e prostíbu Ias, atiro-a ao ch,io comobile sanglli)1(>!enta que eSC0rre, como q:b~m cospe um dente <lrrancad0 por um mllrro na boca. NLls atiro-a, flcch;l rurva, esperançél e nojo, vida e cólera, atiro-a com este punho fechado, com esta sede e esta fome, atirc-~ com a funda mais funda do meu sonho mais profundo, atiro-a contra argentários e fundiários, opressores e ditadores, atiro-a em meu nome e em nome dos que ainda não têm nome, e em nome dos que em dores e cólicas acordam para o sell nome, (: ao rés-da-chão. em plel10 pó, o desentranham."
  • 2. 1 - Introdução: Movimentos sociais, direitos humanos e práticas psí nos ànos 1970 no Brasil Os agenciamentos estão interceptados: foram grampeados. É terminantemente proibido fazer uso da língua a fim de cunhar matéria de expressão para as intensidades atuais: o gesto criador foi desautorizado e quem ousa esboçá-Ia não só será taxado de traidor, o que é pior, estará correndo perigo de vida [...]. É proibido o gesto criador, este debilita-se, transmuta- se e é substituído pelo medo e o medo aumenta ainda mais a timidez do gesto criador. Desencadeia-se um círculo vicioso no qual o desejo vai enfraquecendo cada vez m~is a sua potência de eferuação (ROLNIK, 1989, p. 194,196). A história dos movimentos de direitos humanos no Brasil está ligada ao crescimento e ao fortalecimento dos diversos movimentos sociais surgidos nos anos 1970 em plena vigência dos chamado's "anos ele chumbo". É no seio da ditadura militar que começam a se gestar, subterraneamente, novas formas de resistência, produzindo novos sujeitos políticos (SADER, 1988). Queremos apontar que não é somente na década de 1980 - após a "distensâo lenta, gradual e segura" de Geisel e a "abertura" de Figueiredo (últimos generais presidentes que implementaram políticas de "redemocratização") - que os diferentes movimentos sociais se organizam e se fortalecem. É 110 período mais repressivo da ditadura militar que novas Rráticas vão se gestando. Pr~lticas que rechaçam os movimentos tradicionalmente instituídos, que politizJm o cotidiano dos lugares de trahal ho c moradia, que inventam novas formas de fazer política. Tais processos de singularizaçãol surgem, principalmente, das crises da Igreja, lbs esquerdas e do sindicalislpo, que a ditadura militar brasileira aprofunda e acirra. Os movimentos de direitos bumanos fortalecem·se principalmente através das dellúnl:Ías sobre a situação de presos políticos, sobre suas rnortes e desaparecimentos. SmgclIl, ,l'sim, as organizações de bmiliares que, posteriormente, irão dar origem ;::-.,5 CO:llir(;s Br;lsileiros pela Anistia e ao Movimento Feminino pela Anistia: f,Jrta!cccm-se ulll1bém, ligadas à Igreja, as Comissões de Justiça e Paz. /lpes:1r d,] massiva produção de subjetividade dominante2 nos anos· 1960 e J970, que concorreu ativamente para que o terrorismo de Estado se sustentasse e se expandisse, esses movimentos singulares conseguem se afirmar. Se os anos 1960 preparara'il1, os 1970 consolidar:llll uma de'terminada forma de penS:lr, sent'ir e agir, principalmente nas classes médias urbanas brasileiras, e estas serãb ávidas consumidoras das práticas psi em curso. As subjetividades então produzidas e fortalccidas traduzem-se pela importânci;:) que é dada ao consumismo, à necessidade de se :lscender socialmente. Acredita-se l}a ex~clência do sistema e dissemina-se a crença de que "subir na vida" depende das Virtudes pesso::is, dos méritos de cada um. Há uma aceitação quase unânime das regras d() :;istema e, principalmente a classe média, além de seus sonhos de ascensão social, acclta passivamente que compete ao governo a resolução dos problemas. A da cornpcte trabalhar e/ou estudar, e não se imiscllil: em política. Há, nesse momento,
