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toque de classe,
                                      Antonio Flávio Pierucci




     O          título pode dar a entender que o suporte
               social da candidatura vitoriosa de JQ seja
               uma peça única, uma classe determinada, um
    estrato social bem recortado. Claro que não. JQ foi
                                                                  Um toque de mão pesada, os marreteiros da Sé e da
                                                                  Lapa que o digam.
                                                                     A nós também as urnas paulistanas estão dando um
                                                                  toque. Sublinham o fato de que, além das crises
    bem votado de um extremo a outro da estrutura de              econômica, política e social, estamos diante de uma
    classes, nos quatro cantos da cidade. Seu apoio               crise ideológica. Esta, porém, em vez de assumir a
    provém antes de um bizarro patcbwork de grupos, de            forma de um aprofundamento da crítica dos valores
    uma peculiar mixórdia de estratos sociais que diferem         tradicionais, toma o caminho inverso: veste armadura
    substancialmente quanto a sua posição de classe, sua          e, cacete na mão, sai em cruzada a defender a Antiga
    atual situação como resultado do desenvolvimento              Ordem. O populismo raivoso à Ia Jânio condensa com
    estrutural da sociedade brasileira, seu caráter social, sua   maestria e recruta com prontidão um amplo leque
    localização espacial na cidade. E que, por isso mesmo,        de insatisfações de certas camadas médias urbanas,
    costumam ficar em lados opostos (ou posicionar-se             não só porque promete responder a seus interesses
    diferentemente) acerca de muitas questões políticas           materiais exasperados pela crise econômica, mas tam-
    substantivas. Tal diversidade de grupos e interesses          bém e principalmente porque corresponde a suas ne-
    faz crer que são atraídos por diferentes traços do            cessidades psicossociais de afirmação ideológica agudi-
    populismo autoritário e do neoconservadorismo                 zadas pela crise social e política compactadas na crise
    consubstanciados no estilo de Jânio.                          urbana. A campanha de JQ embrenhou-se mais deci-
       Não obstante, os resultados das urnas de 85 por            dida e abertamente na luta ideológica do que até
    distritos eleitorais apontam para a dominância, no            mesmo a do PT, que empunha com autocontemplação
    interior desse melê, dos eleitores de renda média,            o título de partido ideológico. O tema básico de sua
    moradores das áreas intermediárias do mapa da cida-           campanha — segurança — é típico do approach mo-
    de. Da antiga periferia. JQ obteve seus piores per-           ralista da política próprio desses setores, que lêem
    centuais nos bairros mais pobres e distantes, e não           na chave da moral a deterioração de suas condições
    andou tão bem das pernas nas áreas de elite. Em               de vida na metrópole. Apela diretamente para a ur-
    compensação, foi lá pras cabeças em bairros históricos        gência de defesa sentida por esses grupos postos cada
