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Faculdade de Educação – UFMG
          Programa de Pós-Graduação em Educação:
               Conhecimento e Inclusão Social


   Disciplina: O biológico, o social e o cultural na obra de Vygotsky

            Prof.ª: Maria de Fátima Cardoso Gomes


O HOMEM PRIMITIVO E SEU COMPORTAMENTO

                            Henrique Ribeiro
                              Tânia Halley


                             Setembro de 2011
TEXTO



VYGOTSKY, L.S. & LURIA, A.R. O homem primitivo e
seu comportamento. In: Estudos sobre a história do
comportamento: símios, homem primitivo e criança.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
TERMINOLOGIA: “PRIMITIVO” E “CULTURAL”


 Vygotsky define esses termos à luz de sua teoria do
desenvolvimento :

        Como o homem progride ao longo da história, e a
criança, através dos estágios de desenvolvimento de sua vida, o
estágio primitivo ou natural não é substituído por estágios
culturais posteriores; antes, estes sobrepõem-se como andaimes
por sobre aqueles, alterando, reestruturando e adaptando esses
processos naturais. Assim, a psicologia de um homem cultural
não é superior nem inferior, mas diferente da de um homem
primitivo, assim como a psicologia de um adulto é diferente da de
uma criança, especialmente uma criança não-escolarizada.
TERMINOLOGIA: “PRIMITIVO” E “CULTURAL”


 Os processos mentais superiores nos povos “primitivos” não
  eram inferiores, mas diferentes daqueles dos povos “culturais”
  ou “civilizados”.


 A afirmação mais importante de Vygotsky faz é que a diferença
  entre povos primitivos e culturais está em seu
  desenvolvimento social, e não em seu desenvolvimento
  biológico.
ESTRUTURA DO TEXTO


 Vygotsky volta a atenção para o desenvolvimento do comportamento do
HOMEM PRIMITIVO. Ele analisa os começos e a evolução dos sistemas
simbólicos de um ponto de vista histórico-cultural.

          Divisão do Texto:
1. Três linhas de comportamento psicológico
2. Três teorias do desenvolvimento histórico-cultural
3. O homem primitivo como tipo biológico
4. A memória do homem primitivo
5. O pensamento ligado ao desenvolvimento da linguagem
                  na sociedade primitiva
6. As operações numéricas e o homem primitivo
7. O comportamento primitivo
TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO


1. O comportamento do homem é o resultado de uma evolução biológica
                           prolongada

 A psicologia tem tomado reações primitivas como ponto de partida para
  uma compreensão das formas mais elevadas de pensamento e de
  vontade do homem moderno.
        Vê nos instintos
       animais o protótipo                  A psicologia vê os reflexos
          das emoções
                                            condicionados iniciais como a
                                            base do desenvolvimento de
                                            toda     atividade     humana
                     Traços dos instintos   complexa.
Medo e ódio          de fuga e de ataque
 humanos                 dos animais
                          predatórios
TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO



 2. O pensamento e o comportamento do adulto são
produtos de um processo muito longo e complicado de
             desenvolvimento da criança

   Tenta estabelecer todas as transformações
    quantitativas de uma forma de comportamento
    para outra, isto é, todas as mudanças
    quantitativas      que,      tomadas       em
    conjunto, constituem a base do desenvolvimento
    da criança.
TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO



                                    Como o
        Choro do recém-             brinquedo
            nascido



                                     Revela, De
   Balbucio da                       senvolve e
criança pequena
                                     Modela

            Lampejos
                                         As futuras
       individuais de fala           tendências, capac
             humana                   idades e talentos
                                             da
                                           criança
TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO


            3. Desenvolvimento Histórico
 O comportamento do homem moderno, cultural, não
  é só produto da evolução biológica, ou resultado do
  desenvolvimento infantil, mas também produto do
  desenvolvimento histórico.

 No processo do desenvolvimento histórico da
  humanidade,      ocorreram     mudanças     e
  desenvolvimentos não só nas relações externas
  entre as pessoas e no relacionamento do homem
  com a natureza; o próprio homem, sua natureza
  mesma, mudou e desenvolveu-se.
TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
                   HISTÓRICO-CULTURAL
1. Associacionismo (Tylor e Spencer)

     Lei da Associação: As sensações e sentimentos vêm juntos em estreita
       sucessão de tal modo que quando um deles vem à mente, muito
       provavelmente o outro a acompanhará.
     Mecanismo da atividade mental e a própria estrutura dos processos de
       pensamento e comportamento são iguais, no homem primitivo e no cultural.
     A especificidade do comportamento e do pensamento do homem
       primitivo, pode ser explicada em função das condições em que esse homem
       vive e pensa.
    Ex.:
         Se fossemos despojados de toda a enorme experiência acumulada pelo
    homem e colocados nas condições de vida em que vivia o homem
    primitivo, pensaríamos e agiríamos como um tal homem age e pensa.


                              Porque o desenvolvimento psicológico é entendido
                       como acumulação quantitativa de experiências adquiridas.
TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
                  HISTÓRICO-CULTURAL

2. A estrutura psicológica de um indivíduo é função direta da estrutura
                   social a que pertence - Lévy-Bruhl

  É impossível explicar as crenças e as ideias coletivas que surgiram
   como fenômenos sociais numa comunidade ou povo, baseando-se
   em leis de uma psicologia individual como, por exemplo, as leis da
   associação de ideias.

  Essas ideias coletivas surgiram como resultado da vida social de um
   dado povo e são comuns a todos os membros de um dado grupo.

  Procurou basear sua explicação da psicologia do indivíduo no
   caráter das ideias coletivas que emergem nesses grupos, bem como
   no tipo e estrutura da sociedade em que vivem.

  Conclusões:
        As funções psicológicas superiores no homem primitivo
        diferem profundamente dessas funções no homem cultural.
TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
                HISTÓRICO-CULTURAL

 2. A estrutura psicológica de um indivíduo é função direta da
          estrutura social a que pertence - Lévy-Bruhl

 O homem primitivo foi caracterizado como PRÉ-LÓGICO.

    O que não quer dizer que seja anti-lógico ou
     alógico, mas simplesmente que não alcançou o ponto de
     desenvolvimento do pensamento lógico.
    Caracteriza-se por não se obrigar a evitar a contradição
     e por obedecer a LEI DE PARTICIPAÇÃO – uma só e
     mesma coisa pode participar de diversas formas
     absolutamente diferentes de existência.
TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
                 HISTÓRICO-CULTURAL

   3. O pensamento primitivo é lógico do ponto de vista do homem
                        primitivo - Thurnwald
 Ex.:
         Quando acometidos de algum ataque ou doença, os homens
primitivos supunham que algum espírito mau tomara posse deles.
Para curar o doente, tentavam exorcizar esse espírito. Para
tanto, utilizam os métodos que aparentemente se supõe sirvam para
afugentar uma pessoa real: dão um nome ao espírito, pedem que se
vá embora, ou assustam-no com barulho.

