Proteção jurídica dos elementos não-literais de programas de computador
1. II SEMINÁRIO – PROPRIEDADE INTELECTUAL
NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
A PROTEÇÃO JURÍDICA DO PROGRAMA DE
COMPUTADOR
PROF. DR. MANOEL J. PEREIRA DOS SANTOS
20 DE OUTUBRO DE 2016
CEST - Centro de Estudos Sociedade
e Tecnologia
2. INTRODUÇÃO
O que é um programa de computador?
Art. 1° da Lei 9.609/98 (= Art. 1° da Lei 7.646/87)
“Programa de computador é a expressão de um conjunto
organizado de instruções em linguagem natural ou codificada,
contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento da
informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos
periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para
fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”
Programa de computador é uma criação técnica e utilitária.
3. “So Software Protection is a universal problem that all the countries have to
deal with.
But Software Protection is also an old new problem… I say old new problem
because the question now dates from around thirty years, at least in the
countries where computing knew its first developments. Nevertheless it’s a
topical question. And that’s the case because, even if the TRIPS agreement
says in its article 7: “Computer programs, whether in source or object code,
shall be protected as literary works under the Berne Convention (1971)”, the
question was renewed with the reintroduction, for ten or fifteen years
according with the countries, of the patent in the approach of “protectability”.
In fact, the history of software protection is a chaotic story. And the question
of software protection appears today as a question of “oscillation” between
the two poles that on the one hand copyright is and on the other hand patent
is, with what implies in terms of complexity. It’s necessary to wonder about
the copyrightability of the software and about its patentability but also about
the coexistence of the two systems of protection.”
Michel Vivant, Software Protection, IFUMCIT, Egito, 19.11.2009.
4. INTRODUÇÃO
Alternativas para a proteção de programas de computador
Dois regimes de exclusiva tem sido utilizados atualmente:
• Direito de Autor → alternativa preferencial
• Direito Patentário → opção limitada
A aplicação de antigos institutos de Propriedade Intelectual às
novas tecnologias envolve dificuldades relevantes:
• O Direito de Autor foi concebido para obras artísticas,
literárias e científicas = direito moral e direito patrimonial.
• A Patente foi concebida para criações suscetíveis de
aplicação industrial = requisito essencial é a novidade.
5. REGIMES PROTETIVOS
Aplicação do Direito de Autor a programas de computador
As legislações equiparam os programas de computador às
demais obras intelectuais, assimilando-os às obras literárias,
embora com regras específicas.
Art. 10(1) do Acordo TRIPs
“Os programas de computador, sejam programas fonte, sejam
programas objeto, serão protegidos como obras literárias nos
termos da Convenção de Berna”.
Art. 2º da Lei 9.609/98
O regime de proteção à propriedade intelectual de programa
de computador é o conferido às obras literárias pela legislação
de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o
disposto nesta Lei.
6. REGIMES PROTETIVOS
Aplicação do Direito de Autor a programas de computador
Mas, programas de computador são diferentes de obras
literárias, pois são obras utilitárias e em constante evolução.
Há diferentes tipos de programas de computador:
• Programa-produto ou software de prateleira
• Programas customizados ou sob encomenda
Muitas vezes envolve segredos da empresa
• Parceria para desenvolvimento de software especial
As especificações técnicas são fornecidas pelo parceiro.
• Software embarcado → suscetível de patenteamento.
• Aplicações em smartphones, redes sociais, etc. → limitações
7. REGIMES PROTETIVOS
Aplicação do Direito de Autor a programas de computador
Art. 7º. da Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9610/98):
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação
específica, observadas as disposições desta Lei que lhes
sejam aplicáveis.
Art. 2º da Lei 9.609/98
O regime de proteção à propriedade intelectual de
programa de computador é o conferido às obras literárias
pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no
País, observado o disposto nesta Lei.
8. REGIMES PROTETIVOS
Aplicação do Direito de Autor a programas de computador
O regime protetivo de programas de computador é distinto
daquele aplicado às obras literárias tradicionais.
• Regime dos direitos morais (Art. 2º.) = direito de
paternidade e direito de integridade.
§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as dispo-
sições relativas aos direitos morais, ....
• Titularidade dos direitos patrimoniais (Art. 4º.) = regime
das invenções
• Prazo de proteção (Art. 2º, § 2º ) = 50 anos
• Limitações aos direitos patrimoniais (Art. 6º.)
9. REGIMES PROTETIVOS
Aplicação do Direito de Autor a programas de computador
O regime protetivo brasileiro segue os padrões internacionais.
Diretiva 21/250/CEE de 14.5.1991, consolidada pela Diretiva
2009/24/CE de 23.4.2009, sobre a proteção jurídica dos pro-
gramas de computador:
• Art. 1(2) – Âmbito da proteção = forma de expressão
• Art. 2(3 ) – Titularidade = regime da Propriedade Industrial.