  • 3. grande preocupação com a família: fala-se da sua importância como mantenedora de uma sociedade saudá el onde a disciplina e o controle devem estar presentes. fortalece-se o modelo de .família que compra, investe, viaja e ascende socialm,ente, enfatizando-se a responsabilidade individual de cada membro. A importância da privacidade é apregoada intensamente e a culpabilização produzida massivamente. O privado, o familiar torna-se refúgio contra os terrores da sociedade: nega-se, portanto, o que acontece fora e volta-se para o que acontece dentro de si e de sua família. Essa visão intimista da sociedade1 produz pessoas interessadas apenas nas histórias de suas próprias vidas e em suas emoções particulares. Aumentam a preocupação e o investimento com as questões "interiores", e o auto-conhecimento torna-se uma finaliclade. Acredita-se que a aproximação, a descoberta de si mesmo, a liberação das represséles, a busca da autenticidade e do calor humano são essenciais para a mel horia das relações e para uma socieebde mais saudável. As categorias políticas são transformadas em categorias psicológicas; o importante não é o que se faz, como se faz ou para que se faz, mas o que se senfe. Há um esvaziamento político, há uma psicologização do cotidiano e da vida social, produzindo-se uma oposição entre os domínios público e privado. Investe-se permanentemente 110 domínio do priveldo, do familiar, e o psicologismo fornece uma legitimação "científicJ" à tecnologia do ajustamento. Para essa família em "crise" há que se ter especialistas; qualquer angústia ~u sentimento de mal-estar existencial são imediatamente remetidos para o território da "falta", onde os especialistas psi estão vigilantes'e atentos para resgatar suas vítimas. Diferente do padre e do médico, estes profissionais, com sua providencial "nel1tr~diebde" esoutam o desejo de seu cliente, buscando seu engendramento nas . fantasias pessoais, tomelclas como universais. Enquadra-se o desejo em um mundo fantasmático, onde se aprende que desejar é só desejar. Dentre as pr,íticas psi, uma certa leitura da psicanálise torna-se hegemônica. Esse modo de pensar a psicanálise produz práticas que trazem como efeitos não somente a reprodução, mas o fortJlecimento dessas subjetividades dominantes. Produzem-se e natur;1Iizam-se, com isso, demandas ligadas às instituições4 do hmiliarismo, intimismo, especialismo, neutralismo e cientificismo. Nos anos 1980 esse panorama tende a mudar: novas questões trazidas pelos ;~lOvimentos sociais, ainda na década anterior, repercutem nas classes médias urbanas -FIe, pelo próprio processo recessivo por que passa o país, aliam-se às diferentes :urJS nascidas nas periferias. Assim, l1:lS práticas fJsi verificaram-se também :"ilUvimentos ele singularização. Dêsde, o final dos anos 1970, COI11) exílio da chamada ( 'cgul1(h geração de argentinos, começa a se expandir uma outra leitura da psicanálise. Concorrem, também, as contribuições da Análise lllstitucional de origem francesa, do :'ênsamcnto de Guattari, de Deleuze e de Foucelult, que tentarão desnaturalizar as ~~cmandas então produzi(las e pensar as subjetividades como produções histórico-sociais. Da mesma forma que os movimentos sociais, ainda nos anos 1970, enfrentam ::11 seu coiidiano a velha polític;1 ainda dominante, essas outras práticas fJsi também :;;,lIltêlll um embate com a ortodoxia e o autoritarismo presentes na subjetividade :,·~letiv<id:ls demais pr;íticas psi. Essas outras pr5ticas fJsi pretendem produzir novas questões, novas
  • 4. problematizações, nOvOs territórios, agenciamentos e subjetividades que não sejam meras -reproduções, mas que consigam afirmar-se no campo da singularidade, 2 - O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e o Projeto Clínico-Grupal " " o Grupo Tortura Nunca Mais/R] surgiu em 1985, quando o mamemo político brasileiro evidenciava um certo esvaziamento das questões relativas ao terrorismo de Estado dominante nos anos 1970, A Lei de Anistia, de 1979, não foi "ampla, geral e irrestrita" como exigiam os movimentos sociais. Os Comitês Brasileiros pela Anistia praticamente deixaram de existir, apesar de todo aparato repressivo continuar presente. Inúmeros torturadores permaneceram - como permanecem - em cargos públicos; diversas formas de tortura prosseguiram - e prosseguem - sendo exe'rcidas; grupos paramilitares e de extermínio cominuam atuando impunemente. Nos anos 1980, entretanto, é quando as pessoas começam a falar publicamente. O destrave da lífgua se sucedia, lento e comovente, aos "anos de chumbo". É nesse contexto que surge, inicialmente no Rio de Janeiro, o Grupo Tortura Nunca Mais, estendendo-se, posteriormente, p'ara outros estados: Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e Goiás. De um modo geral, o Grupo Tortura Nunca Mais/R] tem desenvolvido sua IUL1 em cima de alguns. eixos: - O esclarecimento das mortes e dos desaparecimentos políticos ocorridos