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UniAno 2– n°3 – julho a dezembro de 2013ISSN2238-7706
SUPER
Aspectos de Linguagem
e Teoria Administrativa
A PRÁTICA
DA BOA TEORIA:
3
julho a dezembro de 2013
Ano 2– n° 3 – julho a dezembro de 2013
Brasília – DF – Brasil
Publicação trimestral pela Faculdade Mauá de Brasília
ISSN 2238-7706
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4
julho a dezembro de 2013
Expediente
Faculdade Mauá de Brasília (MAUÁDF)
Diretora-Geral
Dilcia Teles Lima
Editores Chefes:
lFelipe Alves Leitão
Faculdade Mauá de Brasília
Rogério Emiliano de Assis
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trito Federal/Faculdade Mauá de Brasília
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Informações Gerais
Este periódico é especializado na publicação de
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culdade Mauá de Brasília ou a outras institui-
ções de ensino superior, interessados na
divulgação de sua produção acadêmica. O con-
teúdo dos artigos não representa, necessaria-
mente, os pontos de vista dos organizadores.
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julho a dezembro de 2013
Sumário
A Prática da Boa Teoria:
Aspectos de Linguagem e Teoria Administrativa
Antônio Ferreira LIMA
Felipe Alves LEITÃO
Ciência, tecnologia e Sociedade:
uma construção dialética
Jonas Nogueira de SOUZA
A natureza da monocultura colonial semelhante à figura fe-
minina ocupando papéis sócio-subjetivos monovalentes
Maria Aparecida de Assis Teles SANTOS
Jorge Alves SANTANA
DiscutiNdo raça/racismo na sala de aula de língua Inglesa:
relato de Uma experiência
Edilson Alves de SOUZA
Administração página 9
Letras página 16
Letras página 25
Administração página 6
6
julho a dezembro de 2013
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia
tem acarretado diversas transformações na sociedade
contemporânea, refletindo em mudanças nos níveis
econômico, político e social. É comum considerarmos
a ciência e a tecnologia como molas propulsoras de
progresso que proporcionam não só o desenvolvi-
mento do saber humano, mas também uma evolução
para o homem.
O que podemos compreender é que, numa rela-
ção dialética, a sociedade constrói a ciência e a tecno-
logia, ao mesmo tempo, a ciência e a tecnologia cons-
troem a sociedade. Sem determinismos de parte a
parte. Esta é, em geral, a lição mais difícil de com-
preender quando começamos a estudar as relações
entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Mas
também, torna-se lição mais importante porque nos
abre duas portas, uma para o entendimento dessas re-
lações e outra para a ação.
A primeira porta é a que nos explica a construção
da tecnologia, segundo o jogo social no qual estão pre-
Ciência, tecnologia e Sociedade:
uma construção dialética
Jonas Nogueira de SOUZA
Especialista em Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas
Faculdade Apogeu
7
julho a dezembro de 2013
Administração
sentes atores com seus interesses, valores, com dife-
renças de poder, de saberes e de capacidades, descar-
tando o seu caráter de neutralidade.
Dessa forma, podemos perceber que a tecnologia
não segue um caminho predeterminado ou é sempre
a “melhor” tecnologia ou a de “ponta”. O sentido do
desenvolvimento da tecnologia ocorrerá conforme o
intrincado jogo de relações que se estabelecem em
qualquer sistema social.
David Noble (1984) usa a expressão “Fetiche
Cultural da Tecnologia” para nomear a dominação que
continua a moldar a sociedade e a tecnologia de
acordo com a “compulsão irracional da ideologia do
progresso” que determina o uso e desenho antes da
adoção da tecnologia.
A tecnologia que predomina no mundo atual é a
que inclui no seu desenvolvimento os valores e os in-
teresses que dominam o jogo social e que servem para
construção desse tipo de sociedade. Se pensarmos em
outro tipo de sociedade, temos de pensar em cons-
truir outro tipo de tecnologia.
Diante desta constatação, abrimos a segunda
porta, a da ação. Diferentes pessoas em diferen-
tes lugares do mundo chegaram a esta compreen-
são por caminhos variados. Alguns compreenderam
essa questão teoricamente e realizaram pesquisas
para demonstrá-la. Outros entenderam essa ideia na
prática e passaram a fazer tecnologia introduzindo,
de forma consciente e intencional, interesses e valores
de grupos socialmente menos privilegiados, bem
como de critérios em geral negligenciados, como os
de sustentabilidade ambiental.
A compreensão da relação existente entre o pro-
blema da exclusão social e a ciência e tecnologia e que
estas podem desempenhar papel importante na redu-
ção das desigualdades sociais, constitui-se em um
vetor para a intervenção no meio social.
O enfoque tecnológico para inclusão social tem
um sentido transformador, buscando gerar uma tec-
nologia desenvolvida com os atores sociais interessa-
dos, como também com valores e interesses
alternativos e, por esta razão, capaz de promover a in-
clusão social.
O foco na tecnologia voltado para a exclusão e
aponta a formulação de um modelo de desenvolvi-
mento alternativo, econômico, ambiental e social-
mente sustentável, configurando-se como a porta da
ação. Tecnologia não é apenas o artefato, mas tam-
bém o sistema de conhecimentos e a organização ne-
cessária para produzi-la e operá-la.
Langdon Winner (1997) afirma que as máqui-
nas, as estruturas e os sistemas devem ser julgados
não apenas por suas contribuições à eficiência, à pro-
dutividade e por seus efeitos ambientalmente posi-
tivos ou negativos, mas também pela forma que
podem incorporar formas específicas de poder e au-
toridade. Segundo o autor, a tecnologia possui intrin-
secamente algum conteúdo político. Ele também
afirma que a história da arquitetura, planejamento
urbano e obras públicas proveriam bons exemplos de
arranjos físicos ou técnicos que permitem observar
conteúdos políticos, presentes implícita ou explicita-
mente.
Alguns exemplos do passado mostraram como
tentativas de desenvolvimento e difusões de tecnolo-
gias alternativas podem falhar em seus objetivos de
transformação social. Na década de 1970, houve uma
proliferação de defensores de tecnologias diferentes
das convencionais, que integraram o movimento da
chamada Tecnologia Apropriada (TA). Elas tentavam
se diferenciar daquelas consideradas de uso intensivo
de capital e insumos sintéticos e poupadoras de mão
de obra, produzidas nos países desenvolvidos.
As TAs, no entanto, foram desenvolvidas sem
uma base crítica sobre a visão neutra, determinista e
instrumental da tecnologia. A visão corrente nesse
período estava fundamentada no Modelo Ofertista
Linear, que supunha que o conhecimento pudesse ser
“ofertado” por uns e “demandado” por outros, sem o
envolvimento dos atores sociais interessados na con-
cepção da tecnologia.
Assim, a pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico e inovação eram vistos como fases de um
processo que mantinham entre si uma relação de cau-
salidade sequencial-linear, em que o desenvolvimento
social seria obtido a partir da pesquisa científica, e o
meio acadêmico seria o local ideal para o início da-
quele processo virtuoso.
Em seguida, viria o desenvolvimento tecnoló-
gico, que levaria à inovação, que traria por consequên-
cia o desenvolvimento econômico e, como
decorrência “natural”, o desenvolvimento social.
A construção de uma Política de Ciência e Tec-
nologia que tenha resultados de inclusão social e pro-
mova um modelo de desenvolvimento realmente
sustentável passa necessariamente pelas duas por-
8
julho a dezembro de 2013
Administração
tas mencionadas anteriormente. Eis, que se insere
o movimento em torno do conceito e das práticas de
Tecnologia Social (TS).
Um dos principais objetivos da TS é prover um
dado espaço socioeconômico de aparatos tecnológicos
(produtos, equipamentos, etc.) ou organizacionais
(processos, mecanismos de gestão, relações, valores)
que permitam interferir positivamente na produção
de bens e serviços e, assim, na qualidade de vida de
seus membros, gerando resultados sustentáveis no
tempo e reprodutíveis em configurações semelhantes.
Entretanto, o fato de que a condição periférica
brasileira oportuniza a geração de efeitos distintos –
ou até contraditórios – daqueles obtidos nos países
centrais por uma dada medida de política pública, em-
bora ha muito conhecido, não tem sido levado em
consideração.
Nesse contexto, a proposta da TS significa, em
lugar em lugar da busca de um resultado estritamente
econômico do processo de produção do conheci-
mento, um deslocamento do condutor de orientação
diretamente para o resultado social, percebido como
melhoria no plano coletivo (qualidade de vida, em
seus diversos aspectos) ou em uma maior eficiência
na gestão pública com finalidades sociais. O efeito
inovador da TS não reside necessariamente no seu
ineditismo, mas sim, em associar-se às condições lo-
cais de seu desenvolvimento e aplicação.
É por isso provável e desejável, que uma deter-
minada TS, que já tenha sido aplicada em outro con-
texto ou espaço provoque soluções e processos de
reinvenção e inovação distintos dos convencionais
porque ele é decorrente, especialmente, da capacidade
do empreendimento de natureza social conter como
seu elemento constitutivo, a capacidade de reprodu-
zir-se e difundir-se coletivamente.
Diante do exposto, pode-se inferir que uma TS
não gera mais riqueza por ser inédita, nem por res-
tringir a abrangência de seu uso a poucos. Ao contrá-
rio, ela cumpre seu objetivo se consegue a reprodução
e a difusão, conforme seus elementos constitutivos.
Este pode ser um elemento referencial de grande re-
levância para a construção de uma Política de Ciência
e Tecnologia realmente promotora de desenvolvi-
mento sustentável e equitativo.
Referencias Bibliográficas
BALCONI, M. et al. In defence of the linear model: An essay. Research Policy [S.I.], v. 39, p. 1-13,
2009.
GODIN, B. The Linear Model of Innovation: The Historical Construction of an Analytical Frame-
work. Science Technology & Human Values [S.I.], v. 31, n. 6, p. 639-667, 2006. Langdon Winner,
Autonomous Technology: Technics-Out-of-Control as a Theme in Political Thought (Cambridge: MIT
Press), 1977.
MCLUHAN, Eric “Internet faz ressuscitar teorias de McLuhan”, World Media, Edição 13 abril, p. 3,
1995.
NOBLE, David. Forças da Produção; Uma História Social da Automação Industrial, New York: Knopf,
1984.
VIOTTI, E. B. Fundamentos e Evolução dos Indicadores de CT&I. In: VIOTTI, E. B.; MACEDO, M.
D. M. (Ed.). Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Campinas: Editora Unicamp.
Cap.1. p. 43-87, 2003.
9
julho a dezembro de 2013
A metodologia científica é o cinzel do pesqui-
sador, ferramenta indispensável à transformação de
ideias em conhecimento sistematizado. Seu estudo
assume relevância na medida em que a teoria, como
um todo, é encarada pelas pessoas como atividade
tão especulativa que resulta estéril, sem qualquer
implicação prática ou fatual, e a administração não
foge dessa percepção.
Partindo de pesquisa bibliográfica, o objetivo
deste ensaio é postular a importância da da lingua-
gem como fator de coerência interna da teoria. O
cuidado com esta característica intrínseca propor-
ciona a) a eliminação da dubiedade das proposições,
ao delimitar claramente seu alcance e significado; b)
o enriquecimento e consolidação da própria teoria e
da ciência como um todo e c) mudanças no compor-
tamento social, alavancadas pela influência das teo-
rias científicas sobre o pensamento e sobre os
paradigmas das sociedades onde se inserem seus for-
muladores e/ou adeptos, contribuindo para sua re-
valorização.
A acepção moderna do termo ciência denota um
conjunto de inferências e conclusões decorrentes de
uma ou mais hipóteses, passível de verificação e con-
Antônio Ferreira LIMA
Docente da Faculdade Mauá de Brasília
Mestre em Administração – Universidade de Brasília (UnB)
Felipe Alves LEITÃO
Docente da Faculdade Mauá de Brasília
Mestrando em Educação – Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires
A Prática da Boa Teoria:
Aspectos de Linguagem e Teoria Administrativa
10
julho a dezembro de 2013
frontação empírica (Simonsen, 1994, p.3), com suas
partes integrantes e um aparato que permite sua ve-
rificação ou confirmação, isto é, a teoria científica
(Abbagnano, 1970, p. 576).
A discussão sobre a natureza da administração,
se ciência, técnica ou arte é antiga e, acreditamos,
construtiva, mas refoge dos objetivos deste trabalho.
Basta-nos reconhecer que a administração, ainda
que considerada pouco densa por alguns, se conso-
lida com o passar do tempo como ciência social, do-
tada de um corpo teórico próprio, que se renova e se
enriquece com a criação de novas abordagens e Es-
colas, novas perspectivas a respeito dos fenômenos
de seu domínio.
Teoria científica é o conjunto de técnicas e pos-
tulados que permite a verificação ou confirmação
das hipóteses cientificas, no tempo e no espaço; é
um instrumento de classificação e previsão dos fatos
aos quais se refere, sem necessariamente constituir-
se numa explicação exaustiva de seu domínio (Ab-
bagnano, op.cit, pp. 571-572), pelo contrário, a
refutabilidade fez parte de sua essência. Simonsen
afirma que “uma ciência não apresenta verdades ab-
solutas, mas previsões que são aceitas enquanto não
forem desmentidas pelos fatos.”
Do ponto de vista etimológico a palavra teoria
remonta ao grego theoria e, originariamente, que-
ria dizer “ação de observar”, “ação de ver o espetá-
culo”. Posteriormente, o termo passou a denotar a
“contemplação do espírito, meditação, estudo”
(Bailly, apud Viegas, 1996, p.51) até chegar ao con-
teúdo dos dicionaristas. De acordo com o dicioná-
rio de Aurélio Buarque (1994), teoria é
“conhecimento especulativo meramente racional.
2. conjunto de princípios fundamentais duma arte
ou duma ciência. 3. doutrina ou sistema fundado
nesses princípios.”
A discussão sobre a natureza da teoria e seus
requisitos essenciais ainda parece estar aberta, in-
clusive no que tange à administração. Segundo Vie-
gas (pp. cit, p. 52), entre os estudiosos “a questão
hoje é se a teoria é o reflexo da realidade ou apenas
uma forma prática de representá-la”, situando-se
a discussão num campo afeto à filosofia e à forma-
ção do pensamento e de conceitos. Se quanto à es-
sência da teoria existe discussão, quanto aos
requisitos formais não é diferente. Contudo, entre
as características apontadas pela literatura, pare-
cem unânimes a univocidade da linguagem e a coe-
rência interna.
Univocidade da linguagem
O objetivo principal do emissor de uma men-
sagem é a formação de um conceito, uma imagem no
cérebro do receptor quanto ao objeto da comunica-
ção. Trata-se de estabelecer uma relação de signifi-
cação entre duas realidades distintas, uma concreta,
a realidade observável e outra, abstrata, o signo re-
presentativo (Chanlat e Bédard, 1994, p. 127).
Quanto mais próxima a imagem percebida pelo re-
ceptor daquela internalizada pelo emissor, melhor
será a comunicação. A externalização dos conceitos
pela linguagem proporciona essa transferência de
imagens e cria as definições. Definir é essencial-
mente difícil porque cada receptor tem um sistema
cognitivo diferente daquele utilizado pelo emissor e
é sujeito a conjuntos diversos de influências que o
levam a entender os enunciados teóricos de acordo
com suas características pessoais.
Uma proposição unívoca, em termos de lingua-
gem, deve a) aplicar-se a sujeitos diversos de ma-
neira absolutamente idêntica, comportando apenas
uma forma de interpretação e um grau mínimo e
aceitável de variabilidade; b) não deixar margem a
mais de um sentido, ou qualquer equívoco; c) não
permitir que a prática denote incerteza, insegu-
rança; e d) evitar a indeterminação, imprecisão, in-
certeza.
Quando se trata de proposições inteiras e, prin-
cipalmente, quando se deseja retratar a realidade ou
um fenômeno, por banal que pareça, a possibilidade
da ocorrência de dubiedades é sempre uma cons-
tante. Um termo ou proposição qualquer, quando
ambíguo, pode levar à construção de falácias e para-
logismos e, consequentemente, à derrocada da as-
sertiva e da teoria. Considerando-se o objetivo do
observador de representar por palavras as proprie-
dades ou características essenciais do fenômeno ou
relação que é objeto de sua análise, os termos da pro-
posição assumem importância vital.
Univocidade é a característica formal que diz
respeito à unidade de significado e à coerência de
cada proposição no seu contexto. Fácil constatar
quanto a este requisito essencial duas necessidades
básicas: a) especificidade terminológica; e b) integri-
dade gramatical.
11
julho a dezembro de 2013
Administração
Especificidade Terminológica
A precisão terminológica reside no sentido de
aprimoramento das definições e da redução do uso
de analogias com o objetivo de fortalecer a teoria. A
compreensão analógica da realidade é questionável
e seu uso deve ser precedido de muitos cuidados
quando se trata de ciências sociais, principalmente
quando a base de comparação são fenômenos ou
entes físicos ou orgânicos. O uso das analogias pode
sugerir, inapropriadamente identidade essencial e fun-
cional entre fenômenos distintos. Por exemplo, na
comparação da tendência entrópica, conceito formu-
lado por Clausius e importado da termodinâmica,
com o desvanecimento de recursos organizacionais
ao longo do tempo, o primeiro conceito obedece um
modelo determinístico, enquanto os processos so-
ciais sofrem diretamente a influência do homem,
seu agente e cliente, que, teoricamente, pode pro-
longar indefinidamente o fluxo de energia dos sis-
temas;
É necessário reconhecer que as diferenças entre
determinados fenômenos são substanciais e não
comportam o uso da analogia, porque não se restrin-
gem a meras diferenças de escala.
Talvez a mais famosa analogia da adminis-
tração seja a comparação da empresa com o or-
ganismo humano. As empresas, como
organizações sociais, têm infinitas peculiarida-
des que não se encontram no corpo humano e
vice-versa, como a ausência de delimitação física
e a natureza contratual das relações sociais, na
existência de todo um sistema determinado de
normas e valores que baseiam a convivência dos
membros do grupo.
Os enunciados devem conter em seu desenvol-
vimento as definições dos fenômenos tratados. Não
se pode nem se deve questionar o estilo dos autores,
que se refere à maneira pessoal de expressão das
idéias de cada um. Contudo, textos que se iniciam,
desenvolvem e concluem sobre características, im-
plicações e relações causais dificultam o entendi-
mento do leitor, transmitindo-lhe não uma imagem,
um ícone, mas uma série de movimentos sem refe-
rencial.
Uma ciência como a administração, no con-
texto de transformação sem precedentes que se
verifica nos últimos anos, necessita de agilidade
na interpretação teórica como fator de viabili-
zação da própria iniciativa empresarial. Talvez
daí decorra a preferência dos executivos pelo
aprendizado de técnicas e aquisição de pacotes
tecnológicos capazes de responder mais pronta-
mente às necessidades práticas das organiza-
ções.
Integridade Gramatical
Uma das principais influências do sistema cog-
nitivoéalíngua,entendidacomoconjuntosistemático
designoscodificados,palavraseexpressõesusadaspor
um povo, uma nação, e o conjunto de regras da sua
gramática que permite a comunicação entre seus
membros. Desnecessário realçar a importância da ri-
gorosa observância de normas gramaticais como pon-
tuação, regência e concordância verbal e nominal.
Uma das formas mais comuns de violação da
integridade gramatical é o uso indiscriminado de pa-
lavras estrangeiras, completamente descontextua-
lizadas de seu sistema morfossintático de origem
e de jargões próprios a cada área temática organiza-
cional.
As pessoas entendem os enunciados de acordo
com o seu entendimento da língua utilizada.
Quando eles vêm de forma híbrida, com termos-
chave em inglês, japonês ou outra língua qualquer,
a comunicação abra espaço para diversas interpreta-
ções e contradições, de acordo com o nível de enten-
dimento do leitor a respeito daquelas línguas e suas
particularidades. No dizer de Copi (1978) ‘Para com-
preender o que foi dito, é necessário apurar o que as
palavras significam; é quando as definições se tor-
nam precisas” e a formulação teórica ganha transpa-
rência, na medida em que suas proposições são mais
facilmente entendidas e assimiladas.
Termos estrangeiros devem ser utilizados
quando absolutamente necessário, apenas nos casos
onde verifique-se a impossibilidade de sua tradução.
Não se encontra justificativa plausível para pressupor
que o significado de termos como paper, case, input,
quality, outplacement, output, company, feedback e ou-
tros sejam de domínio comum dos administradores e,
menos ainda, de estudantes e funcionários. Estes ter-
mos são perfeitamente traduzíveis para o português.
O uso de jargões técnicos é questionado de há
muito. Fenômeno cultural que favorece a coesão dos
12
julho a dezembro de 2013
grupos e a formação de identidades grupais, geral-
mente serve como mecanismo de restrição do co-
nhecimento técnico a pessoas ou grupos
determinados. Resulta num relativo isolamento,
eventualmente benéfico para o grupo, valorizando-
o, normalmente maléfico para a organização. Chan-
lat e Débard (op. cit. p. 142), afirmam que o uso
destes termos dificulta a comunicação entre setores,
inter-equipes, característica especialmente perigosa
para o desenvolvimento organizacional na era da in-
formação, que requer, cada vez maior integração
entre as pessoas e grupos. Os autores acentuam que
É lamentável constatar que a evolução
atual das escolas de administração, ao contri-
buir para a difusão dessa língua empobrecida e
para a criação de neologismo pseudocientíficos,
torna cada vez mais difícil aos estudantes do-
minar todas as possibilidades de expressão que
a língua natural encerra, e emperra o desenvol-
vimento de qualquer preocupação estética.
Univocidade, fator de coerência interna
A teoria, como exposição ordenada do pensa-
mento, é pura forma, mas nem por isso deve ser des-
cuidada em relação à substância. Coerência interna
é a característica formal que confere unidade e uni-
formidade à teoria, proporcionando a convergência
das proposições parciais ou integrantes a um fator
axiológico central, uma proposição diretora à qual
todas as outras se rendem. Pressupõe que as partes
sejam todas da mesma natureza, estreitamente liga-
das, não apresentando desigualdades.
A ocorrência de contradições ou de proposições
opostas destrói a teoria, por impossibilitar essa con-
vergência necessária. “Diz-se que um conjunto de
fórmulas é formalmente consistente se, e somente se
não contém contradições “ (Bunge, 1989, p. 472,
grifo original).
Quando se está diante de proposições que se re-
pelem mutuamente resta reconhecer a inexistência
da teoria ou desfazer a contradição, porque o enca-
deamento lógico refere-se à montagem teórica sem
tropeços, articulada, concatenada, ordenada, amar-
rada, sistematizada (Demo, 1985, p. 34). O autor
(op. cit, p.35) assevera que, entre outras, é tarefa bá-
sica para se construir ciência
...definir os termos com precisão, para
não deixar margem à ambiguidade; cada con-
ceito deve ter um conteúdo especifico e delimi-
tado; não pode variar durante a analise; embora
uma dose de imprecisão seja normal, o ideal é
reduzi-la ao mínimo possível, produzindo o fe-
nômeno desejável da clareza de exposição.
Retomando a metáfora do escultor, que trans-
forma um bloco de pedra de acordo com uma imagem
deseucérebro,opesquisadorobservaarealidade,forma
uma imagem e a esculpe usando a teoria. O signo lin-
güístico é constituído de dois elementos: significante e
significado.Osignificanteéaimagemacústicaeosigni-
ficado,oconceito,aimagemmentalinteriorizada(Saus-
sure apud Chanlat e Débard, op. cit. p. 129).Daí resulta
uma relação de implicação recíproca entre linguagem e
pensamento, num processo de decomposição e recom-
posição,análiseesíntese,queexigeumalinguagempre-
cisa (Condillac apudChanlat e Débard, op. cit. p. 130).
