2° ano_PLANO_DE_CURSO em PDF referente ao 2° ano do Ensino fundamental
Ensino Fundamental de 9 anos: desafios para uma prática educativa de qualidade
1. ISSN 1982 - 0283
Anos iniciais do
Ensino Fundamental
Ano XIX – Nº 12 – Setembro/2009
Secretaria
de Educação a Distância
Ministério da
Educação
2. SUMÁRIO
Anos iniciais do Ensino Fundamental
Aos professores e professoras. .................................................................................. 3
.
Rosa Helena Mendonça
Apresentação da série Anos iniciais do Ensino Fundamental: A construção de
uma prática educativa de qualidade nos anos iniciais do Ensino Fundamental............... 5
Francisca Maciel, Mônica Correia Baptista e Sara Mourão Monteiro
Texto 1 – Ensino Fundamental e os desafios da Lei n. 11.274/2006. ...........................10
.
Maria Malta Campos
Texto 2 – Alfabetização e Letramento.......................................................................17
Sara Mourão Monteiro e Mônica Correia Baptista
Texto 3 – Políticas e práticas escolares ................................................................... 36
Patrícia Corsino
3. Anos iniciais do Ensino Fundamental
Aos professores e professoras,
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(Cecília Meireles)
Tempo de brincadeira ou tempo de estudo?
as palavras, que são um convite para des-
Ou isto ou aquilo? O que Cecília Meireles
vendar o mundo da escrita.
nos revela, em seus versos que atravessam
gerações sem perder a atualidade e o encan-
No universo da cultura letrada, as crianças,
tamento? Muitas coisas, em poucas pala-
cada vez mais cedo, entram em contato com
vras. Afinal, não seria essa uma das possi-
os textos, em diferentes contextos sociais, e
bilidades dos textos e ainda, de forma mais
são desafiadas a interagir com eles em sua
radical, dos poemas?
diversidade. A escola é o lugar, por natureza, em que a aprendizagem da leitura e da
Uma das revelações da poesia é que as es-
escrita é sistematizada, nas práticas de alfa-
colhas não precisam ser necessariamente
betização e letramento, processos indissoci-
entre isto ou aquilo, e que buscar entender
áveis que devem, no entanto ser entendidos
as coisas do mundo faz parte da curiosidade
na sua singularidade e complementaridade.
humana, em especial na infância. E a escola
Isto e aquilo, como podemos depreender do
é um desses espaços que ajudam a entender
poema! E, ainda, o poema reforça a nossa
como as coisas funcionam, porque são de
lembrança de como as dimensões do brin-
tal ou qual jeito. Na sala de aula, os profes-
car e do aprender estão irremediavelmente
sores e as professoras ensinam muitas coi-
relacionadas, em especial na infância.
sas, e também se aprende com os colegas,
com as experiências, com as histórias, com
Nesse contexto, pensar sobre a importância
os livros, com suas belas ilustrações e com
da inclusão das crianças de seis anos nos
3
4. sistemas de ensino, com a consequente am-
da Universidade Federal de Minas Gerais
pliação do Ensino Fundamental para nove
(CEALE/FAE/UFMG). Esperamos que os textos
anos, é urgente e significativo.
desta publicação eletrônica e os programas
da série contribuam para a reflexão de pro-
Com esse objetivo, a TV Escola apresenta,
fessores e professoras sobre a importância
no programa Salto para o Futuro, a série
de se refletir sobre as práticas curriculares
Anos iniciais do Ensino Fundamental, com a
voltadas para a inclusão das crianças de seis
consultoria de
anos no Ensino Fundamental.
Francisca Maciel, Mônica
Correia Baptista e Sara Mourão Monteiro,
pesquisadoras do Centro de Alfabetização,
Leitura e Escrita, da Faculdade de Educação
Rosa Helena Mendonça1
4
1
Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro.
5. APRESENTAÇÃO
Anos iniciais do Ensino Fundamental
A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA DE QUALIDADE NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS DE DURAÇÃO
Francisca Maciel1
Mônica Correia Baptista2
Sara Mourão Monteiro3
Conforme a Lei n. 11.274 de 06 de feverei-
não desse direito. Para que esse direito se
ro de 2006, o próximo ano, 2010, marcará a
cumpra, portanto, e para que se configure
entrada definitiva das crianças de seis anos
como promotor de novos direitos, o aces-
de idade em todas as redes educacionais do
so das crianças às instituições educativas e
País. A inclusão dessas crianças concretiza o
sua permanência nelas devem consolidar-se
preceito legal de ampliar de oito para nove
como direito ao conhecimento, à formação
anos o Ensino Fundamental, único nível de
integral do ser humano e à participação no
ensino de matrícula obrigatória no País. Ao
processo de construção de novos conheci-
ter sua duração ampliada, o Ensino Funda-
mentos.
mental passará a acolher, principalmente,
uma parcela da população brasileira que
A concretização dessa prática comprometi-
não encontrava vagas na rede pública de
da com o direito ao pleno desenvolvimento
educação infantil e que não podia arcar com
humano implica um conjunto de desafios
o custo de uma educação privada.
a serem superados tanto do ponto de vista
das próprias crianças quanto daqueles res-
Ainda que se considere a expansão das vagas
ponsáveis pela sua efetivação: professores
como condição fundamental para a garantia
e demais profissionais da educação, gesto-
do direito à educação, é no âmbito das prá-
res dos sistemas e das escolas, pesquisado-
ticas pedagógicas que a instituição educati-
res. Tais desafios vão desde a adequação de
va pode tornar-se ela mesma expressão ou
espaços físicos, garantia de materialidade
1
Doutora em Educação pela UFMG (2001); Pós-doutorado em Educação pela PUC-SP (2006). Professora da
Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da série.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
3
Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
5
6. adequada, adaptação dos instrumentos de
Esse reconhecimento da especificidade da
registro, das normatizações; mas, sobretudo
infância possibilitou avanços desde a pers-
se relacionam à perspectiva pedagógica.
pectiva do desenvolvimento infantil, ou
seja, de como as crianças compreendem o
Antes da análise e reflexão acerca dos di-
mundo e buscam dele se apropriar. Nessa
ferentes aspectos presentes em cada um
perspectiva e durante um largo período, as
desses desafios, é importante ressaltar que
investigações psicológicas se ocuparam em
todos eles são tributários da concepção de
descrever e compreender os aspectos que
criança a partir da qual se constroem os pi-
caracterizavam e tornavam específica essa
lares da ação educativa. Uma prática edu-
etapa de vida, enfatizando a gênese das fun-
cativa de qualidade exige, portanto, que se
ções psíquicas e considerando os processos
considere a criança como eixo do processo
vividos na infância como condição estru-
e considere as diferentes dimensões de sua
turante da vida mental do adulto. Piaget,
formação. Requer, portanto, que se leve em
como um dos eminentes teóricos da psi-
conta a concepção de infância que se encon-
cogênese, afirmava que suas investigações,
tra subjacente às práticas e ações educati-
ao analisarem os comportamentos infantis,
vas.
tinham como objetivo principal investigar
não a compreensão do conhecimento no
Atualmente, a partir da contribuição de di-
seu estado final, mas sim, na sua gênese e
ferentes áreas do conhecimento humano,
no seu processo de construção.