• Art. 4(2) – Direito de exaustão.
• Art. 5 – Exceções em geral = direito de análise/estudo
• Art. 6 – Descompilação (Engenharia Reversa).
• Prazo de proteção – Art. 8 da Diretiva 91/250 = vida + 50
anos, hoje vida + 70 anos.
10. REGIMES PROTETIVOS
A proteção autoral coaduna-se com os propósitos perseguidos?
A proteção autoral a programas de computador constitui ainda
um tema complexo, porque:
(a) A absorção de criações utilitárias no regime autoral implica
modificações do regime tradicional.
(b) Os limites naturais do Direito de Autor tornam a proteção
insuficiente contra a apropriação do conteúdo técnico.
Contudo, a proteção autoral é eficaz no que se refere aos casos
clássicos de pirataria (cópia servil):
(a) comercialização de cópias piratas
(b) Uso ou reprodução indevidos de programas.
E os casos de plágio e de clones?
11. Elementos Literais
• Código Fonte
• Código Objeto
Elementos Não-Literais
• Funcionalidade
• Especificações técnicas
• Fluxograma
• Algoritmo
• Arquitetura
• Interface de Usuário
PROGRAMA DE COMPUTADOR
Programa
“per se”
Direito de Autor
12. REGIMES PROTETIVOS
Proteção dos elementos não-literais do programa de computador
Estrutura estática (estrutura da codificação) → estrutura interna
ou forma programada.
• Arquitetura do programa.
Exame do código fonte para os casos de plágio.
• Estrutura dinâmica (estrutura de funcionamento) → estrutura
externa ou forma executada → aspecto comportamental do
programa
• Interface de usuário.
• “Look and Feel”.
13. REGIMES PROTETIVOS
Proteção dos elementos não-literais do programa de computador
Interface de usuário
• Condicionantes da proteção dos elementos expressivos:
o Originalidade → padronização (Windows)
o Limitações à forma de expressão → funcionalidade
• Proteção como elemento do programa ou como obra
autônoma?
o Evolução da proteção nos EUA no período de 1970-2000:
Formalista (Synercom – 1978) → protecionista (Whelan)
→ restritiva (Lotus v. Borland – 1996).
14. REGIMES PROTETIVOS
Bezpečnostní softwarová asociace – Svaz softwarové ochrany v. Ministerstvo
kultury – C-393/09 – 3ª. Seção do Tribunal de Justiça da EU – 22.12.2010
«Propriedade intelectual – Diretiva 91/250/CEE – Proteção jurídica dos programas
de computador – Conceito de ‘expressão, sob qualquer forma, de um programa de
computador’ – Inclusão ou não da interface gráfica do utilizador de um programa
– Direitos de autor – Diretiva 2001/29/CE – Direito de autor e direitos conexos na
sociedade da informação – Radiodifusão televisiva de uma interface gráfica do
utilizador – Comunicação de uma obra ao público»
“A interface gráfica do utilizador não constitui uma forma de expressão de um
programa de computador na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 91/250/CEE
do Conselho, de 14 de Maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas
de computador, e não pode beneficiar da proteção de direitos de autor conferida
aos programas de computador ao abrigo desta diretiva. Todavia, esta interface
pode beneficiar da protecção de direitos de autor enquanto obra, ao abrigo da
Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de
2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos
conexos na sociedade da informação, se constituir uma criação intelectual do
próprio autor.
15. REGIMES PROTETIVOS
Proteção dos elementos não-literais do programa de computador
“Look and feel” (“jeitão” – Denis Borges Barbosa)
• Compreende:
o “Look”→ conceito visual geral (“layout”, menus, telas,
ícones).
o “Feel” → estrutura de operação do programa
• Proteção por Direito de Autor?
O Direito de Autor não reprime a imitação, mas o plágio.
• A aplicação da teoria da concorrência desleal, especialmente
o instituto do “trade dress”, tem sido a solução mais eficaz.
16. REGIMES PROTETIVOS
A proteção autoral coaduna-se com os propósitos perseguidos?
O Direito de Autor não visa proteger a inovação técnica
= a destinação da obra não é relevante.
O enfoque do Direito de Autor é na forma de expressão.
Portanto, embora codificação e conteúdo técnico sejam
elementos centrais, apenas o código é tutelado pelo Direito
de Autor.
Art. 7º. da Lei de Direitos Autorais:
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma
literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico
ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais
campos da propriedade imaterial.
17. REGIMES PROTETIVOS
Natureza dualista ou híbrida do software
Aspecto técnico ou funcional → criação técnica que visa a
solução de problemas específicos (caráter utilitário)
• Envolve a implementação de um processo lógico para a
realização de funções determinadas.
