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Direitos autorais e software
Andréa Abreu // segunda-feira, 07/05/2007
http://www.baguete.com.br/artigos/133/andrea-abreu/07/05/2007/direitos-autorais-e-
software

IntroduçãoA propriedade intelectual é o ramo jurídico destinado a regular os direitos
resultantes das mais intangíveis formas de criação humana, tudo o quanto puder ser
inventado pelo homem, como fruto de seu espírito inventivo e sensível será disciplinado
por algum dos ramos da propriedade intelectual. Assim, a Propriedade Intelectual cuida
das questões jurídicas relacionadas com os direitos dos titulares das criações imateriais,
bem como da forma de fruição e gozo desses direitos. Segundo o autor Eduardo
Lycurgo Leite :Por propriedade intelectual temos o direito do ser humano sobre as
suas criações intelectuais, ou seja, sobre as suas invenções, textos, desenhos, expressão
criativa, etc., ou seja, o direito do indivíduo sobre as criações do seu intelecto. A
propriedade intelectual enquanto gênero jurídico comporta espécies, ou vertentes de
proteção, são elas a propriedade industrial e os direitos autorais. A propriedade
industrial ocupa-se dos direitos de patente, marcário, desenhos industriais, regulação das
indicações geográficas e repressão à concorrência desleal. Os direitos autorais por outro
lado, disciplinam como o próprio nome já revela, os direitos do autor sobre sua obra
intelectual, literária, artística ou científica. Neste estudo, objetivaremos demonstrar
aonde se insere a proteção ao software enquanto produto da criação humana e teceremos
comentários acerca da adequação da lei escolhida para regular os programas de
computador. HistóricoAntes de adentrarmos especificamente nos temas que nos
propusemos a dissertar, cabe um breve relato histórico acerca do surgimento da
proteção internacional aos direitos autorais e mais recentemente da regulamentação do
software. Como se poderia facilmente antever, os direitos autorais, ou melhor dizendo, a
proteção aos direitos do autor, surgiu a partir do momento histórico em que se tornou
viável a pirataria de escala com a tecnologia dos tipos móveis de Gutemberg. O
aparecimento da imprensa facilitou e agilizou a contrafação de obras literárias originais.
A partir daí passou a existir a preocupação social com a proteção dessas obras, pois
anteriormente, o tempo e o custo para se realizar uma cópia não autorizada impediam
que as mesmas se proliferassem a ponto de macular a tranqüilidade geral. As
tecnologias avançaram, propiciando ainda mais velocidade e qualidade nas reproduções
desautorizadas e foi então que no final do século XIX os detentores de direitos autorais
juntamente com vários Estados decidiram reunir-se para criar um mecanismo
internacional de proteção aos direitos do autor e nasce na Suíça, em 1886, a Convenção
de Berna. A maior importância dos acordos e tratados internacionais, é quanto à
disciplina dos princípios que irão nortear a legislação interna dos países signatários.
