O documento resume o discurso da Ministra da Justiça na abertura do ano judicial 2015. Ela destaca os principais desafios do setor como a morosidade, a necessidade de atualizar registros e a legislação obsoleta. A Ministra também propõe a criação de uma Autoridade da Memória e Justiça e defende maior transparência e combate à corrupção no sistema judicial.
Ministra da Justiça defende reformas urgentes no setor e combate à corrupção
1. IntervençãoMinistra da Justiça – Abertura Solene do AnoJudicial2015
1
REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
GABINETE DA MINISTRA
Sua Excelência Senhor Presidente da República;
Sua Excelência Senhor Primeiro Ministro;
Venerando Presidente do Supremo Tribunal da Justiça;
Venerando Presidente do Tribunal de Contas;
Venerando Presidente do Tribunal Superior Militar;
Digníssimo Procurador-Geral da República;
Ilustre Bastonário da Ordem dos Advogados;
Senhores Ministros, Excelências;
Senhores Chefes das Bancadas Parlamentares, Excelências;
Venerandos Juízes Conselheiros;
Digníssimos Procuradores-Gerais Adjuntos;
Venerandos Juízes Desembargadores;
Suas Excelências Senhores Deputados da Assembleia Nacional Popular;
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bissau;
Senhores Membros dos Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e da
Magistratura do Ministério Público;
Senhora Presidente da Comissão de Direitos Humanos;
Senhores Membros do Corpo Diplomático e de Organismos Internacionais
acreditados na Guiné-Bissau;
Caros parceiros de cooperação;
Senhores Magistrados e ilustres Advogados;
2. IntervençãoMinistra da Justiça – Abertura Solene do AnoJudicial2015
2
Senhores Funcionários do Ministério da Justiça;
Distintos convidados;
Minhas Senhoras e Meus Senhores;
Excelências;
Nesta Abertura Solene do Ano Judicial 2015, decorrido meio ano de
governação, não vou queixar-me da imensidão de trabalho com que deparei.
No nosso país, quase tudo continua por fazer. Quando aceitei tomar a peito
este grande desafio, tinha plena consciência das dificuldades que me
esperavam e de que seria necessário enterrar as «mãos na lama».
O Governo executa, de momento, um Plano de Urgência e elaboramos um
Programa de Reforma a apresentar à Mesa Redonda de Doadores - a realizar
brevemente - com os primeiros passos de uma inadiável Reforma do sector, na
expectativa de conseguir arranjar financiamento para o cumprimento desse
ambicioso Programa, sem prejuízo de uma abordagem estratégica
estabelecendo prioridades, para uma utilização racional dos magros recursos
de que podemos dispor.
A pretexto da abertura deste ano judicial, permitam-me que, no cumprimento
das minhas incumbências institucionais, partilhe publicamente um
DIAGNÓSTICO SUCINTO do setor da Justiça, arrolando os múltiplos
constrangimentos com que este se depara.
As principais críticas reportam-se:
À morosidade do sistema judicial, com atrasos processuais crónicos,
redundando numa perceção pública de inconclusividade, agravada pela
ideia de um produto errático, caro e vulnerável à corrupção;
À absoluta necessidade de atualização dos registos de identidade
individual e coletiva, de instituir uma cobertura geográfica e cadastral
sobre todo o território nacional;
Ao facto de a legislação se encontrar, na maioria dos casos, obsoleta e
carente de adaptação aos vários acordos internacionais assinados;
Ou ainda a um deficit de procuração pública em relação a crimes não
esclarecidos, cometidos desde a Independência, casos cuja
improcedência tem contribuído para a generalização de um sentimento
de impunidade.