tem-se construído um consenso em torno
da ideia de que a infância, tal como a co-
Assim como Piaget, Vygotsky também deu
nhecemos hoje, não é um fenômeno na-
importância ao papel do sujeito na apren-
tural e universal, mas sim, o resultado de
dizagem. Entretanto, se para o primeiro os
uma construção paulatina das sociedades
suportes biológicos que fundamentam sua
moderna e contemporânea. A infância dei-
teoria dos estados universais receberam
xou de ser compreendida como uma “pré”
maior destaque, para o segundo a interação
etapa da fase adulta, passando a ser identi-
entre as condições sociais na transformação
ficada como um estado diferenciado. Assim,
e os substratos do comportamento humano
ao mesmo tempo em que se reconhece que
foram os elementos fundamentais para sua
a definição de infância é tributária do con-
teoria sobre o desenvolvimento humano. As
texto histórico, social e cultural no qual se
interações sociais, para Vygotsky, ocupam a
desenvolve, admite-se a especificidade que
centralidade do processo de desenvolvimen-
a constitui como uma das fases da vida hu-
to do sujeito e são percebidas como consti-
mana.
tutivas da sua identidade. Para esse teórico,
6
7. o funcionamento psicológico fundamenta-
do ao que fazem (PINTO & SARMENTO,
se nas relações sociais do indivíduo com o
1997, p. 22).
meio, mediadas por outros indivíduos, num
processo histórico. Ou seja, é imerso na tra-
O que importa destacar é que o reconheci-
ma das relações sociais que o indivíduo vai
mento da especificidade da infância, como
se constituindo, através da carga de valores,
esperamos ter assinalado, não pode signifi-
conceitos, preconceitos e teorias constante-
car seu isolamento diante dos demais gru-
mente reelaborados e internalizados.
pos sociais. Se o estatuto de ator social é
conferido aos seres humanos tendo em con-
Entretanto, o fato de reconhecermos a in-
ta sua capacidade de interagir em sociedade
fância como uma construção social, o que
e de atribuir sentido a suas ações, então, re-
nos possibilitou conhecer melhor as crian-
conhecer a infância como uma construção
ças e suas formas de interagir com o mun-
social da qual participam as crianças como
do, não pode significar a compreensão da
atores sociais de pleno direito implica con-
infância como um universo isolado, como
siderar sua capacidade de produção simbóli-
se adultos e crianças não compartissem prá-
ca, de representações e crenças em sistemas
ticas culturais comuns. As crianças, como
organizados. É na inter-relação com as ou-
atores sociais de pleno direito, participam
tras culturas que a cultura infantil se consti-
efetivamente do contexto social no qual
tui como tal. Nesse sentido, se pode afirmar
estão inseridas e interagem com os signos
que as crianças são sujeitos capazes de inte-
e símbolos construídos socialmente, assim
ragir com os signos e símbolos construídos
como constroem novos signos e símbolos a
socialmente, bem como de atribuir distintos
partir dessa interação:
significados a partir dessa interação.
As culturas infantis não nascem no uni-
Por tudo que argumentamos até aqui, gos-
verso simbólico exclusivo da infância,
taríamos de salientar que nove anos de es-
este universo não está fechado – muito
colaridade obrigatória devem significar a
pelo contrário, é mais que qualquer ou-
ampliação do direito à educação não apenas
tro, extremamente permeável - tampou-
quantitativamente – mais crianças na escola
co está distante do reflexo social global.
e mais anos de escolarização para cada uma
A interpretação das culturas infantis,
delas – mas, sobretudo, qualitativamente –
em síntese, não pode realizar-se no vazio
mais crianças, por mais tempo, em uma es-
social, e necessita sustentar-se na aná-
cola de qualidade. Uma escola que respeite
lise das condições sociais nas quais as
as crianças e que lhes assegure o tempo da
crianças vivem, interagem e dão senti-
infância.
7
8. A discussão sobre as práticas educativas a
sas crianças. Nesta série do Programa Salto
serem desenvolvidas nos primeiros anos do
para o Futuro, denominada Anos iniciais do
Ensino Fundamental de nove anos de dura-
Ensino Fundamental, pretendemos debater
ção deve, pois, responder ao desafio de asse-
aspectos fundamentais para o cumprimento
gurar uma educação de qualidade para nos-
desse direito.
Textos da série: Anos iniciais do Ensino Fundamental4
A série Anos iniciais do Ensino Fundamental,
crianças de seis anos de idade no Ensino Fun-
que será veiculada no programa Salto para
damental, ampliando de oito para nove anos
o Futuro/TV Escola de 21 a 25 de setembro
esta etapa da escolaridade, que é obrigatória.
de 2009, tem como proposta discutir as prá-
A série visa destacar que a ampliação do di-
ticas educativas a serem desenvolvidas nos
reito à educação não deve ser feita apenas
primeiros anos do Ensino Fundamental de
quantitativamente mas, sobretudo, qualita-
nove anos de duração. Em 2010, todas as re-
tivamente – mais crianças, por mais tempo,
des educacionais do País devem cumprir a
em uma escola de qualidade, que respeite as
Lei n. 11.274, que determina a inclusão das
crianças e lhes assegure o tempo da infância.
8
TEXTO 1: ENSINO FUNDAMENTAL E OS DESAFIOS DA LEI N. 11.274/2006
No primeiro texto, são abordados os moti-
informações sobre a situação em nível na-
vos que levaram à ampliação do Ensino Fun-
cional: como os municípios e estados se en-
damental para nove anos de duração, signi-
contram frente à determinação legal de im-
ficando a inclusão das crianças de seis anos.
plementar, até 2010, a inclusão das crianças
Para responder a essa questão é importante
de seis anos no Ensino Fundamental; quais
conhecermos o panorama e o contexto polí-
as expectativas de gestores, professores e
tico e social que possibilitaram a elaboração
pesquisadores da área, quais os desafios do
dessa diretriz da política educacional. Ainda
ponto de vista gerencial para se assegurar
no primeiro texto, pretende-se apresentar
esse pressuposto legal.
TEXTO 2 : ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
No segundo texto, são discutidos aspectos rela-
to formal às crianças de seis a dez anos. No
cionados à garantia do acesso ao conhecimen-
primeiro deles, tendo em vista a importância
4
Estes textos são complementares à série Anos iniciais do Ensino Fundamental, que será veiculada no
programa Salto para o Futuro/TV Escola de 21 a 25 de setembro de 2009.
9. atribuída à apropriação da escrita pelas crian-
serão problematizados aspectos relacionados
ças e, sobretudo, a polêmica em torno da idade
ao aprendizado da leitura e da escrita no pri-
apropriada para iniciar-se esta aprendizagem,
meiro ano do Ensino Fundamental.
TEXTO 3: A ABORDAGEM DAS DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO
No terceiro texto, são retomadas as ques-
ARIÉS, P. História social da criança e da famí-
tões abordadas no segundo texto e também
lia. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 279p.
são debatidos temas relacionados às áreas
do conhecimento humano e às diferentes dimensões presentes na formação humana. O
que deve ser ensinado nos primeiros anos de
COLE, M. & SCRIBNER, S. Introdução. In:
Vygotsky, L.S. A formação social da mente.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1-19.
Ensino Fundamental? Como assegurar o pleno desenvolvimento das crianças? Que áreas
do conhecimentos devem ser priorizadas e
como assegurar que as crianças desenvolvam as diferentes linguagens?
GOUVEIA, M. A cultura da infância, a infância na cultura. Infância na ciranda da educação, Belo Horizonte, n. 4, p. 37-41, fev. 2000.
9
Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e de-
para o quarto programa, com entrevistas
senvolvimento. Um processo histórico. São
que refletem sobre esta temática (Outros
Paulo: Scipione, 1997.
olhares sobre Anos iniciais do Ensino Fundamental) e para as discussões do quinto e último programa da série (Anos iniciais do Ensino
Fundamental em debate).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVAREZ, A.; DEL RÍO, P. Educación y desar-
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança.
3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 370p.
PINTO, M. & SARMENTO, J. (Coord.). As
crianças: contextos e identidades. Braga.