Relativamente à Convenção de Berna não é diferente, através dela podemos observar
que os direitos do autor serão orientados pelos princípios da reciprocidade, do
tratamento nacional, do prazo mínimo de proteção e da informalidade. Mais
recentemente, nos anos 70, da mesma forma que ocorreu com o aparecimento da
tecnologia associada à imprensa, inicia-se uma busca pela proteção legal da novidade
chamada software. Três correntes se posicionaram quanto à eleição da legislação que
melhor atenderia à disciplina dos direitos sobre o software, quais sejam, direitos
autorais, propriedade industrial através das patentes e direito sui generis que ensejaria o
desenvolvimento de regras próprias. As questões atinentes à propriedade intelectual
amplo senso estão intimamente ligadas ao desenvolvimento sócio-econômico, portanto,
interessam ao Estado enquanto ente de regulação e fomento no intento de manter o
equilíbrio entre a tutela individual do criador e o interesse coletivo pelo
desenvolvimento. Neste talante, o ilustre Luiz Olavo Baptista , se posicionou à época
em que se discutia a melhor alternativa para a proteção dos direitos sobre o software,
dizendo: ...a matéria evolui, e evolui sem levar em conta interesses poderosos com os
da IBM e dos grandes fabricantes que melhor se acomodariam em um regime sui
generis, dos consumidores ignorados em quase todas as legislações e abandonados
pelo novo projeto do executivo brasileiro, ao contrário daqueles oriundos do Senado
(Chiarelli) e da Câmara (Cristina Tavares) e dos países vêem mais uma prática
monopolística crescer. Muito se discutiu até que venceu o posicionamento que entendia
que o regime jurídico mais adequado para a proteção dos direitos sobre o
desenvolvimento de software era o dos direitos autorais. Os principais argumentos que
tornaram esta a tese vencedora, eram de que o software era uma obra intelectual, a
legislação acerca dos direitos autorais já estava sedimentada e os direitos morais
poderiam ser estendidos ao autor do software e é neste último item que residem os
maiores problemas, enfrentados até o presente momento como se passará a demonstrar.
Apenas por questão de fidelidade aos fatos, devemos informar que muito embora a
proteção do software através dos direitos autorais tenha integrado a Convenção de
Berna em 1996, dois anos antes, em 1994, o acordo TRIPS já dispôs acerca da proteção
dos direitos de autor ser estendido aos desenvolvedores de software, sendo o marco
inicial desta regulação. Programas de computador, em código fonte ou objeto, serão
protegidos como obras literárias pela Convenção de Berna (1971). Da adequação da
legislação dos direitos autorais aplicável à proteção do softwareO legislador
nacional foi bastante célere em publicar as leis internas que regulariam o software, pois
em 1998, apenas dois anos após a inserção dos programas de computador no regime
jurídico dos direitos autorais, foram publicadas as leis 9.609 e 9.610, respectivamente
Lei do Software e Lei dos Direitos Autorais. Registre-se que desde 1973 o Brasil
contava com uma lei reguladora dos direitos autorais, a qual foi revogada pela Lei
9.610/98. Destacamos que a Constituição Federal de 1988, já previa em seu artigo 5º
incisos XXVII e XXVIII, a proteção aos direitos de autor e por falha técnica, prestigiou
expressamente apenas o caráter patrimonial atinente à espécie. Mesmo assim, o direito
moral do autor está amplamente tutelado em nosso ordenamento, através dos acordos
internacionais dos quais o Brasil é signatário e das leis nacionais já mencionadas.
Embora devamos enfatizar que nosso sistema civilista, ao contrário do sistema da
common law, tende a dar maior ênfase às questões autorais morais. Das duas teorias
existentes para diferenciar o sistema moral do sistema patrimonial, o Brasil adotou
aquela de origem francesa, dualista, na qual o direito moral do autor é indissociável de
sua pessoa, sendo personalíssimo, perpétuo, inalienável e imprescritível. Ao contrário
da teoria monista, de origem alemã, que defende que o aspecto moral e o patrimonial
misturam-se de tal forma em uma obra que seria possível a transmissão do todo a
terceiros. Eduardo Lycurgo Leite , citando Carlos Alberto Bittar escreve: Tais teorias
tomam os elementos patrimonial e moral como intimamente interligados para definir o
conteúdo e a unidade dos direitos autorais, não sendo possível separá-los, ou como
