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O futuro da escola do passado

Carlos Nogueira Fino
Prof. associado com agregação




1. Introdução


Toda a gente já reparou que os sistemas educativos estão desnorteados. No nosso país,
os sintomas do desnorte são por demais evidentes: muito insucesso, muitas intervenções
políticas sucessivas imaginadas com o propósito de catapultar os seus autores para a
imortalidade e terminando em novo impasse. E, tudo isto, enquanto os indicadores
internacionais continuam a colocar sistematicamente os nossos alunos no final dos
rankings da literacia e da numeracia. E perante as críticas de intelectuais respeitados nas
respectivas áreas científicas, irmanados no mesmo tom e nos mesmos argumentos, que
reclamam um ensino menos contaminado por aquilo que intitulam de “pedagogia
moderna”, que é, segundo proclamam, uma espécie de elogio do menor esforço e a
substituição das coisas penosas, como o trabalho e o estudo, por actividades mais ou
menos lúdicas. Sugerindo, portanto, o regresso a uma escola mais próxima da que
existiria quando eles a conheceram, mas numa época em que o número dos “cientistas
da educação”, para aproveitar um designação genérica sugerida pelos referidos
intelectuais, não pára de aumentar, facilitando a conclusão de que a crise da educação é
directamente proporcional à proliferação desses “cientistas”.


No entanto, apraz-me desconfiar que não serão os “cientistas da educação”, nem, talvez,
o atabalhoamento dos políticos, os grandes responsáveis pelas dificuldades do sistema
educativo, a não ser, provavelmente, por não verem o que os comentadores dos jornais
de referência também não são capazes. De facto, não serão os “filhos de Rousseau”,
nem a pedagogia do menor esforço, os detonadores da erosão de que vêm a sofrer todos
os sistemas educativos há mais de cinco décadas.


2. O fenómeno ENIAC e o mito do regresso à idade de ouro




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Como toda a gente sabe, a crise da escola não começou recentemente. Alguns
estudiosos do currículo (por exemplo, Kelly, 1980) referem o episódio Sputnik como
um marco na tomada de consciência de uma crise que se havia apossado da escola,
tendo consistido esse episódio na reacção das autoridades norte-americanas ao
lançamento do foguetão Sputnik I soviético, em 1957. A esse propósito, afirmaram
Davis & Botkin (1994: 19), que o lançamento do Sputnik em 1957 marcou o fim da era
industrial e o começo da economia da informação.


Essa prova surpreendente de superioridade tecnológica da União Soviética, na altura em
que se presumia a liderança científica dos Estados Unidos, não só colocou em causa os
pressupostos de avaliação dos jovens estudantes americanos, como culminou com a
reformulação completa dos currículos nacionais de matemática e ciências. E, de então
para cá, nunca mais a questão do controlo (da aprendizagem) deixou de ser
absolutamente central no debate em redor dos sistemas escolares, podendo admitir-se
que os rankings dos nossos dias são herdeiros em linha directa desse acontecimento.


No entanto, o lançamento do Sputnik não significa muito mais, segundo creio, do que
outro acontecimento, bastante mais silencioso, que ocorreu no Outono de 1945, e que
consistiu na montagem do primeiro ENIAC (electronic numerical integrator and
computer), como corolário de um processo iniciado em 1939 e relacionado com a
computação das tabelas de tiro balístico da II Grande Guerra (Weik, 1961). Nesse
Outono, doze anos antes do lançamento do Sputnik, nasceu a tecnologia fundadora da
pós-modernidade, do mesmo modo que a máquina a vapor de Watt, registada em 1769 e
explorada a partir de 1786, tinha sido fundadora da modernidade. Comparando o
impacte posterior do ENIAC com o do Sputnik, facilmente compreenderemos qual
deles teve, de facto, maior importância, e porquê.


Desde o Outono de 1945 até aos nossos dias, as tecnologias baseadas no processamento
da informação invadiram literalmente as nossas vidas a uma velocidade vertiginosa,
especialmente quando comparada com o ritmo de mudança provocado pelo primeiro
grande choque tecnológico do final do século XVIII.


Recorde-se que, nos finais do século XVIII, a ordem industrial emergente da introdução
da máquina a vapor precisava de um novo tipo de homem, equipado com aptidões que

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nem a família nem a igreja eram capazes, só por si, de facultar. Precisava de crianças
pré-adaptadas a um “trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho,
máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina colectiva, a um mundo em
que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e
pelo relógio” (Toffler, s/d). Essa sociedade industrial, fundada sobre a sincronização do
trabalho, precisava, portanto, de indivíduos que pouco tinham que ver com um passado
rural e bucólico, em que os ritmos naturais prevaleciam. Atente-se a que, por exemplo,
na segunda década do século dezanove, se exceptuarmos a Inglaterra, três quartos da
população europeia ainda vivia nas zonas rurais e mais de metade dos activos trabalhava
na agricultura (Mialaret e Vial, 1981).


E foi para dar resposta às necessidades da sociedade industrial, formando pessoas
adaptadas às exigências do novo modelo de produção e, sendo tão barata que
desarmasse os argumentos dos que se opunham à simples ideia de educação para todos,
que foi imaginada a escola pública. O ensino em massa foi a máquina genial criada pela
civilização industrial para conseguir o tipo de adultos de que precisava. Como dizia
Toffler, (s/d: 393) “A solução só podia ser um sistema educacional que, na sua própria
estrutura, simulasse esse mundo novo”.


É claro que a escola pública não se ficou a dever apenas às necessidades da
industrialização, ainda que quem pagasse os custos da sua implantação tivessem sido os
proprietários, nomeadamente das fábricas, através dos impostos. Com efeito, não é
possível contornar o papel fundamental dos Iluministas, que, ao longo de grande parte
do século XVIII fizeram da necessidade da instrução pública uma bandeira política.
Com a vitória da Revolução Francesa, ficavam completas as condições políticas para a
criação da primeira instituição educativa de carácter universal, criada propositadamente
para garantir um vínculo estável com o desenvolvimento económico e social.