CESC/Universidade do Minho, 1997.
rollo: la teoría de Vygotsky y la zona de desarrollo próximo. In: COLL, C; PALACIOS, J.
VYGOTSKY, L. El desarrollo de los procesos psi-
MARCHESI, A. (Comp.). Desarrollo psicológi-
cológicos superiores. Barcelona: Crítica, 2000.
co y educación. Madrid: Alianza, 1990.
10. TEXTO 1
Ensino Fundamental e os desafios da Lei n. 11.274/2006
POR UMA PRÁTICA EDUCATIVA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL QUE RESPEITE OS DIREITOS DA CRIANÇA À
APRENDIZAGEM
Maria Malta Campos1
Hoje a escola básica brasileira encontra-se
As estatísticas do Ministério da Educação de
em uma nova etapa. Depois de passados 21
2007 mostram que existem, no Brasil, seis
anos da promulgação da Constituição Fede-
milhões e meio de crianças matriculadas
ral, e 13 anos da aprovação da LDB, vivemos
na Educação Infantil, sendo um milhão e
um momento em que se apresentam novos
meio na creche e cerca de cinco milhões na
desafios aos educadores, mas, por outro
pré-escola. Em comparação, nas primeiras
lado, ainda não foi possível superar muitos
séries do Ensino Fundamental estão matri-
dos velhos problemas que sempre afligiram
culados cerca de 18 milhões de alunos em
a educação no país.
todo o país. Esses números mostram aspectos importantes de nossa realidade: primei-
As mudanças mais recentes – como a expansão
ro, as matrículas na Educação Infantil já re-
da Educação Infantil, a inclusão das crianças
presentam mais de um terço daquelas no
de seis anos na escola obrigatória e a extensão
primeiro segmento do Ensino Fundamental,
do Ensino Fundamental para nove anos – so-
ou seja, constituem um contingente impor-
mam-se a desafios não superados, heranças de
tante de crianças que iniciam sua escola-
tempos passados: as taxas de repetência mais
ridade e sua experiência como educandos
altas da América Latina; as alfabetizações mal
muito antes de chegarem à primeira série;
sucedidas de alunos com acesso à escola, mas
segundo, ainda existe um conjunto de alu-
sem acesso à aprendizagem; a falta de integra-
nos que não tem acesso à Educação Infan-
ção entre a pré-escola e as primeiras séries; a
til, especialmente nas camadas mais pobres
formação inadequada dos professores; as con-
da população, entre a população negra e na
dições desiguais de funcionamento das escolas
zona rural, como indicam outras fontes de
públicas, entre muitas outras.
dados.
1
Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, presidente da diretoria colegiada da ONG Ação Educativa e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.
10
11. Durante muito tempo, lamentou-se, no
de brincar são alguns entre muitos aspectos
país, a grande proporção de crianças da es-
dessa etapa rica em possibilidades que as
cola pública que nunca havia frequentado a
crianças vivem em seus primeiros anos.
pré-escola. Pois bem, essa realidade mudou.
Porém, será que essa expansão da Educação
À medida que se aproxima dos seis anos de
Infantil significou melhores condições de
idade, a enorme curiosidade e vontade de
aprendizagem para as crianças que ingres-
aprender da criança comporta uma progra-
sam na primeira série? Mais ainda: será que
mação mais dirigida às diversas áreas do co-
os professores da escola pública aprende-
nhecimento, sem que isso signifique uma es-
ram a considerar as aprendizagens prévias
colarização precoce nos moldes tradicionais.
de seus alunos de primeira série como pon-
O letramento e as primeiras noções de alfa-
to de partida para seu trabalho no início do
betização, a iniciação matemática, os conhe-
Ensino Fundamental?
cimentos sobre o mundo natural e o mundo
da cultura, a criatividade artística, as ativi-
1. A necessidade de integração entre os
dades físicas e lúdicas em espaços amplos, o
currículos da Educação Infantil e das
trabalho em grupo são importantes para am-
primeiras séries
pliar as possibilidades de desenvolvimento e
expressão infantis. Assim, deveriam ser orga-
Até recentemente, as propostas curricula-
nizadas as atividades e rotinas da Educação
res da educação infantil e das primeiras sé-
Infantil, em uma concepção de respeito ao
ries foram pensadas e propostas de forma
direito à aprendizagem da criança pequena.
independente. Existem poucas experiências
no país de integração curricular entre essas
Nesse processo, a criança pré-escolar apren-
duas etapas da educação básica. Por que se-
de a ser aluno e a ser cidadã; não há motivos
ria importante avançar nessa direção?
para que sua passagem para a primeira série signifique um rompimento brusco de um
Sabemos que os primeiros anos de vida são
processo vivido intensamente por ela nos
muito importantes do ponto de vista da
anos em que frequentou a Educação Infantil.
aprendizagem e da socialização das crianças
pequenas. O desenvolvimento da linguagem
Seria desejável que essa transição ocorres-
oral, o amadurecimento motor amplo e fino,
se de forma a ampliar as possibilidades de
as interações entre pares e entre crianças e
aprendizagem das crianças, incorporando
adultos, a noção de identidade, o reconheci-
novas metas, sem que para isso seja preciso
mento do próprio corpo, o conhecimento do
desconsiderar formas de trabalho pedagógi-
mundo, a descoberta das múltiplas formas
co apropriadas para cada faixa etária. Uma
11
12. criança de cinco, seis, sete anos de idade é a
enclausuramento, com base em uma con-
mesma, seja em uma etapa educacional, seja
cepção pedagógica idealizada como algo
em outra. Os conteúdos e métodos de ensino
totalmente à parte do restante da educa-
devem estar ajustados às suas características
ção básica. Em diversos contextos, essa
e potencialidades, seja em que escola ela esti-
postura é encontrada mais no discurso
ver sendo educada. Quanto mais harmoniosa
dos adultos do que nas práticas cotidia-
for essa passagem, mais condições a criança
nas, que pouco mudaram desde sua ori-
terá de manter seu interesse em aprender.
gem predominantemente assistencial e
custodial.
No entanto, muitas vezes o acolhimento dos
egressos da Educação Infantil não leva em
É preciso superar essas distorções, tanto na
consideração essas experiências educativas
Educação Infantil, como no início do Ensino
anteriores. A escola de Ensino Fundamental
Fundamental, em direção a uma concepção
não só costuma tratar todos os novos alunos
mais integrada de educação básica.
da mesma forma – tenham eles ou não já sido
alunos nos anos anteriores – como também
parece que faz questão de reforçar as ruptu-
2. Colocando a alfabetização em perspectiva2
12
ras entre as duas etapas iniciais da educação
básica: sinaliza-se claramente que acabou o
A sociedade brasileira sempre teve dificul-
direito à brincadeira, que a obrigação leva a
dades em democratizar o acesso à leitura e
melhor sobre a motivação, que a aprendiza-
à escrita. A simples menção à alfabetização
gem é imposta e não construída, que todos
provoca tensões, sobressaltos, ansiedades,
devem seguir no mesmo ritmo, independen-
tanto em profissionais como nas famílias.
temente de suas diferenças individuais, cul-
A memória das gerações passadas, privadas
turais ou de nível de conhecimento.
desse conhecimento, parece que está presidindo a chegada das novas levas de alunos,
Por sua vez, as instituições de Educação
como que prenunciando seu possível fracas-
Infantil não gostam de preparar suas
so escolar.
crianças para o Ensino Fundamental. Esse
futuro é muitas vezes tratado como um
A experiência truncada de escolaridade da
castigo, como um destino não desejado,
maioria dos brasileiros atesta que é muito
levando os educadores a uma atitude de
difícil lidar com essa herança. As práticas
2
Este item baseia-se em artigo da mesma autora publicado na Revista do CEALE- UFMG.