durante o período da ditàdura militar, como forma necessária e cap'az de resgatar uma parte de nossa história; - Afastamento de torturadores de cargos públicos e punição para aqueles que, de alguma forma, deram seu respaldo técnico para o funcionamento da repressão, como, por exemplo, médicos, a-dvogados, etc.; - A luta contínu3 contra a impunidade, denuncÍ;1ndo para a sociedade em geral o que foram e o que cçmtinuam sendo os horrores da tortura e de qualquer outra forma de violência. Entendemos que a não punição de todos aqueies que participaram direta ou indiretamente do massacre cometido nos anos 1970 tem contribuído decisivamente para que novas violações de direitos humanós sejam cometidas. Acrescenta-se a isso a m<lssiva produção de subjetividades feita através da mídia que aplaude e apóia os extermínios, linchamentos, naturalizando, com isso, diferentes formas de violência e/ou produzindo o que chamamos "política da indiferença". Dentre outras atividades, desde 1990, o Grupo Tortura Nunca Mais/R] vem desenvolvendo um projeto pioneiro de apoio psicológico, médico e de reabilitação social para vítimas da tortura. O projeto também tem o objetivo de contribuir para a formação de profissionais que se voltam para a temática da tortura, violência e desrespeito aos direitos humanos. No Brasil não há, ao que se saiba, trabalho similar e, para o Grupo Tortura Nunca Mais/R], ele se constitui como necessário e prioritário. Necessário e prioritário, posto que a violência do cotidiano no Brasil tem ,ocorrências assustadoras e múltiplas, configurando contínuas violações aos direitqs humanos, Denlincias são feitas diariamente, com revelações novas e contundentes, inclusive sobre torturas praticadas durante o período da ditadura militar. O público-
  • 5. .iivo .remete a pessoas que experimentaram a violência, direta ou indiretamente, como ex-presos políticos e seus familiares, familiares de mortos e desaparecidos :lolíticos, ex-exilados, prisioneiros torturados por delitos comuns, familiares de. :Jessoas assassinadas pela violência policial, testemunhas ameaçadas por ações de ::xtermínio, minorias sociais, vítimas da violência indiscriminada (social, racial, 'cxual), portadores do vírus HIV e familiares com questões emergenciais, vítimas de discriminação, inclusive, por órgãos de assistência à saúde. Evidenciam-se, nessas ?essoas, graves danos e alteFações emocionais decorrentes de formas violentas de ;l1arginalização compulsória da cidadania. A maioria dessas pessoas não têm condições mínimas para custear um tratamento, o qual só se oferece em âmbito privado. A deterioração crescente do sistema de atendimento público, distanciado da população :rabalhadora, a ausência de priorização nas áreas de saúde e educação, a ausênci? e desvios de recursos complementam um quadro de violência indiscriminada. O .::ontexto dos àtendimentos 01' outro lado remete à te tão da forma ão do pro issionais marca da or uma dissocia - olítico-social e obre quanto dO question o éti ectivas i'11divídualizantes/intimistas/ rivadas. projeto; atualmente em curso, é realizado na medida das possibilidades, já que o Grupo Tortura Nunca Mais/R] é constituído exclusivamente de voluntários e os recursos obtidos em órgão internacional- a ONU - para o projeto são insuficientes para o atendimento da demanda, necessitando-se obter outros apoios e dotações para sua ampliação e continuidade. . O Grupo Tortura Nunca Mais/R] identifica os beneficiários a partir da história ressoal de cada um, suas relações e testemunho de outros grupos. Essas pessoas são encaminhadas aos profissionais que compõem o projeto - médicos, psicoterapeutas, acompanhantes psiquiátricos e reabilitadores - com formação e experiência profissional e, também, participantes de movimentos sociais na área de direitos humanos. Estes têm vinculação com o Grupo Tortura Nunca Mais/R], participando de suas reuniões, hem como trabalhando em conjunto~na discussão do processo de trabalho, em regime contínuo. Os atendimentos são individuais e grupais e, desde o início, O projeto enfatizou o trabalho terapêutica grupal, entendendo que este institui um vetor privilegiado oe .iJ1álise das produções de subjetividades e agenciamentos no campo social. Tal enfoqqe consti tu i-se em u 111facdi tador por exce lência do trabalho, promovendo uma intensificação