Recorde-se, a este propósito, a intervenção de Condorcet na Assembleia Nacional
francesa, a 20 e 21 de Abril de 1792, três anos depois da Revolução Francesa e quatro
depois das primeiras aplicações práticas da máquina de Watt, quando apresentou o
Relatório sobre a organização geral da instrução pública, reclamando a escola pública
para todos nestes termos:



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“Messieurs, offrir à tous les individus de l'espèce humaine les moyens de pourvoir à
leurs besoins, d'assurer leur bien-être, de connaître et d'exercer leurs droits, d'entendre
et de remplir leurs devoirs ; assurer à chacun d'eux la facilité de perfectionner son
industrie, de se rendre capable des fonctions sociales auxquelles il a droit d'être appelé,
de développer toute l'étendue des talents qu'il a reçus de la nature, et par là établir
entre les citoyens une égalité de fait, et rendre réelle l'égalité politique reconnue par la
loi : tel doit être le premier but d'une instruction nationale ; et, sous ce point de vue,
elle est pour la puissance publique un devoir de justice ”.


Ora, a construção do ENIAC, apesar do recato em que decorreu, haveria de marcar um
ponto de viragem sem retorno. Até ao último quartel do século XX, a riqueza dos países
mais desenvolvidos estava directamente relacionada com a sua produção industrial. Nos
últimos trinta anos, no entanto, temos vindo a assistir ao progressivo desmantelamento
de grandes concentrações industriais, antes consideradas “estratégicas”, como as
siderurgias, em países dos mais desenvolvidos, e à substituição da fabricação de
artefactos tangíveis por uma crescente produção de conteúdos, que contribuem cada vez
mais para a riqueza nacional.


Hoje, os computadores, ao contrário das fábricas que, no passado, eram apenas parte da
paisagem, estão profundamente entretecidos na vida de todos os dias de todos os
cidadãos, ao ponto de ser fastidioso enumerar onde e como. Vivemos já numa sociedade
em mudança, num planeta tornado subitamente muito pequeno pela acção das
tecnologias digitais, da globalização, da pulverização das culturas locais. Um planeta
que já nada tem a ver com os ritmos bucólicos que prevaleciam à data em que
Condorcet e Watt, cada qual ao seu modo, propunham alavancas para o futuro.


Entretanto, como se nada tivesse acontecido, a escola pública tem continuado a tentar
cumprir a sua missão de formar para a sociedade industrial. Em 1945, ninguém, dentro
ou fora da escola pública, se terá apercebido de que o ENIAC seria um agente da sua
obsolescência. Aliás, nem é seguro que, em 2005, o número de pessoas que já se
aperceberam disso seja significativo, uma vez que, perante as dificuldades evidentes dos
sistemas escolares, as vozes que mais se ouvem são as dos que reclamam, sem se
aperceberem do contra-senso, um regresso ao passado, a um tempo em que a escola
pública seguia placidamente o seu caminho sem grandes sobressaltos.

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Terá ficado na memória colectiva uma impressão idílica dessa escola parada no tempo e
de um tempo também parado, em que os professores eram figuras austeras e respeitadas,
tinham autoridade e ensinavam mesmo, e os alunos aprendiam. Saudade de quando
ainda nem sequer se falava de “ciências da educação”, nem havia ideias complicadas
sobre pedagogia, em que o que se aprendia era consequência do que se ensinava, e a
escola era um assunto para ser levado muito a sério. E também do tempo em que os
diplomas, que as escolas conferiam, serviam para abrir as portas do sucesso no mundo
exterior, onde estavam os empregos à espera, em vez de só servirem, como agora, para
garantirem um acesso à escolaridade seguinte. Saudade, no fundo, do mundo antes de
tudo começar a acelerar e a tornar-se complicado, e da velha ordem industrial, minada
nos seus fundamentos, começar a desagregar-se à nossa volta.


A ironia é que continua a existir, creio, um consenso muitíssimo alargado sobre a
necessidade de a escola (continuar a) formar para o futuro, ainda que retomando os
pressupostos e a estrutura que a fazia verdadeiramente útil, no passado. E o futuro, já o
podemos intuir, passará cada vez menos pela velha ordem industrial em refluxo, que se
implantou a partir da aplicação prática da máquina de Watt e das evoluções mecânicas
que lhe seguiram, e cada vez mais pela omnipresença das novas máquinas resultantes da
evolução do ENIAC. Como é que é possível não reparar que a escola modelada na
fábrica do século XIX, por muitos e relevantes serviços que tenha prestado à
Humanidade nesse século e no seguinte, precisa de uma reorientação paradigmática, e
que essa reorientação terá que ser o inverso da visão saudosista de uma instituição
imóvel a boiar, estagnada, no tempo?


3. O segundo mito: a tecnologia redentora


Entretanto, duas escassas décadas depois da construção do ENIAC, as TIC começaram a
bater à porta das escolas, cujo desenho organizacional tinha tido como referência
preparar para a sociedade industrial.


Convém referir, no entanto, que, para além da modelação fabril, a escola nunca deixou
de incorporar boa parte das tecnologias da modernidade, e não apenas as relacionadas
directamente com a escrita, dependendo esse grau de incorporação apenas dos limites

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orçamentais e da capacidade ou vontade dos professores na exploração da que estaria
disponível. Também é óbvio que a escola pública do século XIX tinha menos tecnologia
incorporada que a do século XX, e que, no espaço de um século e meio, muitas foram as
inovações introduzidas na sequência do desenvolvimento tecnológico, o que não
significou que a incorporação de mais tecnologia redundasse em alteração substancial
no modo de funcionamento das escolas, que mantiveram inalterável o essencial dos seus
pressupostos organizacionais.


Mesmo quando, ao longo das décadas de sessenta e setenta, os meios audiovisuais se
começaram a vulgarizar no interior dos estabelecimentos, eles nunca passaram de meros
“auxiliares do ensino”, apesar de alguns entusiastas terem anunciado a transformação da
escola pelo seu uso. E isso deve-se ao facto de a tecnologia subjacente aos meios
audiovisuais continuar ancorada na mesma galáxia da máquina de Watt, de modo que a
sua incorporação na escola não traria nada de verdadeiramente revolucionário ao ponto
de colocar em xeque processos de funcionamento tornados estáveis ao longo de muitas
décadas. Nem mesmo a telescola, como meio de “ensino à distância”, de que Portugal
foi pioneiro nos anos setenta, alterou o essencial dos procedimentos de transmissão de
conteúdos: nem o professor foi substituído pela máquina, nem o receptor de TV teve
outro papel além de o de exibir conteúdos pré elaborados.