• “um conjunto organizado de instruções .... para fazer [o
hardware] funcionar de modo e para fins determinados.”
Aspecto simbólico ou textual → criação intelectual que se
exterioriza pelo modo expressivo (obra intelectual)
• O programa de computador é implementado em código fonte e
em código objeto.
• Há, pois, a utilização de uma linguagem natural e outra
simbólica.
18. REGIMES PROTETIVOS
DIREITO DE AUTOR
• Criação cultural, com a
natureza jurídica de obra
intelectual, sendo que a
tutela autoral incide
basicamente sobre a
codificação, em seus
elementos literais e não
literais.
• Tutela legal sujeita ao
critério de originalidade.
PATENTE
• Criação técnica, com a
natureza jurídica de
invenção, sendo que a
tutela legal incide basica-
mente sobre a solução
técnica.
• Tutela legal sujeita aos
critérios de novidade,
atividade inventiva e
aplicação industrial.
19. REGIMES PROTETIVOS
Direito de Autor v. Patente
Duas modalidades de criação
Art. 7º da LDA:
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma
literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou
técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos
da propriedade imaterial.
Art. 10 da Lei de Propriedade Industrial:
Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
V - programas de computador em si;
20. REGIMES PROTETIVOS
Direito de Autor v. Patente
Patente de Programa de computador e o “programa de
computador em si”
A proibição de tratar o programa de computador como
invenção surgiu com a lei francesa de 1968.
A mesma proibição entrou na Convenção Europeia de
Patentes de 1973, em seu Art. 52(2)(c). Porém, o Art. 52(3)
deixava claro que essa proibição se aplicava aos bens
“considerados como tais”.
Estabelece-se, assim, uma distinção entre, de um lado, o
conjunto organizado de instruções (“computer program”) e,
de outro lado, o processo ou o resultado do funcionamento
do programa (“computer process”).
21. REGIMES PROTETIVOS
Direito de Autor v. Patente
Patente de Programa de computador e o “programa de
computador em si”
Esta distinção separa o escopo da tutela pelo DIREITO DE AUTOR
– programa como sequência de símbolos que codificam as
instruções – daquele pela PATENTE – a solução técnica imple-
mentada pelo programa.
Na Europa e no Brasil, programas de computador em si – a
codificação – são protegidos por Direito de Autor, enquanto
as invenções implementadas pelo programa são protegidas
por patente.
Nos EUA, a concessão de patentes a programas de computa-
dor como um todo é mais flexível.
22. REGIMES PROTETIVOS
Proposta de Diretrizes do INPI para patente de software
2.1 Programa de computador em si
O programa de computador em si, de que trata o inciso V do Art.
10 da LPI, refere-se aos elementos literais da criação, tal como o
código fonte, entendido como conjunto organizado de instruções
escrito em uma determinada linguagem computacional.
Enquanto conjunto de instruções, código ou estrutura, o
programa de computador em si não é considerado invenção e
portanto não é objeto de proteção por patente por ser mera
expressão de uma solução técnica, sendo intrinsecamente de-
pendente da linguagem de programação.
23. REGIMES PROTETIVOS
Manual do INPI para o Depositante de Patentes (2015)
O programa de computador em si, de que trata o inciso V do Art. 10
da LPI, refere-se aos elementos literais da criação, tal como o código
fonte, entendido como conjunto organizado de instruções escrito
em linguagem natural ou codificada. O programa de computador
em si não é considerado invenção e portanto não é objeto de
proteção por patente por ser mera expressão de uma solução
técnica, sendo intrinsecamente dependente da linguagem de pro-
gramação. Entretanto, uma criação industrial (processo ou produto
associado ao processo) implementada por programa de
computador que resolva um problema encontrado na técnica e
alcance efeito técnico que não digam respeito unicamente ao modo
como este programa de computador é escrito pode ser considerada
invenção.
24. REGIMES PROTETIVOS
4 tipos de tutela legal:
(a) Proteção por patente para a solução técnica (invenção)
A proteção patentária recai sobre aspecto técnico
Efeito técnico: solução para problemas específicos.
(b) Proteção autoral para elemento expressivo (código)
“O programa de computador, naquilo que é objeto de direito autoral, é
excluído da patenteabilidade.” (Denis Borges Barbosa, Inventos Indus-
triais : A Patente de Software no Brasil – II).
(c) Proteção para os conhecimentos confidenciais (segredo empresarial) →
transferência de tecnologia
O código fonte, outras partes da documentação técnica e a
tecnologia são mantidos em sigilo e protegidos como segredo.
(d) Proteção contratual para restringir uso do programa
Ex. Proibição de cessão, modificações e de engenharia reversa.