O documento apresenta uma entrevista com o filósofo conservador Luiz Felipe Pondé, onde ele discute suas opiniões sobre temas como política, religião, sexualidade e educação. Pondé defende ideias consideradas politicamente incorretas e gosta de provocar reações nos leitores e alunos questionando verdades estabelecidas. Ele acredita que quebrou a "redoma do politicamente correto" ao lecionar na mídia e não só na academia.
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entrevista
por José Gabriel Navarro
fotos Chico Max
Polemista
sem
vergonhaNovo colunista da VERO, o filósofo
conservador Luiz Felipe Pondé sente
prazer assumido em gerar dúvidas e
reações contrárias em leitores e alunos
2. 36 | vero | outubro | 2013 2013 | outubro | vero | 37
sidade de São Paulo (USP), com mes-
trados na capital paulista e em Paris,
doutorado pela USP e pós-doutora-
do pela Universidade de Tel Aviv,
em Israel, Pondé assina a autoria ou
coautoria de mais de oito livros. En-
tre eles, o Guia Politicamente Incor-
reto da Filosofia, lançado em 2012
pela Leya. Desde 2008, é colunista
fixo da Folha de S. Paulo, onde vive
o sonho de ser, conforme pretendia,
uma espécie de Paulo Francis (1930-
1997) do século XXI.
Agora, o pensador passa a ter uma
coluna também na VERO, como
colaborador da seção Neurônio. E
estreia no dia 4 de outubro, à meia-
-noite, na TV Cultura, o programa
Peripatético,misturaderealityshow
com café filosófico em que Pondé
passa o dia com mais quatro pessoas
em uma casa para tratarem de te-
mas cotidianos e contemporâneos.
Em resumo: aos 54 anos, o filósofo
é completamente multimidiático.
O que certamente não o incomoda,
vez que considera o mundo acadê-
mico “pequeno, meio alienado”.
“Nós da academia acabamos numa
espécie de masturbação, ou com um
masturbando o outro. Uma coisa de
m algum momento na segunda me-
tade dos anos 80, o recifense estu-
dante de medicina na Universidade
Federal da Bahia (UFBA) decidiu
abandonar o curso e rumar para
São Paulo em busca de seu sonho
verdadeiro: formar-se filósofo e vi-
rar a voz do liberal-conservadoris-
mo na imprensa de um Brasil que, à
época em processo de redemocrati-
zação, estava bem distante de uma
economia de livre-mercado. “Eu
era leitor do Paulo Francis, apon-
tava para o jornal e dizia: ‘Eu vou
escrever aqui’.” Passadas pouco mais
de duas décadas, a ambição de Luiz
Felipe Pondé foi alcançada.
Graduado em filosofia pela Univer-
perder um pouco o contato com o
mundo real. Acho que eu também
consegui romper isso de alguma
forma justamente porque fui para
a mídia”, contou ele à reportagem da
VERO em seu apartamento de apro-
ximadamente 250 metros quadra-
dos, em um condomínio no Alto da
Lapa, zona Oeste de São Paulo, entre
uma pitada e outra no cachimbo.
Ao longo da conversa de cerca de
40 minutos, Pondé traz para o di-
álogo uma série de referências ao
explicar a contundência de suas
opiniões — como é de hábito entre
acadêmicos — e ilustra as próprias
ideias com frases de alto impacto
ou exemplos extremos — como é
de hábito entre quem polemiza de-
savergonhadamente. Sexualidade,
religião e relações familiares estão
entre os temas mais frequentes e,
segundo diz, aqueles sobre os quais
mais gosta de se dedicar.
“Eu acho que sou realista, não pes-
simista. Mas, em filosofia, é sempre
mais chique ser pessimista.” “No
Brasil, não existe pensamento de
direita.” “Pecado dá mais tesão do
que liberdade sexual.” Essas são as
amostras mais light da filosofia pon-
deniana, um pensamento pautado
por um paradoxo: de um lado, a pre-
ocupação em mexer com os brios do
senso comum e perturbar de ver-
dade o interlocutor; de outro, a su-
posta certeza de que não importam
as preferências nem as convicções
mais róseas do aluno ou do leitor
— este que se defenda como puder
(ou não) das conclusões de Pondé.