13. adotadas na maioria das pré-escolas e esco-
gativos constatados nessas mesmas avalia-
las de Ensino Fundamental ainda se encon-
ções.
tram defasadas em relação ao saber acumulado sobre os processos de aprendizagem,
Nas palavras de Emília Ferreiro: “Assim
de letramento e de alfabetização.
como os objetivos da alfabetização do início
da escola primária necessitam redefinir-se,
No campo da Educação Infantil, podemos
também necessitam redefinir-se os objeti-
observar duas posições extremas. De um
vos da pré-escola com respeito à alfabetiza-
lado, muitas pré-escolas forçam uma alfa-
ção. Não se trata, nesse nível, nem de adotar
betização a crianças muito novas, sem res-
as práticas ruins da escola primária, seguin-
peitar os ritmos individuais e as caracterís-
do este ou aquele método de ensinar a ler e
ticas da faixa etária. De outro lado, prospera
escrever, nem de manter as crianças assep-
uma visão romantizada do desenvolvimento
ticamente afastadas de todo o contato com
infantil, que rejeita qualquer programação
a língua escrita. Esta é uma falsa dicotomia
que inclua material escrito, entendida como
que se expressa na famosa pergunta: deve
escolarização precoce, privando as crianças
se ensinar a ler e escrever na pré-escola ou
mais pobres daquelas experiências de que
não? Minha resposta é simples: não se deve
não dispõem em seus ambientes familiares.
ensinar, porém deve-se permitir que a criança
No caso das creches, que atendem a crian-
aprenda” (p.38).
ças de 0 a 3 anos, observa-se a ausência de
uma preocupação em desenvolver a lingua-
Ao propor diferentes formas de proporcio-
gem oral e a falta de contato com livros de
nar às crianças uma aproximação e uma
literatura infantil apropriados a essa faixa
maior familiaridade com a escrita e a leitu-
etária, entre outros materiais.
ra, desde a pré-escola e também nas primeiras séries, a autora mostra como converter
Nas primeiras séries, a situação se inverte
a alfabetização em “uma tarefa interessan-
ou se acentua: a pressão para a alfabetiza-
te, que dá lugar a muita reflexão e a muita
ção em um ano, o lugar quase exclusivo que
discussão. A língua escrita se converte num
as atividades de alfabetização ocupam no
objeto de ação e não de contemplação. É
currículo, o efeito indutor dos sistemas de
possível aproximar-se dela sem medo, por-
avaliação externos à escola, tudo isso cria
que se pode agir sobre ela, transformá-la e
uma pressão muito grande tanto nos pro-
recriá-la” (p. 47).
fessores, como nos alunos e suas famílias.
Não parece que esse seja o melhor caminho,
Já vivemos hoje em uma situação em que
quando se leva em conta os resultados ne-
a maioria dos alunos permanecerá muitos
13
14. anos na escola. Existem diversas coisas para
creve aquela situação em que as duas ins-
aprender na escola que não dependem es-
tituições se fecham uma para a outra, re-
tritamente da alfabetização; por outro lado,
cusam-se a dialogar e mantêm uma atitude
várias experiências mostram que a curiosi-
de franca desconfiança e hostilidade uma
dade e o gosto por aprender e por se expres-
em relação à outra. Na realidade, ao definir
sar facilitam também o domínio da leitura e
sua identidade, cada uma delas se repor-
da escrita. É preciso, sem deixar de reconhe-
ta à negação da imagem que faz da outra,
cer a importância da alfabetização, colocá-
definindo-se em oposição às características
la em perspectiva, no campo mais amplo da
que acredita estejam presentes nas práticas
cultura e do conhecimento em geral.
educativas da outra etapa.
3. Os diferentes modelos de relaciona-
c. Preparando a escola para a criança
mento entre a Educação Infantil e o
Ensino Fundamental
Nesse modelo, já experimentado em países
como a Noruega e a Suécia, procura-se ado-
O autor britânico Peter Moss classifica as re-
tar, nos primeiros anos da escola elementar,
lações que se estabelecem entre esses dois
práticas utilizadas na educação infantil que
níveis educacionais em quatro tipos:
funcionam bem com crianças daquela faixa
etária, adaptando a escola à criança e não
a. Preparando a criança para a escola
somente ajustando a criança à escola. Para
isso, criam-se condições para que os profes-
Nesse modelo, a escola obrigatória é clara-
sores dos dois sistemas trabalhem juntos,
mente o parceiro dominante e o papel da
de forma a evitar uma brusca mudança para
Educação Infantil é preparar a criança para
as crianças mais jovens que agora chegam à
que esteja pronta a atender os requisitos
primeira série.
exigidos pelo ensino fundamental. A palavra
chave é “prontidão”, entendida como o ajus-
d. A visão de um lugar de encontro
tamento da criança às exigências do sistema
escolar. O autor utiliza a expressão “coloni-
Essa é a proposta do autor, que parte da
zação” da Educação Infantil pela escola obri-
constatação de que as duas instituições ti-
gatória, ao se referir a esse processo.
veram histórias muito diferentes e guardam
tradições pedagógicas também diversas. Re-
b. Impasse
conhecendo essas distintas bagagens, seria
preciso iniciar um trabalho colaborativo que
Esse segundo tipo de relacionamento des-
pudesse construir novas formas de relação e
14
15. práticas educativas integradas para garantir
cuidados, nesse sentido que extrapola ape-
uma passagem menos brusca de um nível a
nas os cuidados físicos.
outro. Para isso, Moss indica que seria preciso construir uma cultura comum, a partir
Ao contrário do que muitos acreditam, a in-
de uma visão compartilhada de criança, de
clusão dessa dimensão de cuidado não anula
aprendizagem, de conhecimento e de edu-
a importância da aprendizagem, mas indica
cação.
que o direito ao conhecimento caminha junto ao direito da criança ao reconhecimento
4. Como chegar lá?
como pessoa que se desenvolve enquanto
ser integrado e não apenas como uma cabe-
Baseando-se em seu conhecimento das ex-
ça que recebe informações.
periências de diversos países, pois hoje a
antecipação da idade de ingresso à escola é
Nessa perspectiva, é possível visualizar di-
um fenômeno comum a muitas regiões do
versas linhas de ação: um trabalho mais pró-
mundo, Peter Moss traz alguns exemplos
ximo às famílias, momentos de encontro en-
de iniciativas que podem contribuir para a
tre equipes da Educação Infantil e do Ensino
construção de um sistema educacional mais
Fundamental, possibilidades de as crianças
orgânico e menos hostil aos novos alunos.
visitarem as escolas para onde irão no ano
seguinte, oportunidades para os professores
Segundo ele, nos exemplos mais bem suce-
de primeira série conhecerem as pré-escolas
didos, nota-se a importância atribuída aos
de onde chegam as crianças, adequação dos
aspectos de “cuidado”, ao lado dos aspectos
espaços internos e externos da escola, revi-
exclusivamente pedagógicos. Cuidado, nes-
são de rotinas e horários, previsão de um
se contexto, refere-se a uma postura de res-
período de adaptação dos alunos que não ti-
peito às necessidades integrais da criança, o
veram acesso à Educação Infantil quando de
que inclui questões como conforto, alimen-
seu ingresso na primeira série, oportunida-
tação, socialização e descanso, mas também
des de formação em serviço com a presença
atenção às suas necessidades emocionais e
de profissionais das duas etapas da educa-
características individuais, assim como res-
ção, apoio e orientação das secretarias a es-
peito à sua identidade racial, cultural e de
sas iniciativas, entre muitas outras.
gênero. Para outros autores por ele citados,
o cuidado é uma ética e como tal deve ser
Afinal, a criança que chega agora com seis
parte integral da educação, independente
anos na escola fundamental é a mesma que
do nível de ensino, pois crianças maiores,
até há pouco estava na pré-escola ou ainda
adolescentes e jovens também precisam ser
não tinha sido escolarizada. Suas necessi-
15
16. dades e sua fase de desenvolvimento são as
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
mesmas. Assim como aquela que acabou de
completar sete anos não deixa de ser criança
por isso. O direito à aprendizagem, na pri-
FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São
Paulo: Cortez, 2008. (15a ed.)
meira e na segunda etapa da educação básica, depende do respeito ao direito de ser
criança; não são requisitos incompatíveis,
mas complementares.