Os principais meios audiovisuais (cinema, televisão), por servirem para veicular
conteúdos destinados a ser consumidos em simultâneo por massas de espectadores,
partilhavam algo de comum com as escolas, que também pretendem atingir, de cada vez
e em simultâneo, turmas inteiras de alunos. Por essa razão, a sua exploração em
ambiente escolar não alteraria nada de essencial, sendo os pressupostos da sua utilização
basicamente os mesmos que presidem à emissão do discurso do professor, quando este
utiliza suportes mais tradicionais como a voz, com apoio ou não do livro de texto ou do
quadro negro. Nenhum desses meios, audiovisuais incluídos, deslocalizava o curso dos
acontecimentos para fora da escola, nenhum impunha a adopção de atitudes
radicalmente diferentes pela parte dos professores. Nenhum conferia novos poderes aos
alunos (Fino & Sousa, 2005).


Foi precisamente o que se passou com a tentativa de incorporação de computadores
como máquinas de ensinar a partir dos anos sessenta do século passado, correndo

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programas de ensino assistido por computador. E é precisamente o que se passa agora
com a utilização das novíssimas gerações do ENIAC, servindo como máquinas de
distribuição de conteúdos, mas funcionando sobre uma designação genérica enganadora
e capciosa.


Refiro-me às plataformas de e-learning, puras ou em formato blended, isto é, com
ensino presencial à mistura, que são sistemas de distribuição de conteúdos pré-
preparados, a que se acede à distância e que, de uma maneira geral, não passam de
prolongamentos electrónicos, ou semi-electrónicos no caso do blended, da escola
tradicional. Ou seja, a escola fabril por outros meios, a escola do tempo de Watt, mas
apoiada em tecnologias da era do ENIAC.


Sobre essas plataformas, de há muito que me causa perplexidade a utilização, que me
parece abusiva, da palavra learning (aprendizagem) e por duas razões. Em primeiro
lugar, porque a palavra certa seria teaching, uma vez que é essa palavra que significa o
que propõem, de facto, essas plataformas de ensino à distância. A segunda razão é
porque a palavra learning tem que ver com o universo do aprendiz e, para ser adequada,
deve centrar-se na sua actividade, ao passo que teaching remeteria para o professor, a
cujo universo compete, tradicionalmente, o que as plataformas de e-learning fazem
verdadeiramente, ou seja, distribuir conteúdos pré elaborados.


É por essas e por outras razões que estou convencido de que os sistemas de e-learning,
ainda não são o futuro da escola do passado. Como toda a gente compreenderá, a
inovação não reside na tecnologia propriamente dita, mas no que ela nos permite fazer
com o seu auxílio. A tecnologia só será ferramenta de inovação pedagógica a partir do
momento em que permita fazer coisas diferentes, quando abrir portas para territórios
inesperados, que podem muito bem não ter nada que ver, sequer, com o currículo ou
com a escola. E, sobretudo, noutras mãos que não nas dos técnicos que se escondem por
detrás das plataformas de e-learning. Por outras palavras, inovação implica ruptura
paradigmática e não a proposta de “mais do mesmo”, implícita naquelas plataformas,
ainda que a coberto de um marketing particularmente agressivo, que explora, aberta e
paradoxalmente, uma concepção tradicionalista de escola e a crença de que as novas
tecnologias são, mais que a chave do futuro, já o próprio futuro.



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Enquanto continuadoras da escola tradicional por meios contemporâneos do ENIAC, as
plataformas de e-learning, espécies de e-escolas ou escolas.com, apenas conseguem
provar que até as tecnologias mais recentes e actualizadas podem ser facilmente
recuperadas pelo velho paradigma industrial, perdendo, por causa disso, todo o
potencial inovador de que sejam, eventualmente, portadoras.


Por outro lado, apesar do seu custo, que admito ser elevado, a criação e manutenção
dessas plataformas de ensino à distância não passará de uma fracção do que os Estados
têm que suportar com os sistemas escolares tradicionais presenciais, não sendo
descartável que venham a constituir (mais) uma forma de emagrecimento do Estado
Social, a cujo amparo se fundou a escola pública, agora sob suspeita. Como toda a gente
compreenderá, as plataformas de e-learning, uma vez finda a sua vida útil, não passarão
a ser clientes da segurança social, nunca progridem na carreira retributiva, não
costumam faltar às aulas, a menos que estejam offline e, provavelmente, também não
falarão eduques, esse dialecto que tanto perturba alguns comentadores com nostalgia da
escola dos seus verdes anos


4. Então e o futuro?


Em muitos sentidos, as escolas continuam a ser instituições modernas (e, em certos
casos, até pré-modernas), que se vêem obrigadas a operar num mundo pós-moderno
complexo. À medida que o tempo passa, o hiato entre o mundo da escola e o que existe
para além dela está a tornar-se cada vez mais óbvio, sendo a natureza anacrónica da
escola cada vez mais evidente (Hargreaves, 1998).


Afirmava Seymour Papert (1993: vii) que “not very long ago, and in many parts of the
world even today, young people would learn skills they could use in their work
throughout life. Today, in industrial countries, most people are doing jobs that did not
exist when they were born. The most important skill determining a person’s life pattern
has already become the ability to learn new skills, to take in new concepts, to assess
new situations, to deal with the unexpected. This will be increasingly true in the future:
The competitive ability is the ability to learn”.




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Desde o início dos anos 80 que este autor considera as salas de aula como ambientes de
aprendizagem artificial e ineficiente, que a sociedade foi forçada a inventar porque os
seus ambientes informais de aprendizagem se mostravam inadequados para aquisições
em domínios considerados importantes do conhecimento, como a escrita, a gramática ou
a matemática. E manifesta a convicção de que a utilização do computador permitirá
mudar o ambiente de aprendizagem fora das salas de aula, de tal forma que todo o
currículo que as escolas tentam actualmente ensinar com grandes dificuldades, custos
elevados e sucesso limitado, seja aprendido como se aprende a falar, menos
penosamente, com maior êxito e sem instrução organizada (Papert, 1980). Não
perspectiva, portanto, a incorporação das TIC como meio de salvar ou reformar a
escola, mas antevê a sua utilização como meio de a contornar, posta directamente ao
serviço dos aprendizes nos seus ambientes naturais.


Este ponto de vista traz consigo a ideia de que as TIC de pouco podem valer a
instituições cujas raízes mergulham na modernidade (ou ainda antes), e que se
organizaram em redor da utilização de tecnologias da modernidade para executarem
tarefas (educativas) exigidas pelas sociedades industriais. A não ser que sejam utilizadas
com um sentido meramente aditivo para alcançar os mesmíssimos objectivos,
eventualmente com rentabilidade maior, que já vinham a ser alcançados através da
utilização de outros meios. É por isso que o papel da tecnologia, posta directamente ao
serviço do aprendiz, não é o de substituir a escola, proporcionando o que ela já
proporciona, mas, ao contrário, abrir portas que a escola nem imagina.