 A presença do pensamento lógico no homem primitivo:
         A invenção e o uso de instrumentos, a caça, a pecuária e
agricultura. Isso demonstra que o homem primitivo também possui
pensamento lógico, ainda que não suficientemente desenvolvido.
O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO

    Traços distintivos entre o homem primitivo e o homem cultural:
                     Superioridade X Inferioridade

          1. Superioridade do homem primitivo sobre o homem
cultural, quando o primitivo está em suas circunstâncias naturais – crença de
que o homem primitivo está mais bem equipado pela natureza do que o
homem cultural.

       2. Dificuldade de realizar funções mentais superiores como cálculo e
rememoração – operações abstratas.

 O resultado é um quadro bastante complexo: de um lado, o homem
  primitivo supera o homem cultural numa série de aspectos; por outro
  lado, ele é inferior.
O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO

 Seria então o organismo do homem primitivo diferente do homem
  cultural? Poderíamos então atribuir todas as diferenças entre
  esses dois homens à diferenças biológicas?

 Muito embora se tenha sustentado por vezes que o homem
  primitivo possui uma superioridade sobre o homem cultural, que é
  mais bem equipado pela natureza, que possui sentidos mais
  apurados de olfato, visão e audição, Vygotsky deixa bem claro que
  os dados existentes não oferecem prova alguma de um tipo
  orgânico de ser humano verdadeiramente diferente.

 “A acuidade dos sentidos do homem primitivo muitas vezes é
  resultado da prática; o déficit nessas esferas dos habitantes de
  cidades é muitas vezes consequência da falta de uso, devido a seu
  modo de vida em locais restritos. “ (Thurnwald)
O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO



CONCLUSÃO

      A diferença entre povos primitivos e culturais está
em seu desenvolvimento social, e não em seu
desenvolvimento        biológico.      Portanto,        o
subdesenvolvimento cultural dos homens primitivos é o
responsável pelo atraso que se pode observar nesses
homens na área das funções psicológicas.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
                  Diferenças com a do homem cultural

A memória desempenha papel muito mais significativo na mente e no
comportamento do homem primitivo do que em nossa vida mental, porque
determinadas funções que, em certa época, a memória exercia em nosso
comportamento separaram-se da memória e se modificaram.

 Nós, homens culturais, estamos livres da necessidade de armazenar uma
massa enorme de impressões concretas. Para o homem primitivo, quase toda
a experiências é apoiada na memória.

A memória primitiva é ao mesmo tempo muito acurada e extremamente
emocional. Ela preserva as representações com riqueza de detalhes e sempre
na mesma ordem de sua conexão na realidade.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
                 Diferenças com a do homem cultural

Ex.:    O nativo conhece todos os rastros de todos os bichos e pássaros.
         Aborígenes são capazes de recitar uma canção que demora 5 noites
para ser completada.
         Levam mensagens de tamanho considerável a grandes distâncias e
as transmitem quase que palavra por palavra.

 A memória do homem primitivo está ligada ao concreto, e eles
  apresentam dificuldades em memorização de algo
  abstrato, como a contagem numérica.

 Para o homem cultural, a memória limita-se ao papel
  subordinado de registrar os resultados que foram obtidos por
  meio de uma elaboração lógica de conceitos.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
                         Eidetismo

 A essência dessa forma de memória é a capacidade de uma
  pessoa de reproduzir visualmente de maneira literal um objeto
  ou figura previamente concebidos imediatamente após vê-
  los, ou até mesmo depois de um longo intervalo de tempo.

 Experimentos com crianças: Após olhar a figura por 30
  segundos, a criança continua a ver sua imagem sobre a tela e
  a descrever detalhes minuciosos como a inter-relação entre
  os objetos e suas partes.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
                      Eidetismo

 Os pesquisadores acreditam que a memória eidética
  constitui um estágio primário, indiferenciado, de
  unidade de percepção e memória.
 Por isso, acredita-se que a admirável memória do
  homem primitivo tem algum parentesco com a forma
  eidética, pois o modo pelo qual ele percebe, pensa e
  imagina, indica também que seu desenvolvimento está
  extremamente próximo da fase eidética.
 Nesse estágio de desenvolvimento, o homem primitivo
  utiliza a memória, mas não é capaz de controla-la.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
                   Eidetismo

• Memória se confunde com suas percepções


• Memória domina o homem


• Homem cria fantasias, mitos


• Se configuram como obstáculos no desenvolvimento do
  homem primitivo, que é dominado pela sua memória.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
        Desenvolvimento histórico da memória

 O desenvolvimento histórico da memória começa a partir
  do momento em que o homem, pela primeira vez, deixa
  de utilizar o memória como força natural e passa a
  dominá-la.



   Capacidade         Capacidade          1ª criação
       de              de utilizar       de um signo
    encontrar         pistas como          artificial
    caminhos             signos
   (domínio da
    memória)
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
              Desenvolvimento histórico da memória

    Início do uso dos signos pelo homem primitivo – os primeiros
     instrumentos de memória são signos. Ex.: Figuras douradas dos
     contadores de histórias da África ocidental; cada uma das figuras
     recorda determinada história. Cada uma dessas figuras parece
     representar o nome inicial de uma longa história, por exemplo, a lua.

    Uso social do signo primitivo

 Quem
  está
usando                                                               Feriu o
 matou                                                               inimigo
   o
inimigo


            Cortou a garganta do        Cortou sua garganta
           inimigo e o escalpelou
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
       Desenvolvimento histórico da memória




Esse tipo de nó amarrado para estimular a memória
é, aparentemente, o registro mais antigo que mostra como o
homem progrediu a partir do uso desse recurso para o controle de
sua memória.
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
 Desenvolvimento histórico da memória

                  Passagem do
             desenvolvimento natural
                da memória para o
               desenvolvimento da
                     escrita


               Determinaram o
               desenvolvimento
                 da memória
                   humana

  Passagem do                           Passagem da
eidetismo para o                          atividade
uso de sistemas                        mnemônica para a
   externos de                          mnemotécnica
     signos
A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO:
         Desenvolvimento histórico da memória