MOSS, Peter. What future for the relationship
between Early Childhood Education and
Care and Compulsory Schooling? Research in
Comparative & International Education, vol.
3, n. 3, 2008. www.wwwords.co.uk/RCIE
16
17. TEXTO 2
Alfabetização e Letramento
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA EM CLASSES DO
PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Sara Mourão Monteiro1
Mônica Correia Baptista2
Como único nível de ensino de matrícula
Uma prática educativa comprometida com
obrigatória no País, o Ensino Fundamen-
o desenvolvimento da linguagem escrita não
tal, ao ter ampliada sua duração de oito
se restringe à elaboração de atividades e situ-
para nove anos, trouxe para essa etapa da
ações de aprendizagem dirigidas aos alunos.
educação básica um novo contingente de
Além disso, é preciso superar a fragmentação
crianças. Ainda que algumas das crianças
dessas atividades de ensino no contexto edu-
de seis anos frequentassem instituições pré-
cativo. Para se assegurar aos aprendizes o ple-
escolares, a incorporação desse segmento
no desenvolvimento de suas potencialidades,
no Ensino Fundamental impõe novos de-
é fundamental, dentre outros aspectos, que a
safios, sobretudo pedagógicos, para a área
ação educativa se baseie em uma orientação
educacional. É preciso pensar numa prática
teórico-metodológica, que se definam os ob-
educativa que considere a criança como eixo
jetivos de ensino, a organização do trabalho
do processo e leve em conta as diferentes
pedagógico, o tipo de abordagem que se quer
dimensões de sua formação.
dar ao conhecimento e, por fim, que se considere a realidade sociocultural dos alunos e
Neste texto, sem ignorarmos a relevância
o contexto da escola.
das demais dimensões, discutiremos uma
delas, que, por seu caráter complexo, mul-
Para mobilizar os processos de aprendiza-
tifacetado e precursor de novos conheci-
gem das crianças de modo a ajudá-las no
mentos, cumpre um papel fundamental na
desenvolvimento das capacidades relaciona-
garantia do direito à educação: o desenvol-
das à leitura e à escrita e na construção de
vimento da linguagem escrita.
representações sobre esse objeto de estudo,
1
Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
17
18. as propostas de atividades e as estratégias
por sua vez, como projeto de trabalho do
metodológicas precisam ser sequenciadas,
professor, só se torna efetivo se elaborado
articuladas e contextualizadas, ou seja, as
a partir da articulação entre a proposta de
crianças precisam participar de um conjun-
ensino e os sujeitos da aprendizagem.
to de atividades caracterizado por um ciclo
de ações e procedimentos de ensino-apren-
Uma prática de ensino consistente tem em
dizagem – as chamadas Situações de Apren-
sua conformação esse conjunto de elemen-
dizagem. Organizar esses ciclos de Situações
tos bem definidos e pressupõe uma cons-
de Aprendizagem fica mais fácil quando as
trução singular de cada professora com seu
professoras3 têm em mente uma proposta
grupo de alunos, ao mesmo tempo em que
de ensino na qual possam buscar referên-
requer um trabalho coletivo envolvendo
cias metodológicas para projetar seus traba-
todo o corpo docente e os demais profissio-
lhos junto às crianças.
nais na sua elaboração. Essa construção cotidiana da prática educativa exige dos seus
Vale ressaltar, ainda, que, para uma propos-
profissionais a capacidade de fazer esco-
ta de ensino se tornar um referencial e se
lhas, criar, recriar, pesquisar, experimentar
materializar em uma prática de ensino ade-
e avaliar constantemente suas opções. Em
quada, ela deverá ser validada e reconstruí-
outras palavras, somente uma prática peda-
da a partir do conhecimento que se tem das
gógica autônoma garante as condições para
crianças e também das interações que se es-
o exercício profissional competente e para a
tabelecem entre os participantes do grupo
construção de uma educação comprometida
escolar e deles com os objetos do conheci-
com a qualidade referenciada socialmente.
mento. Dessa forma, a avaliação e o planejamento são fatores determinantes para a
consolidação desta prática.
O LETRAMENTO
Tendo em vista algumas modificações cul-
A avaliação diagnóstica é um procedimento
turais, econômicas e sociais que se pro-
de ensino a ser adotado com o objetivo de
cessaram nas sociedades contemporâneas,
se estabelecerem relações entre a proposta
observamos, sobretudo a partir de meados
de ensino, o perfil pedagógico da turma e as
do século XX, uma mudança daquilo que, du-
necessidades de aprendizagem específicas
rante um bom tempo, consideramos como
de cada aluno. O planejamento pedagógico,
sendo alfabetização. Se até o início do sé-
3
Neste texto, em lugar do masculino genérico, usaremos o feminino para designar as professoras por
representarem a maioria das profissionais que atuam neste nível de ensino.
18
19. culo XX bastava que o sujeito assinasse o
estado ou a condição que cada indivíduo ou
próprio nome para ser considerado alfabe-
grupos de indivíduos passam a ter a partir
tizado, com o passar do tempo, esta deno-
da aquisição da língua escrita.
minação careceu de maiores especificações.
Ler e escrever um bilhete simples também
Os conceitos de alfabetização e letramen-
não era suficiente para designar os diferen-
to ressaltam duas dimensões importantes
tes graus de apreensão da linguagem escri-
da aprendizagem da escrita. De um lado, as
ta. A insuficiência de conceitos e expressões
capacidades de ler e escrever propriamente
capazes de retratar a situação da população
ditas, e, de outro, a apropriação efetiva da
em relação à apropriação da linguagem es-
língua escrita: “[…] aprender a ler e escrever
crita, bem como de designar os diferentes
significa adquirir uma tecnologia, a de co-
aspectos que englobam esse fenômeno, le-
dificar em língua escrita e de descodificar
vou alguns estudiosos a empregarem o ter-
a língua escrita; apropriar-se da escrita é
mo “letramento”, inspirados na palavra in-
tornar a escrita ‘própria’, ou seja, assumi-la
glesa “literacy”, como forma de designar o
como sua propriedade” (SOARES, 1998, p.39).
19
Em síntese
Alfabetização se refere ao processo por meio do qual o sujeito domina o código e as habilidades de utilizá-lo para ler e escrever. Trata-se do domínio
da tecnologia, do conjunto de técnicas que o capacita a exercer a arte e a
ciência da escrita.
Letramento, por sua vez, é o exercício efetivo e competente da escrita e implica habilidades, tais como a capacidade de ler e escrever para informar
ou informar-se, para interagir, para ampliar conhecimento, capacidade de
interpretar e produzir diferentes tipos de texto, de inserir-se efetivamente
no mundo da escrita, entre muitas outras.
As formas como as pessoas se apropriam da
cidas em seus comportamentos e atitudes
escrita no contexto social podem ser reconhe-
diante de situações em que a escrita torna-se
4
Eventos de letramento são situações nas quais o uso da língua escrita se mostra determinante para a
realização de algumas tarefas.