Entenda isso na prática com a en-
trevista a seguir.
Vocêdefendeoquechamade
“politicamenteincorreto”.Dizque
hojeasuniversidadesbrasileiras
estãorepletasdepessoasrepetindo
sóoqueamaioriaquerouvir.
Pensaqueissosedásópormeio
dodiscursodessesprofessores,das
ideiasqueelesdefatocriamoude
ambososrecursos?
Tem a ver com o que eles dizem e
com o que eles fazem. Seja na rea-
lização das teses, seja nas práticas
de exclusão corporativas. O politi-
camente correto serve para você
excluir alunos, objetos de pesquisa...
Recentemente recebi e-mail de um
leitor que estuda numa universi-
dade importante aqui de São Paulo,
que fez um trabalho baseado em
Tocqueville, visto como defensor do
pensamento liberal-conservador,
e o professor dele não aceitou. Só
por isso. Tinha de usar pensadores
da linha marxista, foucaultiana, ou
Bourdieu, no caso. Então esse politi-
camente correto significa um cons-
trangimento. Se você não faz parte
desse pacote, você é mau, você não
se preocupa com os seres humanos,
coisas assim. Também quem traba-
lha na mídia tem medo de resvalar
em algum grupo que se sinta ofen-
dido — as pessoas hoje se sentem
ofendidas com qualquer coisa.
Você acredita que quebrou
essa redoma do politicamente
correto também por ter
estudado fora do país?
Isso foi importante no sentido de re-
pertório, né? Agora, eu acho que eu
rompi um tanto, primeiro por não
ter ido para a filosofia para brincar.
Eu era leitor do Paulo Francis, e eu
apontava para o jornal e dizia: “Eu
vou escrever aqui”. Sempre tive a
intenção de trabalhar na impren-
sa como filósofo. Por achar que a
discussão na academia era pe-
Eu acho que
sou realista, não
pessimista. Mas,
em filosofia, é
sempre mais
chique ser
pessimista
E
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quena, meio alienada. Nós da aca-
demia acabamos numa espécie de
masturbação, ou um masturbando
o outro. Uma coisa de perder um
pouco o contato com o mundo real.
Você é considerado, dentre outros
adjetivos, um pessimista. É um
rótulo que ajuda a resumir sua
interpretação das coisas?
Ajuda. Em grande medida. Agora,
claro que é redutor. Meu pensa-
mento tem muito de pessimista,
tem uma questão pessoal um tanto
melancólica. No fim das contas, é
sempre um rótulo. Mas ajuda por-
que é mais real do que se me cha-
massem de otimista (risos).
E de realista?
Eu acho que sou realista, não pes-
simista. Mas, em filosofia, é sem-
pre mais chique ser pessimista.
Muito mais (risos).
Você costuma dizer que hoje as
pessoas têm menos vergonha
de falar sobre sexo do que sobre
religião...
São dois processos. Primeiro, um
que vem desde a Europa, do ilu-
minismo francês, que é a desqua-
lificação da religião como parceira
de alguém inteligente. De que, se
você é culto e inteligente, não pode
ser religioso. Até pode ser budis-
ta hoje em dia, mas ser católico,
evangélico, de alguma dessas re-
ligiões, pega mal. Ao mesmo tem-
po, a gente passou pela revolução
sexual, pela ideia de que uma pes-
soa bem resolvida fala sobre sexo,
transa, gosta de sexo. São dois
processos que não têm a ver um
com o outro, mas que correm em
paralelo. Se você falar que gosta
de transar com um pastor alemão,
as pessoas vão ficar chocadas, mas
não vão falar nada porque acham
que isso é um território em que
cada um é dono do próprio cor-
po. Enquanto que, se você disser
que acredita em Jesus, vão achar
que você é cafona. As pessoas que
não são religiosas normalmente
têm um preconceito muito grande
com quem é religioso. Acham que
quem é religioso é burro, é idiota,
não compreende o mundo. O que
é absolutamente falso, do ponto
de vista prático. Hoje mesmo, na
aula, um aluno comentava uma
filósofa famosa, que foi inclusive
minha professora, e que diz que
quem está dentro de um mito não
percebe que está dentro do mito e
acha que ele é verdade. A Marile-
na Chauí. Mas, se você é marxista,
você está dentro de um mito, e,
no entanto, o marxismo é usado
como ciência por um monte de
gente (risos).