 O nível de desenvolvimento cultural da memória pode ser
  medido pela habilidade do homem de fazer uso da memória e
  controla-la.
 Quando o homem começa a controlar sua memória, “sobe”
  um estágio no desenvolvimento da escrita, pois começa
  utilizar dos signos para se comunicar.
 Ex. : Escrita pcitográfica – que utiliza imagens visuais para
  transmitir certos pensamentos e conceitos.
O PENSAMENTO LIGADO AO
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NA
SOCIEDADE PRIMITIVA
•   À primeira vista, temos a impressão de que a linguagem do homem primitivo é mais
    simples pelo fato de o homem primitivo diferir do homem cultural também por causa
    de que sua linguagem se apresenta mais pobre de meios, mais tosca e menos
    desenvolvida do que a linguagem do homem cultural.
•   No entanto, a sua linguagem nos surpreende precisamente pela enorme riqueza de
    vocabulário.
•   Toda a dificuldade em entender e estudar essas línguas origina-se, antes de mais
    nada, de sua superioridade sobre as línguas dos povos culturais, devido ao grau de
    riqueza, abundância e exuberância de suas diversas terminologias, coisa totalmente
    ausente em nossa língua.
•   Essa imensa riqueza terminológica de sua linguagem se deve à extraordinária
    riqueza de sua memória. Para exprimir detalhes concretos, ele utiliza um número
    enorme de palavras e expressões.
• Exemplo: Os tasmanianos não possuem palavras para especificar
  quantidades tais como doce, amargo, duro, frio, comprido, curto e redondo.
  Ao invés de "duro", dizem "como pedra", em lugar de "alto" - "pés altos", de
  "redondo" - "como uma bola", "como a lua", e também acrescentam um
  gesto que o explica. Analogamente, no arquipélago de Bismarck, não há
  nomes para cores. As cores são designadas apenas pela menção de um
  objeto com o qual se assemelham (Lévy-Bruhl, 1910/1926, p.171).
• Exemplo: Os maori possuem um sistema incomumente completo para a
  nomenclatura da flora da Nova Zelândia. Para eles, existem nomes distintos
  para o gênero de árvores masculinas e femininas. Também dão nomes
  individuais a árvores cujas folhas mudam de forma em diferentes momentos
  de seu crescimento. O pássaro koko, ou o tui, possui quatro nomes: dois
  para o gênero masculino e dois para o gênero feminino, dependendo da
  época do ano. Há palavras diferentes para a cauda do pássaro, a cauda de
  animal, e a cauda de peixe. Há três palavras para designar a voz do
  papagaio: a voz em estado de calma, sua voz quando está zangado e outra
  quando está com medo (Lévy-bruhl, 1910/1926, p. 172).
• Essa riqueza de vocabulário depende diretamente da natureza concreta e
  precisa da língua do homem primitivo. Do mesmo modo que ele fotografa e
  reproduz toda a sua experiência, ele também a rememora, com a mesma
  precisão.     Ele    não    sabe      expressar-se abstratamente      e
  condicionalmente, como faz o homem cultural.
• Por isso é que em certos casos em que o europeu pode usar uma ou duas
  palavras, às vezes o homem primitivo emite dez; por exemplo, a frase: "um
  homem matou um coelho", na língua da tribo dos índios ponka seria dita
  literalmente assim· "O homem aquele vivo (caso nominativo) em pé matou
  intencionalmente arremessar uma flecha um coelho aquele vivo (caso
  acusativo) sentado" (Lévy-Bruhl 1910/1926,p.140).
• Essa descrição flexível e detalhada acaba sendo tanto a maior vantagem
  quanto o maior inconveniente da língua primitiva. A grande vantagem é que
  esse tipo de língua cria um signo para quase todos os objetos concretos e
  proporciona ao homem primitivo a possibilidade única de dispor de réplicas
  extremamente exatas de todos os objetos com que entra em contato.
  Assim, é bem evidente que, dado o modo de vida característico do homem
  primitivo, passar de sua língua para um idioma europeu significaria para ele
  despojar-se imediatamente de seu meio mais poderoso de orientação na
  vida.
• Contudo, ao mesmo tempo, essa língua sobrecarrega o pensamento com
  infindáveis detalhes e particularidades e não processa os dados da
  experiência, ela os reproduz não sob formas abreviadas, mas com toda a
  inteireza com que são observadas na realidade. Para comunicar o
  pensamento simples de que um homem matou um coelho, o índio tem que
  traçar todo o quadro desse evento com todos os detalhes. Por isso é que as
  palavras do homem primitivo não se diferenciam de objetos, mas continuam
  intimamente ligadas às percepções sensoriais imediatas.
• As operações de linguagem e as operações numéricas só são factíveis
  quando ligadas às situações concretas que lhes deram origem. A natureza
  concreta, visual, das línguas primitivas afeta as formas gramaticais. Essas
  formas gramaticais destinam-se a denotar os mínimos detalhes do
  significado.
• A linguagem do homem primitivo é essencialmente duas linguagens numa
  só: por um lado, é uma linguagem de palavras; por outro, uma linguagem de
  gestos. A linguagem do homem primitivo transmite as imagens dos objetos
  do modo como são percebidos pelos olhos e pelos ouvidos. O objetivo de
  uma linguagem desse tipo é a reprodução exata.
• Essa segunda linguagem - a linguagem dos sinais ou dos gestos – é
  extremamente difundida entre os povos primitivos, mas é usada em
  diferentes situações e em diferentes combinações com a linguagem verbal.
• Lévy-Bruhl chega à conclusão de que a maioria das comunidades primitivas
  possuem duas linguagens: a fala oral e os sinais. Por isso, diz ele, é que
  não se pode afirmar que essas linguagens poderiam existir sem se
  influenciar reciprocamente.
• Até certo ponto, falar com as mãos é literalmente pensar com as mãos; por
  isso, os traços desses conceitos manuais necessariamente se reproduzirão
  nas expressões verbais do pensamento. Os processos gerais de expressão
  serão semelhantes: as duas linguagens, cujos signos diferem tão
  extensamente, de gestos a sons articulados, estarão associadas por sua
  estrutura e método de interpretar objetos, ações e condições. Por isso, se a
  linguagem        verbal     descreve      e     delineia    em       detalhe
  posições, movimentos, distâncias, formas e contornos, isto se dá porque a
  linguagem de sinais utiliza exatamente os mesmos meios de expressão.
• O pensamento, nesse tipo de linguagem, exatamente como a própria
  linguagem, é inteiramente concreto e ligado à imagem. É pleno de detalhes
  e trata de situações diretamente reproduzidas - de contextos extraídos da
  vida real.
• Quanto ao número de palavras, de modo algum se poderá dizer que a
  linguagem do homem primitivo é limitada em expressões. Desse ponto de
  vista, isto é, concretude da expressão, a língua dos povos primitivos supera
  a língua do homem cultural.
• Lei da participação: o pensamento primitivo não segue as leis de 'nossa
  lógica, mas possui sua própria lógica primitiva, baseada numa idéia de
  conexões que é completamente diferente da nossa Esse tipo específico de
  conexões, características da lógica primitiva, implica que um só e mesmo
  objeto pode coexistir em diversos complexos, isto é, ser um elemento em
  relações completamente diferentes. (Lévy-Bruhl)
• Todas as características do pensamento primitivo podem reduzir-se ao fato
  de que ao invés de idéias, ele opera com complexos. Segundo Werner "todo
  pensamento primitivo é ao mesmo tempo pensamento visual".