A univocidade tem papel relevante na formula-
ção teórico-científica por proporcionar a “redução a
termos”, isto é, por transformar em linguagem, os
conceitos e impressões provenientes da observação
da realidade, sistematizando suas características,
ampliando a precisão dos enunciados e contribuindo
para o aprimoramento lógico dos próprios conceitos,
como na figura abaixo.
O movimento acima representado é puramente
dialético, faz com que o enunciado teórico torne-se
mais compreensível e evidencie contradições e para-
logismos que eventualmente pudessem viciá-lo, via-
bilizando sua verificação empírica, sua validação em
face da realidade. Considerando-se a ciência como
construção coletiva, uma teoria bem elaborada, con-
sistente e unívoca possibilita o confronto das propo-
sições com a realidade das várias épocas com o
intuito de validá-las, reformular conceitos obsoletos
ou imprecisos ou, se for o caso, refutá-las.
O progresso do conhecimento é fundamentado
essencialmente em disputas genuínas de opinião, no
refutamento de teorias e leis anteriormente formu-
ladas e no enunciado de outras que serão, eventual
e igualmente refutadas. Como assevera Popper
(1975): “o trabalho do cientista consiste em elaborar
teorias e pô-las à prova”. Este texto, portanto, não
advoga a unidade de pensamento, pois o progresso
da ciência reside na alteridade construtiva e tanto
Administração
13
julho a dezembro de 2013
Administração
mais construtiva será esta alteridade quanto mais
claros forem os enunciados objeto das discussões
acadêmicas, teóricas e práticas.
Teoria e prática: irreconciliáveis?
A maior oposição à teoria reside na percepção
das pessoas de que ela seria irreconciliável com a
prática. Esta ligada à ação, à produção de resultados
palpáveis e mensuráveis e, exatamente por isso, in-
trinsecamente objetiva, enquanto aquela retrataria
a essência da esterilidade, da reflexão desprovida de
resultado concreto. Talvez por isso mesmo ocorra a
tendência dos estudiosos que, segundo Wahrlich
(1986) cultivam um interesse muito maior pelo de-
senvolvimento de práticas e técnicas do que pela
pesquisa de seus fundamentos teóricos.
A distância entre teorias falaciosas e a prática
deve ser reconhecida como disfuncional, uma vez
que a teoria deve possibilitar, entre outras coisas:
a classificação e previsão dos fenômenos
sob seu domínio;
a facilitação do estudo e compreensão da
realidade que cerca esses fenômenos e suas corre-
lações e interações; e
a sistematização do conhecimento, que além
de assegurar condições mínimas para a disseminação
da ciência, possibilita a comprovação e comparação
dos resultados dos
experimentos, mesmo decorridos longos pe-
ríodos de tempo, por outras pessoas, em outros
contextos.
Confirmando a validade da teoria, da boa teoria,
Viegas, citando Abbagnano (op.cit. p.52) observa
que as leis e teorias mostram sua validade pela verifi-
cação das previsões que com elas podem ser obtidas.
A questão é que uma teoria equivocada, cujas previ-
sões falham, causa mais impacto na sociedade que leis
bem fundamentadas, cujas previsões são confiáveis.
Teoria e prática, contrariamente ao que se
pensa, são complementares, auxiliares. Para Wahr-
lich {op.cit) as duas devem andar juntas com o obje-
tivo de permitir o aprendizado a partir da
experiência, da prática e, por outro lado, por meio
da teoria, garantir sua disseminação e verificação.
Entre outras ações que visam o fortalecimento
da teoria, no sentido de favorecer a percepção da so-
ciedade acerca de sua importância, é preciso buscar:
a) eliminação da ambigüidade;
b) o “enriquecimento” dos enunciados; e
c) realçar a influência de sua aplicação prática
sobre o corpo social.
Univocidade vs. Ambiguidade
Em disputas genuínas as partes realmente dis-
cordam e se antagonizam de modo explícito e sem
ambigüidades sobre uma questão. Pode centrar-se
sobre atitudes, fatos, tipologias, substância ou forma,
etc. O importante é que, nesse gênero de disputa não
existe ambigüidade e, qualquer que seja o resultado,
verificar-se-á um passo adiante no progresso da lei
ou teoria, por menor que seja (Copi, op. cit).
Não raramente, interpretações divergentes de
um termo ou proposição central geram ; desacordos
que não passam de meras “disputas verbais”, se-
gundo Copi (op.cit) o gênero de disputa onde a am-
biguidade provoca a contenda e não uma legítima
divergência de opiniões entre os antagonistas. De-
senvolve-se um processo de comunicação tangencial,
ainda que involuntário, onde a decodificação ou de-
composição das mensagens se dá de forma oblíqua,
as respostas do receptor dissociadas das mensagens
do emissor ou presas a aspectos secundários. Fun-
damental, portanto, identificar e eliminar qualquer
ambigüidade de seus termos em relação a) aos ou-
tros termos e proposições e b) ao contexto onde se
inserem, com o objetivo de evitar que aconteçam de-
sacordos e discussões infrutíferas.
O Enriquecimento dos Enunciados
O observador deve, municiado pela teoria, ser
capaz de reconhecer da forma mais clara possível os
fenômenos enunciados e seus modelos causais, para
assim poder acompanhar a ocorrência ou não das
previsões. O enunciado será tanto mais rico quanto
mais facilmente o receptor possa, a partir de seus
termos, identificar o fenômeno relatado em suas ca-
racterísticas essenciais e dinamismo.
Termos claros e precisos, livres de ambigüida-
des e outros vícios, otimizam o processo de comuni-
cação. Seus significados são assimilados
sistematicamente, a teoria torna-se mais “maleável”
e é mais facilmente verificada empiricamente. As
proposições ganham em matiz e sutileza quando se
sabe escolher e dispor os elementos mais apropria-
dos para traduzir o pensamento e captar a situação.
A formação de imagens dos fatos administrativos
14
julho a dezembro de 2013
Administração
possibilita uma visão ampliada dos fenômenos.
ATeoriaCientíficaInfluenciandoAtitudes
O objetivo final de qualquer teoria é influenciar
o comportamento e as atitudes das pessoas no tempo
e no espaço. Ao definir um termo ou enunciar uma lei
tem-se em mente influenciar a percepção de mundo
da sociedade, seus paradigmas, segundo Kuhn (1994).
Trata-se de fornecer aquela “sofisticação” que falta ao
senso comum, como assinala Demo (op.cit), ajudando
as pessoas a problematizar as relações entre sujeitos
e objetos.
A relação entre ciência e sociedade é uma via de
mão dupla, na qual se percebe uma interação cons-
tante. Kneller (1980) reconhece que, embora a ciência
não seja tão passível de ser determinada pelas forças
sociais, freqüentemente essas forças a influenciam,
mediante diversos fatores como os paradigmas ou vi-
sões de mundo, as ideologias e até as forças econômi-
cas e tecnológicas da época. Simonsen (op.cit)
assevera que até a filosofia interage com a ciência pois
os modelos científicos são construídos de acordo com
o modo de pensar da época em que são elaborados e ,
por outro lado, certas descobertas científicas alteram
os paradigmas filosóficos.
Conclusão
A missão da ciência de perseguir a verdade é al-
cançada pela formulação teórica realizada num am-
biente intelectual que inclui as visões de mundo e
ideologias de uma sociedade, visão de mundo enten-
dida como o conjunto de crenças não suscetível de ve-
rificação empírica (Kneller, op.cií). Formuladas as leis,
suas implicações extrapolam das comunidades cien-
tíficas e impactam, por vezes, todo o comportamento
das sociedades, influenciando comportamentos e ati-
tudes, configurando um verdadeiro ciclo de intera-
ções.
O papel da teoria é sistematizar e disseminar o
conhecimento científico para permitir a verificação,
no tempo e no espaço, das hipóteses que ele encerra.
Uma função essencialmente pragmática, avaliável em
confronto com a eficiência da proposição teórica, “e
esta eficiência (mede-se) pela possibilidade de obter
com ela previsões que resultem suficientemente cor-
retas” (Abbagnano, apud Viegas, 1996). A univocidade
tem papel decisivo na formulação das leis e teorias
exatamente por colaborar na uniformização dos con-
ceitos e proposições e, assim, possibilitar sua coerên-
cia interna.
Já no século XDC, Comte defendia que as orga-
nizações seriam a ponta de lança da mentalidade po-
sitiva, já que sua influencia alcançaria, finalmente, a
totalidade da sociedade, provocando as reformas pro-
fundas das estruturas sociais e da mentalidade das
pessoas (Rocher, apud Ajamil, 1994, p. 227). Mais
uma vez esta expectativa se volve para os quadros em-
presariais, agora no sentido da redefinição dos mode-
los políticos, econômicos e sociais, que baseiam o
comportamento humano na era das ciências sociais
e, principalmente da administrativa.
Se o homem vive, necessariamente, em um con-
texto organizacional, o estudo destas entidades e de
suas relações com os homens é de suma importância,
o que ressalta a necessidade de que o resultado das re-
flexões e estudos se traduza em um corpo teórico
coeso e harmônico, que possibilite a atualização cons-
tante dos conceitos e definições, contribuindo para,
cada vez mais, se aprofundar a compreensão do exe-
cutivo acerca do ambiente onde se insere e capacitá-
lo a intervir sobre ele de forma prática, rápida e
efetiva.
A percepção das sociedades de que a teoria é algo
estéril que se contrapõe à realidade, essencialmente
prática, deve ser revertida, principalmente na admi-
nistração. Não se pode conceber que os administra-
dores privilegiem uma abordagem instrumental,
enfatizando mais a formulação de técnicas de execu-
ção e padronização de comportamentos que a refle-
xão sobre relações de causa e efeito existentes entre
fenômenos. Produtos acabados, sem esquemas ou ro-
teiros e o estabelecimentos dos pontos de ambivalên-
cia entre causa e consequência restringe a
possibilidade de reprodução e verificação posteriores
sobre os processos originários.
Nota-se uma tendência na administração brasi-
leira à mera reprodução de teorias e práticas, modas
e conceitos estrangeiros, dos quais até os termos são
importados literalmente e cujas causas e conseqüên-
cias não cabe aqui discutir. Entretanto, se assim o é,
pelo menos que esses conceitos importados sejam
perfeitamente traduzidos e contextualizados à reali-
dade nacional. A busca da sistematização teórica pró-
pria em sede de administração no Brasil deve ser
empreendida pelos órgãos responsáveis pelo desen-
volvimento desta ciência no país, pelas universidades,
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julho a dezembro de 2013
Administração
governos, empresas e estudiosos com o objetivo de
melhorar o entendimento dos executivos sobre a sua
ciência e sua prática diária. Teoria e prática começam
a se reconciliar quando as pessoas começam a falar a
mesma língua e a se entenderem. O resumo vem
numa frase de Einstein, “nada é mais prático que uma
boa teoria”.
Referencias Bibliográficas
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Fundamentos de Metodologia Científica. Brasília: UnB, 1995 13.WAHRLICH,
Este trabalho tem como objetivo uma reflexão
sobre a obra “Calabar: o elogio da traição”, de Chico
Buarque de Hollanda, discutindo a natureza da mo-
nocultura colonial semelhante à figura feminina ocu-
pando papéis sócio-subjetivos monovalentes. Para
tanto, tomar-se-á como objeto de discussão as perso-
nagens Anna de Amsterdam e Bárbara, bem como a
exploração da terra, tanto por portugueses quanto
por holandeses, numa visão ecocrítica.
Félix Guattari (1998) advertia para o fato de que
a ecologia não podia voltar-se apenas e isoladamente
para os problemas decorrentes de tratamento hierár-
quico e dualista entre ser humano e meio ambiente;
antes devia reconhecer que o equilíbrio global so-
mente se alcançará pelo inter-relacionamento das três
ecologias: a do meio ambiente, a do social e a mental
ou da subjetividade humana. Lembra-nos que:
Nãosomenteasespéciesdesaparecem,mas
também as palavras, as frases, os gestos de soli-
dariedadehumana.Tudoéfeitonosentidodees-
magarsobumacapadesilêncioaslutasdeeman-
cipaçãodasmulheresedosnovosproletáriosque
constituemosdesempregados,os“marginaliza-
dos”,osimigrados.(GUATTARI,1989,p.35)
Para a fundamentação teórica, basear-se-á em es-
tudos de Hall (1997); Guattari (1994; 2004); Foucault
(2006); Beauvoir (1967; 1970); Garrard (2006); Glot-
felty e From (1996). O pensamento guattariano, am-
pliando a percepção do ecológico, parece-me indicar
um caminho de superação das dicotomias, no que bem
dialoga com o ecofeminismo mais avançado. O posi-
cionamento de Maria Miles e Vandana Shiva (1993)
nos parece avançar na perspectiva ecofeminista; em
muitos casos, limitada ainda pelas oposições entre na-
tureza (pela qual se vem identificando a mulher) e cul-
tura (ligada ao homem), relacionadas às de mente X
alma, intelecto X emoção, racionalidade X espirituali-
dade – dualismos culturalmente codificados.
Maria Aparecida de Assis Teles SANTOS
Mestre em Letras e Estudos Literários – Universidade Federal de Goiás
Jorge Alves SANTANA
Doutor no Programa de Pós-Graduação em Letras e Estudos Literários – Universidade Federal de Goiás
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A natureza da monocultura colonial
semelhante à figura feminina ocupando
papéis sócio-subjetivos monovalentes
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Letras
Uma perspectiva ecofeminista apre-
senta a necessidade de uma nova cosmolo-
gia que reconhece que a vida na natureza
(incluindo os seres humanos) mantém-se
por meio da cooperação, cuidado e amor
mútuos. Somente deste modo estaremos
habilitados a respeitar e a preservar a diver-
sidade de todas as formas de vida, bem
como das suas expressões culturais, como
fontes verdadeiras do nosso bem estar e fe-
licidade. Para alcançar este fim, as ecofemi-
nistas utilizam metáforas como “re-tecer o
mundo”, “curar as feridas”, religar e interli-
gar a “teia”. (MILES & SHIVA, 1993, p. 15).
Ecocrítica
A ecocrítica é o estudo das relações entre a lite-
ratura e o meio ambiente, segundo Cheryll Glotfelty
na introdução do livro “The ecocriticism reader”, que
é até o momento, a obra mais completa sobre a maté-
ria. Ecosofia é como denomina Guattari (2004) à ar-
ticulação ética-política entre os três registros
ecológicos: o do meio ambiente, o das relações sociais
e o da subjetividade humana.
Ecofeminismo
Combinação das palavras ecologia e feminismo,
o ecofeminismo abraça a idéia de que a opressão das
mulheres e a opressão ou destruição da natureza
estão intimamente ligadas. Elementos do movimento
feminista, do movimento da paz, dos movimentos
ambientalista e verde podem ser vistos no ecofemi-
nismo. Ativista, educadora e escritora, Ynestra King
chegou a chamar o ecofeminismo de “a terceira onda
do movimento feminista” [fonte: Sturgeon]. O termo
foi cunhado em 1974, do trabalho da feminista fran-
cesa Françoise d´Eaubonne, “Le feminisme ou la
mort”. O feminismo pode ser definido como o pen-
samento e o movimento em direção à igualdade polí-
tica, econômica e social entre mulheres e homens. A
ecologia é o estudo da relação entre grupos humanos
e seus ambientes físico e social.
O ecofeminismo é baseado na teoria de que a
opressão das mulheres e a opressão da natureza estão
fundamentalmente ligadas. Na literatura ecofemi-
nista, o ecofeminismo é normalmente descrito como
a crença de que o ambientalismo e o feminismo estão
intrinsecamente conectados. Outra definição sugere
que a discriminação e a opressão baseadas em gênero,
raça e classe estão diretamente relacionadas à explo-
ração e à destruição do ambiente. Algumas escritoras
ecofeministas dizem abertamente que tal opressão é
patriarcal, enquanto outras preferem apenas insinuar.
De qualquer modo, a ligação que está sendo feita entre
as mulheres e a natureza é evidente. Mas enquanto al-
gumas ecofeministas vêem a ligação entre a mulher e
a natureza como fortalecedora, outras acreditam que
essa ligação é imposta pelo patriarcado e é degradante.
Aquelas que veem a associação como fortalece-
dora, geralmente afirmam que as mulheres estão mais
próximas à natureza por causa de suas posições como
mães e donas de casa. Como resultado, elas concluem
que pelo fato de as mulheres cuidarem de suas famílias
e lares, elas serão mais conscientes das questões am-
bientais do que os homens. Pessoas que veem a
associação como degradante, geralmente, afirmam
que os homens continuarão a explorar as mulheres e
a natureza porque eles enxergam ambas como eterna-
mente férteis e infinitamente capazes de fornecer a
vida [fonte: Sturgeon]. As ecofeministas levantam
questões como a poluição da água, o desfloresta-
mento, a acumulação de lixo tóxico, o desenvolvi-
mento agrícola e sustentabilidade, os direitos dos
animais e a política de armas nucleares.
As bases de nossa colonização
A política mercantilista no Brasil privilegiou o
cultivo de gêneros agrícolas de origem nativa ou tra-
zidos de fora. As opções iniciais concentraram-se na
cana-de-açúcar. Em menor escala também o fumo e o
algodão, enquanto o extrativismo florestal – pau-bra-
sil e as chamadas “drogas do sertão” – continuavam a
ser largamente explorados.
Paraocultivodacana-de-açúcarosportuguesescria-
ram um sistema integrado baseado na grande proprie-
dadevoltadaparaaexportaçãoenotrabalhoescravo.Esse
tipodesistemaerasemelhanteàplantation1
dacoloniza-
ção inglesa no sul dos atuais Estados Unidos. A força da
agricultura canavieira colonial estava em seu caráter ex-
portador.Tratava-seemumaeconomiaespecializadaem
1
Plantation – Grande propriedade agrária especializada na monocultura tropical destinada à exportação, ge-
ralmente ligada a produtos como cana-de-açúcar, fumo e algodão, cultivados com mão de obra escrava.
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produzir e vender via metrópole, açúcar para o mercado
europeu,emgrandequantidadeepreçocompetitivo.Em-
boratenhadadolucro,essaestruturaprodutivaapresen-
toudesdeocomeçoumcaráterextremamentedestrutivo.
Nonordesteeemoutrasregiões,acana-de-açúcareracul-
tivada de modo extensivo, ocupando enormes extensões
deterras.Nasregiõesondeeraplantada,nenhumaoutra
lavoura era admitida. Tratava-se de uma cultura exclusi-
vista.Essetipodeexploração–amonoculturaemgrandes
propriedades – levou à destruição crescente da Mata
Atlântica e ao empobrecimento e esgotamento do solo.
Pode-seafirmarqueoscolonizadores,nasuaânsia
de retirar de suas possessões, toda a riqueza nelas exis-
tente, desenvolveram a abordagem ecofilosófica, deno-
minada por Garrard (2006) de cornucopiana. Tal
postura se manifesta na “pouca ou quase nenhuma con-
sideração pelo meio ambiente não humano, exceto na
medida em que ele possa ter um impacto na riqueza ou
no bem-estar humanos. A natureza só é valorizada em
termos de sua utilidade para nós” (Garrard, 2006, p.35).
Vale ressaltar que a população formada por indígenas,
negros e mestiços não representavam o “nós” na visão
do europeu que aqui se estabeleceu, sendo assim, a na-
tureza só era valorizada na medida em que servisse aos
propósitos dos exploradores. É verdadeira a afirmação
de que a colonização no Brasil deu-se primeiramente
pelos olhos da pastoral, quando por aqui desembarca-
ram os portugueses em busca do paraíso. Mas, como o
mundo pastoral não admitia a produtividade, foi neces-
sário um novo modo de se olhar para as terras da nova
colônia, atestado pelas palavras de Caminha em sua
carta ao rei de Portugal, “(...) em que se plantando, tudo
dá”.Aposturaadotadafoiadeumageórgicaradical,vol-
tada para a monocultura agroexportadora. Tal posicio-
namentoseapoiounatradiçãojudaico-cristã,quesegue
o que prega o livro do Gênesis em que o homem extraia
da terra tudo aquilo que lhe satisfaça. Porém a geórgica
desenvolvida aqui era a do tipo socialista, que numa
condição antropocêntrica, praticava cultivos grandio-
sos, mas centrada apenas num só produto. Esta, com
certeza era diferente da geórgica de Jesus Cristo ou
franciscana, que prega o cuidado, o amor e o respeito a
todos os segmentos da vida interior.
A sociedade
Era uma sociedade patriarcal, além disso, cen-
trada no poder do chefe de família rural, o patriarca.
Esse homem era ao mesmo tempo dono da terra, au-
toridade local e senhor dos destinos dos seus depen-
dentes, empregados, parentes e agregados, além dos
escravos. O conjunto de pessoas dependentes for-
mava a família patriarcal, uma família extensa ba-
seada no direito masculino de primogenitura.
Em relação às mulheres, no Brasil colonial, elas
eram tratadas como pessoas subalternas em relação
aos homens. As mulheres raramente apareciam às vis-
tas ou iam à rua, e quando apareciam deviam cobrir
com véus o rosto. Era uma atitude de inferiorização e
exclusão da mulher na sociedade colonial.
A mulher negra – escrava, além de prestar ser-
viços domésticos, também servia aos carichos sexuais
do seu senhor e dos seus descendentes.
A mulher índia – duplamente explorada.
A mulher branca – geralmente analfabeta, ca-
sava-se muito cedo e morria precocemente, por causa
dos inúmeros partos.
Calabar, o elogio da traição
Ruy Guerra e Chico Buarque desenvolveram a
trama resgatando fatos e personagens históricos do
século XVII, quando Holanda e Portugal lutavam
entre si pela colonização do Brasil, para refletirem
sobre o presente dos anos 70. Propunham uma rea-
valiação crítica do processo histórico nacional em seus
diversos aspectos, e também, objetivavam despertar
o público para reflexões acerca de conceitos como trai-
ção, nacionalidade e pátria, presentes nos discursos
militares pós 1964 e que foram cristalizados pela his-
tória oficial, conforme declarações do próprio Ruy
Guerra. (AZEVEDO,1973:84 )
O mulato Domingos Fernandes Calabar, perso-
nagem histórica em torno da qual se desenvolve a
ação dramática, é tratado pela historiografia tradicio-
nal como traidor da pátria por ter desertado em favor
dos holandeses durante a colonização do Brasil. Na-
tivo e grande conhecedor da região em disputa, o nor-
deste, Calabar esteve a frente da luta empreendida
pelos portugueses para “libertar” o país do invasor
holandês até reconhecer que a opção escolhida não re-
presentava ganhos para sua gente e para sua terra.
Decidiu então, passar para o outro lado, acreditando
que os holandeses pudessem trazer ao país um go-
verno mais humano e menos opressivo do que o tra-
zido por Portugal. Sua atitude representou uma
grande perda também um grande risco às ambições
portuguesas, por isso foi encarada como um ato de
Letras
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traição. Calabar foi delatado por um, até então, amigo
seu, Sebastião do Souto, que auxiliou pessoalmente a
Coroa na sua captura. Preso, foi enforcado e esquar-
tejado, a fim de servir de exemplo àqueles que tencio-
nassem desobedecer às ordens vindas da metrópole.