da solidariedade e dos processos de transformação. Desde os primeiros momentos do projeto, vários questionamentos se colôcaram, tais como: trabalhar com pessoas que vivenciaram a violência se constituiria em Uil1a especialidade? _Críticos do especialismo e da instituição do cientificismo - que opera através de dogmas e se apresenta detentora do saber e de verdades "inquestionávcis" e absolutas -, temos aprendido e construído o trabalho junto com os pacientes. Entre outras aprendizagens, ressaltamos a constatação de que estes enfrentaram a violência c são sobreviventes dela: antes de vítimas, são guerreiros da e pela vida. Portanto, trabalhar junto com é trabalhar ao lado do guerreiro e do
  • 6. resistente; é concorrer para a pot(;l1cializaçi1o desses devires, marcados pela ~wsitivida(k e não pela falta. Por outro bdé.', 0 conhecimentolreconhecimento eb violência em seus corpos, suas afccçõcs c as p05sibilid;des de construção de relações produtivas prazerosas só teriam sentido se cofltextualizados nos agenciamentos das produções dessas violências: de onde vêm, como vêm, para que vêm, quem as porta, quem as produz, quais o momentos em que presentificam ... Não havia, pois, propostas de trabalho prontas, mas perguntas, elucidações, construção continua de acontecimcntos e ações produzidas no acontecimento - atendimento. Não caberia, no trahalho, a perspectiva da neutrafid:::de: a estreiteza do exerclcio de uma tarefa que separJ. indivíduo e atos político-sociais, a cidadania da análise, a análise da polífica e " política dos acontecimentos. Estivemos desde sempre engajados, Sim, nUIT,a perspectiva em que a subjetividade é entendida dent o do contexto dinâmico das produções sociais: não aceit.amos () conceito de estrutura psíquica universal, mas a capacidade de não somente agir e reagir, mas também de_buscar caminhos diferenciados. Eles podem instituir tantü padrõc:; dominantes, desde o org;mizo.dn e estahelecido, como formas de singubri:>.:lç50 qtic irrn:npem e inauguram formas múl:iplas de vida e ação. , Em ()pos;ç:1~) 0,; sllbjetiviebdes que uniformizam e assujeitam, sabemos que o desejo pode ser rev'_'~u:·~ion;.írio.Nesse sentido, nossa questão não é se o desejo é o desejo da falta, mas o que c:.:vemos <"Ir desejo. Buscamos então construir Ullla perspectiva na qual, :Itravés do processo terapêutico, fosse possível trabalhar outras formas de enfrentamento. Isso implica: . A) Investigação dos agenciamentos5 que constituem modos desejantes, ·através de diversos campos de s'lbjetivação, isto é, como as formas de perceber, pensar, sentir, illtuir, viver e agir no mundo são construídas social e historicamente e, port;;nto, passlveis de transformação; B) Construção de intervençôes possíveis, isto é, a construção de dispositivos e estratégi:1S capazes de tr.l7.er à tena outros investimentos desejantes c outras formas de reJaçôes e prábcas. Ne~se sentido, estar ao lado e com os pacientes nesse processo seria cst:r em busca de relações ativas e produtivas" evidenciadas pela análise das implicaçôes(', pela utilização de analisadores7, ao invés de en!a<;armo-nos em cipós illtirnisLas que remetem ao mundo de fantasias intr:1 e interpessoais psicologizantes. Entendemos que a grande barreira para as inaugl'fações, pessoais e grupais, constitui-se nos processos de naturalização. É como se as pessoas passasse!TI a ser algo - o fragi!i/.ado, a vítima, o triste ... Cristalizam-se e perpe.:uam-se estados transitórios' que n;'1opermitem a diversidade, mas a semelhança, a repetição e a exclusão. Naturaliza- se tudo; é COIl1U fosse sempre assim~ intrínseco ao sujeito e não se tratasse de produções se ele todos historic:lmente. Em nossa prática, tentamos trahalhar com uma proposta distinta: 3 de desnaturalização, que procura possibilidades de singularização. Entretanto, é apenas através de uma intencionalidade político-ética e não tecnicista-neutra que é possível, ao nosso ver, interrogar essas produções de opacidade social, produções ativas ele invisibilidade que redundam em um suposto oculto. Quanto maiores os índices de transversalidadex e a possibilidade de reconhecer fluxos e atravessamentos , , institucionais - modos de produção -, maior ' a instauração de possibilidades. Trata-se, então, de enfocar a questão do co!etivo-em-nós em oposição ao individualismo e ao autoritarismo.