• O progresso principal do desenvolvimento do pensamento assume a forma
  de uma passagem do primeiro modo de utilizar uma palavra como nome
  próprio, para o segundo modo, em que uma palavra é signo de um complexo
  e, finalmente, para o terceiro modo, em que uma palavra é instrumento ou
  recurso para desenvolver o conceito. Assim como se verificou que o
  desenvolvimento cultural da memória tinha as mais íntimas ligações com o
  desenvolvimento histórico da escrita, verifica-se que o desenvolvimento
  cultural do pensamento possui a mesma conexão íntima com a história do
  desenvolvimento da linguagem humana.
AS OPERAÇÕES NUMÉRICAS E O HOMEM PRIMITIVO
• O estudo das operações numéricas do homem primitivo oferece-nos o
  exemplo mais explícito do desenvolvimento de seu pensamento e de como
  esse depende da perfeição dos signos exteriores que a comandam e a
  realizam. Muitos povos primitivos não possuem números para contar além
  de 2 ou 3.
• Contudo, seria errado inferir a partir daí que não saibam contar além de 3.
  Isso significa apenas que carecem de conceitos abstratos que alcancem
  além desses números. Não podem utilizar as operações que são
  características de nosso modo de pensar, diz Lévy-Bruhl
  (1910/1926), mas, "por processos que lhes são peculiares, podem, em certa
  medida, obter os mesmos resultados" (pp. 181-182).
• Essas operações dependem, em alto grau, da memória. O homem primitivo
  conta de modo diferente do nosso modo (de contar) - modo esse que
  poderia ser, chamado de concreto - e com esse método concreto (de contar)
  o homem primitivo mais uma vez supera o homem cultural.
• O estudo dos processos de cálculo do homem primitivo mostra que neste
  caso, mais uma vez, como com a memória e a fala, o homem primitivo não
  só não é inferior (mais pobre), mas em certo sentido é superior (mais rico)
  do que o homem cultural.
• Exemplo: Quando os primitivos se preparam para a caça, lançam um olhar
  sobre os seus muitos cães e imediatamente se dão conta caso um deles
  esteja faltando. Exatamente do mesmo modo, o homem primitivo pode
  detectar a ausência de um único animal numa manada de várias centenas
  de animais.
• A aritmética natural dos povos primitivos, como em geral seu pensamento, é
  ao mesmo tempo mais e menos do que o nosso; é menos eficiente, porque
  determinadas operações acabam sendo completamente inacessíveis ao
  homem primitivo e suas capacidades nessa área sendo muito mais limitadas
  que as nossas. Essa aritmética natural é mais eficiente, porque o
  pensamento do homem primitivo está sempre ancorado no contexto da
  realidade. Carece de abstração e reproduz imediatamente uma situação
  concreta de vida; e freqüentemente, como acontece em nossa vida cotidiana
  e arte, essas imagens concretas acabam por ser representações muito mais
  reais do que abstratas.
• Exemplo: Exatamente do mesmo modo, ao tentar representar com um
  diagrama típico algo simples como a quantidade de sabão consumido na
  China e na Alemanha, desenhamos para esse fim um enorme chinês e um
  pequeno alemão, que simbolizam o número de vezes que a população da
  China é maior do que a da Alemanha. Sob essas figuras, desenhamos um
  pequeno e um enorme pedaço de sabão, de modo que toda essa figura –
  esse diagrama - nos diga diretamente mais do que fariam os dados
  matemáticos abstratos. São essas figuras - esses meios gráficos - que são
  utilizados na aritmética primitiva do homem primitivo.
• Exemplo: Se um primitivo quer denotar 3 ou 5 pessoas, ele não designa sua
  soma, mas chama todos que conhece pessoalmente pelo nome; se não
  sabe o nome, então os conta usando algum outro traço concreto: por
  exemplo, um homem de nariz grande, um velho, uma criança, um homem de
  pele pálida e um homem baixinho estão esperando - tudo isso ao invés de
  .dizer: "chegaram cinco homens".
• Um total é percebido inicialmente como imagem de alguma figura. A imagem
  e a quantidade ainda estão fundidas num único complexo. Por isso é
  que, como mostramos anteriormente, o cálculo abstrato para uma mente
  primitiva é impossível; um primitivo só calcula na medida em que seu
  ca1culo lhe parece estar associado à realidade. Assim, para os povos
  primitivos o número é sempre um nome, que denota algo concreto; é uma
  imagem numérica ou uma forma usada como símbolo para determinada
  quantidade.
• A transição de uma aritmética natural, baseada na percepção direta de
  quantidades, para uma operação mediada realizada com a ajuda de signos
  já se encontra nas primeiras etapas do desenvolvimento cultural do homem.
• Exemplo: Roth perguntou a um homem primitivo quantos dedos e artelhos
  ele tinha e pediu-lhe que marcasse o número deles com linhas na areia. O
  homem começou a voltar os dedos para baixo de dois em dois e, para cada
  par, traçava uma linha dupla na areia. Essa prática é utilizada pelos mais
  velhos da tribo para contar os homens. É nesse fenômeno que observamos
  um método instrumental indireto utilizado para criar a percepção da
  quantidade com a ajuda de signos.
• A origem visual das denominações numéricas mostra-se na tendência do
  primitivo de contar, não por unidades, mas por grupos nitidamente
  diferentes; por exemplo, de dois em dois, de quatro em quatro, cinco em
  cinco e assim por diante. Por essa razão, embora ele possua muitas vezes
  um número muito pequeno de numerais, consegue, não obstante, calcular
  quantidades extremamente grandes, repetindo os mesmos numerais várias
  vezes.
• A contagem começou antes mesmo de serem criados os números. Nas
  sociedades mais primitivas durante séculos as pessoas calcularam sem
  números. Seria um erro pensar que a mente humana criou os números para
  poder contar; ao contrário, as pessoas começaram a contar antes de
  conseguir criar números.
• Exemplo: O primitivo calcula com os dedos de uma mão, dizendo ao mesmo
  tempo: este é um, e assim por diante; chegando ao último dedo, diz: 1 mão.
  A seguir, conta os dedos da outra mão e depois os artelhos dos pés. Se não
  terminou seus cálculos, então "1 mão" é tomada como unidade de valor
  superior A partir daí, ao contar os dedos e artelhos, conta-os por
  "cincos", isto é, conta suas mãos como unidades globais.
O COMPORTAMENTO PRIMITIVO
• Vemos que o primitivo já deu o passo à frente mais importante em seu
  desenvolvimento, ao passar da aritmética natural para o uso dos signos. É
  legítimo que digamos que todo o caminho do desenvolvimento histórico do
  comportamento humano tem sua origem exatamente no uso dos signos.
• O mais importante, o mais crucial e o mais característico para todo o
  processo do desenvolvimento é o fato de que seu aperfeiçoamento vem de
  fora e é afinal determinado pela vida social do grupo ou do povo a que a
  indivíduo pertence.
• Encontramos, também, uma transição a partir dos processos psicológicos
  naturais (tais como a memória eidética, a percepção imediata de
  quantidades) para a utilização de signos culturais, para a criação de
  recursos culturais que ajudam o homem primitivo a regular seu próprio
  comportamento.
• A vida social do homem e sua atividade de trabalho começam a exigir
  requisitos ainda mais elevados para o controle sobre seu próprio
  comportamento. Desenvolve-se a linguagem, cálculo, a escrita e outros
  recursos técnicos de cultura. Com a ajuda desses meios, o comportamento
  do homem ascende a um nível superior.