O ponto de partida na trama desenvolvida por Chico
e Ruy Guerra é um aviso de advertência de Mathias
de Albuquerque a Calabar, nomeado major pelos ho-
landeses. Mathias reconhecia o quanto dependiam da
sabedoria e esperteza do mulato para o empreendi-
mento da conquista. Por isso não se conformava com
a traição, mas prometia perdoá-lo se voltasse a defen-
der os interesses da Coroa. O discurso abaixo deixa
claro o seu posicionamento frente à situação:
Por que é que ele foi para lá?
Era um mulato bonito, pêlo ruivo, sarará.
Guerreiro como ele não sei mais se haverá.
Onde punha o olho punha a bala.
Onde o mangue atola, o pé firmava.
Bom de briga, de mosquete e de pistola,
Lia nas estrelas e no vento.
Tendo a mata no peito e o peito atento,
Sabia dos caminhos escondidos,
Só sabidos dos bichos desta terra
De esquisito de falar.
Eu lhe dei minha confiança
Em matéria de navios e de guerra.
E ainda me pergunto,
Sem resposta pra me dar,
Por nome que é que ele foi para lá?
Era um mameluco, louco, pêlo brabo,pixaim.
Pra que falar dos seus dois metros de alto,
De seus olhos claros de assustar,
Capitão aqui, major passou no salto.
Levou o seu saber para os flamengos.
E nem sei se cobrou o que era de cobrar.
Eu lhe ofereci perdão em engenhos e patente
Se quisesse voltar.
E afoito o rebelde, em língua de serpente,
Mandou-me recusar,
Como um bicho esquisito destas terras
Que pensa dum jeito impossível de pensar.
Por que é que ele foi para lá?
(BUARQUE & GUERRA, 1973, p.10-11).
Outras personagens são fundamentais no desen-
rolar da trama, além de Mathias, que é comandante
das quatro capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Pa-
raíba e Rio Grande. O negro Henrique Dias e o índio
Felipe Camarão auxiliam-no na luta empreendida pela
resistência portuguesa. Bárbara e Anna de Amsterdam
eram, respectivamente, mulher e amante de Calabar.
Significativamente importante para a trama é a con-
traditória personagem Frei Manoel do Salvador, que
serve ora a um, ora a outro colonizador, e que mantém
acesa a discussão acerca do jogo de interesses e da trai-
ção imputada apenas a Calabar. A existência de tal per-
sonagem nos desperta para a reflexão e provoca
dúvidas sobre o que significava “trair” naquele mo-
mento. Estas dúvidas estão presentes, ainda, nas falas
da personagem Bárbara, que vive atormentada pelo
que aconteceu a seu marido. Ela tenta, a todo custo
entender o que seria trair para aquela gente, pois per-
cebe que todos os que estão a sua volta, inclusive
Souto, traem de alguma forma e que, no entanto, ape-
nas Calabar foi julgado e condenado. Por isso desabafa
durante uma conversa com Souto:
Pobre Sebastião, você não sabe o que é trair.
Você não passa de um delator.
Um alcaguete. Sebastião, tira as botas.
Põe os pés no chão. As mãos no chão, põe, Se-
bastião, e lambe a terra.
O que é que você sente?
Calabar sabia o gosto da terra
e a terra de Calabar vai ter sempre o mesmo
sabor.
Quanto a você, você está engolindo o estrume
do rei de passagem.
Se você tivesse a dignidade de vomitar,
aí sim, talvez eu lhe beijasse a boca.
Calabarvomitouoquelheenfiarampelagoela.
Foi essa a sua traição. A terra e não as sobras
do rei.
A terra, e não a bandeira.
Em vez de coroa, a terra.
(BUARQUE & GUERRA, 1973, p. 96).
Dentro do mundo feminino da obra em análise,
Bárbara emerge como a voz de Calabar, a voz do que
não tem voz, duplamente, primeiro porque também
é a voz que reage contra a marginalidade sociocultural
que relega a mulher a uma condição subalterna, mer-
Letras
20
julho a dezembro de 2013
cadoria; segundo, porque seu discurso é o de todos os
excluídos da ordem social e política vigente. Bárbara
é assim a representante da tradição grega dionisíaca,
empunhando a bandeira daqueles que não faziam
parte da polis, mulheres e escravos (Menezes, 2000).
Enquanto Calabar vivia, Bárbara se configurava
dentro do arquétipo da mulher mestiça (ela era ma-
meluca): concubina, sem uma religião a que professar,
mãe (produtora de braços para a lavoura), compa-
nheira, acompanhava o marido em suas diversas em-
preitadas e também, sensual como sua antepassada
índia, desejava e era desejada sexualmente. Depois da
morte do amado, Bárbara revela seu caráter apolíneo,
movida pela revolta, passa de dominada a domina-
dora: aceita a companhia de Sebastião Souto, o traidor
de Calabar, � que se justifica, afirmando tê-lo feito por
causa de seu desejo por ela � com o único propósito
de demonstrar seu desprezo e o quão insignificante e
fraco era se comparado ao companheiro morto. A fim
de ilustrar essa relação de atração/repulsão, apre-
senta-se e analisa-se a letra-poema de Chico Buarque,
“Tira as mãos de mim”:
Ele era mil (Calabar)/Tu nenhum (Souto)
na guerra és vil (Souto)/Na cama és
mocho(Souto)
Tira as mãos de mim (Souto)/Põe as mãos em
mim (Souto)
E vê se o fogo dele (de Calabar)/Guardado em
mim (Bárbara
)/Te incendeia um pouco (Souto)
Éramos nós/Estreitos nós (Bárbara e Calabar)
Enquanto tu/És laço frouxo (Souto)
as Tira mãos de mim (Souto)
E vê se a febre dele (de Calabar)
Guardada em mim (Bárbara)/Te contagia um
pouco (Souto).
Tira as mãos de mim (Souto)/Põe as mãos em
mim (Souto).
Tomando como princípio o texto de José Luiz
Meurer (Uma dimensão crítica do estudo de gêneros
textuais p.18), tem-se a ideia de que o indivíduo pos-
sui a capacidade de “produzir, reproduzir ou desafiar
a realidade social na qual vive”, uma grande contri-
buição que o texto poético também nos oferece. A
partir da análise crítica do discurso poético, podem-
se estabelecer três de suas principais características:
(1) produz e reproduz conhecimentos e crenças por
meio de diferentes modos de representar a realidade;
(2) estabelece relações sociais; e (3) cria, reforça ou
reconstitui identidades. Comprova-se, através da
ideia tríplice, a informação de que através desta can-
ção, Chico Buarque reproduziu conhecimentos a res-
peito da história de Calabar e do período da
colonização, assim como da linguística, da linguagem
e sua estruturação textual, e da literatura, utilizando
o jogo de palavras e a literariedade. Usando da tríplice
caracterização, ele estabeleceu relações sociais e apre-
sentou ou criou identidades, principalmente a iden-
tidade feminina, na pessoa de Bárbara. Na
letra-poema em questão, há um estereótipo feminino
não muito comum para a época: uma mulher que usa
de pressão psicológica para atingir o homem que de-
latou seu marido. Ela se entrega a ele, vive com ele,
martirizando-o, comparando-o com a pessoa que ele
traiu. Ela, Bárbara, é a narradora, e as ações narradas
por ela têm uma ideia natural, cotidiana. Através da
atitude da narradora, temos a percepção de diferentes
concepções a respeito da vida social, de valores e ações
humanas. A relação discursiva se mostra através do
poder que Bárbara exerce sobre Souto, ela se mostra
autoritária, provocativa, manipuladora pelo simples
fato de saber da sua traição de Sebastião bem como
do sentimento que o mesmo nutre por ela. Tal poder
pode ser reconhecido pelo uso do discurso direto:
“Tira as mãos de mim, põe as mãos de mim”, e, prin-
cipalmente pelo modo verbal utilizado, o imperativo:
“Tira/Põe”. Sebastião, por sua vez, ouve tudo calado
e não contesta. As principais identidades são Bárbara
(a narradora), Calabar (o marido) e Sebastião Souto
(o traidor).
A relação social neste discurso se apresenta
através da omissão de Souto, que aparenta ser uma
pessoa inepta, ou então submetida ao remorso de ter
traído o amigo, e por isso, não questiona, não con-
testa o comportamento irreverente e punitivo de Bár-
bara, que ao contrário possui como característica, a
perspicácia, o discernimento, a clareza de seus obje-
tivos, que aliados à sua capacidade de persuasão lhe
dão armas suficientes para a afirmação de sua subje-
tividade. Nesse contraste de personalidades, no anta-
gonismo de fraqueza e força ocorre o equilíbrio entre
poder e submissão.
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CALA A BOCA BÁRBARA
Ele sabe dos caminhos
Dessa minha terra
No meu corpo se escondeu
Minhas matas percorreu,
Os meus rios,
Os meus braços
Ele é o meu guerreiro
Nos colchões de terra
Nas bandeiras, bons lençóis
Nas trincheiras, quantos ais, ai
Cala a boca,
Olha o fogo,
Cala a boca,
Olha a relva,
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Ele sabe dos segredos
Que ninguém ensina: Onde guardo o meu prazer,
Em que pântanos beber,
As vazantes,
As correntes,
Nos colchões de ferro
Ele é o meu parceiro
Nas campanhas, nos currais
Nas entranhas, quantos ais, ai
Cala a boca,
Olha a noite,
Cala a boca
Olha o frio
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Cala a boca, Bárbara
Nesta letra/poema, que é uma das mais intensas
e delicadas demonstrações eróticas da Literatura Bra-
sileira, o corpo feminino é metaforizado nos elemen-
tos da natureza em que é possível reconhecer uma
mulher que é ao mesmo tempo, amante e compa-
nheira de luta, uma guerrilheira. Essa canção integra
a peça Calabar, em que Chico Buarque e Ruy Guerra
empreendem uma revisão do papel histórico dessa
personagem, apresentado como o traidor por excelên-
cia, segundo a historiografia oficial. No início da peça,
Calabar já estava morto e esquartejado, havia sido
executado pelos portugueses. Eles também promul-
garam um edito de execração da memória (Damnatio
memoriae) que não apenas exigia que seu nome fosse
apagado de qualquer registro onde pudesse figurar
(como por exemplo, nas certidões de batismo), como
também proibia que esse nome fosse pronunciado.
Mas restou sua mulher, Bárbara, que é quem canta a
canção, e em quem ele está imensamente presente.
Ela nunca o chama pelo nome, Calabar é o ele a que se
refere. No entanto, é esse o nome que se forma, com
assustadora nitidez, à força da repetição quase obses-
siva do refrão: CALA a boca BÁRbara: CALABAR
Aquilo que Bárbara silencia é o que reponta com
força e realidade. Impõe-se uma técnica psicanalítica:
no não dito, descobrir-se o dito. No interdito, desco-
bre-se o dito. Interdito porque foi interditado (por in-
junções da censura) e interdito porque está dito entre
as sílabas das palavras que constituem o refrão. O
nome proibido continua a ressoar, no tecido da lin-
guagem. O essencial e aparentemente omitido, mas
continua lá, pulsando, latente no coração do discurso.
Partir daí, a própria palavra Calabar reinventada,
passa a condensar em si o “Cala a boca” ao nome de
Calabar. E o nome de Calabar conterá o nome de Bár-
bara; fusão de amantes apaixonados.
Bárbara não admite que o marido estivesse
morto, porque ela está viva para perpetuar-lhe na his-
tória, passando a ser a voz daquele que já não podia
se manifestar. Ela põe em cheque o que é trair, insti-
gando a todos os que se acovardaram diante da exe-
cução do único personagem verdadeiro dentre todos
os que ali estavam os pretensos amigos � Felipe Ca-
marão, Henrique Dias, Sebastião do Souto �, o clero,
na figura do Frei Manoel de Salvador, holandeses e
portugueses que viviam de conchavo, imbuídos ape-
nas da certeza de estarem protegendo seus próprios
interesses.
Num outro viés, naquele que interessa mais a
esse trabalho, abordo a letra-poema na questão da eco-
crítica, dando destaque ao corpo feminino, com a se-
xualidade feminina intensamente presente, se
sobrepõe a imagens da terra, rios, matas, vazantes, en-
chentes, relva, pântanos. Cada um desses termos pode
ser submetido a uma dupla leitura, tanto no registro
paisagístico, quanto no erótico. Reagrupados de outra
maneira (de um lado, matas, relva; de outro, pântanos,
correntes, vazantes), eles evocam toda uma geografia
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simbólica do corpo feminino, marcam inequívocas re-
ferências (por alusão e/ou analogia) ao sexo a mulher:
pelos, fenda e fonte de umidade. Chico Buarque recu-
pera aqui a expressão geográfica “braços de rio”, res-
taurando-o na sua literalidade, ou melhor, desvelando
mecanismo de composição de uma metáfora, através
da oposição, em contiguidade, dos termos comparan-
tes, ‘os meus rios/ os meus braços’ (Menezes, 2001,
p.127), apontando, conforme Vico, a projeção do
corpo sobre a paisagem (e o retorno desse processo:
da paisagem para o corpo).No entanto, essa terra/mu-
lher não há de ser considerada só do ponto de vista te-
lúrico, mas também do político: e a terra pátria, pela
qual vale a pena lutar. Calabar era um “guerreiro”, ao
mesmo tempo em que “parceiro”, e a mulher que aí
aparece é a guerrilheira, misturada ao combate e iden-
tificada com o país pelo qual se luta. A entrega do
homem, no jogo amoroso, é a entrega à mulher-terra,
possuidora de trincheiras/entranhas (povoadas de
ais). As bandeiras estão para s lençóis, assim como as
trincheiras estão para as entranhas. Ao telúrico
somou-se não apenas o erótico, mas o político.
Como já havia dito antes, meu interesse se volta
paraaspersonagensfemininasnaobraCalabar,portanto
cabe agora ma leitura ecocrítica de Anna de Amsterdam.
Assim como as jovens brancas � mesmo que “erradas” �
mandadas à Índia e ao Brasil, por Dom João III e Dona
Catarina, no início da colonização, Anna também veio
“com a esperança de casar”, porém sua sorte foi adversa,
serviucomoobjetodeprazeratodos,porémdesdenhava
dos homens com quem se relacionava. Anna foi amante
de Calabar, entretanto, foi ela que amparou Bárbara e a
fez fortalecer-se para que a morte do amado não fosse
emvão.AssimcomoBárbara,Anaésímboloderesistên-
cia, mesmo que as arma seja o sexo, o escárnio e o debo-
che. Passemos à letra-poema Anna de Amsterdam:
Sou Ana do dique e das docas
Da compra, da venda, das trocas de pernas
Dos braços, das bocas, do lixo, dos bichos, das
fichas
Sou Ana das loucas
Até amanhã
Sou Ana
Da cama, da cana, fulana, sacana
Sou Ana de Amsterdam
Na esperança de casar
Fiz mil bocas pra Solano
Fui beijada por Gaspar
Sou Ana de toda patente, das Índias
Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada
Sou Ana, obrigada
Até amanhã, sou Ana
Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos
Sou Ana de Amsterdam
Arrisquei muita braçada
Na esperança de outro mar
Hoje sou carta marcada
Hoje sou jogo de azar
Sou Ana de vinte minutos
Sou Ana da brasa dos brutos na coxa
Que apaga charutos
Sou Ana dos dentes rangendo
E dos olhos enxutos
Até amanhã, sou Ana
Das marcas, das macas, das vacas, das pratas
Sou Ana de Amsterdam
AAnna“dosdentesrangendo”e“dosolhosenxutos”
é aquela que na impotência de mudar seu destino o en-
cara,usandodasarmasquedispõe:aironia,aamargurae
o sarcasmo, mas é dela uma interessante reflexão a res-
peitodadiferençaentreaforçadohomemeadamulher:
(Ana) É mulher não tem nada a ver com
homem. O homem é antes de tudo um forte.
Você sabe como é. Passa duas semanas na
guerra chega em casa, puxa uma espada
deste tamanho, aí você diz, bem, chegou a
minha vez, me estoca, e ele só dando tiro pro
ar... Daí você tira a roupa e ele fica todo exci-
tado, mas não porque você está nua, é por-
que ele acertou um índio e vai por aí, e te
confunde com um índio e te dá uma paulada
e te confunde com o carrasco e te pede pra
bater nele até cansar e dorme e ronca e você
cutuca ele (cutuca Souto)... E ele nada, sozi-
nho. Vamos, homem, acorda... (cutuca
Souto)... Dá-lhe macho, cadê tua espada? (...)
Dia seguinte ele acorda satisfeito como se ti-
vesse feito proezas. Veste a farda, faz conti-
nência e volta para a guerra. Vamos, Bárbara.
Uma mulher precisa de carinho, dengo, cos-
quinha... (Hollanda, 1979, p.78-79).
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Anna encarna o arquétipo da mulher ativa, “per-
dida”, a prostituta, a que é de todos, mas não é de nin-
guém, assim como a terra brasileira, alvo de
explorações de toda ordem por todos os colonizadores
que por aqui passaram, sendo usada e desvalorizada.
Ana encarna o espírito dionisíacoi
, assumindo o cará-
ter masculino no seu comportamento transgressor na
sua liberdade sexual, e na postura “protetora”, que
manifestou junto à Bárbara. Entretanto, é Ana quem
assume, naquele contexto em que trair é um conceito
revisitado e discutido, o papel do “contente”, num
jogo cínico onde o que realmente valia era a defesa da
própria sobrevivência. Se Calabar seguia vivo em Bár-
bara, Anna se uniria a ela, para que se juntassem num
só corpo a trindade da resistência. Chico Buarque dá
voz às minorias, fazendo do discurso misógeno de
Anna, de um sujeito lírico transmudado, travestido
de homem, não apenas para chocar com o regime re-
pressivo, tanto do tempo da história, quanto do da
narrativa, mas, sobretudo para mostrar a força do
novo, expressão nova surgida de figuras populares.
Um novo comportamento, uma nova configuração
para papéis culturalmente demarcados, Anna e Bár-
bara, conjunção do masculino/feminino, inauguram
um novo lugar para o sujeito, aquele do constante
devir, que pode ser isto, aquilo ou ambos. Isto pode
ser comprovado nos versos de Bárbara, cantados por
Anna como numa declaração de amor:
Anna (cantando):
Bárbara, Bárbara, Nunca é tarde, Nunca é
demais. Onde estou? Onde estás? Meu
amor, Vim te buscar. Bárbara – ... Sim!
A fim de reforçar o estado de dominação por que
passavam os oprimidos, no caso, personificados nas
mulheres, Anna demonstra à Bárbara o quanto é inú-
til “comprar briga” com os poderosos, prevalecendo
aqui o ditado popular “manda quem pode, obedece
quem tem juízo”, o que pode ser comprovado na letra
da canção Vence na vida quem diz sim.
Diz que sim.
Torcem mais um pouco,
Diz que sim.
Se te dão um soco,
Diz que sim.
Se te deixam louco,
Diz que sim.
Se te babam no cangote,
Mordem o decote,
Se te alisam com o chicote,
Olhe bem pra mim.
Vence na vida quem diz sim,
Vence na vida quem diz sim.
Se te jogam lama,
Diz que sim.
Pra que tanto drama,
Diz que sim.
Te deitam na cama,
Diz que sim.
Se te criam fama,
Diz que sim.
Se te chamam vagabunda,
Montam na cacunda,
Se te largam moribunda,
Olha bem pra mim.
Vence na vida quem diz sim,
Vence a vida quem diz sim. (everybody)
Se te cobrem de ouro,
Diz que sim.
Se te mandam embora,
Diz que sim.
Se te puxam o saco,
Diz que sim.
Se te xingam a raça,
Diz que sim.
Se te incham a barriga
De feto e lombriga,
Nem por isso compra a briga,
Olhe bem pra mim.
Vence na vida quem diz sim,
Vence na vida quem diz sim.
Letras
i
Dionisíaco é o termo adotado por Nietzsche, 1984. Ecce, o que coloca homo: como se chega a ser o que se
é. Trad. de José Marinho, Lisboa: Guimarães Editores, para expressar, dentre outras coisas, o eterno devir do
homem moderno. A representação do caos, da desconstrução constante. Contrapõe-se à expressão Apolíneo,
que representa a ordem, o desejo de perfeição humana.
Referencias Bibliográficas
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Diante do exposto nesse estudo, tentei compreen-
der como ocorreu o processo de exploração do solo bra-
sileiro, desde os primórdios de sua colonização, seja por
colonizadores portugueses ou holandeses, a partir da
obraCalabar elogiodatraição,utilizando-medosdiscur-
sos buarqueanos representados nas vozes das persona-
gens Bárbara e Anna de Amsterdam, pois me pareceu
oportuno comparar a natureza da monocultura colonial
semelhante à figura feminina ocupando papéis sócio-
subjetivos monovalentes. Se por um lado, o colonizador
usou da terra para ampliar suas riquezas, ele também
usou a mulher, seja ela índia, negra ou branca, como ob-
jetoparasatisfaçãodeseusprazeres,ouainda,comomão
de obra geradora de mais mão de obra, ambas vistas
comoumacornucópia,jorrandoinfinitasfontesdevida.
Félix Guattari (2004), nos alerta sobre a urgência em se
reinventar o meio ambiente e os modos vida e de sensi-
bilidade para que seja possível sair das crises que o
mundo de hoje está passando, compreendendo que só
assim seja viável a permanência dos seres neste planeta.
Nessa perspectiva, entendo que Chico Buarque, utilizou
do discurso poético para ressignificar a história, dando
uma nova configuração ao discurso oficial e conforme
nossa leitura tornou possível o estabelecimento de rela-
çõesentreoecológicoeoliterário.Reconheçooecológico
não apenas como registro ambiental, considerando que
as relações entre os seres humanos e o meio ambiente
envolvem, necessariamente, as relações sociais e a cons-
trução das subjetividades. Conforme nos indica Cheryll
Glotfelty, a primeira lei da ecologia formalizada de
modosimplesporumdosmais respeitados ecologistas,
Barry Commoner: “todas as coisas são interligadas
umas com as outras” (GLOTFELTY, 1996, p. XIX).
Dessaforma,esperotercontribuídoparaumaressin-
gularização da abordagem do texto poético, tomando de
empréstimoaspalavrasdeCheryllGlotfelty,entendo“que
aliteraturanãoflutuaacimadomundomaterialemalgum
éterestético,aoinvésdisso,temumpapelnumsistemaglo-
bal imensamente complexo, no qual energia, matéria e
ideias interagem” (GLOTFELTY, 1996, p. XIX).
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Letras
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julho a dezembro de 2013
Este trabalho tem objetivo de mostrar uma ex-
periência de Letramento Crítico na sala de aula de lín-
gua inglesa, considerando-a como um espaço
questionador das relações de poder e das ideologias
disfarçadas sobre raça e racismo. Para tanto, foram
feitas análises dos resultados de discussões e de ques-
tionários aplicados no 8º Ano de uma escola munici-
pal de Senador Canedo-GO.
Like many things that people are reluctant to dis-
cuss in polite society, or to discuss honestly, race is too
important to be ignored or – worse yet – think about
only in safe conventions and evasive phrases of our
time.