quero professor Carlos Alberto Bittar, "em conjunto incindível". O artigo 24 da Lei
9.610/98 traz o elenco dos direitos morais do autor, sendo que a Lei do Software em seu
artigo 2º § 1º expressamente exclui da proteção aos direitos do autor do software os
morais, ressalvando apenas a reivindicação da paternidade do programa e a insurgência
quanto a alterações não autorizadas que impliquem deformação, mutilação ou outra
modificação do programa de computador que prejudiquem a honra ou a reputação do
autor. A regra em comento traz elementos de alto grau de subjetividade, ainda mais em
se referindo a objeto imaterial. É tarefa quase impossível definir em um caso concreto
se a alteração em um programa de computador o deformou atingindo, portanto, a
reputação do autor. Isso em se tratando de alterações não autorizadas, mas temos ainda
casos em que o programa é desenvolvido no ambiente empresarial, mediante a
contratação de desenvolvedores, onde a Lei do Software em seu artigo 4º prevê que
pertencerão exclusivamente ao empregador os direitos relativos ao programa de
computador. Em resumo, o sistema de direitos autorais adotado pelo nosso país é o
dualista, a Lei dos Direitos Autorais separa em capítulos diversos os direitos morais de
patrimoniais, a Lei do Software dispõe que os programas de computador serão regidos
pelo regime de proteção conferido às obras literárias, ressalvando alguns direitos morais
e ainda, que os direitos sobre o software são do empregador. Este cenário legal nos leva
diretamente ao impasse de saber se o desenvolvedor do programa de computador,
contratado pela empresa, poderá insurgir-se contra alterações que sejam realizadas pela
empresa no programa, já que em tese, isto faria parte do rol dos direitos morais do
contratado, portanto intransmissíveis. Em que pese a Lei dos Direitos Autorais ter
trazido alguma segurança jurídica às relações envolvendo software, o mais acertado
talvez seria de fato este ente ter sido entendido como de direitos sui generis, para dar
ensejo a um regramento novo, que atenderia com maior propriedade às suas
peculiaridades.Sustentamos que o interesse maior em questão se mostra sem dúvida o
desenvolvimento econômico e social que o envolve, dando azo assim, a aplicação de
regras que enfatizem o caráter patrimonial, no sentido de transmissão da totalidade dos
direitos sobre o software àquele que proporcionou com recursos e investimentos o seu
desenvolvimento e colocação no mercado, favorecendo o crescimento nacional e o
desenvolvimento do setor.

* Andréa Abreu é advogada e assessora jurídica da Internetsul

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  • 2. interessam ao Estado enquanto ente de regulação e fomento no intento de manter o equilíbrio entre a tutela individual do criador e o interesse coletivo pelo desenvolvimento. Neste talante, o ilustre Luiz Olavo Baptista , se posicionou à época em que se discutia a melhor alternativa para a proteção dos direitos sobre o software, dizendo: ...a matéria evolui, e evolui sem levar em conta interesses poderosos com os da IBM e dos grandes fabricantes que melhor se acomodariam em um regime sui generis, dos consumidores ignorados em quase todas as legislações e abandonados pelo novo projeto do executivo brasileiro, ao contrário daqueles oriundos do Senado (Chiarelli) e da Câmara (Cristina Tavares) e dos países vêem mais uma prática monopolística crescer. Muito se discutiu até que venceu o posicionamento que entendia que o regime jurídico mais adequado para a proteção dos direitos sobre o desenvolvimento de software era o dos direitos autorais. Os principais argumentos que tornaram esta a tese vencedora, eram de que o software era uma obra intelectual, a legislação acerca dos direitos autorais já estava sedimentada e os direitos morais poderiam ser estendidos ao autor do software e é neste último item que residem os maiores problemas, enfrentados até o presente momento como se passará a demonstrar. Apenas por questão de fidelidade aos fatos, devemos informar que muito embora a proteção do software através dos direitos autorais tenha integrado a Convenção de Berna em 1996, dois anos antes, em 1994, o acordo TRIPS já dispôs acerca da proteção dos direitos de autor ser estendido aos desenvolvedores de software, sendo o marco inicial desta regulação. Programas de computador, em código fonte ou objeto, serão protegidos como obras