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O homem primitivo e seu comportamento

  • 1. Faculdade de Educação – UFMG Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social Disciplina: O biológico, o social e o cultural na obra de Vygotsky Prof.ª: Maria de Fátima Cardoso Gomes O HOMEM PRIMITIVO E SEU COMPORTAMENTO Henrique Ribeiro Tânia Halley Setembro de 2011
  • 2. TEXTO VYGOTSKY, L.S. & LURIA, A.R. O homem primitivo e seu comportamento. In: Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
  • 3. TERMINOLOGIA: “PRIMITIVO” E “CULTURAL”  Vygotsky define esses termos à luz de sua teoria do desenvolvimento : Como o homem progride ao longo da história, e a criança, através dos estágios de desenvolvimento de sua vida, o estágio primitivo ou natural não é substituído por estágios culturais posteriores; antes, estes sobrepõem-se como andaimes por sobre aqueles, alterando, reestruturando e adaptando esses processos naturais. Assim, a psicologia de um homem cultural não é superior nem inferior, mas diferente da de um homem primitivo, assim como a psicologia de um adulto é diferente da de uma criança, especialmente uma criança não-escolarizada.
  • 4. TERMINOLOGIA: “PRIMITIVO” E “CULTURAL”  Os processos mentais superiores nos povos “primitivos” não eram inferiores, mas diferentes daqueles dos povos “culturais” ou “civilizados”.  A afirmação mais importante de Vygotsky faz é que a diferença entre povos primitivos e culturais está em seu desenvolvimento social, e não em seu desenvolvimento biológico.
  • 5. ESTRUTURA DO TEXTO  Vygotsky volta a atenção para o desenvolvimento do comportamento do HOMEM PRIMITIVO. Ele analisa os começos e a evolução dos sistemas simbólicos de um ponto de vista histórico-cultural.  Divisão do Texto: 1. Três linhas de comportamento psicológico 2. Três teorias do desenvolvimento histórico-cultural 3. O homem primitivo como tipo biológico 4. A memória do homem primitivo 5. O pensamento ligado ao desenvolvimento da linguagem na sociedade primitiva 6. As operações numéricas e o homem primitivo 7. O comportamento primitivo
  • 6. TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO 1. O comportamento do homem é o resultado de uma evolução biológica prolongada  A psicologia tem tomado reações primitivas como ponto de partida para uma compreensão das formas mais elevadas de pensamento e de vontade do homem moderno. Vê nos instintos animais o protótipo A psicologia vê os reflexos das emoções condicionados iniciais como a base do desenvolvimento de toda atividade humana Traços dos instintos complexa. Medo e ódio de fuga e de ataque humanos dos animais predatórios
  • 7. TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO 2. O pensamento e o comportamento do adulto são produtos de um processo muito longo e complicado de desenvolvimento da criança  Tenta estabelecer todas as transformações quantitativas de uma forma de comportamento para outra, isto é, todas as mudanças quantitativas que, tomadas em conjunto, constituem a base do desenvolvimento da criança.
  • 8. TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO Como o Choro do recém- brinquedo nascido Revela, De Balbucio da senvolve e criança pequena Modela Lampejos As futuras individuais de fala tendências, capac humana idades e talentos da criança
  • 9. TRÊS LINHAS DE COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO 3. Desenvolvimento Histórico  O comportamento do homem moderno, cultural, não é só produto da evolução biológica, ou resultado do desenvolvimento infantil, mas também produto do desenvolvimento histórico.  No processo do desenvolvimento histórico da humanidade, ocorreram mudanças e desenvolvimentos não só nas relações externas entre as pessoas e no relacionamento do homem com a natureza; o próprio homem, sua natureza mesma, mudou e desenvolveu-se.
  • 10. TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-CULTURAL 1. Associacionismo (Tylor e Spencer)  Lei da Associação: As sensações e sentimentos vêm juntos em estreita sucessão de tal modo que quando um deles vem à mente, muito provavelmente o outro a acompanhará.  Mecanismo da atividade mental e a própria estrutura dos processos de pensamento e comportamento são iguais, no homem primitivo e no cultural.  A especificidade do comportamento e do pensamento do homem primitivo, pode ser explicada em função das condições em que esse homem vive e pensa. Ex.: Se fossemos despojados de toda a enorme experiência acumulada pelo homem e colocados nas condições de vida em que vivia o homem primitivo, pensaríamos e agiríamos como um tal homem age e pensa. Porque o desenvolvimento psicológico é entendido como acumulação quantitativa de experiências adquiridas.
  • 11. TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-CULTURAL 2. A estrutura psicológica de um indivíduo é função direta da estrutura social a que pertence - Lévy-Bruhl  É impossível explicar as crenças e as ideias coletivas que surgiram como fenômenos sociais numa comunidade ou povo, baseando-se em leis de uma psicologia individual como, por exemplo, as leis da associação de ideias.  Essas ideias coletivas surgiram como resultado da vida social de um dado povo e são comuns a todos os membros de um dado grupo.  Procurou basear sua explicação da psicologia do indivíduo no caráter das ideias coletivas que emergem nesses grupos, bem como no tipo e estrutura da sociedade em que vivem.  Conclusões: As funções psicológicas superiores no homem primitivo diferem profundamente dessas funções no homem cultural.
  • 12. TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-CULTURAL 2. A estrutura psicológica de um indivíduo é função direta da estrutura social a que pertence - Lévy-Bruhl  O homem primitivo foi caracterizado como PRÉ-LÓGICO.  O que não quer dizer que seja anti-lógico ou alógico, mas simplesmente que não alcançou o ponto de desenvolvimento do pensamento lógico.  Caracteriza-se por não se obrigar a evitar a contradição e por obedecer a LEI DE PARTICIPAÇÃO – uma só e mesma coisa pode participar de diversas formas absolutamente diferentes de existência.
  • 13. TRÊS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-CULTURAL 3. O pensamento primitivo é lógico do ponto de vista do homem primitivo - Thurnwald  Ex.: Quando acometidos de algum ataque ou doença, os homens primitivos supunham que algum espírito mau tomara posse deles. Para curar o doente, tentavam exorcizar esse espírito. Para tanto, utilizam os métodos que aparentemente se supõe sirvam para afugentar uma pessoa real: dão um nome ao espírito, pedem que se vá embora, ou assustam-no com barulho.  A presença do pensamento lógico no homem primitivo: A invenção e o uso de instrumentos, a caça, a pecuária e agricultura. Isso demonstra que o homem primitivo também possui pensamento lógico, ainda que não suficientemente desenvolvido.