Thomas Swell
Introdução
O ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras
e os novos e diversificados contextos educacionais
atenderam as necessidades que, em seus diferentes
momentos sociais e históricos, lhes eram inerentes
(OKAZAKI, 2005; COX; ASSIS-PETERSON, 2008; LI-
BERALI, 2009, p. 9). Assim, foram sendo desenvolvi-
dos os processos educacionais e, dentre eles, as
metodologias e técnicas viáveis e “apropriadas” para
cada situação e/ou época (RICHARDS; RODGERS,
2001). Na contemporaneidade, verifica-se que o en-
sino deve estar conectado a busca imperativa de ques-
tionar e colocar à prova certas ideologias e discursos
que constroem, hegemonicamente, hierarquias de
poder por meio dos produtos discursivos de língua
DiscutiNdo raça/racismo
na sala de aula de língua Inglesa:
relato de Uma experiência
Edilson Alves de SOUZA
Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Inglesa
Universidade Estadual de Goiás (UEG)
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(PENNYCOOK, 2001; CONTRERAS, 2002; OKA-
ZAKI, 2005; PESSOA, 2012b).
Contudo, ainda hoje, quando se trata do ensino de
línguas,comumente,faz-semuitareferênciaàutilizaçãode
técnicas/métodoscomofimdeobterumensino/aprendi-
zagemeficiente,porém,atravésdaaquisiçãodehabilidades
linguísticas (speaking, listening, writing, reading), de forma
estruturalista,mecânicaecomfoconagramática.Essemo-
delo de comportamento pedagógico desconsidera o uso
dessashabilidadesdemaneiraaconduzirumaabordagem
críticadetemasimportantesnaformaçãodeumindivíduo,
queoatingeeocompreendecomoumserque,sociamente,
ageeinteragedentrodecertoscontextosideologicamente
constituídos(LIBERALI,2009).
Diante disso, percebe-se a necessidade de valer-
se do ensino/aprendizagem, no caso o de língua, para
formação do cidadão que interfere e produz significa-
dos na sua realidade e no mundo. E, dessa forma, pro-
blematizar, desconstruir e transformar, constante e
criticamente, certos paradigmas de privilégio e exclu-
são que produzem, por sua vez, desigualdades e injus-
tiças sociais sobre gênero, raça, etnia entre outros
(MCLAREN, 1997, p. 192; FREIRE, 2011; URZÊDA
FREITAS; PESSOA, 2012b, p. 146). Ou seja, é preciso
entender a língua como prática social para questionar
as relações de poder e ideologia disfarçadas e escondi-
das nos discursos (PENNYCOOK, 2001; CONTRERAS,
2002). Sendo assim, a sala de aula de língua estrangeira
não será apenas um ensaio da vida, mas, sim, um am-
biente que “atende” às necessidades dos sujeitos na
vida que se vive, pondo-a em questão (LIBERALI, 2009;
PESSOA; URZÊDA FREITAS, 2012a, p. 57).
Para tanto, neste trabalho, serão abordadas ques-
tõessobreasrelaçõesderaçaapartirdaimplementação
da Lei nº 10. 639, de 9 janeiro de 2003; das Orientações
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
dasRelaçõesÉtnico-RaciaiseparaoEnsinodeHistórica
eCulturaAfro-BrasileiraeAfricana(2005);edeestudos
os quais debatem sobre o tema (CAVALLEIRO, 2001;
MUNANGA, 2001; GOMES, 2002; FERREIRA, 2012).
Serão analisadas as percepções dos alunos do 8º ano de
uma escola pública do município de Senador Canedo-
GO, suscitadas por debates e questionários.
Discussão teórica
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
ao tratarem da importância da Língua Estrangeira
(1998, p. 38, grifos nossos), afirmam que:
A aprendizagem de Língua Estrangeira no
ensino fundamental não é só um exercício inte-
lectual em aprendizagem de formas e estruturas
lingüísticas em um código diferente; é, sim, uma
experiência de vida, pois amplia as possibilidades de
se agir discursivamente no mundo. O papel educa-
cional da Língua Estrangeira é importante, desse
modo, para o desenvolvimento integral do indi-
víduo [...].
Nessa perspectiva, tratamos a língua na concep-
ção de Moita Lopes (1996 apud PESSOA; URZÊDA
FREITAS, 2012a, p. 61), na qual o discurso, social-
mente, constrói ou mesmo, identidades, realidades de
privilégio e, também, de inferiorização. Por isso, te-
remos que “fazer uso da linguagem para desconstruir
e/ou reescrever esses processos que tanto afetam as
sociedades contemporâneas” (PESSOA; URZÊDA
FREITAS, 2012a, p. 60). A escola, assim como os va-
riados espaços da sociedade, é um ambiente onde
muitos aspectos da formação dos indivíduos são cul-
tivados (GOMES, 2002) e, por isso, deve ajudar o alu-
nado a entender as ideologias que privilegiam valores
culturais em detrimentos de outros.
O estudo de uma língua, a partir do ponto de
vista que considere seus aspectos formativos en-
quanto prática social, tem sua relevância por trazer
posicionamentos críticos e discutir essas ideologias e
hegemonias que decorrem do discurso – oral ou es-
crito – por meio de suas formas linguísticas. Este tipo
de atividade pedagógica sobre a linguagem que
abrange e promove um diálogo entre ensino línguas,
relações de poder e transformação social é conhecida
como Letramento Crítico (CERVETTI; PARDALES;
DAMICO, 2001).
Na visão do letramento crítico a língua é conce-
bida como uma atividade não neutra, como o veículo
de construção e reconstrução de contextos e signifi-
cados, nos quais há relações de poder. Além disso, a
língua é tratada também como uma solução, como
uma forma de criar um contradiscurso, de quebrar de
paradigmas, valores e crenças. Esse pode ser um meio
de alimentar a atividade crítica dos alunos e ampliar
suas visões de mundo, acrescentando dentro das
aulas a necessidade do protagonismo docente e dis-
cente perante as realidades sociais (FREIRE, 2011).
A sala de aula é um lugar, no qual há troca de expe-
riências. Segundo Herzila Maria de Lima de Bastos
(2010, p. 32), muitos valores e crenças dentro da sala de
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julho a dezembro de 2013
Letras
língua estrangeira, podem, ideologicamente, firmar e
construir certos estereótipos às pessoas e a “cada povo”.
Uma pluralidade de elementos pode servir para classifi-
car,eugenicamente,umgrupo,estereotipando-o,apartir
detraçosgenótipos,fenótiposeculturais.Éinteressante
ressaltar que, mesmo os documentos oficiais – tal como
os Temas Transversais (BRASIL, 2001) –, apontam que
essa é uma realidade comum nas escolas e que se deve
apresentar a diversidade cultural como solução.
Estereótipos são caracterizações e impressões
pré-concebidas para representação de alguém ou algo.
Essas representações estão relacionadas ou fazem
parte do processo educacional, principalmente, nos
instantes em que as diferenças e a diversidade cultural
deixam de ser respeitadas, ou seja, passa-se a existir
os preconceitos, que tanto reprimem e atingem o âm-
bito escolar (CAVALLEIRO, 2001; GOMES 2001a;
LOPES, 2001). Sobre estes, pode-se dizer, também,
que convergem e influenciam na maneira de se con-
ceber as relações de gênero, de raça, de etnia e, tam-
bém, as condições socioeconômicas dos indivíduos,
tendo por base certos padrões.
Quando se fala de relações étnico-raciais é impor-
tante destacar que houve uma ampliação do quadro de
discussões dentro dos ambientes sociais em geral, prin-
cipalmente por parte dos professores (GOMES, 2001a;
FERREIRA, 2012). No entanto, esta ampliação está
bem longe de mudar o panorama atual, visto serem
ainda insuficientes as (re)ações para reverter a situação
discriminatória dentro da escola, hoje. Essa realidade
é visível, principalmente, no Brasil, onde se nega o ra-
cismo. Entretanto, este é mantido “presente no[s] sis-
temas de valores que regem o comportamento da nossa
sociedade, expressando-se através das mais diversas
práticas sociais” (GOMES, 2001a, p. 142).
Segundo Eliane Cavalleiro (2001, p. 7), “[f]alar
sobre discriminação no ambiente escolar não é reali-
zar um discurso de lamentação. Mas dar visibilidade
à discriminação de que crianças e adolescente negros1
são objetos”. Essa é uma necessidade que, no entanto,
ainda é atendida pela escola com um trabalho inefi-
ciente, especialmente, na desconstrução e reconstru-
ção da identidade negra (GOMES, 2001a, 2002).
Nessa direção, acontece a naturalização e consequente
perpetuação do racismo com o auxílio daquela que de-
veria desvelar as máscaras, a comunidade escolar
(GOMES, 2002, FERREIRA, 2012).
Contudo, as aulas de língua inglesa, além de um
espaço para o ensino-aprendizagem de língua, podem
ser um meio de problematização das relações étnico-ra-
ciais (CONTRERAS, 1996, 2002, MOITA LOPES, 2006;
PESSOA; URZÊDA-FREITAS, 2012a; FERREIRA,
2012). É justamente, conforme apresentado no aporte
teórico acima, considerando a sala de aula como um
lugar de construções e desconstruções de significados
sociais por meio do discurso, que se pode trazer e fazer
mudanças mais expressivas sobre esse tema crítico.
É conveniente, todavia, levar em conta que “[a]
problematização do ensino de línguas se concretiza
não apenas nas provocações feitas pelo professor, mas
também nas atividades que desafiam os alunos a pen-
sar como se pode agir de forma diferente e, assim, vis-
lumbrar possibilidade de mudança” (PESSOA;
URZÊDA FREITAS, 2012a, p. 60).
Diante desse contexto de racismo, culturalmente,
naturalizado; do mito da democracia racial dentro do
espaço escolar; e da possibilidade da discussão crítica
como material contra esses problemas se faz impor-
tante essa pesquisa, de maneira a destacar como os
alunos (brancos e negros) veem o racimo hoje.
Metodologia
O presente estudo buscou relatar a experiência de
tratarraçaeracismodentrodocontextodaauladeinglês
como Língua Estrangeira. Também pretendeu identifi-
car as concepções dos alunos na atividade de represen-
tação do negro por meio do debate sobre raça e racismo.
A pesquisa foi realizada durante o segundo se-
mestre de 2012, sendo que a maior parte das ativida-
des se concentrou no mês novembro – mês de
efervescência do assunto por causa do dia nacional da
consciência negra, datado 20 de novembro. O público-
alvo dessa pesquisa foi um grupo 31 pessoas, alunos
e alunas do 8º ano de uma escola pública do município
de Senador Canedo-GO. Dentre esses, 18 eram meni-
nas e 13 eram meninos.
Para tanto, foram desenvolvidas atividades, dis-
cussões e aplicado um questionário fundamentados
numa abordagem que proporcionasse uma experiên-
cia de Letramento Crítico, conforme a noção apresen-
tada acima (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001;
FREIRE, 2011). As atividades se basearam na leitura
1
Consideramos “negro(s)”, nesse trabalho, os “pretos e pardos”, segundo a classificação do IBGE.
28
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de textos curtos na língua inglesa. Estes, depois de
lidos e compreendidos, foram usados de forma a co-
nhecer e a contestar os padrões sociais de gênero, raça
e etnia, e alimentar questionamentos e opiniões di-
versos por parte dos alunos e alunas, oportunizando
os debates. Após as discussões foi aplicado um ques-
tionário como culminância das sessões dialógicas
entre alunas e alunos e o professor durante as aulas.
Estes serão analisados na próxima seção.
Assim, podemos dividir a pesquisa em dois mo-
mentos. No primeiro momento foram realizadas dis-
cussões sobre racismo, preconceito e igualdade. Tais
discussões tiveram o objetivo de levar os participan-
tes a refletirem sobre os assuntos (raça e racismo) que
seriam abordados em sala, de modo que eles expuses-
sem suas opiniões e experiências de forma livre, sem
interrupções e/ou intervenções muito aprofundadas
sobre o tema. Esse foi um ponto inicial e crucial que,
de certo modo, “destrona” com “a crença de que a fun-
ção da escola está reduzida a transmissão dos conteú-
dos historicamente acumulados, como se estes
pudessem ser trabalhados de maneira desvinculada
da realidade social brasileira” (GOMES, 2001, p. 141).
No segundo momento, os alunos tiveram um es-
paço para expressarem suas experiências concretas de
racismos e/ou preconceitos, mostrando sua visão de
mundo perante a situação de problematização crítica.
Para tanto responderam um questionário, no qual foi
dada a oportunidade de relatar, de maneira pessoal e
escrita, suas apreciações e julgamentos a respeito do
tema discutido em sala. É importante destacar que,
as discussões não foram realizadas em língua inglesa,
nem as respostas aos questionários, tendo em vista
que os alunos ainda não possuem habilidades linguís-
ticas suficientes da língua estrangeira alvo – o inglês
–para realizarem as atividades propostas ressaltadas
no parágrafo anterior e nesse.
Análise dos dados
Nesta seção, serão apresentados os resultados e
uma análise da segunda parte do estudo – o questio-
nário. Constituído de três perguntas bastante simples
e diretas, o questionário foi aplicado em de Novembro
de 2012. Dentre as três questões, inicialmente esta-
vam: 1) E, sua opinião, o que é racismo? e 2) Em sua
opinião, existe racismo hoje? Por quê?
Num primeiro instante, os/as alunos/as foram
convidados a refletir sobre o que eles/as entendiam por
racismo. Essa questão além de pertinente para a cons-
truçãodeumadiscussãocomosalunos,segundoGomes
(2001a, p. 143), “poderia ajudar os(as) educadores(as) a
compreenderem a especificidades do racismo brasileiro
e auxiliá-los a identificar o que é uma prática racista [...]
no interior as escola”. Confiramos as respostas:
Aluno/a 1: Racismo é um crime cometido pela
maioria da população e é praticado na escola e nas
ruas. Quem sofre mais são pessoas de pele escura,
pessoasacimadopeso,pessoasdecabeloruim,etc...
Aluno/a 2: Racismo é uma coisa ruim. Ra-
cismo não é só cometido com negros, [mas] também
com gordos, etc.
Aluno/a 3: Racismo é um preconceito muito
sem noção. Porque cor não se escolhe. A gente tem
por que tem de ser assim, e cor não [é] conteúdo.
Aluno/a4:Éumadiscriminação,umaformade
falar mal de uma pessoa pelo seu jeito e pela sua cor2
.
Apreendemos na fala do/a Aluno/a 1 um termo
que atribui, infelizmente, qualidades negativas às pes-
soas que têm cabelo crespo (“cabelo ruim”). Pode-se in-
ferir que essa expressão é um produto da formação
que esse/a jovem teve. A esse respeito, Nilma Lino
Gomes, em seu artigo Trajetórias escolares, corpo negro
e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignifi-
cação cultural?, no qual descreve uma pesquisa que
realizou, resalta dados que influenciaram e influen-
ciam na formação individual de cada pessoal. Nesta,
ela entrevistou algumas pessoas, na sua maioria mu-
lheres negras de várias faixas etárias, a fim de cons-
tatar as formas de representação do/a negro/a. Sobre
este trabalho, Gomes (2002, p. 41, grifos nossos) des-
taca que:
A trajetória escolar aparece em todos os
depoimentoscomoumimportantemomento
no processo de construção da identidade
negra e, lamentavelmente, reforçandoestereó-
tiposerepresentaçõesnegativas sobre esse seg-
mento étnico/racial e o seu padrão estético.
Letras
2
Os destaques realizados em negrito nas falas dos alunos não contam nos textos originais. Esses são apenas
um recurso utilizado para ressaltar partes importantes dentro das respostas dos questionários.
29
julho a dezembro de 2013
Letras
Perante isso, é relevante apontar que a sociedade
estabelece critérios para classificação que reproduzem
relações assimétricas entre negros e brancos, nas
quais a verticalidade demonstra a quem pertence o
poder dentro da educação (CAVALLEIRO, 2001). Para
se afirmar os direitos educacionais dos afro-brasilei-
ros, além da Lei 10.639/2003, que alterou a LDB, é
necessário reconhecer a exigência de
que se questionem relações étnico-raciais
baseadas em preconceitos que desqualificam os
negros e salientam estereótipos depreciativos, pa-
lavras e atitudes que, velada ou explicitamente
violentas, expressam sentimentos de superiori-
dade em relação aos negros, próprios de uma so-
ciedade hierárquica e desigual (BRASIL, 2005, p.
12, grifos nossos).
Gillborn (1995 apud FERREIRA, 2012, p. 37)
chama a atenção sobre a cautela na abordagem da
questão da raça/racismo, [visto que,] se a
atividade não for bem dirigida, “[...] não importa
o quão bem intencionada, pode atrapalhar e alie-
nar os estudantes menos favorecidos socialmente,
servindo para reforçar (em vez de desconstruir)
estereótipos raciais existentes e conflitos”.
É muito importante perceber que não só a “es-
cola” realiza esse trabalho de padronizar negativa-
mente as pessoas ou um grupo de pessoas. Por vezes,
são desconsiderados outros lugares (espaço de rela-
ções sociais, tais como, casa, clubes, etc.) que possam
ter influenciado a citação “cabelo ruim” na fala do
Aluno/a 1. Assim sendo, pode-se afirmar que é um
conjunto de fatores educacionais que influencia a
construção e o estabelecimento dos modelos e pa-
drões que circundam a forma de conceber as imagens
e representações, principalmente, as identitárias, ao
mesmo tempo em que são os fatores educacionais
que, igualmente, podem combater e romper essas he-
gemonias e normas (BRASIL, 2005, p. 14-15).
Éválidoressaltarque,napercepçãodosalunos/as,
nessa primeira pergunta, o racimo não está relacionado
restritamenteàspessoasnegras,mastambém,àsobesas
e pessoas que se destacam por alguma característica di-
ferente das outras, como o “jeito de ser”. É interessante
apreender nos relatos acima que o conceito de racismo
está, estreitamente, vinculado ao conceito de precon-
ceito, de rotular o desigual de maneira discriminada.
No segundo questionamento proposto, os/as
aluno/as deveriam responder: “Em sua opinião, existe
racismo hoje? Por quê?”. Todos, unanimemente, dis-
seram que sim, ressalvando posicionamentos bas-
tante ricos. Vejamos:
Aluno/a 1: Sim, por que até hoje tem gente
que ainda se acha melhor que o outro, que ainda se
acha diferente de todos. Racismo pela cor, pelo
peso e pela classe social.
Aluno/a 2: Sim, por que as pessoas ainda não
tem a capacidade de raciocinar e ver que cor não
faz diferença nas atitudes.
Aluno/a 3: Sim, existe. Por que algumas pes-
soas não tem a noção do que é racismo. Elas não
sabem que isso pode ofender as pessoas.
Aluno/a 4: Sim, infelizmente, isso ainda não
acabou. [...] Pelo menos hoje tem as lei para a defesa
do discriminado.
Estes/as alunos/as, conforme vemos na
transcrição acima, estão cientes da permanência da
divisão das pessoas causada por meio da cultura de
raça ou de criar raças – o que também causa o racismo.
O termo raça é utilizado com freqüência
nas relações sociais brasileiras, para informar
como determinadas características físicas, como
cor da pele, tipo de cabelo, entre outras, influen-
ciam, interferem e até mesmo determinam o
destino e o lugar social dos sujeitos no interior
da sociedade brasileira (BRASIL, 2005, p.13, gri-
fos nossos).
A raça/racismo, como se vê, está intimamente li-
gada com o “lugar social dos sujeitos”, o que converge
com a ideia de que não houve políticas de inserção do
negro – “jogado à liberdade” pela Lei Áurea – na so-
ciedade (VALENTE, 1987, p. 22-23). O negro não foi
e não é tratado como um contribuinte para constru-
ção do desenvolvimento étnico, cultural e econômico
do Brasil e do Mundo (VALENTE, 1987). Essa situa-
ção manteve e mantém o negro à margem das opor-
tunidades de ascensão que, consequentemente,
alimentou a veiculação de discursos de inferioridade
do negro (VALENTE, 1987). Por isso, “hoje tem gente
que ainda se acha melhor que o outro”, como bem dis-
cute o/a Aluno/a 1. Nessa direção, vemos o racismo
30
julho a dezembro de 2013
produzir outros preconceitos, como, por exemplo, os
relacionados à “classe social”, além de verificar que os
racistas são “pessoas não tem a noção do que é racismo”,
isto é, não tem noção do mal que causam, como
afirma o/a Aluno/a 3.
É importante destacar que um dos objetivos fun-
damentais da República Federativa do Brasil, previstos
na Constituição Federal do Brasil, de acordo com o ex-
posto no artigo 3º é:
I – construir uma sociedade livre, justa e
solidária; II – garantir o desenvolvimento nacio-
nal; III – erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV
– promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras for-
mas de discriminação (BRASIL, 2011a, p. 20, gri-
fos nossos).
Mas, o que se verifica, depois de mais de 20 anos
da Constituição, é que o cumprimento dessa lei não
atinge a todas a pessoas, como deveria ser. Essas são
algumas das inúmeras falhas da concretização de po-
líticas que, por não serem cumpridas e “nem existi-
rem” instrumentos para sua real efetivação, geram
mais problemas sociais, como os preconceitos, infe-
lizmente, comuns relacionados à raça e sexo.
Indubitavelmente, a “[...] raça está sempre pre-
sente em todas as configurações sociais de nossas
vidas” (LADSON-BILLINGS 1998 apud FERREIRA,
2012, p. 42) mesmo que alguns, conscientemente,
façam de conta que isso não existe (VALENTE, 1987,
p. 6; LOPES, 2001). É principalmente nesse tipo de
situação que a escola deve interferir, propondo alter-
nativas e reflexões críticas, transformando os discur-
sos e, por conseguinte, a visão de mundo do alunado
e, numa amplitude maior, da sociedade (GOMES,
2001a, 2001b, 2002; LOPES, 2001; FREIRE, 2011).
Na última questão, os/as alunos/as teriam que
fazer uma breve reflexão sobre um trecho do famoso
discurso “Eu tenho sonho” (I have a dream) de Mar-
tin Luther King Jr.: “Eu tenho um sonho de que
meus quarto filhos um dia viverão em uma nação
onde eles não serão julgados pela cor de sua pele,
mas pelo conteúdo do seu caráter”3
. Vejamos o re-
sultado das reflexões:
Aluno/a 1: Os seus filhos não sofreriam
de racismo, mas, sim, seriam aceitos na so-
ciedade pelo seu caráter não pela cor da sua
pele.
Aluno/a 2: Entendo que ele [Martin Lut-
her King], assim como todos, quer o melhor
para os seus filhos, e que eles possam ser al-
guém na vida, sendo respeitados.
Aluno/a 3: Ele [Martin Luther King] quer
viver em um mundo igualitário, onde não
existe preconceito.
Aluno/a 4: Entendo que [...] em vez de
julgar, por que não conhecer e descobrir que ela
[qualquer pessoa] pode valer tanto como
você ou mais.
Nessas respostas, podemos verificar que as lei-
turas realizadas pelos alunos vão ao encontro da ne-
cessidade soluções propostas pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ét-
nico-Raciais e para o Ensino de Histórica e Cultura Afro-
Brasileira e Africana para sanar os problemas com a
injustiça, a desigualdade e a exclusão sociais:
A divulgação e produção de conheci-
mentos, a formação de posturas e valores
que eduquem cidadãos orgulhosos de seu
pertencimento étnico-racial – descendentes
de africanos, povos indígenas, descendentes
de europeus, de asiáticos – para interagirem
na construção de uma nação democrática, em
que todos, igualmente, tenham seus direitos
garantidos e sua identidade valorizada (BRA-
SIL, 2005, p. 10, grifos nossos).