literárias pela Convenção de Berna (1971). Da adequação da legislação dos direitos autorais aplicável à proteção do softwareO legislador nacional foi bastante célere em publicar as leis internas que regulariam o software, pois em 1998, apenas dois anos após a inserção dos programas de computador no regime jurídico dos direitos autorais, foram publicadas as leis 9.609 e 9.610, respectivamente Lei do Software e Lei dos Direitos Autorais. Registre-se que desde 1973 o Brasil contava com uma lei reguladora dos direitos autorais, a qual foi revogada pela Lei 9.610/98. Destacamos que a Constituição Federal de 1988, já previa em seu artigo 5º incisos XXVII e XXVIII, a proteção aos direitos de autor e por falha técnica, prestigiou expressamente apenas o caráter patrimonial atinente à espécie. Mesmo assim, o direito moral do autor está amplamente tutelado em nosso ordenamento, através dos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e das leis nacionais já mencionadas. Embora devamos enfatizar que nosso sistema civilista, ao contrário do sistema da common law, tende a dar maior ênfase às questões autorais morais. Das duas teorias existentes para diferenciar o sistema moral do sistema patrimonial, o Brasil adotou aquela de origem francesa, dualista, na qual o direito moral do autor é indissociável de sua pessoa, sendo personalíssimo, perpétuo, inalienável e imprescritível. Ao contrário da teoria monista, de origem alemã, que defende que o aspecto moral e o patrimonial misturam-se de tal forma em uma obra que seria possível a transmissão do todo a terceiros. Eduardo Lycurgo Leite , citando Carlos Alberto Bittar escreve: Tais teorias tomam os elementos patrimonial e moral como intimamente interligados para definir o conteúdo e a unidade dos direitos autorais, não sendo possível separá-los, ou como quero professor Carlos Alberto Bittar, "em conjunto incindível". O artigo 24 da Lei 9.610/98 traz o elenco dos direitos morais do autor, sendo que a Lei do Software em seu artigo 2º § 1º expressamente exclui da proteção aos direitos do autor do software os morais, ressalvando apenas a reivindicação da paternidade do programa e a insurgência quanto a alterações não autorizadas que impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador que prejudiquem a honra ou a reputação do autor. A regra em comento traz elementos de alto grau de subjetividade, ainda mais em
  • 3. se referindo a objeto imaterial. É tarefa quase impossível definir em um caso concreto se a alteração em um programa de computador o deformou atingindo, portanto, a reputação do autor. Isso em se tratando de alterações não autorizadas, mas temos ainda casos em que o programa é desenvolvido no ambiente empresarial, mediante a contratação de desenvolvedores, onde a Lei do Software em seu artigo 4º prevê que pertencerão exclusivamente ao empregador os direitos relativos ao programa de computador. Em resumo, o sistema de direitos autorais adotado pelo nosso país é o dualista, a Lei dos Direitos Autorais separa em capítulos diversos os direitos morais de patrimoniais, a Lei do Software dispõe que os programas de computador serão regidos pelo regime de proteção conferido às obras literárias, ressalvando alguns direitos morais e ainda, que os direitos sobre o software são do empregador. Este cenário legal nos leva diretamente ao impasse de saber se o desenvolvedor do programa de computador, contratado pela empresa, poderá insurgir-se contra alterações que sejam realizadas pela empresa no programa, já que em tese, isto faria parte do rol dos direitos morais do contratado, portanto intransmissíveis. Em que pese a Lei dos Direitos Autorais ter trazido alguma segurança jurídica às relações envolvendo software, o mais acertado talvez seria de fato este ente ter sido entendido como de direitos sui generis, para dar ensejo a um regramento novo, que atenderia com maior propriedade às suas peculiaridades.Sustentamos que o interesse maior em questão se mostra sem dúvida o desenvolvimento econômico e social que o envolve, dando azo assim, a aplicação de regras que enfatizem o caráter patrimonial, no sentido de transmissão da totalidade dos direitos sobre o software àquele que proporcionou com recursos e investimentos o seu desenvolvimento e colocação no mercado, favorecendo o crescimento nacional e o desenvolvimento do setor. * Andréa Abreu é advogada e assessora jurídica da Internetsul