  • 14. O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO  Traços distintivos entre o homem primitivo e o homem cultural: Superioridade X Inferioridade 1. Superioridade do homem primitivo sobre o homem cultural, quando o primitivo está em suas circunstâncias naturais – crença de que o homem primitivo está mais bem equipado pela natureza do que o homem cultural. 2. Dificuldade de realizar funções mentais superiores como cálculo e rememoração – operações abstratas.  O resultado é um quadro bastante complexo: de um lado, o homem primitivo supera o homem cultural numa série de aspectos; por outro lado, ele é inferior.
  • 15. O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO  Seria então o organismo do homem primitivo diferente do homem cultural? Poderíamos então atribuir todas as diferenças entre esses dois homens à diferenças biológicas?  Muito embora se tenha sustentado por vezes que o homem primitivo possui uma superioridade sobre o homem cultural, que é mais bem equipado pela natureza, que possui sentidos mais apurados de olfato, visão e audição, Vygotsky deixa bem claro que os dados existentes não oferecem prova alguma de um tipo orgânico de ser humano verdadeiramente diferente.  “A acuidade dos sentidos do homem primitivo muitas vezes é resultado da prática; o déficit nessas esferas dos habitantes de cidades é muitas vezes consequência da falta de uso, devido a seu modo de vida em locais restritos. “ (Thurnwald)
  • 16. O HOMEM PRIMITIVO COMO TIPO BIOLÓGICO CONCLUSÃO A diferença entre povos primitivos e culturais está em seu desenvolvimento social, e não em seu desenvolvimento biológico. Portanto, o subdesenvolvimento cultural dos homens primitivos é o responsável pelo atraso que se pode observar nesses homens na área das funções psicológicas.
  • 17. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Diferenças com a do homem cultural A memória desempenha papel muito mais significativo na mente e no comportamento do homem primitivo do que em nossa vida mental, porque determinadas funções que, em certa época, a memória exercia em nosso comportamento separaram-se da memória e se modificaram.  Nós, homens culturais, estamos livres da necessidade de armazenar uma massa enorme de impressões concretas. Para o homem primitivo, quase toda a experiências é apoiada na memória. A memória primitiva é ao mesmo tempo muito acurada e extremamente emocional. Ela preserva as representações com riqueza de detalhes e sempre na mesma ordem de sua conexão na realidade.
  • 18. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Diferenças com a do homem cultural Ex.: O nativo conhece todos os rastros de todos os bichos e pássaros. Aborígenes são capazes de recitar uma canção que demora 5 noites para ser completada. Levam mensagens de tamanho considerável a grandes distâncias e as transmitem quase que palavra por palavra.  A memória do homem primitivo está ligada ao concreto, e eles apresentam dificuldades em memorização de algo abstrato, como a contagem numérica.  Para o homem cultural, a memória limita-se ao papel subordinado de registrar os resultados que foram obtidos por meio de uma elaboração lógica de conceitos.
  • 19. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Eidetismo  A essência dessa forma de memória é a capacidade de uma pessoa de reproduzir visualmente de maneira literal um objeto ou figura previamente concebidos imediatamente após vê- los, ou até mesmo depois de um longo intervalo de tempo.  Experimentos com crianças: Após olhar a figura por 30 segundos, a criança continua a ver sua imagem sobre a tela e a descrever detalhes minuciosos como a inter-relação entre os objetos e suas partes.
  • 20. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Eidetismo  Os pesquisadores acreditam que a memória eidética constitui um estágio primário, indiferenciado, de unidade de percepção e memória.  Por isso, acredita-se que a admirável memória do homem primitivo tem algum parentesco com a forma eidética, pois o modo pelo qual ele percebe, pensa e imagina, indica também que seu desenvolvimento está extremamente próximo da fase eidética.  Nesse estágio de desenvolvimento, o homem primitivo utiliza a memória, mas não é capaz de controla-la.
  • 21. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Eidetismo • Memória se confunde com suas percepções • Memória domina o homem • Homem cria fantasias, mitos • Se configuram como obstáculos no desenvolvimento do homem primitivo, que é dominado pela sua memória.
  • 22. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Desenvolvimento histórico da memória  O desenvolvimento histórico da memória começa a partir do momento em que o homem, pela primeira vez, deixa de utilizar o memória como força natural e passa a dominá-la. Capacidade Capacidade 1ª criação de de utilizar de um signo encontrar pistas como artificial caminhos signos (domínio da memória)
  • 23. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Desenvolvimento histórico da memória  Início do uso dos signos pelo homem primitivo – os primeiros instrumentos de memória são signos. Ex.: Figuras douradas dos contadores de histórias da África ocidental; cada uma das figuras recorda determinada história. Cada uma dessas figuras parece representar o nome inicial de uma longa história, por exemplo, a lua.  Uso social do signo primitivo Quem está usando Feriu o matou inimigo o inimigo Cortou a garganta do Cortou sua garganta inimigo e o escalpelou
  • 24. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Desenvolvimento histórico da memória Esse tipo de nó amarrado para estimular a memória é, aparentemente, o registro mais antigo que mostra como o homem progrediu a partir do uso desse recurso para o controle de sua memória.
  • 25. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Desenvolvimento histórico da memória Passagem do desenvolvimento natural da memória para o desenvolvimento da escrita Determinaram o desenvolvimento da memória humana Passagem do Passagem da eidetismo para o atividade uso de sistemas mnemônica para a externos de mnemotécnica signos
  • 26. A MEMÓRIA DO HOMEM PRIMITIVO: Desenvolvimento histórico da memória  O nível de desenvolvimento cultural da memória pode ser medido pela habilidade do homem de fazer uso da memória e controla-la.  Quando o homem começa a controlar sua memória, “sobe” um estágio no desenvolvimento da escrita, pois começa utilizar dos signos para se comunicar.  Ex. : Escrita pcitográfica – que utiliza imagens visuais para transmitir certos pensamentos e conceitos.