20. um instrumento fundamental para as suas
escrita se faz por meio de um longo cami-
interações e inserção no mundo. A condição
nho que exige prática constante e um olhar
letrada parece ser resultado de um conjunto
atento dos formadores para os interesses,
de fatores que se articulam entre si: o convívio
as curiosidades, os materiais de acesso, os
com pessoas letradas, a participação efetiva
hábitos e os modos de viver das crianças. À
em eventos de letramento, o desenvolvimento
medida que se avança nesse processo de for-
das capacidades de leitura e escrita, o conhe-
mação, conquista-se familiaridade e altera-
cimento de protocolos de uso da escrita. Esses
se a forma de se relacionar com o mundo e
são alguns dos elementos presentes na forma-
com as pessoas. Pensar em uma proposta
ção do perfil letrado dos diferentes grupos so-
pedagógica capaz de assegurar ao aprendiz a
ciais e culturais que compõem uma sociedade.
tecnologia da escrita e, ao mesmo tempo, a
apropriação desse sistema, impõe-nos algu-
Evidentemente, crianças e adultos partici-
mas questões: Que tipo de leitores e escrito-
pam de diferentes eventos de letramento4 e
res se quer formar por meio da ação pedagó-
neles têm a oportunidade de ampliarem seus
gica na escola? Como despertar o interesse
conhecimentos acerca da linguagem escri-
das crianças pequenas para a leitura e a es-
ta. Entretanto, a escola desempenha um pa-
crita? Como garantir que a criança se torne
pel fundamental na inserção das crianças no
capaz de relacionar símbolos gráficos a sons
mundo letrado, bem como na sua formação
e vice-versa e, ao mesmo tempo, desenvolver
como usuário desse sistema simbólico. Em
capacidades e habilidades que lhe permitam
geral, é na escola que as crianças se alfabe-
fazer uso da linguagem escrita nas diferentes
tizam, desenvolvem capacidades de leitura
formas como ela se apresenta na sociedade?
e produção de textos. Mas a importância da
Como assegurar às crianças a aquisição de
escola se acentua, sobretudo, para aquelas
capacidades e habilidades que lhes possibili-
crianças cujo acesso a materiais escritos é
tem compreender e produzir diferentes tipos
restrito. A escola, para esse segmento, se
de texto, de acordo com suas características?
constitui no espaço privilegiado e, às vezes,
único para adquirir capacidades e habilidades que permitam usufruir a cultura letrada,
interagir com ela e ampliar suas oportunidades de se apropriar de bens culturais que,
ELEMENTOS PARA A
CONSTRUÇÃO DE UMA
PROPOSTA PEDAGÓGICA
pela sua valorização, têm dominado as relações sociais em contextos mais amplos.
Sabemos que as crianças são muito curiosas e se envolvem com entusiasmo em si-
A formação de novos usuários da língua
tuações que as desafiam a explorar os mais
20
21. diferentes tipos de material de leitura; a
to, a leitura em voz alta para as crianças pode
manusear livros, jornais e revistas; a ou-
despertar o desejo de ser leitor. Vale ressaltar
vir a leitura de contos, poemas, crônicas,
a importância de se lerem outros materiais
reportagens; a brincar de ler e de escrever
de leitura e buscar apresentar às crianças va-
ou mesmo a criar e participar de jogos e
riados gêneros textuais.
brincadeiras nas quais a leitura e a escrita
são objetos centrais. Todas essas são ma-
Também é importante levar para a sala de
neiras de aproximar as crianças da cultura
aula as experiências de leitura que as pro-
letrada.
fessoras têm como adultos. Trazer materiais
que estão sendo lidos ou escritos pelos pro-
Entretanto, além desse contato com o ma-
fissionais da escola e relatar para as crian-
terial escrito, as crianças precisam ter opor-
ças como são produzidos os textos e como
tunidades de observar e reelaborar suas re-
se caracterizam os momentos de leitura na
presentações sobre o “para que” e “como”
escola e em outros lugares são atitudes que
as pessoas leem e escrevem em suas ativi-
podem aguçar o interesse das crianças para
dades diárias. Para isso, é importante que
as práticas de leitura e escrita.
a ação pedagógica promova a participação
das crianças em práticas autênticas de leitu-
Além disso, vale ressaltar a importância das
ra e de escrita, no cotidiano da sala de aula,
práticas de leitura e escrita que se concreti-
nas quais elas possam sempre interagir com
zam nos momentos em que a escrita torna-
esse objeto do conhecimento.
se mediadora das experiências escolares,
ampliando as relações e/ou regulando os
Mas o que ler e escrever para e com as crian-
comportamentos das crianças e dos adultos
ças? A leitura de livros de literatura em voz
no interior da escola. Estamos nos referin-
alta pelos professores pode ser um desses
do aos eventos de letramento que ocorrem
momentos em que se pratica a leitura com a
quando os professores levam livros de lite-
participação dos alunos. A cada livro lido pela
ratura, jornais, artigos, etc. como recursos
professora, as crianças vão incorporando no-
de estudo de algum projeto de trabalho das
vas referências sobre como se configuram os
crianças ou quando elas são levadas a regis-
livros de literatura (localização do título, do
trarem suas aprendizagens e alguns fatos
nome do autor, da editora, etc.) A leitura em
da aula em um portfólio ou diário de bordo,
voz alta desperta o desejo e a curiosidade das
por exemplo. É preciso, ainda, criar espaços
crianças. Quando elas gostam da história que
apropriados e prever tempos na rotina es-
foi lida em sala de aula, acabam buscando os
colar para que as crianças tenham contato
livros em momentos livres de leitura. Portan-
com os materiais de leitura.
21
22. As crianças podem escolher um artigo ou
escrita de palavras e frases deve fazer parte
uma reportagem de revista ou um livro sobre
do planejamento pedagógico dos professo-
determinado tema, por exemplo, e a profes-
res desde o primeiro ano do Ensino Funda-
sora ler em voz alta para elas. Assim, podem
mental. Simultaneamente, as crianças terão
decidir se o que está sendo lido é ou não in-
ainda que desenvolver a capacidade de ler e
teressante e útil para elas, e terão oportuni-
interpretar textos com autonomia. As habi-
dade de aprender modos de leitura que estão
lidades de leitura e produção de textos en-
relacionados a determinados gêneros. Na es-
volvem o conhecimento de elementos que
crita de texto, as situações em que as crian-
compõem os textos escritos, os seus esti-
ças são estimuladas a interagir com as de-
los, a identificação do autor, da finalidade
mais turmas e outros profissionais da escola,
e do contexto de circulação do texto. Esses
ou ainda, a escrita de registros sobre fatos e
conhecimentos são construídos na prática
atividades que compõem um ciclo de estudos
cotidiana de leitura e escrita. É preciso prá-
com a mediação da professora, por exemplo,
tica e orientação adequada para desenvolver
tornam-se oportunidades para o esclareci-
uma postura de leitor crítico.
mento sobre as condições de produção (para
quem estamos escrevendo, com qual inten-
Nos contextos sociais em que os adultos
ção, por meio de que gênero, etc.).
fazem uso da língua escrita em suas ações
cotidianas, desde muito cedo as crianças começam a lidar com textos escritos por meio
O DESENVOLVIMENTO DAS
HABILIDADES DE LEITURA E
ESCRITA DE PALAVRAS, FRASES E
TEXTOS EM SALA DE AULA
da observação e do acompanhamento dessas
situações de prática de leitura e escrita. Elas
começam, mesmo antes de terem domínio
do sistema de escrita, a conhecer as especificidades dos gêneros textuais, apreendendo
Paralelamente ao processo de compreensão
não apenas o sentido das atividades de leitu-
da natureza alfabética do sistema de escri-
ra e escrita, mas também a maneira como
ta, as crianças desenvolverão alguns meca-
os textos devem ser interpretados.
nismos da leitura e da escrita de palavras.