Assim, ao manifestar a convicção de que a utilização do computador permitiria mudar o
ambiente de aprendizagem fora das salas de aula, Papert foi dos primeiros a reparar que,
muito mais que poder vir a servir para relançar a escola por outros meios, como através
de plataformas de e-learning, os computadores podem ser, pelo contrário, portadores de
potencialidades capazes de precipitarem a obsolescência da escola, propondo, ao mesmo
tempo, formas de obviar a sua falta.


   •   Em primeiro lugar, porque, uma vez entregues ao aprendizes como ferramenta
       de aprendizagem, podem ajudar a criar contextos de aprendizagem sem
       precedentes na história da educação.



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•   Em segundo lugar, porque os computadores são capazes de ultrapassar a
       obsessiva taylorização da escola, podendo abordar assuntos complexos de forma
       transdisciplinar.


   •   Em terceiro lugar, porque os computadores, quando entregues aos aprendizes,
       anulam quaisquer intuitos de massificação: não é possível trabalhar com
       computadores em classe, a não ser em redes de computadores controladas pelo
       computador do professor, mas, nesse caso, os computadores não estão realmente
       entregues aos aprendizes, funcionando como meras consolas ao arbítrio do
       professor ou dos seus eventuais substitutos electrónicos, como é o caso das
       plataformas de e-learning.


   •   Em quarto lugar, porque os computadores, podem ligar directamente a fontes de
       informação colossais, acessíveis quase instantaneamente, e com as quais a escola
       da modernidade não pode competir. Isto significa que os computadores e as
       tecnologias afins retiram definitivamente às escolas a presunção de que são
       locais onde o conhecimento reside, uma vez que a informação mais actualizada e
       mais relevante está disponível fora dos seus muros e o acesso a ela não depende
       do acesso à escola.


   •   Em quinto lugar, porque os computadores podem dar acesso à pluralidade
       cultural do mundo a partir do microcosmo individual do aprendiz e, com isso,
       nenhuma escola culturalmente monolítica, como é, na essência, a escola da
       modernidade, pode competir.


   •   Finalmente, porque as escolas, perdido o monopólio do conhecimento, e tendo
       adquirido funções não relacionadas directamente com a aprendizagem, como a
       de câmara de descompressão entre o final da adolescência e a pressão sobre o
       mercado de trabalho, estão a perder agilidade e credibilidade como instituições
       formadoras.


5. Conclusão: o futuro da escola do passado




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Se eu soubesse quantos séculos tem a humanidade, seria capaz de calcular com
exactidão o tempo da sua história em que não precisámos de escola pública para coisa
nenhuma e, muito menos, de escolaridade compulsiva. Comparado com esse tempo, que
não sou capaz de precisar, é óbvio que a vigência do modelo de escola (e de
escolaridade), que cristalizou ao longo do século XIX e se tem mantido, com
dificuldades cada vez mais notórias, até aos nossos dias, é tão fugaz como um
relâmpago.


Até à confluência de interesses entre os Iluministas e a burguesia, triunfantes da
Revolução Francesa e da Revolução Industrial, nunca a humanidade tinha precisado de
nenhum tipo de escolaridade universal, nem experimentado um modelo de escola
baseado em pressupostos tão evidentemente relacionados com um modo de produção.
Digo isto para reforçar a ideia de que, nem a escola é eterna, nem será única a maneira
de ser concebida ou organizada. A escola é uma instituição social, não faz parte de
nenhum código genético, nem nos chegou já pronta como uma espécie de verdade
revelada. Também significa que, apesar de ser eventualmente difícil imaginar como
seria uma escola se não fosse como a conhecemos, hoje em dia, ou mesmo uma não-
escola, esse problema é um problema apenas da nossa imaginação. Do mesmo modo
que, há duzentos anos, as necessidades da civilização industrial impuseram a escola
pública e sugeriram o modo como se organizaria, por que razão não acreditar que a
civilização pós-industrial se encarregará de sugestão equivalente?


Levamos, em relação aos que nos precederam no século XVIII, uma grande vantagem,
para já, no que se refere à capacidade de responder à necessidade de avançar com uma
proposta, quando ela se colocar. No final do século XVIII, mesmo depois do triunfo da
Revolução Francesa, a ideia de escola como um direito de todos era uma ideia quase
subversiva. Uma vez assumida como uma necessidade pelas classes dominantes,
faltavam as escolas e os professores. O nosso tempo, no entanto, é o tempo dos
professores e, por ironia, um tempo em que, no nosso país, se fecham as escolas onde
não se pode fazer um ensino em massa por falta de alunos em número suficiente para
isso. Mas nunca, como hoje, houve tanta gente a pensar sobre educação. Nem nunca
tanta gente fez da educação um local para estar no mundo.




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De modo que, compreendidas as razões da senilidade da escola que nasceu há duzentos
anos, e imaginadas as competências que devem ter as gerações que herdarão o futuro,
tarefas que nos cabem a todos nós, terminaria com uma passagem do livro de Stan
Davis e Jim Botkin, The Monster Under the Bed:


“With the move from an agrarian to an industrial economy, the small rural schoolhouse
was supplanted by the big brick urban schoolhouse. Four decades ago, in the early
1950s, we began to move to another economy but we have yet to develop a new
educational paradigm, let alone create the ‘schoolhouse’ of the future, which may be
neither school nor house”.


Referências
Condorcet, A. (1792). Rapport sur l'organisation générale de l'Instruction publique:
présenté à l'Assemblée nationale législative au nom du Comité d'Instruction publique,
les            20            et          21            avril           1792.           In
http://gallica.bnf.fr/scripts/ConsultationTout.exe?E=0&O=N087996         (consultado   em
28/11/2005).
Davis, S. & Botkin, J. (1994). The Monster Under the Bed. New York: Touchstone.
Hargreaves, A. (1998). Os professores em tempos de mudança. O trabalho e a cultura
dos professores na idade pós-moderna. Alfragide: McGraw-Hill de Portugal.
Kelly, A. (1980). O currículo: teoria e prática. S. Paulo: Harbra.
Mialaret, G. e Vial, J. (1981). Histoire Mondiale de l’Éducation. Paris: P. U. F..
Papert, S. (1980). Mindstorms - Children, Computers and Powerful Ideas. New York:
Basic Books.
Papert, S. (1993). The children’s machine: Rethinking schools in the age of computer.
New York: Basic Books.
Toffler, A. (s/d). Choque do futuro. Lisboa: Livros do Brasil.
Weik, M. H. (1961). The ENIAC Story. In http://ftp.arl.mil/~mike/comphist/eniac-
story.html (consultado em 28/11/2005).