3. IntervençãoMinistra da Justiça – Abertura Solene do AnoJudicial2015
3
Excelências,
Reconhecendo pragmaticamente a incapacidade da Justiça para recuperar os
atrasos que foi acumulando na sua atuação, chamamos a atenção para a
novidade que representa a proposta de criação de uma AUTORIDADE DA
MEMÓRIA E JUSTIÇA. Com este gesto de reconciliação com o passado,
pretende-se assumir o DIREITO DAS VÍTIMAS A UMA REPARAÇÃO, bem como o
direito da posteridade a conhecer a VERDADE HISTÓRICA, fomentando o
espírito de ARREPENDIMENTO DOS CULPADOS.
Ora, plagiando um poema guineense recente, a culpa será sempre culpa.
Devemos guardar as nossas forças para encarar os desafios que o futuro nos
reserva. Simplesmente, não queremos voltar a cair nos mesmos erros e por
isso a condição que colocamos aos autores confessos de crimes de cariz
político-militar enquadrados nessa figura, é a da NÃO REINCIDÊNCIA.
Queremos inaugurar uma NOVA ERA DE JUSTIÇA COM J GRANDE. E para isso,
muito trabalho nos espera. E estamos perante um DILEMA GERACIONAL: se as
atuais lideranças políticas não conseguirem institucionalizar o Estado,
recuperando a confiança das populações, sobretudo agora que para isso
possuem MANDATO POPULAR INEQUÍVOCO, perderemos definitivamente o
comboio do desenvolvimento, esgotando-nos em querelas internas inúteis.
Ambicionamos criar as condições para UMA NOVA PARTIDA. Para que ninguém
se sinta tentado a tomar essa benevolência e magnanimidade - de que agora
usamos, por compreendermos o anterior período de fragilidade judicial e a
forte reatividade envolvida - como um sinal de fraqueza. Que não é. Antes
pelo contrário. Tem por contrapartida fortes exigências e conotações, no
sentido da IMPLACABILIDADE FUTURA.
Sua Excelência Senhor Presidente do Supremo Tribunal da Justiça,
O Ministério da Justiça está empenhado não só em aumentar drasticamente a
celeridade processual, aumentando o nível de exigência, como em recuperar
os atrasos que se verificam no panorama judicial. NÃO PODEMOS
CONDESCENDER, QUANDO É A CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA QUE ESTÁ EM CAUSA.
O Governo está a fazer um grande esforço para REGULAMENTAR E CODIFICAR,
por vezes coisas tão básicas como o Código da Estrada, que há muito se
revelava desadequado. Esperamos enquadrar muita legislação avulsa,
incompleta e desatualizada. Nessa consolidação, que se impunha, esperamos
incluir não apenas as obrigações de transposição para a lei nacional,
decorrentes de acordos internacionais ou sub-regionais já assinados, como
considerar igualmente as RECOMENDAÇÕES DE BOAS PRÁTICAS, sempre
levando em consideração a sua exequibilidade nas NOSSAS CONDIÇÕES
SOCIOLÓGICAS E IDENTITÁRIAS ESPECÍFICAS. Perante esse NOVO QUADRO
4. IntervençãoMinistra da Justiça – Abertura Solene do AnoJudicial2015
4
LEGAL, a Justiça terá então plena legitimidade para exigir o seu integral
cumprimento, decretando tolerância zero para com os infratores.
Sua Excelência Senhor Procurador-Geral da República,
Defendemos igualmente um papel mais pró-ativo da Procuradoria-Geral da
República, coadjuvado pela figura do Promotor, para que crimes públicos, ou
até simples suspeitas sobre crimes supostamente cometidos por titulares de
cargos políticos quando publicamente denunciadas, sejam exaustivamente
indiciadas, investigadas e processadas, até ao seu cabal esclarecimento, para
que A IMPARCIALIDADE E OPERACIONALIDADE DA JUSTIÇA SE MANTENHAM
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA. Pela mesma ordem de ideias, torna-se
necessário tipificar crimes fazendo uso de recursos informáticos, como por
exemplo de DIFAMAÇÃO ATRAVÉS DE BLOGUES OU REDES SOCIAIS, no caso de
se revelarem infundadas tais acusações, contribuindo assim para moralizar
alguns excessos que se têm vindo a verificar.