Apesar de muitas delas aprenderem esses
Como vimos na dimensão “O letramento”,
mecanismos com relativa facilidade, o de-
as práticas de leitura e escrita em sala de
senvolvimento das habilidades relacionadas
aula se concretizam de diferentes maneiras,
à leitura e à escrita de palavras leva tempo
dentre as quais, naquelas situações em que
e requer treino por parte das crianças. Para
os professores preparam um texto para ser
isso, um conjunto de atividades de leitura e
lido e discutido com as crianças, ou seja,
22
23. quando o texto se torna objeto de análise
• Reescrevam o texto com palavras mais
e conhecimento. Por meio de Situações de
simples para expressar seu conteúdo;
Aprendizagem que tomam o texto como objeto de ensino, as crianças devem ter oportunidade de compartilhar com os professores suas estratégias, seus conhecimentos,
suas habilidades de leitura e escrita.
• Marquem partes dos textos lidos de
acordo com a informação requerida
ou com o objetivo da leitura;
• Grifem palavras de acordo com o que
se quer ressaltar;
Essa abordagem começa pela seleção dos textos que farão parte do repertório do trabalho
analítico. É preciso ter cuidado com o vocabulário e a extensão dos textos trabalhados em
sala de aula. As professoras devem realizar um
reconhecimento das habilidades já desenvolvidas por seus alunos por meio de uma avaliação
diagnóstica para traçar as metas de aprendizagem para a turma. Cabe assinalar que não é
preciso esperar que as crianças escrevam convencionalmente para realizar atividades que
visem desenvolver habilidades, estratégias e
comportamentos de leitura e de escrita de textos. No caso de a turma ou parte dela ainda
não escrever convencionalmente, podem ser
pensadas diferentes estratégias. Uma delas é a
• Façam resumos do que está escrito;
• Façam anotações sobre o texto;
• Realizem leituras individuais ou em
duplas (um aluno que já se apropriou
do funcionamento do sistema de escrita pode ler para outro que ainda
não o faz);
• Realizem leituras teatralizadas de textos ou de trechos de textos;
• Realizem leituras com pausas planejadas e contextualizadas, com perguntas que orientem a interpretação das
crianças;
professora exercer o papel de escriba da clas-
• Realizem leituras seguidas de conver-
se, produzindo os textos coletivamente, ou o
sas orientadas por questões previa-
papel de leitora, lendo para todos o texto esco-
mente planejadas pela professora;
lhido. Outra estratégia é permitir e estimular
que as escritas espontâneas sejam produzidas
em sala. Também é possível aproveitar a diversidade da turma e agrupar os alunos de forma
que aqueles que já decodificam e codificam
possam servir de leitores ou de escribas para
os colegas. Qualquer que seja a estratégia adotada, a professora pode propor às crianças que:
• Produzam textos em pequenos grupos
ou em duplas (também se podem agrupar as crianças de forma que aquelas
que já são capazes de ler e escrever se
façam de escribas do grupo);
• Produzam textos com apoio de roteiros definidos pelo coletivo.
23
24. Há, ainda, as atividades que ampliam o tra-
é importante que o professor sirva de leitor
balho com o conteúdo dos textos. Aqueles
e escriba em diferentes situações em sala de
trabalhos que são planejados como amplia-
aula, principalmente nas atividades específi-
ção do momento de leitura e de escrita. Em
cas para o desenvolvimento das habilidades
geral, essas atividades envolvem, dentre mui-
de leitura e escrita de textos.
tas possibilidades de trabalho, a produção e
a apresentação de peças teatrais, pesquisas e
Outro aspecto dessa dimensão que merece
estudos de aprofundamento, leitura de livros
atenção das professoras de crianças de seis
ou de outros textos sobre o mesmo assunto.
anos diz respeito à necessidade de se deixar claro o objetivo das atividades e como
À medida que se vai trabalhando os textos
elas deverão ser realizadas, ou seja, como
com as crianças, é possível observar como
as crianças devem proceder para realizá-las.
elas passam a considerar as orientações da
Ao conduzir as Situações de Aprendizagem
professora no momento em que entram em
que abordam o texto escrito em classes de
contato com novos textos. Por exemplo,
seis anos, a professora deve prever formas
quando vivenciam situações de aprendiza-
de fazer com que as crianças fiquem atentas
gem em que a professora destaca certos
aos aspectos que são abordados nas propos-
elementos textuais, estando diante de um
tas de leitura ou de escrita dos textos, con-
novo livro, a criança busca identificar os
sequentemente, as crianças ficarão atentas
mesmos elementos, como, por exemplo, o
também à forma como a atividade será rea-
sumário do livro, seu autor, seu título. Elas
lizada.
passam a demonstrar comportamentos e
habilidades de leitores e escritores, mesmo
quando ainda não dominam o sistema de
escrita.
A AQUISIÇÃO DO SISTEMA DE
ESCRITA E O DESENVOLVIMENTO
DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
Para as crianças de seis anos, a mediação dos
professores é muito necessária. Não apenas
Quando as crianças iniciam o processo de al-
porque elas não conseguem ainda escrever e
fabetização, buscam compreender o que a es-
ler textos com autonomia, mas também por-
crita representa, ou seja, o que aqueles sinais
que para elas a interação por meio da língua
gráficos representam e como eles se organi-
escrita é uma situação que apresenta con-
zam formando um sistema de representação.
dições de produção ainda desconhecidas,
Desta forma, elas começam a lidar com a di-
como, por exemplo, a de ter o interlocutor
ferenciação dos dois planos da linguagem: o
ausente no momento da produção. Por isso
plano do conteúdo (dos significados), que diz
24
25. respeito aos significados e sentidos produzi-
resultado dessas primeiras “escritas” infan-
dos quando usamos a língua oral ou escrita,
tis pode aparecer, desde o ponto de vista fi-
e o plano da expressão (dos sons), que diz res-
gural, como linhas onduladas ou quebradas
peito às formas linguísticas. A compreensão
(zig-zag), contínuas ou fragmentadas, ou
da natureza alfabética do sistema de escrita e
como uma série de elementos discretos (sé-
o desenvolvimento da consciência fonológica
ries de linhas verticais ou bolinhas).
integram esse processo e são impulsionados
por aprendizagens que estimulam o desen-
Essa aparência figural não é garantia de
volvimento infantil à medida que promovem
escrita propriamente dita, a não ser que
a competência simbólica das crianças. Veja-
se conheçam as condições nas quais ela
mos a seguir, conforme esclareceu o constru-
foi produzida. Conforme salienta Ferreiro
tivismo psicogenético, como os aprendizes
(2003), tradicionalmente, eram conside-
vão elaborando hipóteses e resolvendo ques-
rados, tanto por educadores, quanto por
tões para os problemas que eles mesmos se
pesquisadores, os aspectos figurativos da
colocam, num movimento de reconstruções,
escrita infantil, ignorando-se os aspectos
no qual antigos conhecimentos vão dando lu-
construtivos. Os aspectos figurativos têm a
gar a novas formulações.
ver com os elementos formais, tais como:
a qualidade do traçado, a distribuição es-
OS NÍVEIS CONCEITUAIS
DA ESCRITA
pacial das formas, a orientação predominante (da esquerda para a direita, de cima
para baixo), a orientação dos caracteres
Desde os primeiros contatos da criança com
individuais (inversões, rotações), etc. Já os
marcas gráficas impressas em livros, cader-
aspectos construtivos têm relação com o
nos, cartazes, inicia-se um longo processo
que o sujeito quis representar e os meios
de construção de esquemas conceituais5
que empregou para criar diferenciações en-
cujo primeiro desafio consiste em distinguir
tre as representações. Não são, portanto,
o que é desenho do que é escrita. Neste pri-
os aspectos figurais que designam se hou-
meiro momento, ainda sem fazer essa dis-
ve ou não uma escrita. Quando ocorre essa
tinção, a criança se propõe a imitar o ato
intencionalidade por parte da criança, ou
de escrever. Como num jogo, ela crê que
seja, quando constatamos a presença de
poderia ou deveria escrever certo conjunto
aspectos construtivos, é que consideramos
de palavras imitando a ação de escrever. O
que houve uma produção escrita.