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O futuro da escola do passado

  • 1. O futuro da escola do passado Carlos Nogueira Fino Prof. associado com agregação 1. Introdução Toda a gente já reparou que os sistemas educativos estão desnorteados. No nosso país, os sintomas do desnorte são por demais evidentes: muito insucesso, muitas intervenções políticas sucessivas imaginadas com o propósito de catapultar os seus autores para a imortalidade e terminando em novo impasse. E, tudo isto, enquanto os indicadores internacionais continuam a colocar sistematicamente os nossos alunos no final dos rankings da literacia e da numeracia. E perante as críticas de intelectuais respeitados nas respectivas áreas científicas, irmanados no mesmo tom e nos mesmos argumentos, que reclamam um ensino menos contaminado por aquilo que intitulam de “pedagogia moderna”, que é, segundo proclamam, uma espécie de elogio do menor esforço e a substituição das coisas penosas, como o trabalho e o estudo, por actividades mais ou menos lúdicas. Sugerindo, portanto, o regresso a uma escola mais próxima da que existiria quando eles a conheceram, mas numa época em que o número dos “cientistas da educação”, para aproveitar um designação genérica sugerida pelos referidos intelectuais, não pára de aumentar, facilitando a conclusão de que a crise da educação é directamente proporcional à proliferação desses “cientistas”. No entanto, apraz-me desconfiar que não serão os “cientistas da educação”, nem, talvez, o atabalhoamento dos políticos, os grandes responsáveis pelas dificuldades do sistema educativo, a não ser, provavelmente, por não verem o que os comentadores dos jornais de referência também não são capazes. De facto, não serão os “filhos de Rousseau”, nem a pedagogia do menor esforço, os detonadores da erosão de que vêm a sofrer todos os sistemas educativos há mais de cinco décadas. 2. O fenómeno ENIAC e o mito do regresso à idade de ouro 1
  • 2. Como toda a gente sabe, a crise da escola não começou recentemente. Alguns estudiosos do currículo (por exemplo, Kelly, 1980) referem o episódio Sputnik como um marco na tomada de consciência de uma crise que se havia apossado da escola, tendo consistido esse episódio na reacção das autoridades norte-americanas ao lançamento do foguetão Sputnik I soviético, em 1957. A esse propósito, afirmaram Davis & Botkin (1994: 19), que o lançamento do Sputnik em 1957 marcou o fim da era industrial e o começo da economia da informação. Essa prova surpreendente de superioridade tecnológica da União Soviética, na altura em que se presumia a liderança científica dos Estados Unidos, não só colocou em causa os pressupostos de avaliação dos jovens estudantes americanos, como culminou com a reformulação completa dos currículos nacionais de matemática e ciências. E, de então para cá, nunca mais a questão do controlo (da aprendizagem) deixou de ser absolutamente central no debate em redor dos sistemas escolares, podendo admitir-se que os rankings dos nossos dias são herdeiros em linha directa desse acontecimento. No entanto, o lançamento do Sputnik não significa muito mais, segundo creio, do que outro acontecimento, bastante mais silencioso, que ocorreu no Outono de 1945, e que consistiu na montagem do primeiro ENIAC (electronic numerical integrator and computer), como corolário de um processo iniciado em 1939 e relacionado com a computação das tabelas de tiro balístico da II Grande Guerra (Weik, 1961). Nesse Outono, doze anos antes do lançamento do Sputnik, nasceu a tecnologia fundadora da pós-modernidade, do mesmo modo que a máquina a vapor de Watt, registada em 1769 e explorada a partir de 1786, tinha sido fundadora da modernidade. Comparando o impacte posterior do ENIAC com o do Sputnik, facilmente compreenderemos qual deles teve, de facto, maior importância, e porquê. Desde o Outono de 1945 até aos nossos dias, as tecnologias baseadas no processamento da informação invadiram literalmente as nossas vidas a uma velocidade vertiginosa, especialmente quando comparada com o ritmo de mudança provocado pelo primeiro grande choque tecnológico do final do século XVIII. Recorde-se que, nos finais do século XVIII, a ordem industrial emergente da introdução da máquina a vapor precisava de um novo tipo de homem, equipado com aptidões que 2
  • 3. nem a família nem a igreja eram capazes, só por si, de facultar. Precisava de crianças pré-adaptadas a um “trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina colectiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e pelo relógio” (Toffler, s/d). Essa sociedade industrial, fundada sobre a sincronização do trabalho, precisava, portanto, de indivíduos que pouco tinham que ver com um passado rural e bucólico, em que os ritmos naturais prevaleciam. Atente-se a que, por exemplo, na segunda década do século dezanove, se exceptuarmos a Inglaterra, três quartos da população europeia ainda vivia nas zonas rurais e mais de metade dos activos trabalhava na agricultura (Mialaret e Vial, 1981). E foi para dar resposta às necessidades da sociedade industrial, formando pessoas adaptadas às exigências do novo modelo de produção e, sendo tão barata que desarmasse os argumentos dos que se opunham à simples ideia de educação para todos, que foi imaginada a escola pública. O ensino em massa foi a máquina genial criada pela civilização industrial para conseguir o tipo de adultos de que precisava. Como dizia Toffler, (s/d: 393) “A solução só podia ser um sistema educacional que, na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo”. É claro que a escola pública não se ficou a dever apenas às necessidades da industrialização, ainda que quem pagasse os custos da sua implantação tivessem sido os proprietários, nomeadamente das fábricas, através dos impostos. Com efeito, não é possível contornar o papel fundamental dos Iluministas, que, ao longo de grande parte do século XVIII fizeram da necessidade da instrução pública uma bandeira política. Com a vitória da Revolução Francesa, ficavam completas as condições políticas para a criação da primeira instituição educativa de carácter universal, criada propositadamente para garantir um vínculo estável com o desenvolvimento económico e social. Recorde-se, a este propósito, a intervenção de Condorcet na Assembleia Nacional francesa, a 20 e 21 de Abril de 1792, três anos depois da Revolução Francesa e quatro depois das primeiras aplicações práticas da máquina de Watt, quando apresentou o Relatório sobre a organização geral da instrução pública, reclamando a escola pública para todos nestes termos: 3