  • 7. As referências teóricas da Análise Institucional, as idéias de Deleuze, Guattari e roucault, uma Psicanálise revisitada constituíram, então - ao lado de'outras ,perspectivas - o caráter transdisciplinar do trabalho, Fundamentalmente construído, como afirmamos, no próprio acontecimento terapêutica, em cada momento do rrabalho, posto que ali conhecimentos diversos se presentificam e, ainda, se constrói conhecimento, se indaga e disparam-s/e possibilidades de novos acontecimentos, Tomemos a história de um paciente que vivenciou a clandestinidade, fugindo cios órgãos de repressão, perdendo o contato com o trabalho, amigos e atividades culturais, o qual, preso, também vivenciou privação de sono e repouso, de alimentos, jgua e contato com familiares; que sofreu ameaças de morte pessoal e de companheiros; humilhações, isolamento total, convivência prolongada com sons "ltos, ruídos, luz e animais ameaçadores; pau-de-arara; choques elétricos em várias partes do corpo, choques térmicos; injeções de éter; surras e socos com objetos contundúites, sufocação e afogamentos. Em conseqüência, esse paciente sofreu perda :emporária de visão, desmaio$, esmagamento parcial de ossos das mãos, dedos, face ç traumatismo craniano. Sugerem, ainda durante a prisão, que este tenha atendimento médico, sem que nunca tenha se efetivado. Torturaram-no enquanto tinha febre, decorrente de malária. Como trabalhar com tal paciente, o qual, após essa histórià de torturas, passou a ter manifestações epiléticas com crises convulsivas e desmaios? Já fora medicado com pesados psicofármacos e passara por urna internação psiquiátrica. Como cumpliciar-se com suas possibilidades de viver produtivamente, se sua angústia e depressão, sua vontade de morrer parecem ser sua única forma de expressão? Alguém que não consegue trabalhar, que se desencontrou de companheiros, da família, perdeu- , se de alguns de seus rcferencias políticos, não encontrando outros ou se permitindo revisitá-Ios? Atribuiríamos sua vontade de morrer à pulsão' de morte, a uma forma de masoquismo, a fantasias 'onipotentes, à imersão no mundo narcísico pela impossibilidade de viver a falta, à negativa de entender que o desejo é o desejo do desejo? Para nós, aprender e construir com o paCiente outras relações e práticas de 'ida tem se constituído em percorrer os agenciamentos que provocam sua sintümarcilogia, aliar-se aos seus desejos de construçz.o, desnaturalizar um viés "mortífero" que não era seu, mas est'ava vivo na privação da cidadania, no sistema médico-hospitalar e nos grupos. Agregamos, aos componentes que constroem a potência da vontade e aos devires., que instituem, a vontade de viver. Ao não nos agenciarmos com os especialisl110s e com o distanciamenro da neutralidade, estam os nos implicando com os direitos humanos, com a ética de plena' cidadania, com uma política que privilegia o coleti,vo. Compartilhamos com esse paciente os espaços de atividades do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em seus eventos e outros acontecimentos. Percebemos, então, que tentamos não trabalhar com conceitos fechados, que esse proceSso de trabalho é inacabado, que a análise das implicações é permanente e que construir é, de fato, o próprio processo de vida, Est<l perspectiva questiona, necessariamente, a noção de vitimologja. Cremos que a conscruçiio do lugar de vitimado fàz funcionar um movinento de
  • 8. despotencialização política e uma rede de transformação das violências sociais em problemáticas individuais que favorecem o isolamento, constituído no silêncio solitário. Nessa linha de silenciamento se produzem, historicamente, o "doente mental" e o "subversivo", que são comumente percebidos, o primeiro, desde uma "falta de razão normal" - paradigma construído pela ordem médico-psicológica - e o segundo, desde a "falta de uma razão política" - paradigma elaborado pela ordem jurídico-política. A ambos se destina um tratamento moral. A proximidade torturante entre a psiquiatrização e a tortura não é um acidente, mas uma estratégia na construção de mundos totalitários, já que o "doente mental" está tutelado e é considerado incapaz - neste caso, de compreender as "necessidades" da ordem existente. De