  • 27. O PENSAMENTO LIGADO AO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NA SOCIEDADE PRIMITIVA • À primeira vista, temos a impressão de que a linguagem do homem primitivo é mais simples pelo fato de o homem primitivo diferir do homem cultural também por causa de que sua linguagem se apresenta mais pobre de meios, mais tosca e menos desenvolvida do que a linguagem do homem cultural. • No entanto, a sua linguagem nos surpreende precisamente pela enorme riqueza de vocabulário. • Toda a dificuldade em entender e estudar essas línguas origina-se, antes de mais nada, de sua superioridade sobre as línguas dos povos culturais, devido ao grau de riqueza, abundância e exuberância de suas diversas terminologias, coisa totalmente ausente em nossa língua. • Essa imensa riqueza terminológica de sua linguagem se deve à extraordinária riqueza de sua memória. Para exprimir detalhes concretos, ele utiliza um número enorme de palavras e expressões.
  • 28. • Exemplo: Os tasmanianos não possuem palavras para especificar quantidades tais como doce, amargo, duro, frio, comprido, curto e redondo. Ao invés de "duro", dizem "como pedra", em lugar de "alto" - "pés altos", de "redondo" - "como uma bola", "como a lua", e também acrescentam um gesto que o explica. Analogamente, no arquipélago de Bismarck, não há nomes para cores. As cores são designadas apenas pela menção de um objeto com o qual se assemelham (Lévy-Bruhl, 1910/1926, p.171). • Exemplo: Os maori possuem um sistema incomumente completo para a nomenclatura da flora da Nova Zelândia. Para eles, existem nomes distintos para o gênero de árvores masculinas e femininas. Também dão nomes individuais a árvores cujas folhas mudam de forma em diferentes momentos de seu crescimento. O pássaro koko, ou o tui, possui quatro nomes: dois para o gênero masculino e dois para o gênero feminino, dependendo da época do ano. Há palavras diferentes para a cauda do pássaro, a cauda de animal, e a cauda de peixe. Há três palavras para designar a voz do papagaio: a voz em estado de calma, sua voz quando está zangado e outra quando está com medo (Lévy-bruhl, 1910/1926, p. 172).
  • 29. • Essa riqueza de vocabulário depende diretamente da natureza concreta e precisa da língua do homem primitivo. Do mesmo modo que ele fotografa e reproduz toda a sua experiência, ele também a rememora, com a mesma precisão. Ele não sabe expressar-se abstratamente e condicionalmente, como faz o homem cultural. • Por isso é que em certos casos em que o europeu pode usar uma ou duas palavras, às vezes o homem primitivo emite dez; por exemplo, a frase: "um homem matou um coelho", na língua da tribo dos índios ponka seria dita literalmente assim· "O homem aquele vivo (caso nominativo) em pé matou intencionalmente arremessar uma flecha um coelho aquele vivo (caso acusativo) sentado" (Lévy-Bruhl 1910/1926,p.140). • Essa descrição flexível e detalhada acaba sendo tanto a maior vantagem quanto o maior inconveniente da língua primitiva. A grande vantagem é que esse tipo de língua cria um signo para quase todos os objetos concretos e proporciona ao homem primitivo a possibilidade única de dispor de réplicas extremamente exatas de todos os objetos com que entra em contato. Assim, é bem evidente que, dado o modo de vida característico do homem primitivo, passar de sua língua para um idioma europeu significaria para ele despojar-se imediatamente de seu meio mais poderoso de orientação na vida.
  • 30. • Contudo, ao mesmo tempo, essa língua sobrecarrega o pensamento com infindáveis detalhes e particularidades e não processa os dados da experiência, ela os reproduz não sob formas abreviadas, mas com toda a inteireza com que são observadas na realidade. Para comunicar o pensamento simples de que um homem matou um coelho, o índio tem que traçar todo o quadro desse evento com todos os detalhes. Por isso é que as palavras do homem primitivo não se diferenciam de objetos, mas continuam intimamente ligadas às percepções sensoriais imediatas. • As operações de linguagem e as operações numéricas só são factíveis quando ligadas às situações concretas que lhes deram origem. A natureza concreta, visual, das línguas primitivas afeta as formas gramaticais. Essas formas gramaticais destinam-se a denotar os mínimos detalhes do significado. • A linguagem do homem primitivo é essencialmente duas linguagens numa só: por um lado, é uma linguagem de palavras; por outro, uma linguagem de gestos. A linguagem do homem primitivo transmite as imagens dos objetos do modo como são percebidos pelos olhos e pelos ouvidos. O objetivo de uma linguagem desse tipo é a reprodução exata. • Essa segunda linguagem - a linguagem dos sinais ou dos gestos – é extremamente difundida entre os povos primitivos, mas é usada em diferentes situações e em diferentes combinações com a linguagem verbal.
  • 31. • Lévy-Bruhl chega à conclusão de que a maioria das comunidades primitivas possuem duas linguagens: a fala oral e os sinais. Por isso, diz ele, é que não se pode afirmar que essas linguagens poderiam existir sem se influenciar reciprocamente. • Até certo ponto, falar com as mãos é literalmente pensar com as mãos; por isso, os traços desses conceitos manuais necessariamente se reproduzirão nas expressões verbais do pensamento. Os processos gerais de expressão serão semelhantes: as duas linguagens, cujos signos diferem tão extensamente, de gestos a sons articulados, estarão associadas por sua estrutura e método de interpretar objetos, ações e condições. Por isso, se a linguagem verbal descreve e delineia em detalhe posições, movimentos, distâncias, formas e contornos, isto se dá porque a linguagem de sinais utiliza exatamente os mesmos meios de expressão. • O pensamento, nesse tipo de linguagem, exatamente como a própria linguagem, é inteiramente concreto e ligado à imagem. É pleno de detalhes e trata de situações diretamente reproduzidas - de contextos extraídos da vida real. • Quanto ao número de palavras, de modo algum se poderá dizer que a linguagem do homem primitivo é limitada em expressões. Desse ponto de vista, isto é, concretude da expressão, a língua dos povos primitivos supera a língua do homem cultural.
  • 32. • Lei da participação: o pensamento primitivo não segue as leis de 'nossa lógica, mas possui sua própria lógica primitiva, baseada numa idéia de conexões que é completamente diferente da nossa Esse tipo específico de conexões, características da lógica primitiva, implica que um só e mesmo objeto pode coexistir em diversos complexos, isto é, ser um elemento em relações completamente diferentes. (Lévy-Bruhl) • Todas as características do pensamento primitivo podem reduzir-se ao fato de que ao invés de idéias, ele opera com complexos. Segundo Werner "todo pensamento primitivo é ao mesmo tempo pensamento visual". • O progresso principal do desenvolvimento do pensamento assume a forma de uma passagem do primeiro modo de utilizar uma palavra como nome próprio, para o segundo modo, em que uma palavra é signo de um complexo e, finalmente, para o terceiro modo, em que uma palavra é instrumento ou recurso para desenvolver o conceito. Assim como se verificou que o desenvolvimento cultural da memória tinha as mais íntimas ligações com o desenvolvimento histórico da escrita, verifica-se que o desenvolvimento cultural do pensamento possui a mesma conexão íntima com a história do desenvolvimento da linguagem humana.