    habitados predominantemente pela classe média baixa:          vez mais na defensiva pelas vertiginosas mudanças
    Vila Maria — seu reduto histórico e simbólico —,              ocorridas no país. Na mesma chave defensiva está
    Tatuapé, Mooca, Pari, Penha, Belém, Brás, Alto da             o extemporâneo macartismo anticomunista. Toca no
    Mooca, Ipiranga, Lapa, Limão, Tucuruvi, Vila For-             mesmo medo coletivo, potenciado pela erosão dos
    mosa, Vila Guilherme, Vila Matilde, Casa Verde,               valores tradicionais, pela quot;crise de autoridadequot;. São
    Santana. . . Neste sentido, repisa os traços de seu           grupos e indivíduos ameaçados. Basta apontar os ini-
    desempenho de 82, quando, para surpresa geral, ficou          migos para desencadear seu zelo de cruzados a fim
    em segundo lugar na capital, vindo seus melhores              de proteger seu modo de vida (que é o certo), seus
    resultados das áreas médias da cidade, praticamente           valores e princípios (moralmente corretos), seus bens,
    dos mesmos bairros que agora lhe deram as bases               seu status, sua casa. Sua família.
    mais numerosas para retornar ao picadeiro. A volta               Por enquanto sem o estardalhaço dos movimentos
    de Jânio não é portanto a resultante fortuita de um           de massa, mas já com certa fúria e muita determina-
    deslizamento circunstancial do eleitorado. O janismo          ção, no sigilo da cabine indevassável eles manifes-
    tem raízes bem fincadas em setores sociais determi-           taram sua disposição revanchista: quot;Nós, senhoras de
    nados da região metropolitana. O epicentro do terre-          Santana, espancadores da Freguesia do Ó, linchadores
    moto é identificável: segmentos volumosos dos estra-          de bandidos e tarados, torturadores de comunistas,
    tos médios, situados na velha periferia ao Norte e            somos muito mais numerosos do que imagináveis vós,
    ao Leste de São Paulo.                                        intelectuais e professores universitários sem religião,
       É por aí que passam as principais avenidas que o           estudantes drogados e irreverentes, com vossos olhos
    trouxeram de volta, pavimentadas de insatisfações às          míopes que só enxergam São Paulo polarizada entre
                                                                  os muito ricos e os pobres fedorentos, que viam a
    quais os últimos governos não têm sabido responder            marca registrada de São Paulo apenas nas greves e
    e que, traduzidas em votos, restituem a esses grupos          nos 'novos movimentos sociais' das periferias ca-
    sua capacidade de influir politicamente, determinando         rentes. Nós somos Santana, somos a Vila Maria, so-
    a remodelação de agendas políticas a partir de suas           mos a Penha de França, a Mooca, o Brás, o Pari, o
    ansiedades e pânicos, velhos (o comunismo e a imo-            Belenzinho, o Ipiranga, o Bairro do Limão, a Lapa, a
                                                                  Casa Verde... Somos, não estamosquot;.
    ralidade sexual) e novos (as taxas crescentes de cri-            Em tempo: moralismo e antiintelectualismo com-
    minalidade). A partir de seus reclamos por quot;lei e             põem a mesma síndrome.