  • 4. “Messieurs, offrir à tous les individus de l'espèce humaine les moyens de pourvoir à leurs besoins, d'assurer leur bien-être, de connaître et d'exercer leurs droits, d'entendre et de remplir leurs devoirs ; assurer à chacun d'eux la facilité de perfectionner son industrie, de se rendre capable des fonctions sociales auxquelles il a droit d'être appelé, de développer toute l'étendue des talents qu'il a reçus de la nature, et par là établir entre les citoyens une égalité de fait, et rendre réelle l'égalité politique reconnue par la loi : tel doit être le premier but d'une instruction nationale ; et, sous ce point de vue, elle est pour la puissance publique un devoir de justice ”. Ora, a construção do ENIAC, apesar do recato em que decorreu, haveria de marcar um ponto de viragem sem retorno. Até ao último quartel do século XX, a riqueza dos países mais desenvolvidos estava directamente relacionada com a sua produção industrial. Nos últimos trinta anos, no entanto, temos vindo a assistir ao progressivo desmantelamento de grandes concentrações industriais, antes consideradas “estratégicas”, como as siderurgias, em países dos mais desenvolvidos, e à substituição da fabricação de artefactos tangíveis por uma crescente produção de conteúdos, que contribuem cada vez mais para a riqueza nacional. Hoje, os computadores, ao contrário das fábricas que, no passado, eram apenas parte da paisagem, estão profundamente entretecidos na vida de todos os dias de todos os cidadãos, ao ponto de ser fastidioso enumerar onde e como. Vivemos já numa sociedade em mudança, num planeta tornado subitamente muito pequeno pela acção das tecnologias digitais, da globalização, da pulverização das culturas locais. Um planeta que já nada tem a ver com os ritmos bucólicos que prevaleciam à data em que Condorcet e Watt, cada qual ao seu modo, propunham alavancas para o futuro. Entretanto, como se nada tivesse acontecido, a escola pública tem continuado a tentar cumprir a sua missão de formar para a sociedade industrial. Em 1945, ninguém, dentro ou fora da escola pública, se terá apercebido de que o ENIAC seria um agente da sua obsolescência. Aliás, nem é seguro que, em 2005, o número de pessoas que já se aperceberam disso seja significativo, uma vez que, perante as dificuldades evidentes dos sistemas escolares, as vozes que mais se ouvem são as dos que reclamam, sem se aperceberem do contra-senso, um regresso ao passado, a um tempo em que a escola pública seguia placidamente o seu caminho sem grandes sobressaltos. 4
  • 5. Terá ficado na memória colectiva uma impressão idílica dessa escola parada no tempo e de um tempo também parado, em que os professores eram figuras austeras e respeitadas, tinham autoridade e ensinavam mesmo, e os alunos aprendiam. Saudade de quando ainda nem sequer se falava de “ciências da educação”, nem havia ideias complicadas sobre pedagogia, em que o que se aprendia era consequência do que se ensinava, e a escola era um assunto para ser levado muito a sério. E também do tempo em que os diplomas, que as escolas conferiam, serviam para abrir as portas do sucesso no mundo exterior, onde estavam os empregos à espera, em vez de só servirem, como agora, para garantirem um acesso à escolaridade seguinte. Saudade, no fundo, do mundo antes de tudo começar a acelerar e a tornar-se complicado, e da velha ordem industrial, minada nos seus fundamentos, começar a desagregar-se à nossa volta. A ironia é que continua a existir, creio, um consenso muitíssimo alargado sobre a necessidade de a escola (continuar a) formar para o futuro, ainda que retomando os pressupostos e a estrutura que a fazia verdadeiramente útil, no passado. E o futuro, já o podemos intuir, passará cada vez menos pela velha ordem industrial em refluxo, que se implantou a partir da aplicação prática da máquina de Watt e das evoluções mecânicas que lhe seguiram, e cada vez mais pela omnipresença das novas máquinas resultantes da evolução do ENIAC. Como é que é possível não reparar que a escola modelada na fábrica do século XIX, por muitos e relevantes serviços que tenha prestado à Humanidade nesse século e no seguinte, precisa de uma reorientação paradigmática, e que essa reorientação terá que ser o inverso da visão saudosista de uma instituição imóvel a boiar, estagnada, no tempo? 3. O segundo mito: a tecnologia redentora Entretanto, duas escassas décadas depois da construção do ENIAC, as TIC começaram a bater à porta das escolas, cujo desenho organizacional tinha tido como referência preparar para a sociedade industrial. Convém referir, no entanto, que, para além da modelação fabril, a escola nunca deixou de incorporar boa parte das tecnologias da modernidade, e não apenas as relacionadas directamente com a escrita, dependendo esse grau de incorporação apenas dos limites 5
  • 6. orçamentais e da capacidade ou vontade dos professores na exploração da que estaria disponível. Também é óbvio que a escola pública do século XIX tinha menos tecnologia incorporada que a do século XX, e que, no espaço de um século e meio, muitas foram as inovações introduzidas na sequência do desenvolvimento tecnológico, o que não significou que a incorporação de mais tecnologia redundasse em alteração substancial no modo de funcionamento das escolas, que mantiveram inalterável o essencial dos seus pressupostos organizacionais. Mesmo quando, ao longo das décadas de sessenta e setenta, os meios audiovisuais se começaram a vulgarizar no interior dos estabelecimentos, eles nunca passaram de meros “auxiliares do ensino”, apesar de alguns entusiastas terem anunciado a transformação da escola pelo seu uso. E isso deve-se ao facto de a tecnologia subjacente aos meios audiovisuais continuar ancorada na mesma galáxia da máquina de Watt, de modo que a sua incorporação na escola não traria nada de verdadeiramente revolucionário ao ponto de colocar em xeque processos de funcionamento tornados estáveis ao longo de muitas décadas. Nem mesmo a telescola, como meio de “ensino à distância”, de que Portugal foi pioneiro nos anos setenta, alterou o essencial dos procedimentos de transmissão de conteúdos: nem o professor foi substituído pela máquina, nem o receptor de TV teve outro papel além de o de exibir conteúdos pré elaborados. Os principais meios audiovisuais (cinema, televisão), por servirem para veicular conteúdos destinados a ser consumidos em simultâneo por massas de espectadores, partilhavam algo de comum com as escolas, que também pretendem atingir, de cada vez e em simultâneo, turmas inteiras de alunos. Por essa razão, a sua exploração em ambiente escolar não alteraria nada de essencial, sendo os pressupostos da sua utilização basicamente os mesmos que presidem à emissão do discurso do professor, quando este utiliza suportes mais tradicionais como a voz, com apoio ou não do livro de texto ou do quadro negro. Nenhum desses meios, audiovisuais incluídos, deslocalizava o curso dos acontecimentos para fora da escola, nenhum impunha a adopção de atitudes radicalmente diferentes pela parte dos professores. Nenhum conferia novos poderes aos alunos (Fino & Sousa, 2005). Foi precisamente o que se passou com a tentativa de incorporação de computadores como máquinas de ensinar a partir dos anos sessenta do século passado, correndo 6
