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Memórias Póstumas de Brás Cubas
                             Machado de Assis




NARRADOR
A narração é feita em primeira pessoa e o narrador se autointitula um defunto-
autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma
vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse
procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e,
desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém.

FOCO                                NARRATIVO
Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do
narrador-observador e protagonista (narrador autodiegético), que conduz o leitor
tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida.

TEMPO
A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-
túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com
digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal
linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida.
O outro é o tempo cronológico, onde os acontecimentos obedecem a uma ordem
lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A
estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um
defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de
um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus
méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é
capaz de escrever.
ENREDO
A infância de Brás Cubas, como a de todo membro da sociedade patriarcal
brasileira da época, é marcada por privilégios e caprichos patrocinados pelos pais.
O garoto tinha como “brinquedo” de estimação o negrinho Prudêncio, que lhe
servia de montaria e para maus-tratos em geral. Na escola, Brás era amigo de
traquinagem de Quincas Borbas, que aparecerá no futuro defendendo o
humanitismo, ou seja: só os mais fortes e aptos devem sobreviver. Na juventude
do protagonista, as benesses ficam por conta dos gastos com uma prostituta de
luxo, chamada Marcela, a quem Brás dedica a célebre frase: “Marcela amou-me
durante quinze meses e onze contos de réis”. Essa é uma das marcas do estilo
machadiano, a maneira como o autor trabalha as figuras de linguagem. Marcela é
prostituta de luxo, mas na obra não há, em nenhum momento, a caracterização
nesses termos. Machado utiliza a ironia e o eufemismo para que o leitor capte o
significado. Brás Cubas não diz, por exemplo, que Marcela só estava interessada
nos caros presentes que ele lhe dava. Apaixonado por Marcela, Brás Cubas gasta
enormes recursos da família com festas, presentes e toda sorte de frivolidades.
Seu pai, para dar um basta à situação, toma a resolução mais comum para as
classes ricas da época: manda o filho para a Europa estudar leis e garantir o título
de bacharel em Coimbra. Brás Cubas, no entanto, segue contrariado para a
universidade. Marcela não vai como combinara, despedir-se dele, e a viagem
começa triste e lúgubre. Em Coimbra, a vida não se altera muito. Com o diploma
nas mãos e total inaptidão para o trabalho, Brás Cubas retorna ao Brasil e segue
sua existência parasitária, gozando dos privilégios dos bem-nascidos do país. Em
certo momento da narrativa, Brás Cubas tem seu segundo e mais duradouro
amor. Apaixona-se por Virgília, filha de um ministro da corte, aconselhado pelo
pai, que via no casamento com ela um futuro político. No entanto, ela acaba se
casando com Lobo Neves, que arrebata do protagonista não apenas a noiva como
também a candidatura a deputado que o pai preparava. A família dos Cubas,
apesar de rica, não tinha tradição, pois construíra a fortuna com a fabricação de
cubas, tachos, à maneira burguesa. Isso não era louvável no mundo das
aparências sociais. Assim, a entrada na política era vista como maneira de
ascensão social, uma espécie de título de nobreza que ainda faltava a eles.

NÃO-REALIZAÇÕES
O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo
que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um
capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o
emplasto (medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na
sociedade), acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e
não tem filhos. A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses
detalhes. O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o
direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época.
Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são
personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para
uma vida de sofrimentos. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum
sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam
concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso. Com Prudêncio, vê-se
como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na
infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra,
depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto,
Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por
Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição,
tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar
com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado
anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono,
com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir.

CONCLUSÃO
Machado alia nesse romance profundidade e sutileza, expondo muitos problemas
de nossa sociedade que existem até hoje. Daí o prazer da leitura e a importância
de seu texto, pois atualiza, de forma irônica, os processos em que nosso país foi
formado, suas contradições e os desmandos que ainda estão presentes.

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  • 1. Memórias Póstumas de Brás Cubas Machado de Assis NARRADOR A narração é feita em primeira pessoa e o narrador se autointitula um defunto- autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém. FOCO NARRATIVO Com a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do narrador-observador e protagonista (narrador autodiegético), que conduz o leitor tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. TEMPO A obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além- túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida. O outro é o tempo cronológico, onde os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever. ENREDO A infância de Brás Cubas, como a de todo membro da sociedade patriarcal brasileira da época, é marcada por privilégios e caprichos patrocinados pelos pais. O garoto tinha como “brinquedo” de estimação o negrinho Prudêncio, que lhe servia de montaria e para maus-tratos em geral. Na escola, Brás era amigo de traquinagem de Quincas Borbas, que aparecerá no futuro defendendo o humanitismo, ou seja: só os mais fortes e aptos devem sobreviver. Na juventude do protagonista, as benesses ficam por conta dos gastos com uma prostituta de luxo, chamada Marcela, a quem Brás dedica a célebre frase: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”. Essa é uma das marcas do estilo machadiano, a maneira como o autor trabalha as figuras de linguagem. Marcela é prostituta de luxo, mas na obra não há, em nenhum momento, a caracterização nesses termos. Machado utiliza a ironia e o eufemismo para que o leitor capte o significado. Brás Cubas não diz, por exemplo, que Marcela só estava interessada
  • 2. nos caros presentes que ele lhe dava. Apaixonado por Marcela, Brás Cubas gasta enormes recursos da família com festas, presentes e toda sorte de frivolidades. Seu pai, para dar um basta à situação, toma a resolução mais comum para as classes ricas da época: manda o filho para a Europa estudar leis e garantir o título de bacharel em Coimbra. Brás Cubas, no entanto, segue contrariado para a universidade. Marcela não vai como combinara, despedir-se dele, e a viagem começa triste e lúgubre. Em Coimbra, a vida não se altera muito. Com o diploma nas mãos e total inaptidão para o trabalho, Brás Cubas retorna ao Brasil e segue sua existência parasitária, gozando dos privilégios dos bem-nascidos do país. Em certo momento da narrativa, Brás Cubas tem seu segundo e mais duradouro amor. Apaixona-se por Virgília, filha de um ministro da corte, aconselhado pelo pai, que via no casamento com ela um futuro político. No entanto, ela acaba se casando com Lobo Neves, que arrebata do protagonista não apenas a noiva como também a candidatura a deputado que o pai preparava. A família dos Cubas, apesar de rica, não tinha tradição, pois construíra a fortuna com a fabricação de cubas, tachos, à maneira burguesa. Isso não era louvável no mundo das aparências sociais. Assim, a entrada na política era vista como maneira de ascensão social, uma espécie de título de nobreza que ainda faltava a eles. NÃO-REALIZAÇÕES O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto (medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade), acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos. A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso. Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir. CONCLUSÃO Machado alia nesse romance profundidade e sutileza, expondo muitos problemas de nossa sociedade que existem até hoje. Daí o prazer da leitura e a importância de seu texto, pois atualiza, de forma irônica, os processos em que nosso país foi
  • 3. formado, suas contradições e os desmandos que ainda estão presentes.