O/A aluno/a 1, ao afirmar: “seriam aceitos na so-
ciedade”, levanta uma questão de suma importância
que é a inserção do negro, do marginalizado, do ex-
cluído, na sociedade. Isto é, “garantir à população
negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a
defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e di-
fusos e o combate à discriminação e às demais formas
de intolerância étnica” (BRASIL, 2011b, p. 5). Em ou-
tras palavras, é a presença e a atuação do negro dentro
Letras
3
“I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by
the color of their skin but by the content of their character” (I have a dream, Martin Luther Kingʼs Speech -
Tradução nossa).
Ciência, Tecnologia e Sociedade na Construção Dialética
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Ciência, Tecnologia e Sociedade na Construção Dialética

  • 1. UniAno 2– n°3 – julho a dezembro de 2013ISSN2238-7706 SUPER Aspectos de Linguagem e Teoria Administrativa A PRÁTICA DA BOA TEORIA:
  • 2.
  • 3. 3 julho a dezembro de 2013 Ano 2– n° 3 – julho a dezembro de 2013 Brasília – DF – Brasil Publicação trimestral pela Faculdade Mauá de Brasília ISSN 2238-7706 A SuperUni é especializada na publicação de material científico da comunidade acadêmica do Distrito Federal Instituto Mauá de Pesquisa e Educação Ltda Setor Habitacional Vicente Pires, Rua 4-C, ch. 12, CEP:72110-600 Taguatinga – Brasília – DF Tel: (61) 3397-5251 Endereço eletrônico: superuniversitaria@mauadf.com.br
  • 4. 4 julho a dezembro de 2013 Expediente Faculdade Mauá de Brasília (MAUÁDF) Diretora-Geral Dilcia Teles Lima Editores Chefes: lFelipe Alves Leitão Faculdade Mauá de Brasília Rogério Emiliano de Assis Secretaria de Estado de Educação do Dis- trito Federal/Faculdade Mauá de Brasília Editores Internos: lAlfredo Neto de Jesus Luz Faculdade Mauá de Brasília Antônio Ferreira Lima Faculdade Mauá de Brasília Editores Externos: Douglas de Assis Teles Santos Universidade do Estado da Bahia/UNEB Maria Aparecida de Assis Teles Santos Instituto Federal de Goiás/IFG Neuda Alves do Lago Universidade Federal de Goiás/UFG Conselho Consultivo Letras Roseli Pioli Zanetin FaculdadeAnhanguera/SãoPaulo–Doutora Augusto Luitgards Universidade de Brasília - UNB – Doutor Administração Rubem Boff – FAE Faculdade das Águas Emendadas - Doutor Alceu de Amorim Von-Held IESB/Brasília - Especialista Sérgio Roberto Porto de Almeida Doutor Direito Analice Cabral – Especialista Faculdade Mauá de Brasília Educação Física Arilson Fernandes de Sousa - Mestre Faculdade Mauá de Brasília Marcus Tulius de Paula Senna – Mestre Faculdade Mauá de Brasília Design Jovailton Vagner Informações Gerais Este periódico é especializado na publicação de material científico de autoria de graduandos, de profissionais e de docentes vinculados à Fa- culdade Mauá de Brasília ou a outras institui- ções de ensino superior, interessados na divulgação de sua produção acadêmica. O con- teúdo dos artigos não representa, necessaria- mente, os pontos de vista dos organizadores.
  • 5. 5 julho a dezembro de 2013 Sumário A Prática da Boa Teoria: Aspectos de Linguagem e Teoria Administrativa Antônio Ferreira LIMA Felipe Alves LEITÃO Ciência, tecnologia e Sociedade: uma construção dialética Jonas Nogueira de SOUZA A natureza da monocultura colonial semelhante à figura fe- minina ocupando papéis sócio-subjetivos monovalentes Maria Aparecida de Assis Teles SANTOS Jorge Alves SANTANA DiscutiNdo raça/racismo na sala de aula de língua Inglesa: relato de Uma experiência Edilson Alves de SOUZA Administração página 9 Letras página 16 Letras página 25 Administração página 6
  • 6. 6 julho a dezembro de 2013 O desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem acarretado diversas transformações na sociedade contemporânea, refletindo em mudanças nos níveis econômico, político e social. É comum considerarmos a ciência e a tecnologia como molas propulsoras de progresso que proporcionam não só o desenvolvi- mento do saber humano, mas também uma evolução para o homem. O que podemos compreender é que, numa rela- ção dialética, a sociedade constrói a ciência e a tecno- logia, ao mesmo tempo, a ciência e a tecnologia cons- troem a sociedade. Sem determinismos de parte a parte. Esta é, em geral, a lição mais difícil de com- preender quando começamos a estudar as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Mas também, torna-se lição mais importante porque nos abre duas portas, uma para o entendimento dessas re- lações e outra para a ação. A primeira porta é a que nos explica a construção da tecnologia, segundo o jogo social no qual estão pre- Ciência, tecnologia e Sociedade: uma construção dialética Jonas Nogueira de SOUZA Especialista em Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas Faculdade Apogeu
  • 7. 7 julho a dezembro de 2013 Administração sentes atores com seus interesses, valores, com dife- renças de poder, de saberes e de capacidades, descar- tando o seu caráter de neutralidade. Dessa forma, podemos perceber que a tecnologia não segue um caminho predeterminado ou é sempre a “melhor” tecnologia ou a de “ponta”. O sentido do desenvolvimento da tecnologia ocorrerá conforme o intrincado jogo de relações que se estabelecem em qualquer sistema social. David Noble (1984) usa a expressão “Fetiche Cultural da Tecnologia” para nomear a dominação que continua a moldar a sociedade e a tecnologia de acordo com a “compulsão irracional da ideologia do progresso” que determina o uso e desenho antes da adoção da tecnologia. A tecnologia que predomina no mundo atual é a que inclui no seu desenvolvimento os valores e os in- teresses que dominam o jogo social e que servem para construção desse tipo de sociedade. Se pensarmos em outro tipo de sociedade, temos de pensar em cons- truir outro tipo de tecnologia. Diante desta constatação, abrimos a segunda porta, a da ação. Diferentes pessoas em diferen- tes lugares do mundo chegaram a esta compreen- são por caminhos variados. Alguns compreenderam essa questão teoricamente e realizaram pesquisas para demonstrá-la. Outros entenderam essa ideia na prática e passaram a fazer tecnologia introduzindo, de forma consciente e intencional, interesses e valores de grupos socialmente menos privilegiados, bem como de critérios em geral negligenciados, como os de sustentabilidade ambiental. A compreensão da relação existente entre o pro- blema da exclusão social e a ciência e tecnologia e que estas podem desempenhar papel importante na redu- ção das desigualdades sociais, constitui-se em um vetor para a intervenção no meio social. O enfoque tecnológico para inclusão social tem um sentido transformador, buscando gerar uma tec- nologia desenvolvida com os atores sociais interessa- dos, como também com valores e interesses alternativos e, por esta razão, capaz de promover a in- clusão social. O foco na tecnologia voltado para a exclusão e aponta a formulação de um modelo de desenvolvi- mento alternativo, econômico, ambiental e social- mente sustentável, configurando-se como a porta da ação. Tecnologia não é apenas o artefato, mas tam- bém o sistema de conhecimentos e a organização ne- cessária para produzi-la e operá-la. Langdon Winner (1997) afirma que as máqui- nas, as estruturas e os sistemas devem ser julgados não apenas por suas contribuições à eficiência, à pro- dutividade e por seus efeitos ambientalmente posi- tivos ou negativos, mas também pela forma que podem incorporar formas específicas de poder e au- toridade. Segundo o autor, a tecnologia possui intrin- secamente algum conteúdo político. Ele também afirma que a história da arquitetura, planejamento urbano e obras públicas proveriam bons exemplos de arranjos físicos ou técnicos que permitem observar conteúdos políticos, presentes implícita ou explicita- mente. Alguns exemplos do passado mostraram como tentativas de desenvolvimento e difusões de tecnolo- gias alternativas podem falhar em seus objetivos de transformação social. Na década de 1970, houve uma proliferação de defensores de tecnologias diferentes das convencionais, que integraram o movimento da chamada Tecnologia Apropriada (TA). Elas tentavam se diferenciar daquelas consideradas de uso intensivo de capital e insumos sintéticos e poupadoras de mão de obra, produzidas nos países desenvolvidos. As TAs, no entanto, foram desenvolvidas sem uma base crítica sobre a visão neutra, determinista e instrumental da tecnologia. A visão corrente nesse período estava fundamentada no Modelo Ofertista Linear, que supunha que o conhecimento pudesse ser “ofertado” por uns e “demandado” por outros, sem o envolvimento dos atores sociais interessados na con- cepção da tecnologia. Assim, a pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação eram vistos como fases de um processo que mantinham entre si uma relação de cau- salidade sequencial-linear, em que o desenvolvimento social seria obtido a partir da pesquisa científica, e o meio acadêmico seria o local ideal para o início da- quele processo virtuoso. Em seguida, viria o desenvolvimento tecnoló- gico, que levaria à inovação, que traria por consequên- cia o desenvolvimento econômico e, como decorrência “natural”, o desenvolvimento social. A construção de uma Política de Ciência e Tec- nologia que tenha resultados de inclusão social e pro- mova um modelo de desenvolvimento realmente sustentável passa necessariamente pelas duas por-
  • 8. 8 julho a dezembro de 2013 Administração tas mencionadas anteriormente. Eis, que se insere o movimento em torno do conceito e das práticas de Tecnologia Social (TS). Um dos principais objetivos da TS é prover um dado espaço socioeconômico de aparatos tecnológicos (produtos, equipamentos, etc.) ou organizacionais (processos, mecanismos de gestão, relações, valores) que permitam interferir positivamente na produção de bens e serviços e, assim, na qualidade de vida de seus membros, gerando resultados sustentáveis no tempo e reprodutíveis em configurações semelhantes. Entretanto, o fato de que a condição periférica brasileira oportuniza a geração de efeitos distintos – ou até contraditórios – daqueles obtidos nos países centrais por uma dada medida de política pública, em- bora ha muito conhecido, não tem sido levado em consideração. Nesse contexto, a proposta da TS significa, em lugar em lugar da busca de um resultado estritamente econômico do processo de produção do conheci- mento, um deslocamento do condutor de orientação diretamente para o resultado social, percebido como melhoria no plano coletivo (qualidade de vida, em seus diversos aspectos) ou em uma maior eficiência na gestão pública com finalidades sociais. O efeito inovador da TS não reside necessariamente no seu ineditismo, mas sim, em associar-se às condições lo- cais de seu desenvolvimento e aplicação. É por isso provável e desejável, que uma deter- minada TS, que já tenha sido aplicada em outro con- texto ou espaço provoque soluções e processos de reinvenção e inovação distintos dos convencionais porque ele é decorrente, especialmente, da capacidade do empreendimento de natureza social conter como seu elemento constitutivo, a capacidade de reprodu- zir-se e difundir-se coletivamente. Diante do exposto, pode-se inferir que uma TS não gera mais riqueza por ser inédita, nem por res- tringir a abrangência de seu uso a poucos. Ao contrá- rio, ela cumpre seu objetivo se consegue a reprodução e a difusão, conforme seus elementos constitutivos. Este pode ser um elemento referencial de grande re- levância para a construção de uma Política de Ciência e Tecnologia realmente promotora de desenvolvi- mento sustentável e equitativo. Referencias Bibliográficas BALCONI, M. et al. In defence of the linear model: An essay. Research Policy [S.I.], v. 39, p. 1-13, 2009. GODIN, B. The Linear Model of Innovation: The Historical Construction of an Analytical Frame- work. Science Technology & Human Values [S.I.], v. 31, n. 6, p. 639-667, 2006. Langdon Winner, Autonomous Technology: Technics-Out-of-Control as a Theme in Political Thought (Cambridge: MIT Press), 1977. MCLUHAN, Eric “Internet faz ressuscitar teorias de McLuhan”, World Media, Edição 13 abril, p. 3, 1995. NOBLE, David. Forças da Produção; Uma História Social da Automação Industrial, New York: Knopf, 1984. VIOTTI, E. B. Fundamentos e Evolução dos Indicadores de CT&I. In: VIOTTI, E. B.; MACEDO, M. D. M. (Ed.). Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Campinas: Editora Unicamp. Cap.1. p. 43-87, 2003.
  • 9. 9 julho a dezembro de 2013 A metodologia científica é o cinzel do pesqui- sador, ferramenta indispensável à transformação de ideias em conhecimento sistematizado. Seu estudo assume relevância na medida em que a teoria, como um todo, é encarada pelas pessoas como atividade tão especulativa que resulta estéril, sem qualquer implicação prática ou fatual, e a administração não foge dessa percepção. Partindo de pesquisa bibliográfica, o objetivo deste ensaio é postular a importância da da lingua- gem como fator de coerência interna da teoria. O cuidado com esta característica intrínseca propor- ciona a) a eliminação da dubiedade das proposições, ao delimitar claramente seu alcance e significado; b) o enriquecimento e consolidação da própria teoria e da ciência como um todo e c) mudanças no compor- tamento social, alavancadas pela influência das teo- rias científicas sobre o pensamento e sobre os paradigmas das sociedades onde se inserem seus for- muladores e/ou adeptos, contribuindo para sua re- valorização. A acepção moderna do termo ciência denota um conjunto de inferências e conclusões decorrentes de uma ou mais hipóteses, passível de verificação e con- Antônio Ferreira LIMA Docente da Faculdade Mauá de Brasília Mestre em Administração – Universidade de Brasília (UnB) Felipe Alves LEITÃO Docente da Faculdade Mauá de Brasília Mestrando em Educação – Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires A Prática da Boa Teoria: Aspectos de Linguagem e Teoria Administrativa
  • 10. 10 julho a dezembro de 2013 frontação empírica (Simonsen, 1994, p.3), com suas partes integrantes e um aparato que permite sua ve- rificação ou confirmação, isto é, a teoria científica (Abbagnano, 1970, p. 576). A discussão sobre a natureza da administração, se ciência, técnica ou arte é antiga e, acreditamos, construtiva, mas refoge dos objetivos deste trabalho. Basta-nos reconhecer que a administração, ainda que considerada pouco densa por alguns, se conso- lida com o passar do tempo como ciência social, do- tada de um corpo teórico próprio, que se renova e se enriquece com a criação de novas abordagens e Es- colas, novas perspectivas a respeito dos fenômenos de seu domínio. Teoria científica é o conjunto de técnicas e pos- tulados que permite a verificação ou confirmação das hipóteses cientificas, no tempo e no espaço; é um instrumento de classificação e previsão dos fatos aos quais se refere, sem necessariamente constituir- se numa explicação exaustiva de seu domínio (Ab- bagnano, op.cit, pp. 571-572), pelo contrário, a refutabilidade fez parte de sua essência. Simonsen afirma que “uma ciência não apresenta verdades ab- solutas, mas previsões que são aceitas enquanto não forem desmentidas pelos fatos.” Do ponto de vista etimológico a palavra teoria remonta ao grego theoria e, originariamente, que- ria dizer “ação de observar”, “ação de ver o espetá- culo”. Posteriormente, o termo passou a denotar a “contemplação do espírito, meditação, estudo” (Bailly, apud Viegas, 1996, p.51) até chegar ao con- teúdo dos dicionaristas. De acordo com o dicioná- rio de Aurélio Buarque (1994), teoria é “conhecimento especulativo meramente racional. 2. conjunto de princípios fundamentais duma arte ou duma ciência. 3. doutrina ou sistema fundado nesses princípios.” A discussão sobre a natureza da teoria e seus requisitos essenciais ainda parece estar aberta, in- clusive no que tange à administração. Segundo Vie- gas (pp. cit, p. 52), entre os estudiosos “a questão hoje é se a teoria é o reflexo da realidade ou apenas uma forma prática de representá-la”, situando-se a discussão num campo afeto à filosofia e à forma- ção do pensamento e de conceitos. Se quanto à es- sência da teoria existe discussão, quanto aos requisitos formais não é diferente. Contudo, entre as características apontadas pela literatura, pare- cem unânimes a univocidade da linguagem e a coe- rência interna. Univocidade da linguagem O objetivo principal do emissor de uma men- sagem é a formação de um conceito, uma imagem no cérebro do receptor quanto ao objeto da comunica- ção. Trata-se de estabelecer uma relação de signifi- cação entre duas realidades distintas, uma concreta, a realidade observável e outra, abstrata, o signo re- presentativo (Chanlat e Bédard, 1994, p. 127). Quanto mais próxima a imagem percebida pelo re- ceptor daquela internalizada pelo emissor, melhor será a comunicação. A externalização dos conceitos pela linguagem proporciona essa transferência de imagens e cria as definições. Definir é essencial- mente difícil porque cada receptor tem um sistema cognitivo diferente daquele utilizado pelo emissor e é sujeito a conjuntos diversos de influências que o levam a entender os enunciados teóricos de acordo com suas características pessoais. Uma proposição unívoca, em termos de lingua- gem, deve a) aplicar-se a sujeitos diversos de ma- neira absolutamente idêntica, comportando apenas uma forma de interpretação e um grau mínimo e aceitável de variabilidade; b) não deixar margem a mais de um sentido, ou qualquer equívoco; c) não permitir que a prática denote incerteza, insegu- rança; e d) evitar a indeterminação, imprecisão, in- certeza. Quando se trata de proposições inteiras e, prin- cipalmente, quando se deseja retratar a realidade ou um fenômeno, por banal que pareça, a possibilidade da ocorrência de dubiedades é sempre uma cons- tante. Um termo ou proposição qualquer, quando ambíguo, pode levar à construção de falácias e para- logismos e, consequentemente, à derrocada da as- sertiva e da teoria. Considerando-se o objetivo do observador de representar por palavras as proprie- dades ou características essenciais do fenômeno ou relação que é objeto de sua análise, os termos da pro- posição assumem importância vital. Univocidade é a característica formal que diz respeito à unidade de significado e à coerência de cada proposição no seu contexto. Fácil constatar quanto a este requisito essencial duas necessidades básicas: a) especificidade terminológica; e b) integri- dade gramatical.