                       média-baixa.
    ordemquot;. Eis o toque de classe, totalmente sem classe.




FEVEREIRO DE 1986                                                                                                           1

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O toque da classe média-baixa

  • 1. toque de classe, Antonio Flávio Pierucci O título pode dar a entender que o suporte social da candidatura vitoriosa de JQ seja uma peça única, uma classe determinada, um estrato social bem recortado. Claro que não. JQ foi Um toque de mão pesada, os marreteiros da Sé e da Lapa que o digam. A nós também as urnas paulistanas estão dando um toque. Sublinham o fato de que, além das crises bem votado de um extremo a outro da estrutura de econômica, política e social, estamos diante de uma classes, nos quatro cantos da cidade. Seu apoio crise ideológica. Esta, porém, em vez de assumir a provém antes de um bizarro patcbwork de grupos, de forma de um aprofundamento da crítica dos valores uma peculiar mixórdia de estratos sociais que diferem tradicionais, toma o caminho inverso: veste armadura substancialmente quanto a sua posição de classe, sua e, cacete na mão, sai em cruzada a defender a Antiga atual situação como resultado do desenvolvimento Ordem. O populismo raivoso à Ia Jânio condensa com estrutural da sociedade brasileira, seu caráter social, sua maestria e recruta com prontidão um amplo leque localização espacial na cidade. E que, por isso mesmo, de insatisfações de certas camadas médias urbanas, costumam ficar em lados opostos (ou posicionar-se não só porque promete responder a seus interesses diferentemente) acerca de muitas questões políticas materiais exasperados pela crise econômica, mas tam- substantivas. Tal diversidade de grupos e interesses bém e principalmente porque corresponde a suas ne- faz crer que são atraídos por diferentes traços do cessidades psicossociais de afirmação ideológica agudi- populismo autoritário e do neoconservadorismo zadas pela crise social e política compactadas na crise consubstanciados no estilo de Jânio. urbana. A campanha de JQ embrenhou-se mais deci- Não obstante, os resultados das urnas de 85 por dida e abertamente na luta ideológica do que até distritos eleitorais apontam para a dominância, no mesmo a do PT, que empunha com autocontemplação interior desse melê, dos eleitores de renda média, o título de partido ideológico. O tema básico de sua moradores das áreas intermediárias do mapa da cida- campanha — segurança — é típico do approach mo- de. Da antiga periferia. JQ obteve seus piores per- ralista da política próprio desses setores, que lêem centuais nos bairros mais pobres e distantes, e não na chave da moral a deterioração de suas condições andou tão bem das pernas nas áreas de elite. Em de vida na metrópole. Apela diretamente para a ur- compensação, foi lá pras cabeças em bairros históricos gência de defesa sentida por esses grupos postos cada habitados predominantemente pela classe média baixa: vez mais na defensiva pelas vertiginosas mudanças Vila Maria — seu reduto histórico e simbólico —, ocorridas no país. Na mesma chave defensiva está Tatuapé, Mooca, Pari, Penha, Belém, Brás, Alto da o extemporâneo macartismo anticomunista. Toca no Mooca, Ipiranga, Lapa, Limão, Tucuruvi, Vila For- mesmo medo coletivo, potenciado pela erosão dos mosa, Vila Guilherme, Vila Matilde, Casa Verde, valores tradicionais, pela quot;crise de autoridadequot;. São Santana. . . Neste sentido, repisa os traços de seu grupos e indivíduos ameaçados. Basta apontar os ini- desempenho de 82, quando, para surpresa geral, ficou migos para desencadear seu zelo de cruzados a fim em segundo lugar na capital, vindo seus melhores de proteger seu modo de vida (que é o certo), seus resultados das áreas médias da cidade, praticamente valores e princípios (moralmente corretos), seus bens, dos mesmos bairros que agora lhe deram as bases seu status, sua casa. Sua família. mais numerosas para retornar ao picadeiro. A volta Por enquanto sem o estardalhaço dos movimentos de Jânio não é portanto a resultante fortuita de um de massa, mas já com certa fúria e muita determina- deslizamento circunstancial do eleitorado. O janismo ção, no sigilo da cabine indevassável eles manifes- tem raízes bem fincadas em setores sociais determi- taram sua disposição revanchista: quot;Nós, senhoras de nados da região metropolitana. O epicentro do terre- Santana, espancadores da Freguesia do Ó, linchadores moto é identificável: segmentos volumosos dos estra- de bandidos e tarados, torturadores de comunistas, tos médios, situados na velha periferia ao Norte e somos muito mais numerosos do que imagináveis vós, ao Leste de São Paulo. intelectuais e professores universitários sem religião, É por aí que passam as principais avenidas que o estudantes drogados e irreverentes, com vossos olhos trouxeram de volta, pavimentadas de insatisfações às míopes que só enxergam São Paulo polarizada entre os muito ricos e os pobres fedorentos, que viam a quais os últimos governos não têm sabido responder marca registrada de São Paulo apenas nas greves e e que, traduzidas em votos, restituem a esses grupos nos 'novos movimentos sociais' das periferias ca- sua capacidade de influir politicamente, determinando rentes. Nós somos Santana, somos a Vila Maria, so- a remodelação de agendas políticas a partir de suas mos a Penha de França, a Mooca, o Brás, o Pari, o ansiedades e pânicos, velhos (o comunismo e a imo- Belenzinho, o Ipiranga, o Bairro do Limão, a Lapa, a Casa Verde... Somos, não estamosquot;. ralidade sexual) e novos (as taxas crescentes de cri- Em tempo: moralismo e antiintelectualismo com- minalidade). A partir de seus reclamos por quot;lei e põem a mesma síndrome. média-baixa. ordemquot;. Eis o toque de classe, totalmente sem classe. FEVEREIRO DE 1986 1