  • 7. programas de ensino assistido por computador. E é precisamente o que se passa agora com a utilização das novíssimas gerações do ENIAC, servindo como máquinas de distribuição de conteúdos, mas funcionando sobre uma designação genérica enganadora e capciosa. Refiro-me às plataformas de e-learning, puras ou em formato blended, isto é, com ensino presencial à mistura, que são sistemas de distribuição de conteúdos pré- preparados, a que se acede à distância e que, de uma maneira geral, não passam de prolongamentos electrónicos, ou semi-electrónicos no caso do blended, da escola tradicional. Ou seja, a escola fabril por outros meios, a escola do tempo de Watt, mas apoiada em tecnologias da era do ENIAC. Sobre essas plataformas, de há muito que me causa perplexidade a utilização, que me parece abusiva, da palavra learning (aprendizagem) e por duas razões. Em primeiro lugar, porque a palavra certa seria teaching, uma vez que é essa palavra que significa o que propõem, de facto, essas plataformas de ensino à distância. A segunda razão é porque a palavra learning tem que ver com o universo do aprendiz e, para ser adequada, deve centrar-se na sua actividade, ao passo que teaching remeteria para o professor, a cujo universo compete, tradicionalmente, o que as plataformas de e-learning fazem verdadeiramente, ou seja, distribuir conteúdos pré elaborados. É por essas e por outras razões que estou convencido de que os sistemas de e-learning, ainda não são o futuro da escola do passado. Como toda a gente compreenderá, a inovação não reside na tecnologia propriamente dita, mas no que ela nos permite fazer com o seu auxílio. A tecnologia só será ferramenta de inovação pedagógica a partir do momento em que permita fazer coisas diferentes, quando abrir portas para territórios inesperados, que podem muito bem não ter nada que ver, sequer, com o currículo ou com a escola. E, sobretudo, noutras mãos que não nas dos técnicos que se escondem por detrás das plataformas de e-learning. Por outras palavras, inovação implica ruptura paradigmática e não a proposta de “mais do mesmo”, implícita naquelas plataformas, ainda que a coberto de um marketing particularmente agressivo, que explora, aberta e paradoxalmente, uma concepção tradicionalista de escola e a crença de que as novas tecnologias são, mais que a chave do futuro, já o próprio futuro. 7
  • 8. Enquanto continuadoras da escola tradicional por meios contemporâneos do ENIAC, as plataformas de e-learning, espécies de e-escolas ou escolas.com, apenas conseguem provar que até as tecnologias mais recentes e actualizadas podem ser facilmente recuperadas pelo velho paradigma industrial, perdendo, por causa disso, todo o potencial inovador de que sejam, eventualmente, portadoras. Por outro lado, apesar do seu custo, que admito ser elevado, a criação e manutenção dessas plataformas de ensino à distância não passará de uma fracção do que os Estados têm que suportar com os sistemas escolares tradicionais presenciais, não sendo descartável que venham a constituir (mais) uma forma de emagrecimento do Estado Social, a cujo amparo se fundou a escola pública, agora sob suspeita. Como toda a gente compreenderá, as plataformas de e-learning, uma vez finda a sua vida útil, não passarão a ser clientes da segurança social, nunca progridem na carreira retributiva, não costumam faltar às aulas, a menos que estejam offline e, provavelmente, também não falarão eduques, esse dialecto que tanto perturba alguns comentadores com nostalgia da escola dos seus verdes anos 4. Então e o futuro? Em muitos sentidos, as escolas continuam a ser instituições modernas (e, em certos casos, até pré-modernas), que se vêem obrigadas a operar num mundo pós-moderno complexo. À medida que o tempo passa, o hiato entre o mundo da escola e o que existe para além dela está a tornar-se cada vez mais óbvio, sendo a natureza anacrónica da escola cada vez mais evidente (Hargreaves, 1998). Afirmava Seymour Papert (1993: vii) que “not very long ago, and in many parts of the world even today, young people would learn skills they could use in their work throughout life. Today, in industrial countries, most people are doing jobs that did not exist when they were born. The most important skill determining a person’s life pattern has already become the ability to learn new skills, to take in new concepts, to assess new situations, to deal with the unexpected. This will be increasingly true in the future: The competitive ability is the ability to learn”. 8
  • 9. Desde o início dos anos 80 que este autor considera as salas de aula como ambientes de aprendizagem artificial e ineficiente, que a sociedade foi forçada a inventar porque os seus ambientes informais de aprendizagem se mostravam inadequados para aquisições em domínios considerados importantes do conhecimento, como a escrita, a gramática ou a matemática. E manifesta a convicção de que a utilização do computador permitirá mudar o ambiente de aprendizagem fora das salas de aula, de tal forma que todo o currículo que as escolas tentam actualmente ensinar com grandes dificuldades, custos elevados e sucesso limitado, seja aprendido como se aprende a falar, menos penosamente, com maior êxito e sem instrução organizada (Papert, 1980). Não perspectiva, portanto, a incorporação das TIC como meio de salvar ou reformar a escola, mas antevê a sua utilização como meio de a contornar, posta directamente ao serviço dos aprendizes nos seus ambientes naturais. Este ponto de vista traz consigo a ideia de que as TIC de pouco podem valer a instituições cujas raízes mergulham na modernidade (ou ainda antes), e que se organizaram em redor da utilização de tecnologias da modernidade para executarem tarefas (educativas) exigidas pelas sociedades industriais. A não ser que sejam utilizadas com um sentido meramente aditivo para alcançar os mesmíssimos objectivos, eventualmente com rentabilidade maior, que já vinham a ser alcançados através da utilização de outros meios. É por isso que o papel da tecnologia, posta directamente ao serviço do aprendiz, não é o de substituir a escola, proporcionando o que ela já proporciona, mas, ao contrário, abrir portas que a escola nem imagina. Assim, ao manifestar a convicção de que a utilização do computador permitiria mudar o ambiente de aprendizagem fora das salas de aula, Papert foi dos primeiros a reparar que, muito mais que poder vir a servir para relançar a escola por outros meios, como através de plataformas de e-learning, os computadores podem ser, pelo contrário, portadores de potencialidades capazes de precipitarem a obsolescência da escola, propondo, ao mesmo tempo, formas de obviar a sua falta. • Em primeiro lugar, porque, uma vez entregues ao aprendizes como ferramenta de aprendizagem, podem ajudar a criar contextos de aprendizagem sem precedentes na história da educação. 9