  • 33. AS OPERAÇÕES NUMÉRICAS E O HOMEM PRIMITIVO • O estudo das operações numéricas do homem primitivo oferece-nos o exemplo mais explícito do desenvolvimento de seu pensamento e de como esse depende da perfeição dos signos exteriores que a comandam e a realizam. Muitos povos primitivos não possuem números para contar além de 2 ou 3. • Contudo, seria errado inferir a partir daí que não saibam contar além de 3. Isso significa apenas que carecem de conceitos abstratos que alcancem além desses números. Não podem utilizar as operações que são características de nosso modo de pensar, diz Lévy-Bruhl (1910/1926), mas, "por processos que lhes são peculiares, podem, em certa medida, obter os mesmos resultados" (pp. 181-182). • Essas operações dependem, em alto grau, da memória. O homem primitivo conta de modo diferente do nosso modo (de contar) - modo esse que poderia ser, chamado de concreto - e com esse método concreto (de contar) o homem primitivo mais uma vez supera o homem cultural.
  • 34. • O estudo dos processos de cálculo do homem primitivo mostra que neste caso, mais uma vez, como com a memória e a fala, o homem primitivo não só não é inferior (mais pobre), mas em certo sentido é superior (mais rico) do que o homem cultural. • Exemplo: Quando os primitivos se preparam para a caça, lançam um olhar sobre os seus muitos cães e imediatamente se dão conta caso um deles esteja faltando. Exatamente do mesmo modo, o homem primitivo pode detectar a ausência de um único animal numa manada de várias centenas de animais. • A aritmética natural dos povos primitivos, como em geral seu pensamento, é ao mesmo tempo mais e menos do que o nosso; é menos eficiente, porque determinadas operações acabam sendo completamente inacessíveis ao homem primitivo e suas capacidades nessa área sendo muito mais limitadas que as nossas. Essa aritmética natural é mais eficiente, porque o pensamento do homem primitivo está sempre ancorado no contexto da realidade. Carece de abstração e reproduz imediatamente uma situação concreta de vida; e freqüentemente, como acontece em nossa vida cotidiana e arte, essas imagens concretas acabam por ser representações muito mais reais do que abstratas.
  • 35. • Exemplo: Exatamente do mesmo modo, ao tentar representar com um diagrama típico algo simples como a quantidade de sabão consumido na China e na Alemanha, desenhamos para esse fim um enorme chinês e um pequeno alemão, que simbolizam o número de vezes que a população da China é maior do que a da Alemanha. Sob essas figuras, desenhamos um pequeno e um enorme pedaço de sabão, de modo que toda essa figura – esse diagrama - nos diga diretamente mais do que fariam os dados matemáticos abstratos. São essas figuras - esses meios gráficos - que são utilizados na aritmética primitiva do homem primitivo. • Exemplo: Se um primitivo quer denotar 3 ou 5 pessoas, ele não designa sua soma, mas chama todos que conhece pessoalmente pelo nome; se não sabe o nome, então os conta usando algum outro traço concreto: por exemplo, um homem de nariz grande, um velho, uma criança, um homem de pele pálida e um homem baixinho estão esperando - tudo isso ao invés de .dizer: "chegaram cinco homens".
  • 36. • Um total é percebido inicialmente como imagem de alguma figura. A imagem e a quantidade ainda estão fundidas num único complexo. Por isso é que, como mostramos anteriormente, o cálculo abstrato para uma mente primitiva é impossível; um primitivo só calcula na medida em que seu ca1culo lhe parece estar associado à realidade. Assim, para os povos primitivos o número é sempre um nome, que denota algo concreto; é uma imagem numérica ou uma forma usada como símbolo para determinada quantidade. • A transição de uma aritmética natural, baseada na percepção direta de quantidades, para uma operação mediada realizada com a ajuda de signos já se encontra nas primeiras etapas do desenvolvimento cultural do homem. • Exemplo: Roth perguntou a um homem primitivo quantos dedos e artelhos ele tinha e pediu-lhe que marcasse o número deles com linhas na areia. O homem começou a voltar os dedos para baixo de dois em dois e, para cada par, traçava uma linha dupla na areia. Essa prática é utilizada pelos mais velhos da tribo para contar os homens. É nesse fenômeno que observamos um método instrumental indireto utilizado para criar a percepção da quantidade com a ajuda de signos.
  • 37. • A origem visual das denominações numéricas mostra-se na tendência do primitivo de contar, não por unidades, mas por grupos nitidamente diferentes; por exemplo, de dois em dois, de quatro em quatro, cinco em cinco e assim por diante. Por essa razão, embora ele possua muitas vezes um número muito pequeno de numerais, consegue, não obstante, calcular quantidades extremamente grandes, repetindo os mesmos numerais várias vezes. • A contagem começou antes mesmo de serem criados os números. Nas sociedades mais primitivas durante séculos as pessoas calcularam sem números. Seria um erro pensar que a mente humana criou os números para poder contar; ao contrário, as pessoas começaram a contar antes de conseguir criar números. • Exemplo: O primitivo calcula com os dedos de uma mão, dizendo ao mesmo tempo: este é um, e assim por diante; chegando ao último dedo, diz: 1 mão. A seguir, conta os dedos da outra mão e depois os artelhos dos pés. Se não terminou seus cálculos, então "1 mão" é tomada como unidade de valor superior A partir daí, ao contar os dedos e artelhos, conta-os por "cincos", isto é, conta suas mãos como unidades globais.
  • 38. O COMPORTAMENTO PRIMITIVO • Vemos que o primitivo já deu o passo à frente mais importante em seu desenvolvimento, ao passar da aritmética natural para o uso dos signos. É legítimo que digamos que todo o caminho do desenvolvimento histórico do comportamento humano tem sua origem exatamente no uso dos signos. • O mais importante, o mais crucial e o mais característico para todo o processo do desenvolvimento é o fato de que seu aperfeiçoamento vem de fora e é afinal determinado pela vida social do grupo ou do povo a que a indivíduo pertence. • Encontramos, também, uma transição a partir dos processos psicológicos naturais (tais como a memória eidética, a percepção imediata de quantidades) para a utilização de signos culturais, para a criação de recursos culturais que ajudam o homem primitivo a regular seu próprio comportamento. • A vida social do homem e sua atividade de trabalho começam a exigir requisitos ainda mais elevados para o controle sobre seu próprio comportamento. Desenvolve-se a linguagem, cálculo, a escrita e outros recursos técnicos de cultura. Com a ajuda desses meios, o comportamento do homem ascende a um nível superior.