qualquer modo, os "perdedores" são sempre aqueles que deslegitimam ou desreconhecem os meandros microscópicos do poder legalizado. Uma nova noção de vida equivalente, somente, à sobrevida, como uma alternativa à morte, é algo para ser questionado pelos sobreviventes e, também, por todos nós. A violência ~ue ameaça a sobrevivência acaba por transformar a vivência em sobrevi da. As lutéls pela vida, no entanto, apontam para muito mais: para uma vivência absolutamente possível, potente, prazerosa e inventiva. ROLNIK,S. C(lrtografia Sentimental: Transformações Contemporânea~ do Desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. GUATTARI, E; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. COIMBRA, C. t'1. B. Gerentes da Ordem: Algumas práticas psi nos anos 70 no Brasil. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1995. SENNETT, R. O Declíl1io do Homem Público. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. GUATTARI, F. Revoluções Políticas do Desejo. São Paulo: Brasi!iense, 1987. RODRIGUES, H.li.C. Psicanálise e Análise Institucional. 111: RODRIGUES, H.E.C.; LEITÃO, i1.P>.S.;Barros, R.D.n. Grupos e Instituições em Análise. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1990, p. 42-55. 1 P.rocesso de singu!arização é uma l:oção utilizada por Guat:ari para designar os processos disruptores no c:llnpo c9 produção do desejo: trata-se dt movimentos de protesto do inconsciente contra a subjetividad~ capitalística, através da :lfirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outra percepção, etc. (GUATTARI, F.; ROLNIK, S., 1986, p.45). 2 No conceito de subjetividade dominante ou hegemônica, Guattari mostrà que " ... a produção de subjetividades constitui· matéria-prima de toda e qualquer produção. As forças sociais que administram 'o capitalismo hoje entendem que a produção de subjetividades talvez seja mais importante que qualquer outro tipo de produção [...]
  • 9. visto produzirem esquemas dominantes de percepção do mundo". (GU.TTARI; ROLNIK, 19??, p. 40). Sobre o assuntO produção de subjetividades nos anos 1960 e 1970 no Brasil, consultar Coimbra (1995). 3 Sobre o assunto ver SENNETT (1998). 4 A Ilação de instituição para a Análise Institucional de origem francesa difere da de organização ou estabelecimento. Instituição é onde as relações de exclusão, de dominação e exploração estão instituídas de maneira aparentemente natural, eterna e necessária e não onde o jurídico se manifesta. 5 Agenciamento, para Guattari e Deleuze, é uma montagem produtora de inovações que constituem acontecimentos. Cada um de nós é uma espécie de processador- agenciador, ao invés de indivíduos independentes das produções sociais. (GUATIARI, 1987). 6 Análise das implicações, noção advinda da An,'ílise Institucional, surge a partir da contra transferência, opondo-se à posição neutro-positiva, e vai nos falar do intelectual implicado, aquele que analise as implicações de suas pertenças e referências institucionais, analisando também o lugar que ocupa na divisão social do trabalho, da qual é um dos legitimadores. Portanto, esta noção leva a uma análise do lugar que se ocupa nas relações sociais em geral, e não apenas no âmbito da intervenção que se está realizando. 7 Analisador, dentro da Análise Institucional, são situações espontâneas ou produzidas que realizam G! análise, sem necessidade de "peritos" para esclarecê-Ias. São formas de intervenção ao nível do vivido, resgatando acontecimentos que podem ser fontes autênticas d_econhecimento e de transformações sociais. "Ou melhor dizendo, reva!orizam a experiência direta, o 'saber das pessoas', como possíveis caminhos para a análise política, para o inconsciente político, para o acesso ao que foi e é ativamente reprimido e para os mecanismos sociais envoltos nesta repressão" (RODRIGUES, ] 990, p. 42-55). 8 A noção de transversalidade, criada por Guattari c muito utilizada em Análise lnstitucional, representa a clareza que se tem dos entrecruzamentos, das pertenças e referências de todos os tipos (político, econômico, social, cultural, sexual, libidinal, etc.) que atravessam nossas vidas; as relações transversais são, em geral, inconscient~s, não sabidas e descon hecidas.