  • 10. Em segundo lugar, porque os computadores são capazes de ultrapassar a obsessiva taylorização da escola, podendo abordar assuntos complexos de forma transdisciplinar. • Em terceiro lugar, porque os computadores, quando entregues aos aprendizes, anulam quaisquer intuitos de massificação: não é possível trabalhar com computadores em classe, a não ser em redes de computadores controladas pelo computador do professor, mas, nesse caso, os computadores não estão realmente entregues aos aprendizes, funcionando como meras consolas ao arbítrio do professor ou dos seus eventuais substitutos electrónicos, como é o caso das plataformas de e-learning. • Em quarto lugar, porque os computadores, podem ligar directamente a fontes de informação colossais, acessíveis quase instantaneamente, e com as quais a escola da modernidade não pode competir. Isto significa que os computadores e as tecnologias afins retiram definitivamente às escolas a presunção de que são locais onde o conhecimento reside, uma vez que a informação mais actualizada e mais relevante está disponível fora dos seus muros e o acesso a ela não depende do acesso à escola. • Em quinto lugar, porque os computadores podem dar acesso à pluralidade cultural do mundo a partir do microcosmo individual do aprendiz e, com isso, nenhuma escola culturalmente monolítica, como é, na essência, a escola da modernidade, pode competir. • Finalmente, porque as escolas, perdido o monopólio do conhecimento, e tendo adquirido funções não relacionadas directamente com a aprendizagem, como a de câmara de descompressão entre o final da adolescência e a pressão sobre o mercado de trabalho, estão a perder agilidade e credibilidade como instituições formadoras. 5. Conclusão: o futuro da escola do passado 10
  • 11. Se eu soubesse quantos séculos tem a humanidade, seria capaz de calcular com exactidão o tempo da sua história em que não precisámos de escola pública para coisa nenhuma e, muito menos, de escolaridade compulsiva. Comparado com esse tempo, que não sou capaz de precisar, é óbvio que a vigência do modelo de escola (e de escolaridade), que cristalizou ao longo do século XIX e se tem mantido, com dificuldades cada vez mais notórias, até aos nossos dias, é tão fugaz como um relâmpago. Até à confluência de interesses entre os Iluministas e a burguesia, triunfantes da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, nunca a humanidade tinha precisado de nenhum tipo de escolaridade universal, nem experimentado um modelo de escola baseado em pressupostos tão evidentemente relacionados com um modo de produção. Digo isto para reforçar a ideia de que, nem a escola é eterna, nem será única a maneira de ser concebida ou organizada. A escola é uma instituição social, não faz parte de nenhum código genético, nem nos chegou já pronta como uma espécie de verdade revelada. Também significa que, apesar de ser eventualmente difícil imaginar como seria uma escola se não fosse como a conhecemos, hoje em dia, ou mesmo uma não- escola, esse problema é um problema apenas da nossa imaginação. Do mesmo modo que, há duzentos anos, as necessidades da civilização industrial impuseram a escola pública e sugeriram o modo como se organizaria, por que razão não acreditar que a civilização pós-industrial se encarregará de sugestão equivalente? Levamos, em relação aos que nos precederam no século XVIII, uma grande vantagem, para já, no que se refere à capacidade de responder à necessidade de avançar com uma proposta, quando ela se colocar. No final do século XVIII, mesmo depois do triunfo da Revolução Francesa, a ideia de escola como um direito de todos era uma ideia quase subversiva. Uma vez assumida como uma necessidade pelas classes dominantes, faltavam as escolas e os professores. O nosso tempo, no entanto, é o tempo dos professores e, por ironia, um tempo em que, no nosso país, se fecham as escolas onde não se pode fazer um ensino em massa por falta de alunos em número suficiente para isso. Mas nunca, como hoje, houve tanta gente a pensar sobre educação. Nem nunca tanta gente fez da educação um local para estar no mundo. 11
  • 12. De modo que, compreendidas as razões da senilidade da escola que nasceu há duzentos anos, e imaginadas as competências que devem ter as gerações que herdarão o futuro, tarefas que nos cabem a todos nós, terminaria com uma passagem do livro de Stan Davis e Jim Botkin, The Monster Under the Bed: “With the move from an agrarian to an industrial economy, the small rural schoolhouse was supplanted by the big brick urban schoolhouse. Four decades ago, in the early 1950s, we began to move to another economy but we have yet to develop a new educational paradigm, let alone create the ‘schoolhouse’ of the future, which may be neither school nor house”. Referências Condorcet, A. (1792). Rapport sur l'organisation générale de l'Instruction publique: présenté à l'Assemblée nationale législative au nom du Comité d'Instruction publique, les 20 et 21 avril 1792. In http://gallica.bnf.fr/scripts/ConsultationTout.exe?E=0&O=N087996 (consultado em 28/11/2005). Davis, S. & Botkin, J. (1994). The Monster Under the Bed. New York: Touchstone. Hargreaves, A. (1998). Os professores em tempos de mudança. O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Alfragide: McGraw-Hill de Portugal. Kelly, A. (1980). O currículo: teoria e prática. S. Paulo: Harbra. Mialaret, G. e Vial, J. (1981). Histoire Mondiale de l’Éducation. Paris: P. U. F.. Papert, S. (1980). Mindstorms - Children, Computers and Powerful Ideas. New York: Basic Books. Papert, S. (1993). The children’s machine: Rethinking schools in the age of computer. New York: Basic Books. Toffler, A. (s/d). Choque do futuro. Lisboa: Livros do Brasil. Weik, M. H. (1961). The ENIAC Story. In http://ftp.arl.mil/~mike/comphist/eniac- story.html (consultado em 28/11/2005). 12