Ainda sobre religião, você
pensa que hoje as crenças são
subestimadas quando se analisa
a sociedade. As religiões então
deveriam de alguma forma estar
presentes no governo?
Não. A religião não deve estar pró-
xima do poder. Acho que o Estado
deve ser laico. O problema é que,
num país como o Brasil, em que a
maioria é religiosa, se você faz um
Estado laico descolado da maioria
religiosa, você pode fazer um Esta-
do laico não democrático. Mas não
acho, por exemplo, que você deve-
ria ter uma bancada em que um
pastor é presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias.
O que acho é que esse rompimen-
to da religião com o Estado não é
nunca pleno. Porque a religião é
cultural, está presente nos depu-
tados, nos juízes. Mas acredito que
deve ser uma intenção daqueles
que estão em cargos públicos ser
o mais possível não religioso nas
suas decisões.
Pessoalmente, você foi do
ateísmo à crença em Deus, sem
participar de nenhuma religião
específica. Como se define
espiritualmente?
Acho a tradição religiosa judaico-
-cristã muito sábia. E me encan-
tam determinadas manifestações
de generosidade do mundo, e de
misericórdia. Num primeiro mo-
mento, fui estudar o conceito de
Deus, e me detive durante muito
tempo nisso. Mas não consegui
me realizar em nenhum sistema
religioso. Acho que o personagem,
o conceito de Deus é encantador:
absoluto, sabe de tudo, sempre
existiu, não se deprime por causa
disso... Agora, quando digo às ve-
zes que permaneço ateu, é porque
continuo não sentindo necessida-
de da existência de Deus para coi-
sa nenhuma.
Suas aulas costumam
partir de provocações.
Muitas vezes, lançando mão
de hipóteses que desafiam
as moralidades vigentes
hoje. Para um respeitador
entusiasmado do utilitarismo
como você, não seria mais
apropriado discutir fatos
em vez de hipóteses?
Na realidade, eu discuto questões
muito atuais e muito concretas. O
que influencia muito meu ensino
e minha escrita é a minha expe-
riência cética. A gente está acos-
tumado a pensar que ceticismo é
duvidar de Deus. Duvidar de Deus
é muito fácil. O mais legal é duvi-
dar daquilo que as pessoas acham
óbvio. Como o marxismo, como a
ideia de que existe um mundo me-
lhor ou de que é possível melhorar
o mundo. Ceticismo é que nem vir-
tude: só cresce em ambiente hostil.
Então a minha prática de ensino
está muito fincada em levar o alu-
no a uma crise com relação àqui-
lo que parece óbvio para ele. Me
encanta ver um aluno pensando
numa coisa em que nunca tinha
pensado. Ou entendendo o que
Não acho que
deveria haver
uma bancada em
que um pastor
é presidente da
Comissão de
Direitos Humanos
e Minorias
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é o argumento do Stuart Mill do
utilitarismo, por exemplo, a ideia
de que você não pode pensar uma
ética que não leve em conta o
bem-estar do ser humano. Mas ao
mesmo tempo posso te contrapor
isso ao Aldous Huxley, ao dizer
que uma pessoa muito preocupa-
da com a felicidade e o bem-estar
fica meio idiota. Acho que a vida
tem uma coisa meio de contraditó-
ria, de ambivalente. Por exemplo,
acho que pecado dá mais tesão do
que liberdade sexual.
E o prazer maior está em lidar
com esse outro, seja aluno ou
leitor, ou no ato de polemizar?