  • 11. 11 julho a dezembro de 2013 Administração Especificidade Terminológica A precisão terminológica reside no sentido de aprimoramento das definições e da redução do uso de analogias com o objetivo de fortalecer a teoria. A compreensão analógica da realidade é questionável e seu uso deve ser precedido de muitos cuidados quando se trata de ciências sociais, principalmente quando a base de comparação são fenômenos ou entes físicos ou orgânicos. O uso das analogias pode sugerir, inapropriadamente identidade essencial e fun- cional entre fenômenos distintos. Por exemplo, na comparação da tendência entrópica, conceito formu- lado por Clausius e importado da termodinâmica, com o desvanecimento de recursos organizacionais ao longo do tempo, o primeiro conceito obedece um modelo determinístico, enquanto os processos so- ciais sofrem diretamente a influência do homem, seu agente e cliente, que, teoricamente, pode pro- longar indefinidamente o fluxo de energia dos sis- temas; É necessário reconhecer que as diferenças entre determinados fenômenos são substanciais e não comportam o uso da analogia, porque não se restrin- gem a meras diferenças de escala. Talvez a mais famosa analogia da adminis- tração seja a comparação da empresa com o or- ganismo humano. As empresas, como organizações sociais, têm infinitas peculiarida- des que não se encontram no corpo humano e vice-versa, como a ausência de delimitação física e a natureza contratual das relações sociais, na existência de todo um sistema determinado de normas e valores que baseiam a convivência dos membros do grupo. Os enunciados devem conter em seu desenvol- vimento as definições dos fenômenos tratados. Não se pode nem se deve questionar o estilo dos autores, que se refere à maneira pessoal de expressão das idéias de cada um. Contudo, textos que se iniciam, desenvolvem e concluem sobre características, im- plicações e relações causais dificultam o entendi- mento do leitor, transmitindo-lhe não uma imagem, um ícone, mas uma série de movimentos sem refe- rencial. Uma ciência como a administração, no con- texto de transformação sem precedentes que se verifica nos últimos anos, necessita de agilidade na interpretação teórica como fator de viabili- zação da própria iniciativa empresarial. Talvez daí decorra a preferência dos executivos pelo aprendizado de técnicas e aquisição de pacotes tecnológicos capazes de responder mais pronta- mente às necessidades práticas das organiza- ções. Integridade Gramatical Uma das principais influências do sistema cog- nitivoéalíngua,entendidacomoconjuntosistemático designoscodificados,palavraseexpressõesusadaspor um povo, uma nação, e o conjunto de regras da sua gramática que permite a comunicação entre seus membros. Desnecessário realçar a importância da ri- gorosa observância de normas gramaticais como pon- tuação, regência e concordância verbal e nominal. Uma das formas mais comuns de violação da integridade gramatical é o uso indiscriminado de pa- lavras estrangeiras, completamente descontextua- lizadas de seu sistema morfossintático de origem e de jargões próprios a cada área temática organiza- cional. As pessoas entendem os enunciados de acordo com o seu entendimento da língua utilizada. Quando eles vêm de forma híbrida, com termos- chave em inglês, japonês ou outra língua qualquer, a comunicação abra espaço para diversas interpreta- ções e contradições, de acordo com o nível de enten- dimento do leitor a respeito daquelas línguas e suas particularidades. No dizer de Copi (1978) ‘Para com- preender o que foi dito, é necessário apurar o que as palavras significam; é quando as definições se tor- nam precisas” e a formulação teórica ganha transpa- rência, na medida em que suas proposições são mais facilmente entendidas e assimiladas. Termos estrangeiros devem ser utilizados quando absolutamente necessário, apenas nos casos onde verifique-se a impossibilidade de sua tradução. Não se encontra justificativa plausível para pressupor que o significado de termos como paper, case, input, quality, outplacement, output, company, feedback e ou- tros sejam de domínio comum dos administradores e, menos ainda, de estudantes e funcionários. Estes ter- mos são perfeitamente traduzíveis para o português. O uso de jargões técnicos é questionado de há muito. Fenômeno cultural que favorece a coesão dos
  • 12. 12 julho a dezembro de 2013 grupos e a formação de identidades grupais, geral- mente serve como mecanismo de restrição do co- nhecimento técnico a pessoas ou grupos determinados. Resulta num relativo isolamento, eventualmente benéfico para o grupo, valorizando- o, normalmente maléfico para a organização. Chan- lat e Débard (op. cit. p. 142), afirmam que o uso destes termos dificulta a comunicação entre setores, inter-equipes, característica especialmente perigosa para o desenvolvimento organizacional na era da in- formação, que requer, cada vez maior integração entre as pessoas e grupos. Os autores acentuam que É lamentável constatar que a evolução atual das escolas de administração, ao contri- buir para a difusão dessa língua empobrecida e para a criação de neologismo pseudocientíficos, torna cada vez mais difícil aos estudantes do- minar todas as possibilidades de expressão que a língua natural encerra, e emperra o desenvol- vimento de qualquer preocupação estética. Univocidade, fator de coerência interna A teoria, como exposição ordenada do pensa- mento, é pura forma, mas nem por isso deve ser des- cuidada em relação à substância. Coerência interna é a característica formal que confere unidade e uni- formidade à teoria, proporcionando a convergência das proposições parciais ou integrantes a um fator axiológico central, uma proposição diretora à qual todas as outras se rendem. Pressupõe que as partes sejam todas da mesma natureza, estreitamente liga- das, não apresentando desigualdades. A ocorrência de contradições ou de proposições opostas destrói a teoria, por impossibilitar essa con- vergência necessária. “Diz-se que um conjunto de fórmulas é formalmente consistente se, e somente se não contém contradições “ (Bunge, 1989, p. 472, grifo original). Quando se está diante de proposições que se re- pelem mutuamente resta reconhecer a inexistência da teoria ou desfazer a contradição, porque o enca- deamento lógico refere-se à montagem teórica sem tropeços, articulada, concatenada, ordenada, amar- rada, sistematizada (Demo, 1985, p. 34). O autor (op. cit, p.35) assevera que, entre outras, é tarefa bá- sica para se construir ciência ...definir os termos com precisão, para não deixar margem à ambiguidade; cada con- ceito deve ter um conteúdo especifico e delimi- tado; não pode variar durante a analise; embora uma dose de imprecisão seja normal, o ideal é reduzi-la ao mínimo possível, produzindo o fe- nômeno desejável da clareza de exposição. Retomando a metáfora do escultor, que trans- forma um bloco de pedra de acordo com uma imagem deseucérebro,opesquisadorobservaarealidade,forma uma imagem e a esculpe usando a teoria. O signo lin- güístico é constituído de dois elementos: significante e significado.Osignificanteéaimagemacústicaeosigni- ficado,oconceito,aimagemmentalinteriorizada(Saus- sure apud Chanlat e Débard, op. cit. p. 129).Daí resulta uma relação de implicação recíproca entre linguagem e pensamento, num processo de decomposição e recom- posição,análiseesíntese,queexigeumalinguagempre- cisa (Condillac apudChanlat e Débard, op. cit. p. 130). A univocidade tem papel relevante na formula- ção teórico-científica por proporcionar a “redução a termos”, isto é, por transformar em linguagem, os conceitos e impressões provenientes da observação da realidade, sistematizando suas características, ampliando a precisão dos enunciados e contribuindo para o aprimoramento lógico dos próprios conceitos, como na figura abaixo. O movimento acima representado é puramente dialético, faz com que o enunciado teórico torne-se mais compreensível e evidencie contradições e para- logismos que eventualmente pudessem viciá-lo, via- bilizando sua verificação empírica, sua validação em face da realidade. Considerando-se a ciência como construção coletiva, uma teoria bem elaborada, con- sistente e unívoca possibilita o confronto das propo- sições com a realidade das várias épocas com o intuito de validá-las, reformular conceitos obsoletos ou imprecisos ou, se for o caso, refutá-las. O progresso do conhecimento é fundamentado essencialmente em disputas genuínas de opinião, no refutamento de teorias e leis anteriormente formu- ladas e no enunciado de outras que serão, eventual e igualmente refutadas. Como assevera Popper (1975): “o trabalho do cientista consiste em elaborar teorias e pô-las à prova”. Este texto, portanto, não advoga a unidade de pensamento, pois o progresso da ciência reside na alteridade construtiva e tanto Administração
  • 13. 13 julho a dezembro de 2013 Administração mais construtiva será esta alteridade quanto mais claros forem os enunciados objeto das discussões acadêmicas, teóricas e práticas. Teoria e prática: irreconciliáveis? A maior oposição à teoria reside na percepção das pessoas de que ela seria irreconciliável com a prática. Esta ligada à ação, à produção de resultados palpáveis e mensuráveis e, exatamente por isso, in- trinsecamente objetiva, enquanto aquela retrataria a essência da esterilidade, da reflexão desprovida de resultado concreto. Talvez por isso mesmo ocorra a tendência dos estudiosos que, segundo Wahrlich (1986) cultivam um interesse muito maior pelo de- senvolvimento de práticas e técnicas do que pela pesquisa de seus fundamentos teóricos. A distância entre teorias falaciosas e a prática deve ser reconhecida como disfuncional, uma vez que a teoria deve possibilitar, entre outras coisas: a classificação e previsão dos fenômenos sob seu domínio; a facilitação do estudo e compreensão da realidade que cerca esses fenômenos e suas corre- lações e interações; e a sistematização do conhecimento, que além de assegurar condições mínimas para a disseminação da ciência, possibilita a comprovação e comparação dos resultados dos experimentos, mesmo decorridos longos pe- ríodos de tempo, por outras pessoas, em outros contextos. Confirmando a validade da teoria, da boa teoria, Viegas, citando Abbagnano (op.cit. p.52) observa que as leis e teorias mostram sua validade pela verifi- cação das previsões que com elas podem ser obtidas. A questão é que uma teoria equivocada, cujas previ- sões falham, causa mais impacto na sociedade que leis bem fundamentadas, cujas previsões são confiáveis. Teoria e prática, contrariamente ao que se pensa, são complementares, auxiliares. Para Wahr- lich {op.cit) as duas devem andar juntas com o obje- tivo de permitir o aprendizado a partir da experiência, da prática e, por outro lado, por meio da teoria, garantir sua disseminação e verificação. Entre outras ações que visam o fortalecimento da teoria, no sentido de favorecer a percepção da so- ciedade acerca de sua importância, é preciso buscar: a) eliminação da ambigüidade; b) o “enriquecimento” dos enunciados; e c) realçar a influência de sua aplicação prática sobre o corpo social. Univocidade vs. Ambiguidade Em disputas genuínas as partes realmente dis- cordam e se antagonizam de modo explícito e sem ambigüidades sobre uma questão. Pode centrar-se sobre atitudes, fatos, tipologias, substância ou forma, etc. O importante é que, nesse gênero de disputa não existe ambigüidade e, qualquer que seja o resultado, verificar-se-á um passo adiante no progresso da lei ou teoria, por menor que seja (Copi, op. cit). Não raramente, interpretações divergentes de um termo ou proposição central geram ; desacordos que não passam de meras “disputas verbais”, se- gundo Copi (op.cit) o gênero de disputa onde a am- biguidade provoca a contenda e não uma legítima divergência de opiniões entre os antagonistas. De- senvolve-se um processo de comunicação tangencial, ainda que involuntário, onde a decodificação ou de- composição das mensagens se dá de forma oblíqua, as respostas do receptor dissociadas das mensagens do emissor ou presas a aspectos secundários. Fun- damental, portanto, identificar e eliminar qualquer ambigüidade de seus termos em relação a) aos ou- tros termos e proposições e b) ao contexto onde se inserem, com o objetivo de evitar que aconteçam de- sacordos e discussões infrutíferas. O Enriquecimento dos Enunciados O observador deve, municiado pela teoria, ser capaz de reconhecer da forma mais clara possível os fenômenos enunciados e seus modelos causais, para assim poder acompanhar a ocorrência ou não das previsões. O enunciado será tanto mais rico quanto mais facilmente o receptor possa, a partir de seus termos, identificar o fenômeno relatado em suas ca- racterísticas essenciais e dinamismo. Termos claros e precisos, livres de ambigüida- des e outros vícios, otimizam o processo de comuni- cação. Seus significados são assimilados sistematicamente, a teoria torna-se mais “maleável” e é mais facilmente verificada empiricamente. As proposições ganham em matiz e sutileza quando se sabe escolher e dispor os elementos mais apropria- dos para traduzir o pensamento e captar a situação. A formação de imagens dos fatos administrativos
  • 14. 14 julho a dezembro de 2013 Administração possibilita uma visão ampliada dos fenômenos. ATeoriaCientíficaInfluenciandoAtitudes O objetivo final de qualquer teoria é influenciar o comportamento e as atitudes das pessoas no tempo e no espaço. Ao definir um termo ou enunciar uma lei tem-se em mente influenciar a percepção de mundo da sociedade, seus paradigmas, segundo Kuhn (1994). Trata-se de fornecer aquela “sofisticação” que falta ao senso comum, como assinala Demo (op.cit), ajudando as pessoas a problematizar as relações entre sujeitos e objetos. A relação entre ciência e sociedade é uma via de mão dupla, na qual se percebe uma interação cons- tante. Kneller (1980) reconhece que, embora a ciência não seja tão passível de ser determinada pelas forças sociais, freqüentemente essas forças a influenciam, mediante diversos fatores como os paradigmas ou vi- sões de mundo, as ideologias e até as forças econômi- cas e tecnológicas da época. Simonsen (op.cit) assevera que até a filosofia interage com a ciência pois os modelos científicos são construídos de acordo com o modo de pensar da época em que são elaborados e , por outro lado, certas descobertas científicas alteram os paradigmas filosóficos. Conclusão A missão da ciência de perseguir a verdade é al- cançada pela formulação teórica realizada num am- biente intelectual que inclui as visões de mundo e ideologias de uma sociedade, visão de mundo enten- dida como o conjunto de crenças não suscetível de ve- rificação empírica (Kneller, op.cií). Formuladas as leis, suas implicações extrapolam das comunidades cien- tíficas e impactam, por vezes, todo o comportamento das sociedades, influenciando comportamentos e ati- tudes, configurando um verdadeiro ciclo de intera- ções. O papel da teoria é sistematizar e disseminar o conhecimento científico para permitir a verificação, no tempo e no espaço, das hipóteses que ele encerra. Uma função essencialmente pragmática, avaliável em confronto com a eficiência da proposição teórica, “e esta eficiência (mede-se) pela possibilidade de obter com ela previsões que resultem suficientemente cor- retas” (Abbagnano, apud Viegas, 1996). A univocidade tem papel decisivo na formulação das leis e teorias exatamente por colaborar na uniformização dos con- ceitos e proposições e, assim, possibilitar sua coerên- cia interna. Já no século XDC, Comte defendia que as orga- nizações seriam a ponta de lança da mentalidade po- sitiva, já que sua influencia alcançaria, finalmente, a totalidade da sociedade, provocando as reformas pro- fundas das estruturas sociais e da mentalidade das pessoas (Rocher, apud Ajamil, 1994, p. 227). Mais uma vez esta expectativa se volve para os quadros em- presariais, agora no sentido da redefinição dos mode- los políticos, econômicos e sociais, que baseiam o comportamento humano na era das ciências sociais e, principalmente da administrativa. Se o homem vive, necessariamente, em um con- texto organizacional, o estudo destas entidades e de suas relações com os homens é de suma importância, o que ressalta a necessidade de que o resultado das re- flexões e estudos se traduza em um corpo teórico coeso e harmônico, que possibilite a atualização cons- tante dos conceitos e definições, contribuindo para, cada vez mais, se aprofundar a compreensão do exe- cutivo acerca do ambiente onde se insere e capacitá- lo a intervir sobre ele de forma prática, rápida e efetiva. A percepção das sociedades de que a teoria é algo estéril que se contrapõe à realidade, essencialmente prática, deve ser revertida, principalmente na admi- nistração. Não se pode conceber que os administra- dores privilegiem uma abordagem instrumental, enfatizando mais a formulação de técnicas de execu- ção e padronização de comportamentos que a refle- xão sobre relações de causa e efeito existentes entre fenômenos. Produtos acabados, sem esquemas ou ro- teiros e o estabelecimentos dos pontos de ambivalên- cia entre causa e consequência restringe a possibilidade de reprodução e verificação posteriores sobre os processos originários. Nota-se uma tendência na administração brasi- leira à mera reprodução de teorias e práticas, modas e conceitos estrangeiros, dos quais até os termos são importados literalmente e cujas causas e conseqüên- cias não cabe aqui discutir. Entretanto, se assim o é, pelo menos que esses conceitos importados sejam perfeitamente traduzidos e contextualizados à reali- dade nacional. A busca da sistematização teórica pró- pria em sede de administração no Brasil deve ser empreendida pelos órgãos responsáveis pelo desen- volvimento desta ciência no país, pelas universidades,
  • 15. 15 julho a dezembro de 2013 Administração governos, empresas e estudiosos com o objetivo de melhorar o entendimento dos executivos sobre a sua ciência e sua prática diária. Teoria e prática começam a se reconciliar quando as pessoas começam a falar a mesma língua e a se entenderem. O resumo vem numa frase de Einstein, “nada é mais prático que uma boa teoria”. Referencias Bibliográficas ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo : Mestre Jou, 1970. AJAMIL, Menchu. Los prejuicios laborales: el sexismo en el trabajo in. MARIN, Antônio Lucas et allii. Sociologia para la Empresa. Madri:McGraw-Hill, 1994. BUNGE, Mario. La Investigación Científica: su estratégia y su filosofia. 2ed. Barcelona : Ariel, 1989. CHANLAT, Alain e BÉDARD, Renée. Palavras: A ferramenta do executivo, In: CHANLAT, Jean-Fran- çois, O indivíduo na Organização, Dimensões Esquecidas, v.2. São Paulo: Atlas, 1994. COPI, Irving Marmer. Introdução à Lógica. 2. ed. São Paulo. Mestre Jou, 1978. DEMO, Pedro. Introdução à Metodologia Científica. São Paulo. Atlas, 1985. HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Grande Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo, Nova Fronteira, 1993. KNELLER, George F. A Ciência como Atividade Humana. Rio de Janeiro: Zahar/EDUSP, 1980. KUHN, Tomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1994 (Coleção Debates, n. 115) 10.POPPER, Carl. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo. Cultrix, 1975. 1 l.SJMONSEN, Mário Henrique. Ensaios Analíticos. Rio de Janeiro: FGV, 1994. VJJEGAS, Waldyr. Fundamentos de Metodologia Científica. Brasília: UnB, 1995 13.WAHRLICH,
  • 16. Este trabalho tem como objetivo uma reflexão sobre a obra “Calabar: o elogio da traição”, de Chico Buarque de Hollanda, discutindo a natureza da mo- nocultura colonial semelhante à figura feminina ocu- pando papéis sócio-subjetivos monovalentes. Para tanto, tomar-se-á como objeto de discussão as perso- nagens Anna de Amsterdam e Bárbara, bem como a exploração da terra, tanto por portugueses quanto por holandeses, numa visão ecocrítica. Félix Guattari (1998) advertia para o fato de que a ecologia não podia voltar-se apenas e isoladamente para os problemas decorrentes de tratamento hierár- quico e dualista entre ser humano e meio ambiente; antes devia reconhecer que o equilíbrio global so- mente se alcançará pelo inter-relacionamento das três ecologias: a do meio ambiente, a do social e a mental ou da subjetividade humana. Lembra-nos que: Nãosomenteasespéciesdesaparecem,mas também as palavras, as frases, os gestos de soli- dariedadehumana.Tudoéfeitonosentidodees- magarsobumacapadesilêncioaslutasdeeman- cipaçãodasmulheresedosnovosproletáriosque constituemosdesempregados,os“marginaliza- dos”,osimigrados.(GUATTARI,1989,p.35) Para a fundamentação teórica, basear-se-á em es- tudos de Hall (1997); Guattari (1994; 2004); Foucault (2006); Beauvoir (1967; 1970); Garrard (2006); Glot- felty e From (1996). O pensamento guattariano, am- pliando a percepção do ecológico, parece-me indicar um caminho de superação das dicotomias, no que bem dialoga com o ecofeminismo mais avançado. O posi- cionamento de Maria Miles e Vandana Shiva (1993) nos parece avançar na perspectiva ecofeminista; em muitos casos, limitada ainda pelas oposições entre na- tureza (pela qual se vem identificando a mulher) e cul- tura (ligada ao homem), relacionadas às de mente X alma, intelecto X emoção, racionalidade X espirituali- dade – dualismos culturalmente codificados. Maria Aparecida de Assis Teles SANTOS Mestre em Letras e Estudos Literários – Universidade Federal de Goiás Jorge Alves SANTANA Doutor no Programa de Pós-Graduação em Letras e Estudos Literários – Universidade Federal de Goiás 16 julho a dezembro de 2013 A natureza da monocultura colonial semelhante à figura feminina ocupando papéis sócio-subjetivos monovalentes
  • 17. 17 julho a dezembro de 2013 Letras Uma perspectiva ecofeminista apre- senta a necessidade de uma nova cosmolo- gia que reconhece que a vida na natureza (incluindo os seres humanos) mantém-se por meio da cooperação, cuidado e amor mútuos. Somente deste modo estaremos habilitados a respeitar e a preservar a diver- sidade de todas as formas de vida, bem como das suas expressões culturais, como fontes verdadeiras do nosso bem estar e fe- licidade. Para alcançar este fim, as ecofemi- nistas utilizam metáforas como “re-tecer o mundo”, “curar as feridas”, religar e interli- gar a “teia”. (MILES & SHIVA, 1993, p. 15). Ecocrítica A ecocrítica é o estudo das relações entre a lite- ratura e o meio ambiente, segundo Cheryll Glotfelty na introdução do livro “The ecocriticism reader”, que é até o momento, a obra mais completa sobre a maté- ria. Ecosofia é como denomina Guattari (2004) à ar- ticulação ética-política entre os três registros ecológicos: o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana. Ecofeminismo Combinação das palavras ecologia e feminismo, o ecofeminismo abraça a idéia de que a opressão das mulheres e a opressão ou destruição da natureza estão intimamente ligadas. Elementos do movimento feminista, do movimento da paz, dos movimentos ambientalista e verde podem ser vistos no ecofemi- nismo. Ativista, educadora e escritora, Ynestra King chegou a chamar o ecofeminismo de “a terceira onda do movimento feminista” [fonte: Sturgeon]. O termo foi cunhado em 1974, do trabalho da feminista fran- cesa Françoise d´Eaubonne, “Le feminisme ou la mort”. O feminismo pode ser definido como o pen- samento e o movimento em direção à igualdade polí- tica, econômica e social entre mulheres e homens. A ecologia é o estudo da relação entre grupos humanos e seus ambientes físico e social. O ecofeminismo é baseado na teoria de que a opressão das mulheres e a opressão da natureza estão fundamentalmente ligadas. Na literatura ecofemi- nista, o ecofeminismo é normalmente descrito como a crença de que o ambientalismo e o feminismo estão intrinsecamente conectados. Outra definição sugere que a discriminação e a opressão baseadas em gênero, raça e classe estão diretamente relacionadas à explo- ração e à destruição do ambiente. Algumas escritoras ecofeministas dizem abertamente que tal opressão é patriarcal, enquanto outras preferem apenas insinuar. De qualquer modo, a ligação que está sendo feita entre as mulheres e a natureza é evidente. Mas enquanto al- gumas ecofeministas vêem a ligação entre a mulher e a natureza como fortalecedora, outras acreditam que essa ligação é imposta pelo patriarcado e é degradante. Aquelas que veem a associação como fortalece- dora, geralmente afirmam que as mulheres estão mais próximas à natureza por causa de suas posições como mães e donas de casa. Como resultado, elas concluem que pelo fato de as mulheres cuidarem de suas famílias e lares, elas serão mais conscientes das questões am- bientais do que os homens. Pessoas que veem a associação como degradante, geralmente, afirmam que os homens continuarão a explorar as mulheres e a natureza porque eles enxergam ambas como eterna- mente férteis e infinitamente capazes de fornecer a vida [fonte: Sturgeon]. As ecofeministas levantam questões como a poluição da água, o desfloresta- mento, a acumulação de lixo tóxico, o desenvolvi- mento agrícola e sustentabilidade, os direitos dos animais e a política de armas nucleares. As bases de nossa colonização A política mercantilista no Brasil privilegiou o cultivo de gêneros agrícolas de origem nativa ou tra- zidos de fora. As opções iniciais concentraram-se na cana-de-açúcar. Em menor escala também o fumo e o algodão, enquanto o extrativismo florestal – pau-bra- sil e as chamadas “drogas do sertão” – continuavam a ser largamente explorados. Paraocultivodacana-de-açúcarosportuguesescria- ram um sistema integrado baseado na grande proprie- dadevoltadaparaaexportaçãoenotrabalhoescravo.Esse tipodesistemaerasemelhanteàplantation1 dacoloniza- ção inglesa no sul dos atuais Estados Unidos. A força da agricultura canavieira colonial estava em seu caráter ex- portador.Tratava-seemumaeconomiaespecializadaem 1 Plantation – Grande propriedade agrária especializada na monocultura tropical destinada à exportação, ge- ralmente ligada a produtos como cana-de-açúcar, fumo e algodão, cultivados com mão de obra escrava.