Excelências,
Distintas Personalidades,
A Constituição da República reconhece a independência do poder judicial, no
entanto, também reconhece o DIREITO À JUSTIÇA PARA TODAS E TODOS OS
CIDADÃOS, independentemente das suas possibilidades económicas. Por essa
razão, considero que o principal desafio é o do estabelecimento de uma
plataforma orgânica setorial que nos permita obter resultados palpáveis
rapidamente. CADA UM DEVE DESEMPENHAR O SEU PAPEL, em benefício do
valor supremo que representa a Justiça, a qual deve ser administrada em
nome do povo. Se, ao titular de um cargo de magistratura, se exige que
responda com a sua consciência perante a Lei, independentemente do poder
político, essa independência não deve significar que a sua atuação se
transforme em caixa negra, seja isenta de avaliação ou da obrigação de
prestar contas. Em caso algum podemos tolerar que se constituam feudos em
torno da defesa de interesses corporativos.
Um dos eixos de governação e cavalo de batalha do Ministério da Justiça é a
TRANSPARÊNCIA: quem não deve não teme. A qualidade percebida do sistema
judicial melhorará substancialmente caso sejam devidamente publicitados os
seus resultados, com uma produção de estatísticas fiáveis e sempre
atualizada. A curto prazo, o Ministério da Justiça dará início à sua presença na
internet, com notícias e algumas funcionalidades simples, como por exemplo
a publicação de tabelas de preços, a transferência de formulários, ou a
apresentação de reclamações. Posteriormente, essa presença virtual deverá
evoluir para um Portal da Justiça, onde virá a ser possível consultar on-line
5. IntervençãoMinistra da Justiça – Abertura Solene do AnoJudicial2015
5
todas as estatísticas do setor, ou mesmo efetuar pagamentos.
A TRANSPARÊNCIA É A MELHOR FORMA DE LUTAR CONTRA A CORRUPÇÃO:
corta-se o mal pela raiz. E esse combate tem de ser travado em todas as
frentes, tanto face a corruptos como a corruptores, seja face ao pequeno seja
ao grande. Justifica-se uma GRANDE MOBILIZAÇÃO SOCIAL contra esse género
de prática imoral, penalizando como opróbrio aquele que o pratica. Neste
campo, seria desejável que se funcionalizassem os instrumentos jurídicos já
existentes, ou se agilizassem outros meios para esse fim, configurando a
corrupção como crime público que é.
Excelências,
Quero ainda chamar a atenção para o projeto de itinerância da Justiça
«CARAVANA DA CIDADANIA», cujo objetivo é o de aproximar vários serviços às
populações do interior, incluindo os de identificação. Os primeiros passos
deverão servir de projeto-piloto para um sistema nacional de identificação e
cadastro, a disponibilizar sob a forma de Sistema de Informação Geográfica,
integrado no âmbito do Portal da Justiça.
Todos estes objetivos de credibilização da Justiça não poderão ser alcançados
sem a PARTICIPAÇÃO DE TODOS OS ATORES ENVOLVIDOS. É urgente aproveitar
a capacidade local de formação de quadros, consubstanciada na Faculdade de
Direito de Bissau, para promover uma massa crítica nacional no ramo,
oferecendo estágios que proporcionem verdadeira experiência profissional,
num ambiente de qualidade, para que esses jovens possam no futuro garantir
a renovação das gerações mais antigas. Se todos estiverem conscientes do seu
papel e das vantagens de trabalhar em prol do bem comum, havemos de
conseguir, juntos, dignificar o nome da Justiça na Guiné-Bissau.
Que seja já este ano O NOSSO BOM ANO JUDICIAL!
Gostaria de terminar citando a célebre frase de Martin Luther King: "I have a
dream" - Também eu tenho um sonho para o meu país. Um sonho de mudança.
Muito obrigado a todos pela atenção.