Não, eu não tenho gosto no ato
de polemizar por si. Um colunis-
ta deve polemizar. Um dos efeitos
nocivos do politicamente correto,
em geral, é justamente pensar que
o colunista deve falar o que as
pessoas querem ouvir. Uma vez,
escrevi numa coluna, anos atrás,
uma coisa do tipo “Caro leitor, eu
não estou nem um pouco preocu-
pado com o que você quer. O seu
bem-estar não me interessa”. Mi-
nha intenção primeira, o que me
encanta mesmo, é a experiência
do pensamento.
Em seu livro com
o jornalista João Pereira
Coutinho e o analista político
Denis Rosenfield, Por Que
Virei À Direita, você tenta
explicar sua opção pela via
conservadora na política.
Quando falamos do Brasil,
mais especificamente dos
personagens que ensaiam
disputar a presidência em 2014,
qual deles você considera mais
próximo da direita atualmente?
No nosso contexto brasileiro, a
gente associa “conservador” a Sar-
ney, a Golbery do Couto e Silva...
Não existe partido decente liberal-
-conservador no Brasil. Não existe
opção. Quando falo de direita ou
de liberal-conservador, estou fa-
lando de um partido que tenha de-
fesa forte da sociedade de merca-
do, liberal nesse sentido, para um
Estado pequeno, que não se meta
na vida do cidadão. Dentre as op-
ções aí à frente, eu diria que a me-
nos distante é o Aécio Neves, para
falar um nome. Mas, ainda assim,
no Brasil não existe pensamento
de direita. Porque a direita que
tem aqui é egressa do coronelismo,
do fisiologismo e da ditadura.
Recentemente, você defendeu
que nenhum país do Oriente
Médio vive, de fato, uma
“Primavera Árabe”, e que
analistas políticos, em geral,
gostam de ver quaisquer
movimentos sociais em ebulição
como revolucionários e benéficos,
incluindo, aí, as passeatas de
junho deste ano no Brasil. Queria
que explicasse mais da sua visão
sobre esses protestos e o quanto
mudaram, ou não, o país.
Até agora não dá para dizer que
mudaram. Eu diria que tem de es-
perar no mínimo até a Copa. Para
ver se até lá vão acontecer protes-
tos vigorosos. Mudança, acho que
não aconteceu nenhuma. Tem
gente acuando o Cabral, o trans-
porte público não teve aumento,
daqui a pouco vai ter — senão,
outra coisa vai aumentar, porque
existem custos em questão. Mas
veja que o programa Mais Médi-
cos, o qual eu acho que tem pro-
blemas, se alimentou muito do
que aconteceu em junho. Minha
questão é que não acredito em
processo histórico político. É um
mito. A Revolução Francesa, para
mim, foi mito. A Inglaterra se
modernizou sem uma Revolução
Francesa, assim, grande parte da
Europa, até a França, teria se mo-
dernizado sem Revolução France-
sa, porque é a burguesia que cau-
sou a modernização, arrebentou
com a aristocracia, transformou
o mundo num lugar de liberdades
individuais baseadas no consumo
e na produção.
Você passa a ser colunista
da seção Neurônio, da VERO.
O que se pode esperar dos
textos são mais desafios
ao politicamente correto?
Isso é meio natural em mim. Mas
tenho muito mais tesão em es-
crever sobre comportamento, re-
lação homem e mulher, religião,
problemas cotidianos e concretos
do tipo pai e filho, sabe? Política
nunca me interessou de fato, em
filosofia. Na VERO, eu devo tratar
de temas como pecado, sexuali-
dade. Claro que tendo em mente
o target, muito específico: é uma
revista que circula em Alphaville,
e tenho um grupo de estudo no
bairro já há três anos, minha nora
é de lá, então conheço um pouco
da atmosfera do público. Vou con-
tinuar a escrever textos fortes, por-
que não sei fazer outra coisa.
Na VERO, eu
devo tratar de
temas como
pecado e
sexualidade