  • 18. 18 julho a dezembro de 2013 produzir e vender via metrópole, açúcar para o mercado europeu,emgrandequantidadeepreçocompetitivo.Em- boratenhadadolucro,essaestruturaprodutivaapresen- toudesdeocomeçoumcaráterextremamentedestrutivo. Nonordesteeemoutrasregiões,acana-de-açúcareracul- tivada de modo extensivo, ocupando enormes extensões deterras.Nasregiõesondeeraplantada,nenhumaoutra lavoura era admitida. Tratava-se de uma cultura exclusi- vista.Essetipodeexploração–amonoculturaemgrandes propriedades – levou à destruição crescente da Mata Atlântica e ao empobrecimento e esgotamento do solo. Pode-seafirmarqueoscolonizadores,nasuaânsia de retirar de suas possessões, toda a riqueza nelas exis- tente, desenvolveram a abordagem ecofilosófica, deno- minada por Garrard (2006) de cornucopiana. Tal postura se manifesta na “pouca ou quase nenhuma con- sideração pelo meio ambiente não humano, exceto na medida em que ele possa ter um impacto na riqueza ou no bem-estar humanos. A natureza só é valorizada em termos de sua utilidade para nós” (Garrard, 2006, p.35). Vale ressaltar que a população formada por indígenas, negros e mestiços não representavam o “nós” na visão do europeu que aqui se estabeleceu, sendo assim, a na- tureza só era valorizada na medida em que servisse aos propósitos dos exploradores. É verdadeira a afirmação de que a colonização no Brasil deu-se primeiramente pelos olhos da pastoral, quando por aqui desembarca- ram os portugueses em busca do paraíso. Mas, como o mundo pastoral não admitia a produtividade, foi neces- sário um novo modo de se olhar para as terras da nova colônia, atestado pelas palavras de Caminha em sua carta ao rei de Portugal, “(...) em que se plantando, tudo dá”.Aposturaadotadafoiadeumageórgicaradical,vol- tada para a monocultura agroexportadora. Tal posicio- namentoseapoiounatradiçãojudaico-cristã,quesegue o que prega o livro do Gênesis em que o homem extraia da terra tudo aquilo que lhe satisfaça. Porém a geórgica desenvolvida aqui era a do tipo socialista, que numa condição antropocêntrica, praticava cultivos grandio- sos, mas centrada apenas num só produto. Esta, com certeza era diferente da geórgica de Jesus Cristo ou franciscana, que prega o cuidado, o amor e o respeito a todos os segmentos da vida interior. A sociedade Era uma sociedade patriarcal, além disso, cen- trada no poder do chefe de família rural, o patriarca. Esse homem era ao mesmo tempo dono da terra, au- toridade local e senhor dos destinos dos seus depen- dentes, empregados, parentes e agregados, além dos escravos. O conjunto de pessoas dependentes for- mava a família patriarcal, uma família extensa ba- seada no direito masculino de primogenitura. Em relação às mulheres, no Brasil colonial, elas eram tratadas como pessoas subalternas em relação aos homens. As mulheres raramente apareciam às vis- tas ou iam à rua, e quando apareciam deviam cobrir com véus o rosto. Era uma atitude de inferiorização e exclusão da mulher na sociedade colonial. A mulher negra – escrava, além de prestar ser- viços domésticos, também servia aos carichos sexuais do seu senhor e dos seus descendentes. A mulher índia – duplamente explorada. A mulher branca – geralmente analfabeta, ca- sava-se muito cedo e morria precocemente, por causa dos inúmeros partos. Calabar, o elogio da traição Ruy Guerra e Chico Buarque desenvolveram a trama resgatando fatos e personagens históricos do século XVII, quando Holanda e Portugal lutavam entre si pela colonização do Brasil, para refletirem sobre o presente dos anos 70. Propunham uma rea- valiação crítica do processo histórico nacional em seus diversos aspectos, e também, objetivavam despertar o público para reflexões acerca de conceitos como trai- ção, nacionalidade e pátria, presentes nos discursos militares pós 1964 e que foram cristalizados pela his- tória oficial, conforme declarações do próprio Ruy Guerra. (AZEVEDO,1973:84 ) O mulato Domingos Fernandes Calabar, perso- nagem histórica em torno da qual se desenvolve a ação dramática, é tratado pela historiografia tradicio- nal como traidor da pátria por ter desertado em favor dos holandeses durante a colonização do Brasil. Na- tivo e grande conhecedor da região em disputa, o nor- deste, Calabar esteve a frente da luta empreendida pelos portugueses para “libertar” o país do invasor holandês até reconhecer que a opção escolhida não re- presentava ganhos para sua gente e para sua terra. Decidiu então, passar para o outro lado, acreditando que os holandeses pudessem trazer ao país um go- verno mais humano e menos opressivo do que o tra- zido por Portugal. Sua atitude representou uma grande perda também um grande risco às ambições portuguesas, por isso foi encarada como um ato de Letras
  • 19. 19 julho a dezembro de 2013 traição. Calabar foi delatado por um, até então, amigo seu, Sebastião do Souto, que auxiliou pessoalmente a Coroa na sua captura. Preso, foi enforcado e esquar- tejado, a fim de servir de exemplo àqueles que tencio- nassem desobedecer às ordens vindas da metrópole. O ponto de partida na trama desenvolvida por Chico e Ruy Guerra é um aviso de advertência de Mathias de Albuquerque a Calabar, nomeado major pelos ho- landeses. Mathias reconhecia o quanto dependiam da sabedoria e esperteza do mulato para o empreendi- mento da conquista. Por isso não se conformava com a traição, mas prometia perdoá-lo se voltasse a defen- der os interesses da Coroa. O discurso abaixo deixa claro o seu posicionamento frente à situação: Por que é que ele foi para lá? Era um mulato bonito, pêlo ruivo, sarará. Guerreiro como ele não sei mais se haverá. Onde punha o olho punha a bala. Onde o mangue atola, o pé firmava. Bom de briga, de mosquete e de pistola, Lia nas estrelas e no vento. Tendo a mata no peito e o peito atento, Sabia dos caminhos escondidos, Só sabidos dos bichos desta terra De esquisito de falar. Eu lhe dei minha confiança Em matéria de navios e de guerra. E ainda me pergunto, Sem resposta pra me dar, Por nome que é que ele foi para lá? Era um mameluco, louco, pêlo brabo,pixaim. Pra que falar dos seus dois metros de alto, De seus olhos claros de assustar, Capitão aqui, major passou no salto. Levou o seu saber para os flamengos. E nem sei se cobrou o que era de cobrar. Eu lhe ofereci perdão em engenhos e patente Se quisesse voltar. E afoito o rebelde, em língua de serpente, Mandou-me recusar, Como um bicho esquisito destas terras Que pensa dum jeito impossível de pensar. Por que é que ele foi para lá? (BUARQUE & GUERRA, 1973, p.10-11). Outras personagens são fundamentais no desen- rolar da trama, além de Mathias, que é comandante das quatro capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Pa- raíba e Rio Grande. O negro Henrique Dias e o índio Felipe Camarão auxiliam-no na luta empreendida pela resistência portuguesa. Bárbara e Anna de Amsterdam eram, respectivamente, mulher e amante de Calabar. Significativamente importante para a trama é a con- traditória personagem Frei Manoel do Salvador, que serve ora a um, ora a outro colonizador, e que mantém acesa a discussão acerca do jogo de interesses e da trai- ção imputada apenas a Calabar. A existência de tal per- sonagem nos desperta para a reflexão e provoca dúvidas sobre o que significava “trair” naquele mo- mento. Estas dúvidas estão presentes, ainda, nas falas da personagem Bárbara, que vive atormentada pelo que aconteceu a seu marido. Ela tenta, a todo custo entender o que seria trair para aquela gente, pois per- cebe que todos os que estão a sua volta, inclusive Souto, traem de alguma forma e que, no entanto, ape- nas Calabar foi julgado e condenado. Por isso desabafa durante uma conversa com Souto: Pobre Sebastião, você não sabe o que é trair. Você não passa de um delator. Um alcaguete. Sebastião, tira as botas. Põe os pés no chão. As mãos no chão, põe, Se- bastião, e lambe a terra. O que é que você sente? Calabar sabia o gosto da terra e a terra de Calabar vai ter sempre o mesmo sabor. Quanto a você, você está engolindo o estrume do rei de passagem. Se você tivesse a dignidade de vomitar, aí sim, talvez eu lhe beijasse a boca. Calabarvomitouoquelheenfiarampelagoela. Foi essa a sua traição. A terra e não as sobras do rei. A terra, e não a bandeira. Em vez de coroa, a terra. (BUARQUE & GUERRA, 1973, p. 96). Dentro do mundo feminino da obra em análise, Bárbara emerge como a voz de Calabar, a voz do que não tem voz, duplamente, primeiro porque também é a voz que reage contra a marginalidade sociocultural que relega a mulher a uma condição subalterna, mer- Letras
  • 20. 20 julho a dezembro de 2013 cadoria; segundo, porque seu discurso é o de todos os excluídos da ordem social e política vigente. Bárbara é assim a representante da tradição grega dionisíaca, empunhando a bandeira daqueles que não faziam parte da polis, mulheres e escravos (Menezes, 2000). Enquanto Calabar vivia, Bárbara se configurava dentro do arquétipo da mulher mestiça (ela era ma- meluca): concubina, sem uma religião a que professar, mãe (produtora de braços para a lavoura), compa- nheira, acompanhava o marido em suas diversas em- preitadas e também, sensual como sua antepassada índia, desejava e era desejada sexualmente. Depois da morte do amado, Bárbara revela seu caráter apolíneo, movida pela revolta, passa de dominada a domina- dora: aceita a companhia de Sebastião Souto, o traidor de Calabar, � que se justifica, afirmando tê-lo feito por causa de seu desejo por ela � com o único propósito de demonstrar seu desprezo e o quão insignificante e fraco era se comparado ao companheiro morto. A fim de ilustrar essa relação de atração/repulsão, apre- senta-se e analisa-se a letra-poema de Chico Buarque, “Tira as mãos de mim”: Ele era mil (Calabar)/Tu nenhum (Souto) na guerra és vil (Souto)/Na cama és mocho(Souto) Tira as mãos de mim (Souto)/Põe as mãos em mim (Souto) E vê se o fogo dele (de Calabar)/Guardado em mim (Bárbara )/Te incendeia um pouco (Souto) Éramos nós/Estreitos nós (Bárbara e Calabar) Enquanto tu/És laço frouxo (Souto) as Tira mãos de mim (Souto) E vê se a febre dele (de Calabar) Guardada em mim (Bárbara)/Te contagia um pouco (Souto). Tira as mãos de mim (Souto)/Põe as mãos em mim (Souto). Tomando como princípio o texto de José Luiz Meurer (Uma dimensão crítica do estudo de gêneros textuais p.18), tem-se a ideia de que o indivíduo pos- sui a capacidade de “produzir, reproduzir ou desafiar a realidade social na qual vive”, uma grande contri- buição que o texto poético também nos oferece. A partir da análise crítica do discurso poético, podem- se estabelecer três de suas principais características: (1) produz e reproduz conhecimentos e crenças por meio de diferentes modos de representar a realidade; (2) estabelece relações sociais; e (3) cria, reforça ou reconstitui identidades. Comprova-se, através da ideia tríplice, a informação de que através desta can- ção, Chico Buarque reproduziu conhecimentos a res- peito da história de Calabar e do período da colonização, assim como da linguística, da linguagem e sua estruturação textual, e da literatura, utilizando o jogo de palavras e a literariedade. Usando da tríplice caracterização, ele estabeleceu relações sociais e apre- sentou ou criou identidades, principalmente a iden- tidade feminina, na pessoa de Bárbara. Na letra-poema em questão, há um estereótipo feminino não muito comum para a época: uma mulher que usa de pressão psicológica para atingir o homem que de- latou seu marido. Ela se entrega a ele, vive com ele, martirizando-o, comparando-o com a pessoa que ele traiu. Ela, Bárbara, é a narradora, e as ações narradas por ela têm uma ideia natural, cotidiana. Através da atitude da narradora, temos a percepção de diferentes concepções a respeito da vida social, de valores e ações humanas. A relação discursiva se mostra através do poder que Bárbara exerce sobre Souto, ela se mostra autoritária, provocativa, manipuladora pelo simples fato de saber da sua traição de Sebastião bem como do sentimento que o mesmo nutre por ela. Tal poder pode ser reconhecido pelo uso do discurso direto: “Tira as mãos de mim, põe as mãos de mim”, e, prin- cipalmente pelo modo verbal utilizado, o imperativo: “Tira/Põe”. Sebastião, por sua vez, ouve tudo calado e não contesta. As principais identidades são Bárbara (a narradora), Calabar (o marido) e Sebastião Souto (o traidor). A relação social neste discurso se apresenta através da omissão de Souto, que aparenta ser uma pessoa inepta, ou então submetida ao remorso de ter traído o amigo, e por isso, não questiona, não con- testa o comportamento irreverente e punitivo de Bár- bara, que ao contrário possui como característica, a perspicácia, o discernimento, a clareza de seus obje- tivos, que aliados à sua capacidade de persuasão lhe dão armas suficientes para a afirmação de sua subje- tividade. Nesse contraste de personalidades, no anta- gonismo de fraqueza e força ocorre o equilíbrio entre poder e submissão. Letras
  • 21. 21 julho a dezembro de 2013 CALA A BOCA BÁRBARA Ele sabe dos caminhos Dessa minha terra No meu corpo se escondeu Minhas matas percorreu, Os meus rios, Os meus braços Ele é o meu guerreiro Nos colchões de terra Nas bandeiras, bons lençóis Nas trincheiras, quantos ais, ai Cala a boca, Olha o fogo, Cala a boca, Olha a relva, Cala a boca, Bárbara Cala a boca, Bárbara Cala a boca, Bárbara Ele sabe dos segredos Que ninguém ensina: Onde guardo o meu prazer, Em que pântanos beber, As vazantes, As correntes, Nos colchões de ferro Ele é o meu parceiro Nas campanhas, nos currais Nas entranhas, quantos ais, ai Cala a boca, Olha a noite, Cala a boca Olha o frio Cala a boca, Bárbara Cala a boca, Bárbara Cala a boca, Bárbara Cala a boca, Bárbara Nesta letra/poema, que é uma das mais intensas e delicadas demonstrações eróticas da Literatura Bra- sileira, o corpo feminino é metaforizado nos elemen- tos da natureza em que é possível reconhecer uma mulher que é ao mesmo tempo, amante e compa- nheira de luta, uma guerrilheira. Essa canção integra a peça Calabar, em que Chico Buarque e Ruy Guerra empreendem uma revisão do papel histórico dessa personagem, apresentado como o traidor por excelên- cia, segundo a historiografia oficial. No início da peça, Calabar já estava morto e esquartejado, havia sido executado pelos portugueses. Eles também promul- garam um edito de execração da memória (Damnatio memoriae) que não apenas exigia que seu nome fosse apagado de qualquer registro onde pudesse figurar (como por exemplo, nas certidões de batismo), como também proibia que esse nome fosse pronunciado. Mas restou sua mulher, Bárbara, que é quem canta a canção, e em quem ele está imensamente presente. Ela nunca o chama pelo nome, Calabar é o ele a que se refere. No entanto, é esse o nome que se forma, com assustadora nitidez, à força da repetição quase obses- siva do refrão: CALA a boca BÁRbara: CALABAR Aquilo que Bárbara silencia é o que reponta com força e realidade. Impõe-se uma técnica psicanalítica: no não dito, descobrir-se o dito. No interdito, desco- bre-se o dito. Interdito porque foi interditado (por in- junções da censura) e interdito porque está dito entre as sílabas das palavras que constituem o refrão. O nome proibido continua a ressoar, no tecido da lin- guagem. O essencial e aparentemente omitido, mas continua lá, pulsando, latente no coração do discurso. Partir daí, a própria palavra Calabar reinventada, passa a condensar em si o “Cala a boca” ao nome de Calabar. E o nome de Calabar conterá o nome de Bár- bara; fusão de amantes apaixonados. Bárbara não admite que o marido estivesse morto, porque ela está viva para perpetuar-lhe na his- tória, passando a ser a voz daquele que já não podia se manifestar. Ela põe em cheque o que é trair, insti- gando a todos os que se acovardaram diante da exe- cução do único personagem verdadeiro dentre todos os que ali estavam os pretensos amigos � Felipe Ca- marão, Henrique Dias, Sebastião do Souto �, o clero, na figura do Frei Manoel de Salvador, holandeses e portugueses que viviam de conchavo, imbuídos ape- nas da certeza de estarem protegendo seus próprios interesses. Num outro viés, naquele que interessa mais a esse trabalho, abordo a letra-poema na questão da eco- crítica, dando destaque ao corpo feminino, com a se- xualidade feminina intensamente presente, se sobrepõe a imagens da terra, rios, matas, vazantes, en- chentes, relva, pântanos. Cada um desses termos pode ser submetido a uma dupla leitura, tanto no registro paisagístico, quanto no erótico. Reagrupados de outra maneira (de um lado, matas, relva; de outro, pântanos, correntes, vazantes), eles evocam toda uma geografia Letras
  • 22. 22 julho a dezembro de 2013 simbólica do corpo feminino, marcam inequívocas re- ferências (por alusão e/ou analogia) ao sexo a mulher: pelos, fenda e fonte de umidade. Chico Buarque recu- pera aqui a expressão geográfica “braços de rio”, res- taurando-o na sua literalidade, ou melhor, desvelando mecanismo de composição de uma metáfora, através da oposição, em contiguidade, dos termos comparan- tes, ‘os meus rios/ os meus braços’ (Menezes, 2001, p.127), apontando, conforme Vico, a projeção do corpo sobre a paisagem (e o retorno desse processo: da paisagem para o corpo).No entanto, essa terra/mu- lher não há de ser considerada só do ponto de vista te- lúrico, mas também do político: e a terra pátria, pela qual vale a pena lutar. Calabar era um “guerreiro”, ao mesmo tempo em que “parceiro”, e a mulher que aí aparece é a guerrilheira, misturada ao combate e iden- tificada com o país pelo qual se luta. A entrega do homem, no jogo amoroso, é a entrega à mulher-terra, possuidora de trincheiras/entranhas (povoadas de ais). As bandeiras estão para s lençóis, assim como as trincheiras estão para as entranhas. Ao telúrico somou-se não apenas o erótico, mas o político. Como já havia dito antes, meu interesse se volta paraaspersonagensfemininasnaobraCalabar,portanto cabe agora ma leitura ecocrítica de Anna de Amsterdam. Assim como as jovens brancas � mesmo que “erradas” � mandadas à Índia e ao Brasil, por Dom João III e Dona Catarina, no início da colonização, Anna também veio “com a esperança de casar”, porém sua sorte foi adversa, serviucomoobjetodeprazeratodos,porémdesdenhava dos homens com quem se relacionava. Anna foi amante de Calabar, entretanto, foi ela que amparou Bárbara e a fez fortalecer-se para que a morte do amado não fosse emvão.AssimcomoBárbara,Anaésímboloderesistên- cia, mesmo que as arma seja o sexo, o escárnio e o debo- che. Passemos à letra-poema Anna de Amsterdam: Sou Ana do dique e das docas Da compra, da venda, das trocas de pernas Dos braços, das bocas, do lixo, dos bichos, das fichas Sou Ana das loucas Até amanhã Sou Ana Da cama, da cana, fulana, sacana Sou Ana de Amsterdam Na esperança de casar Fiz mil bocas pra Solano Fui beijada por Gaspar Sou Ana de toda patente, das Índias Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada Sou Ana, obrigada Até amanhã, sou Ana Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos Sou Ana de Amsterdam Arrisquei muita braçada Na esperança de outro mar Hoje sou carta marcada Hoje sou jogo de azar Sou Ana de vinte minutos Sou Ana da brasa dos brutos na coxa Que apaga charutos Sou Ana dos dentes rangendo E dos olhos enxutos Até amanhã, sou Ana Das marcas, das macas, das vacas, das pratas Sou Ana de Amsterdam AAnna“dosdentesrangendo”e“dosolhosenxutos” é aquela que na impotência de mudar seu destino o en- cara,usandodasarmasquedispõe:aironia,aamargurae o sarcasmo, mas é dela uma interessante reflexão a res- peitodadiferençaentreaforçadohomemeadamulher: (Ana) É mulher não tem nada a ver com homem. O homem é antes de tudo um forte. Você sabe como é. Passa duas semanas na guerra chega em casa, puxa uma espada deste tamanho, aí você diz, bem, chegou a minha vez, me estoca, e ele só dando tiro pro ar... Daí você tira a roupa e ele fica todo exci- tado, mas não porque você está nua, é por- que ele acertou um índio e vai por aí, e te confunde com um índio e te dá uma paulada e te confunde com o carrasco e te pede pra bater nele até cansar e dorme e ronca e você cutuca ele (cutuca Souto)... E ele nada, sozi- nho. Vamos, homem, acorda... (cutuca Souto)... Dá-lhe macho, cadê tua espada? (...) Dia seguinte ele acorda satisfeito como se ti- vesse feito proezas. Veste a farda, faz conti- nência e volta para a guerra. Vamos, Bárbara. Uma mulher precisa de carinho, dengo, cos- quinha... (Hollanda, 1979, p.78-79). Letras
  • 23. 23 julho a dezembro de 2013 Anna encarna o arquétipo da mulher ativa, “per- dida”, a prostituta, a que é de todos, mas não é de nin- guém, assim como a terra brasileira, alvo de explorações de toda ordem por todos os colonizadores que por aqui passaram, sendo usada e desvalorizada. Ana encarna o espírito dionisíacoi , assumindo o cará- ter masculino no seu comportamento transgressor na sua liberdade sexual, e na postura “protetora”, que manifestou junto à Bárbara. Entretanto, é Ana quem assume, naquele contexto em que trair é um conceito revisitado e discutido, o papel do “contente”, num jogo cínico onde o que realmente valia era a defesa da própria sobrevivência. Se Calabar seguia vivo em Bár- bara, Anna se uniria a ela, para que se juntassem num só corpo a trindade da resistência. Chico Buarque dá voz às minorias, fazendo do discurso misógeno de Anna, de um sujeito lírico transmudado, travestido de homem, não apenas para chocar com o regime re- pressivo, tanto do tempo da história, quanto do da narrativa, mas, sobretudo para mostrar a força do novo, expressão nova surgida de figuras populares. Um novo comportamento, uma nova configuração para papéis culturalmente demarcados, Anna e Bár- bara, conjunção do masculino/feminino, inauguram um novo lugar para o sujeito, aquele do constante devir, que pode ser isto, aquilo ou ambos. Isto pode ser comprovado nos versos de Bárbara, cantados por Anna como numa declaração de amor: Anna (cantando): Bárbara, Bárbara, Nunca é tarde, Nunca é demais. Onde estou? Onde estás? Meu amor, Vim te buscar. Bárbara – ... Sim! A fim de reforçar o estado de dominação por que passavam os oprimidos, no caso, personificados nas mulheres, Anna demonstra à Bárbara o quanto é inú- til “comprar briga” com os poderosos, prevalecendo aqui o ditado popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, o que pode ser comprovado na letra da canção Vence na vida quem diz sim. Diz que sim. Torcem mais um pouco, Diz que sim. Se te dão um soco, Diz que sim. Se te deixam louco, Diz que sim. Se te babam no cangote, Mordem o decote, Se te alisam com o chicote, Olhe bem pra mim. Vence na vida quem diz sim, Vence na vida quem diz sim. Se te jogam lama, Diz que sim. Pra que tanto drama, Diz que sim. Te deitam na cama, Diz que sim. Se te criam fama, Diz que sim. Se te chamam vagabunda, Montam na cacunda, Se te largam moribunda, Olha bem pra mim. Vence na vida quem diz sim, Vence a vida quem diz sim. (everybody) Se te cobrem de ouro, Diz que sim. Se te mandam embora, Diz que sim. Se te puxam o saco, Diz que sim. Se te xingam a raça, Diz que sim. Se te incham a barriga De feto e lombriga, Nem por isso compra a briga, Olhe bem pra mim. Vence na vida quem diz sim, Vence na vida quem diz sim. Letras i Dionisíaco é o termo adotado por Nietzsche, 1984. Ecce, o que coloca homo: como se chega a ser o que se é. Trad. de José Marinho, Lisboa: Guimarães Editores, para expressar, dentre outras coisas, o eterno devir do homem moderno. A representação do caos, da desconstrução constante. Contrapõe-se à expressão Apolíneo, que representa a ordem, o desejo de perfeição humana.
  • 24. Referencias Bibliográficas 24 julho a dezembro de 2013 Diante do exposto nesse estudo, tentei compreen- der como ocorreu o processo de exploração do solo bra- sileiro, desde os primórdios de sua colonização, seja por colonizadores portugueses ou holandeses, a partir da obraCalabar elogiodatraição,utilizando-medosdiscur- sos buarqueanos representados nas vozes das persona- gens Bárbara e Anna de Amsterdam, pois me pareceu oportuno comparar a natureza da monocultura colonial semelhante à figura feminina ocupando papéis sócio- subjetivos monovalentes. Se por um lado, o colonizador usou da terra para ampliar suas riquezas, ele também usou a mulher, seja ela índia, negra ou branca, como ob- jetoparasatisfaçãodeseusprazeres,ouainda,comomão de obra geradora de mais mão de obra, ambas vistas comoumacornucópia,jorrandoinfinitasfontesdevida. Félix Guattari (2004), nos alerta sobre a urgência em se reinventar o meio ambiente e os modos vida e de sensi- bilidade para que seja possível sair das crises que o mundo de hoje está passando, compreendendo que só assim seja viável a permanência dos seres neste planeta. Nessa perspectiva, entendo que Chico Buarque, utilizou do discurso poético para ressignificar a história, dando uma nova configuração ao discurso oficial e conforme nossa leitura tornou possível o estabelecimento de rela- çõesentreoecológicoeoliterário.Reconheçooecológico não apenas como registro ambiental, considerando que as relações entre os seres humanos e o meio ambiente envolvem, necessariamente, as relações sociais e a cons- trução das subjetividades. Conforme nos indica Cheryll Glotfelty, a primeira lei da ecologia formalizada de modosimplesporumdosmais respeitados ecologistas, Barry Commoner: “todas as coisas são interligadas umas com as outras” (GLOTFELTY, 1996, p. XIX). Dessaforma,esperotercontribuídoparaumaressin- gularização da abordagem do texto poético, tomando de empréstimoaspalavrasdeCheryllGlotfelty,entendo“que aliteraturanãoflutuaacimadomundomaterialemalgum éterestético,aoinvésdisso,temumpapelnumsistemaglo- bal imensamente complexo, no qual energia, matéria e ideias interagem” (GLOTFELTY, 1996, p. XIX). CLARK, Katerina. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 1998. FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. Coleção Tópicos, Tradução de Márcio Alves da Fonseca & Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2006. FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 358-359. GARRARD, G. Ecocrítica. Tradução de Vera Ribeiro. Brasília/DF: Editora UNB, 2006. GONZAGA, Sergius. Manual de literatura brasileira. Porto Alegre: mercado Aberto, 1985. SILVA, Anazildo V. da. A Poética de Chico Buarque, Rio de Janeiro: Sophos Editora, 1974 GLOTFELTY, Cheryll. Introduction-literary studies in an age of environmental crisis. In: GLOTFELTY, Cheryll & FROMM, Harold; eds. The ecocristicism reader – landmarks in literary ecology. Athens / London. The Univ. of Georgia Press, 1996. p. XV-XXXVII. GUATTARI, Félix. As três ecologias.Tradução de Maria Cristina Bittencourt, 15ª edição, Campias/SP: Papirus Editora, 2004. _______________. Práticas ecosóficas e restauração da cidade subjetiva. Tempo Brasileiro. Rio de Ja- neiro, 116: 9-25, 1994. HOLLANDA, Chico Buarque de & GUERRA, Ruy. Calabar - o elogio da traição.coleção Teatro Hoje, vol.24, 12ª edição. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. MENEZES, Adélia B. de. O poder da palavra: Ensaios de Literaturae Psicanálise. São Paulo: Duas Cidades, 1995. Letras
  • 25. 25 julho a dezembro de 2013 Este trabalho tem objetivo de mostrar uma ex- periência de Letramento Crítico na sala de aula de lín- gua inglesa, considerando-a como um espaço questionador das relações de poder e das ideologias disfarçadas sobre raça e racismo. Para tanto, foram feitas análises dos resultados de discussões e de ques- tionários aplicados no 8º Ano de uma escola munici- pal de Senador Canedo-GO. Like many things that people are reluctant to dis- cuss in polite society, or to discuss honestly, race is too important to be ignored or – worse yet – think about only in safe conventions and evasive phrases of our time. Thomas Swell Introdução O ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras e os novos e diversificados contextos educacionais atenderam as necessidades que, em seus diferentes momentos sociais e históricos, lhes eram inerentes (OKAZAKI, 2005; COX; ASSIS-PETERSON, 2008; LI- BERALI, 2009, p. 9). Assim, foram sendo desenvolvi- dos os processos educacionais e, dentre eles, as metodologias e técnicas viáveis e “apropriadas” para cada situação e/ou época (RICHARDS; RODGERS, 2001). Na contemporaneidade, verifica-se que o en- sino deve estar conectado a busca imperativa de ques- tionar e colocar à prova certas ideologias e discursos que constroem, hegemonicamente, hierarquias de poder por meio dos produtos discursivos de língua DiscutiNdo raça/racismo na sala de aula de língua Inglesa: relato de Uma experiência Edilson Alves de SOUZA Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Inglesa Universidade Estadual de Goiás (UEG)
  • 26. 26 julho a dezembro de 2013 (PENNYCOOK, 2001; CONTRERAS, 2002; OKA- ZAKI, 2005; PESSOA, 2012b). Contudo, ainda hoje, quando se trata do ensino de línguas,comumente,faz-semuitareferênciaàutilizaçãode técnicas/métodoscomofimdeobterumensino/aprendi- zagemeficiente,porém,atravésdaaquisiçãodehabilidades linguísticas (speaking, listening, writing, reading), de forma estruturalista,mecânicaecomfoconagramática.Essemo- delo de comportamento pedagógico desconsidera o uso dessashabilidadesdemaneiraaconduzirumaabordagem críticadetemasimportantesnaformaçãodeumindivíduo, queoatingeeocompreendecomoumserque,sociamente, ageeinteragedentrodecertoscontextosideologicamente constituídos(LIBERALI,2009). Diante disso, percebe-se a necessidade de valer- se do ensino/aprendizagem, no caso o de língua, para formação do cidadão que interfere e produz significa- dos na sua realidade e no mundo. E, dessa forma, pro- blematizar, desconstruir e transformar, constante e criticamente, certos paradigmas de privilégio e exclu- são que produzem, por sua vez, desigualdades e injus- tiças sociais sobre gênero, raça, etnia entre outros (MCLAREN, 1997, p. 192; FREIRE, 2011; URZÊDA FREITAS; PESSOA, 2012b, p. 146). Ou seja, é preciso entender a língua como prática social para questionar as relações de poder e ideologia disfarçadas e escondi- das nos discursos (PENNYCOOK, 2001; CONTRERAS, 2002). Sendo assim, a sala de aula de língua estrangeira não será apenas um ensaio da vida, mas, sim, um am- biente que “atende” às necessidades dos sujeitos na vida que se vive, pondo-a em questão (LIBERALI, 2009; PESSOA; URZÊDA FREITAS, 2012a, p. 57). Para tanto, neste trabalho, serão abordadas ques- tõessobreasrelaçõesderaçaapartirdaimplementação da Lei nº 10. 639, de 9 janeiro de 2003; das Orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação dasRelaçõesÉtnico-RaciaiseparaoEnsinodeHistórica eCulturaAfro-BrasileiraeAfricana(2005);edeestudos os quais debatem sobre o tema (CAVALLEIRO, 2001; MUNANGA, 2001; GOMES, 2002; FERREIRA, 2012). Serão analisadas as percepções dos alunos do 8º ano de uma escola pública do município de Senador Canedo- GO, suscitadas por debates e questionários. Discussão teórica Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), ao tratarem da importância da Língua Estrangeira (1998, p. 38, grifos nossos), afirmam que: A aprendizagem de Língua Estrangeira no ensino fundamental não é só um exercício inte- lectual em aprendizagem de formas e estruturas lingüísticas em um código diferente; é, sim, uma experiência de vida, pois amplia as possibilidades de se agir discursivamente no mundo. O papel educa- cional da Língua Estrangeira é importante, desse modo, para o desenvolvimento integral do indi- víduo [...]. Nessa perspectiva, tratamos a língua na concep- ção de Moita Lopes (1996 apud PESSOA; URZÊDA FREITAS, 2012a, p. 61), na qual o discurso, social- mente, constrói ou mesmo, identidades, realidades de privilégio e, também, de inferiorização. Por isso, te- remos que “fazer uso da linguagem para desconstruir e/ou reescrever esses processos que tanto afetam as sociedades contemporâneas” (PESSOA; URZÊDA FREITAS, 2012a, p. 60). A escola, assim como os va- riados espaços da sociedade, é um ambiente onde muitos aspectos da formação dos indivíduos são cul- tivados (GOMES, 2002) e, por isso, deve ajudar o alu- nado a entender as ideologias que privilegiam valores culturais em detrimentos de outros. O estudo de uma língua, a partir do ponto de vista que considere seus aspectos formativos en- quanto prática social, tem sua relevância por trazer posicionamentos críticos e discutir essas ideologias e hegemonias que decorrem do discurso – oral ou es- crito – por meio de suas formas linguísticas. Este tipo de atividade pedagógica sobre a linguagem que abrange e promove um diálogo entre ensino línguas, relações de poder e transformação social é conhecida como Letramento Crítico (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001). Na visão do letramento crítico a língua é conce- bida como uma atividade não neutra, como o veículo de construção e reconstrução de contextos e signifi- cados, nos quais há relações de poder. Além disso, a língua é tratada também como uma solução, como uma forma de criar um contradiscurso, de quebrar de paradigmas, valores e crenças. Esse pode ser um meio de alimentar a atividade crítica dos alunos e ampliar suas visões de mundo, acrescentando dentro das aulas a necessidade do protagonismo docente e dis- cente perante as realidades sociais (FREIRE, 2011). A sala de aula é um lugar, no qual há troca de expe- riências. Segundo Herzila Maria de Lima de Bastos (2010, p. 32), muitos valores e crenças dentro da sala de Letras
  • 27. 27 julho a dezembro de 2013 Letras língua estrangeira, podem, ideologicamente, firmar e construir certos estereótipos às pessoas e a “cada povo”. Uma pluralidade de elementos pode servir para classifi- car,eugenicamente,umgrupo,estereotipando-o,apartir detraçosgenótipos,fenótiposeculturais.Éinteressante ressaltar que, mesmo os documentos oficiais – tal como os Temas Transversais (BRASIL, 2001) –, apontam que essa é uma realidade comum nas escolas e que se deve apresentar a diversidade cultural como solução. Estereótipos são caracterizações e impressões pré-concebidas para representação de alguém ou algo. Essas representações estão relacionadas ou fazem parte do processo educacional, principalmente, nos instantes em que as diferenças e a diversidade cultural deixam de ser respeitadas, ou seja, passa-se a existir os preconceitos, que tanto reprimem e atingem o âm- bito escolar (CAVALLEIRO, 2001; GOMES 2001a; LOPES, 2001). Sobre estes, pode-se dizer, também, que convergem e influenciam na maneira de se con- ceber as relações de gênero, de raça, de etnia e, tam- bém, as condições socioeconômicas dos indivíduos, tendo por base certos padrões. Quando se fala de relações étnico-raciais é impor- tante destacar que houve uma ampliação do quadro de discussões dentro dos ambientes sociais em geral, prin- cipalmente por parte dos professores (GOMES, 2001a; FERREIRA, 2012). No entanto, esta ampliação está bem longe de mudar o panorama atual, visto serem ainda insuficientes as (re)ações para reverter a situação discriminatória dentro da escola, hoje. Essa realidade é visível, principalmente, no Brasil, onde se nega o ra- cismo. Entretanto, este é mantido “presente no[s] sis- temas de valores que regem o comportamento da nossa sociedade, expressando-se através das mais diversas práticas sociais” (GOMES, 2001a, p. 142). Segundo Eliane Cavalleiro (2001, p. 7), “[f]alar sobre discriminação no ambiente escolar não é reali- zar um discurso de lamentação. Mas dar visibilidade à discriminação de que crianças e adolescente negros1 são objetos”. Essa é uma necessidade que, no entanto, ainda é atendida pela escola com um trabalho inefi- ciente, especialmente, na desconstrução e reconstru- ção da identidade negra (GOMES, 2001a, 2002). Nessa direção, acontece a naturalização e consequente perpetuação do racismo com o auxílio daquela que de- veria desvelar as máscaras, a comunidade escolar (GOMES, 2002, FERREIRA, 2012). Contudo, as aulas de língua inglesa, além de um espaço para o ensino-aprendizagem de língua, podem ser um meio de problematização das relações étnico-ra- ciais (CONTRERAS, 1996, 2002, MOITA LOPES, 2006; PESSOA; URZÊDA-FREITAS, 2012a; FERREIRA, 2012). É justamente, conforme apresentado no aporte teórico acima, considerando a sala de aula como um lugar de construções e desconstruções de significados sociais por meio do discurso, que se pode trazer e fazer mudanças mais expressivas sobre esse tema crítico. É conveniente, todavia, levar em conta que “[a] problematização do ensino de línguas se concretiza não apenas nas provocações feitas pelo professor, mas também nas atividades que desafiam os alunos a pen- sar como se pode agir de forma diferente e, assim, vis- lumbrar possibilidade de mudança” (PESSOA; URZÊDA FREITAS, 2012a, p. 60). Diante desse contexto de racismo, culturalmente, naturalizado; do mito da democracia racial dentro do espaço escolar; e da possibilidade da discussão crítica como material contra esses problemas se faz impor- tante essa pesquisa, de maneira a destacar como os alunos (brancos e negros) veem o racimo hoje. Metodologia O presente estudo buscou relatar a experiência de tratarraçaeracismodentrodocontextodaauladeinglês como Língua Estrangeira. Também pretendeu identifi- car as concepções dos alunos na atividade de represen- tação do negro por meio do debate sobre raça e racismo. A pesquisa foi realizada durante o segundo se- mestre de 2012, sendo que a maior parte das ativida- des se concentrou no mês novembro – mês de efervescência do assunto por causa do dia nacional da consciência negra, datado 20 de novembro. O público- alvo dessa pesquisa foi um grupo 31 pessoas, alunos e alunas do 8º ano de uma escola pública do município de Senador Canedo-GO. Dentre esses, 18 eram meni- nas e 13 eram meninos. Para tanto, foram desenvolvidas atividades, dis- cussões e aplicado um questionário fundamentados numa abordagem que proporcionasse uma experiên- cia de Letramento Crítico, conforme a noção apresen- tada acima (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001; FREIRE, 2011). As atividades se basearam na leitura 1 Consideramos “negro(s)”, nesse trabalho, os “pretos e pardos”, segundo a classificação do IBGE.
  • 28. 28 julho a dezembro de 2013 de textos curtos na língua inglesa. Estes, depois de lidos e compreendidos, foram usados de forma a co- nhecer e a contestar os padrões sociais de gênero, raça e etnia, e alimentar questionamentos e opiniões di- versos por parte dos alunos e alunas, oportunizando os debates. Após as discussões foi aplicado um ques- tionário como culminância das sessões dialógicas entre alunas e alunos e o professor durante as aulas. Estes serão analisados na próxima seção. Assim, podemos dividir a pesquisa em dois mo- mentos. No primeiro momento foram realizadas dis- cussões sobre racismo, preconceito e igualdade. Tais discussões tiveram o objetivo de levar os participan- tes a refletirem sobre os assuntos (raça e racismo) que seriam abordados em sala, de modo que eles expuses- sem suas opiniões e experiências de forma livre, sem interrupções e/ou intervenções muito aprofundadas sobre o tema. Esse foi um ponto inicial e crucial que, de certo modo, “destrona” com “a crença de que a fun- ção da escola está reduzida a transmissão dos conteú- dos historicamente acumulados, como se estes pudessem ser trabalhados de maneira desvinculada da realidade social brasileira” (GOMES, 2001, p. 141). No segundo momento, os alunos tiveram um es- paço para expressarem suas experiências concretas de racismos e/ou preconceitos, mostrando sua visão de mundo perante a situação de problematização crítica. Para tanto responderam um questionário, no qual foi dada a oportunidade de relatar, de maneira pessoal e escrita, suas apreciações e julgamentos a respeito do tema discutido em sala. É importante destacar que, as discussões não foram realizadas em língua inglesa, nem as respostas aos questionários, tendo em vista que os alunos ainda não possuem habilidades linguís- ticas suficientes da língua estrangeira alvo – o inglês –para realizarem as atividades propostas ressaltadas no parágrafo anterior e nesse. Análise dos dados Nesta seção, serão apresentados os resultados e uma análise da segunda parte do estudo – o questio- nário. Constituído de três perguntas bastante simples e diretas, o questionário foi aplicado em de Novembro de 2012. Dentre as três questões, inicialmente esta- vam: 1) E, sua opinião, o que é racismo? e 2) Em sua opinião, existe racismo hoje? Por quê? Num primeiro instante, os/as alunos/as foram convidados a refletir sobre o que eles/as entendiam por racismo. Essa questão além de pertinente para a cons- truçãodeumadiscussãocomosalunos,segundoGomes (2001a, p. 143), “poderia ajudar os(as) educadores(as) a compreenderem a especificidades do racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma prática racista [...] no interior as escola”. Confiramos as respostas: Aluno/a 1: Racismo é um crime cometido pela maioria da população e é praticado na escola e nas ruas. Quem sofre mais são pessoas de pele escura, pessoasacimadopeso,pessoasdecabeloruim,etc... Aluno/a 2: Racismo é uma coisa ruim. Ra- cismo não é só cometido com negros, [mas] também com gordos, etc. Aluno/a 3: Racismo é um preconceito muito sem noção. Porque cor não se escolhe. A gente tem por que tem de ser assim, e cor não [é] conteúdo. Aluno/a4:Éumadiscriminação,umaformade falar mal de uma pessoa pelo seu jeito e pela sua cor2 . Apreendemos na fala do/a Aluno/a 1 um termo que atribui, infelizmente, qualidades negativas às pes- soas que têm cabelo crespo (“cabelo ruim”). Pode-se in- ferir que essa expressão é um produto da formação que esse/a jovem teve. A esse respeito, Nilma Lino Gomes, em seu artigo Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignifi- cação cultural?, no qual descreve uma pesquisa que realizou, resalta dados que influenciaram e influen- ciam na formação individual de cada pessoal. Nesta, ela entrevistou algumas pessoas, na sua maioria mu- lheres negras de várias faixas etárias, a fim de cons- tatar as formas de representação do/a negro/a. Sobre este trabalho, Gomes (2002, p. 41, grifos nossos) des- taca que: A trajetória escolar aparece em todos os depoimentoscomoumimportantemomento no processo de construção da identidade negra e, lamentavelmente, reforçandoestereó- tiposerepresentaçõesnegativas sobre esse seg- mento étnico/racial e o seu padrão estético. Letras 2 Os destaques realizados em negrito nas falas dos alunos não contam nos textos originais. Esses são apenas um recurso utilizado para ressaltar partes importantes dentro das respostas dos questionários.
  • 29. 29 julho a dezembro de 2013 Letras Perante isso, é relevante apontar que a sociedade estabelece critérios para classificação que reproduzem relações assimétricas entre negros e brancos, nas quais a verticalidade demonstra a quem pertence o poder dentro da educação (CAVALLEIRO, 2001). Para se afirmar os direitos educacionais dos afro-brasilei- ros, além da Lei 10.639/2003, que alterou a LDB, é necessário reconhecer a exigência de que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, pa- lavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superiori- dade em relação aos negros, próprios de uma so- ciedade hierárquica e desigual (BRASIL, 2005, p. 12, grifos nossos). Gillborn (1995 apud FERREIRA, 2012, p. 37) chama a atenção sobre a cautela na abordagem da questão da raça/racismo, [visto que,] se a atividade não for bem dirigida, “[...] não importa o quão bem intencionada, pode atrapalhar e alie- nar os estudantes menos favorecidos socialmente, servindo para reforçar (em vez de desconstruir) estereótipos raciais existentes e conflitos”. É muito importante perceber que não só a “es- cola” realiza esse trabalho de padronizar negativa- mente as pessoas ou um grupo de pessoas. Por vezes, são desconsiderados outros lugares (espaço de rela- ções sociais, tais como, casa, clubes, etc.) que possam ter influenciado a citação “cabelo ruim” na fala do Aluno/a 1. Assim sendo, pode-se afirmar que é um conjunto de fatores educacionais que influencia a construção e o estabelecimento dos modelos e pa- drões que circundam a forma de conceber as imagens e representações, principalmente, as identitárias, ao mesmo tempo em que são os fatores educacionais que, igualmente, podem combater e romper essas he- gemonias e normas (BRASIL, 2005, p. 14-15). Éválidoressaltarque,napercepçãodosalunos/as, nessa primeira pergunta, o racimo não está relacionado restritamenteàspessoasnegras,mastambém,àsobesas e pessoas que se destacam por alguma característica di- ferente das outras, como o “jeito de ser”. É interessante apreender nos relatos acima que o conceito de racismo está, estreitamente, vinculado ao conceito de precon- ceito, de rotular o desigual de maneira discriminada. No segundo questionamento proposto, os/as aluno/as deveriam responder: “Em sua opinião, existe racismo hoje? Por quê?”. Todos, unanimemente, dis- seram que sim, ressalvando posicionamentos bas- tante ricos. Vejamos: Aluno/a 1: Sim, por que até hoje tem gente que ainda se acha melhor que o outro, que ainda se acha diferente de todos. Racismo pela cor, pelo peso e pela classe social. Aluno/a 2: Sim, por que as pessoas ainda não tem a capacidade de raciocinar e ver que cor não faz diferença nas atitudes. Aluno/a 3: Sim, existe. Por que algumas pes- soas não tem a noção do que é racismo. Elas não sabem que isso pode ofender as pessoas. Aluno/a 4: Sim, infelizmente, isso ainda não acabou. [...] Pelo menos hoje tem as lei para a defesa do discriminado. Estes/as alunos/as, conforme vemos na transcrição acima, estão cientes da permanência da divisão das pessoas causada por meio da cultura de raça ou de criar raças – o que também causa o racismo. O termo raça é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre outras, influen- ciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira (BRASIL, 2005, p.13, gri- fos nossos). A raça/racismo, como se vê, está intimamente li- gada com o “lugar social dos sujeitos”, o que converge com a ideia de que não houve políticas de inserção do negro – “jogado à liberdade” pela Lei Áurea – na so- ciedade (VALENTE, 1987, p. 22-23). O negro não foi e não é tratado como um contribuinte para constru- ção do desenvolvimento étnico, cultural e econômico do Brasil e do Mundo (VALENTE, 1987). Essa situa- ção manteve e mantém o negro à margem das opor- tunidades de ascensão que, consequentemente, alimentou a veiculação de discursos de inferioridade do negro (VALENTE, 1987). Por isso, “hoje tem gente que ainda se acha melhor que o outro”, como bem dis- cute o/a Aluno/a 1. Nessa direção, vemos o racismo
  • 30. 30 julho a dezembro de 2013 produzir outros preconceitos, como, por exemplo, os relacionados à “classe social”, além de verificar que os racistas são “pessoas não tem a noção do que é racismo”, isto é, não tem noção do mal que causam, como afirma o/a Aluno/a 3. É importante destacar que um dos objetivos fun- damentais da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal do Brasil, de acordo com o ex- posto no artigo 3º é: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacio- nal; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras for- mas de discriminação (BRASIL, 2011a, p. 20, gri- fos nossos). Mas, o que se verifica, depois de mais de 20 anos da Constituição, é que o cumprimento dessa lei não atinge a todas a pessoas, como deveria ser. Essas são algumas das inúmeras falhas da concretização de po- líticas que, por não serem cumpridas e “nem existi- rem” instrumentos para sua real efetivação, geram mais problemas sociais, como os preconceitos, infe- lizmente, comuns relacionados à raça e sexo. Indubitavelmente, a “[...] raça está sempre pre- sente em todas as configurações sociais de nossas vidas” (LADSON-BILLINGS 1998 apud FERREIRA, 2012, p. 42) mesmo que alguns, conscientemente, façam de conta que isso não existe (VALENTE, 1987, p. 6; LOPES, 2001). É principalmente nesse tipo de situação que a escola deve interferir, propondo alter- nativas e reflexões críticas, transformando os discur- sos e, por conseguinte, a visão de mundo do alunado e, numa amplitude maior, da sociedade (GOMES, 2001a, 2001b, 2002; LOPES, 2001; FREIRE, 2011). Na última questão, os/as alunos/as teriam que fazer uma breve reflexão sobre um trecho do famoso discurso “Eu tenho sonho” (I have a dream) de Mar- tin Luther King Jr.: “Eu tenho um sonho de que meus quarto filhos um dia viverão em uma nação onde eles não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”3 . Vejamos o re- sultado das reflexões: Aluno/a 1: Os seus filhos não sofreriam de racismo, mas, sim, seriam aceitos na so- ciedade pelo seu caráter não pela cor da sua pele. Aluno/a 2: Entendo que ele [Martin Lut- her King], assim como todos, quer o melhor para os seus filhos, e que eles possam ser al- guém na vida, sendo respeitados. Aluno/a 3: Ele [Martin Luther King] quer viver em um mundo igualitário, onde não existe preconceito. Aluno/a 4: Entendo que [...] em vez de julgar, por que não conhecer e descobrir que ela [qualquer pessoa] pode valer tanto como você ou mais. Nessas respostas, podemos verificar que as lei- turas realizadas pelos alunos vão ao encontro da ne- cessidade soluções propostas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ét- nico-Raciais e para o Ensino de Histórica e Cultura Afro- Brasileira e Africana para sanar os problemas com a injustiça, a desigualdade e a exclusão sociais: A divulgação e produção de conheci- mentos, a formação de posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada (BRA- SIL, 2005, p. 10, grifos nossos). O/A aluno/a 1, ao afirmar: “seriam aceitos na so- ciedade”, levanta uma questão de suma importância que é a inserção do negro, do marginalizado, do ex- cluído, na sociedade. Isto é, “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e di- fusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica” (BRASIL, 2011b, p. 5). Em ou- tras palavras, é a presença e a atuação do negro dentro Letras 3 “I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character” (I have a dream, Martin Luther Kingʼs Speech - Tradução nossa).