5
Utilizamos a expressão “Esquemas conceituais” para aludir às construções mentais dos sujeitos na sua
interação com os objetos do conhecimento.
25
26. Em relação aos aspectos construtivos, como
• Primeiro período: Caracteriza-se pela
veremos a seguir, a escrita infantil segue
distinção entre o modo de representa-
uma linha regular de evolução que, con-
ção icônico e não icônico7;
forme comprovaram as investigações de
Ferreiro e Teberosky (1991), independem da
procedência dos sujeitos quanto a meios
culturais, situações educativas, línguas, etc.
• Segundo período: Ocorre a construção
de formas de diferenciação; o aprendiz
busca exercer um controle progressivo
das variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo;
ASPECTOS CENTRAIS DA
EVOLUÇÃO PSICOGENÉTICA DA
LÍNGUA ESCRITA
Na linha da evolução psicogenética6, iden-
• Terceiro período: Marcado pela fonetização8 da escrita, que se inicia com
um período silábico e culmina em um
período alfabético.
tificam-se três grandes períodos distintos
entre si, dentro dos quais cabem múltiplas
subdivisões:
26
6
Um estudo psicogenético interessa em conhecer não uma sequência cronológica ou evolutiva. Para um
investigador em psicologia genética, a pergunta central e persistente é: como se passa de tal estado de conhecimento
a tal outro estado de conhecimento? (...) O investigador em psicologia genética trata de identificar uma sequência
evolutiva, mas não fica aí, tenta incessantemente reconstituir os laços de filiação entre os níveis que identifica
(Ferreiro, E.,1999).
7
A expressão “icônico” remete ao termo ícone, sendo que uma de suas acepções, aquela relacionada à
semiótica, designa “signo que apresenta uma relação de semelhança ou análoga com o objeto que representa (como
uma fotografia, uma estátua ou um desenho figurativo)” (Houaiss, 2001).
8
A expressão “Fonetização” não deve ser confundida com “fonema”. O emprego deste termo quer remeter a
“fono”, som. O período de fonetização começa, portanto, com a hipótese silábica, exatamente o momento no qual
o aprendiz começa a perceber que a escrita tem relação com os sons da fala e não com seus conceitos.
27. Em síntese
O longo processo de construção de esquemas conceituais que se desenvolve desde os
primeiros contatos da criança com a escrita se inicia com a capacidade de distinguir
desenho de escrita. A essa etapa se segue uma outra, na qual a criança elabora hipóteses sobre a quantidade, a combinação e a distribuição das letras, ou seja, a criança,
por seu próprio esforço intelectual, estabelece condições gráficas para a realização do
ato de leitura ou de escrita.
O próximo passo é a tentativa de compreender o que é que a escrita representa e, para
tentar responder a essa questão que ela mesma se coloca, formula uma primeira ideia:
pensar que a escrita é um nome. Para a criança, esta propriedade social, ou esta maneira de chamar as coisas, é o que a escrita representa.
O desafio seguinte é considerar outra unidade que não seja o conjunto de letras compreendido entre os espaços em branco, que representa a unidade “palavra gráfica”.
O que a criança trata de compreender é o que representam os espaços em branco e,
a partir daí, ajustar as segmentações possíveis do enunciado até encontrar unidades
equivalentes.
Finalmente, a criança tenta fazer coincidir a escrita e o enunciado oral. Essa primeira
relação entre fragmentos escritos e unidades orais se estabelece no nível da sílaba. É o
que se chamou de “hipótese silábica”. A partir desse avanço conceitual, o aprendiz segue elaborando hipóteses para encontrar soluções adequadas, capazes de representar
os sons graficamente, e, ao contrário, conhecer o som correspondente à grafia.
O DESENVOLVIMENTO DA
CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
de comunicação, sabem sua estrutura sintática e têm um adequado conhecimento do
léxico. Sobre a escrita, podemos dizer que as
Quando as crianças chegam ao Ensino Fun-
crianças chegam à escola sabendo suas fun-
damental, possuem um bom domínio da
ções (para que as pessoas leem e escrevem)
língua materna: sabem utilizá-la para fins
e sua estrutura em muitos gêneros textuais,
27
28. reconhecem os sinais gráficos, são capazes
comitantemente a esse processo, e não pre-
de fazer o reconhecimento de algumas pala-
viamente.
vras, etc. O trabalho pedagógico desenvolvido na escola busca ampliar o desenvolvi-
Para dizer do processo de desenvolvimento
mento cognitivo e cultural das crianças.
dessa capacidade, vamos analisar a realização de uma atividade muito comum no iní-
Uma das capacidades das crianças que é
cio do ano letivo, em turmas de seis anos. A
desenvolvida na escola, ao iniciarem o pro-
atividade será apresentada em colunas, nas
cesso formal de alfabetização, está relacio-
quais serão destacadas as ações e as intera-
nada à análise do sistema fonológico da
ções entre professora e crianças. Na tercei-
língua que elas aprenderam a falar desde
ra coluna, encontram-se comentários que
muito cedo. Os estudos sobre a relação en-
apresentam análises com foco na discussão
tre consciência fonológica e alfabetização
em torno do desenvolvimento da consciên-
vêm demonstrando o importante papel das
cia fonológica.
habilidades metafonológicas no processo
de aquisição da leitura e da escrita num sis-
A atividade será apresentada nos quadros
tema alfabético. No entanto, pode-se dizer
das páginas que se seguem (da página 22 à
que essas habilidades se desenvolvem con-
página 26).
28
29. ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – PRIMEIRA PARTE
Professora
Nos primeiros dias de aula,
a professora pede para que
as crianças digam outros
nomes de animais começados da mesma maneira
como começa a palavra
cachorro.
Crianças
Silêncio entre os alunos.
Que nomes de animais começam com o mesmo som
da palavra cachorro?
Comentários
O silêncio pode ser considerado
uma demonstração de que os
alunos não compreenderam o
pedido feito pela professora.
Uma possível justificativa para
isso é o fato de as crianças não
terem tido ainda oportunidade
de participar de atividades que
tomam a fala como objeto de
análise.
Muitas brincadeiras infantis que
exploram os sons das palavras,
como, por exemplo, as parlendas,
os trava-línguas, acabam fazendo com que as crianças prestem
atenção para os sons de palavras
ou partes de palavras.
Dessa forma, quando essas
brincadeiras e outras atividades
pedagógicas são realizadas com
a intenção de fazer com que as
crianças considerem os sons da
fala, ocorre uma mobilização
de capacidades relacionadas à
análise do sistema fonológico da
língua, através das quais as crianças terão oportunidade de avançar em suas representações sobre
a natureza e o funcionamento do
sistema de escrita.
Trocando em miúdos...
O termo “consciência fonológica” refere-se a um conjunto de habilidades relacionadas à capacidade de a criança refletir e analisar a língua oral, capacidades essas que serão desenvolvidas
ao longo do processo de aquisição do sistema de escrita.
29
30. ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – SEGUNDA PARTE
Professora
Crianças
A professora pede, então, que As crianças respondem: “laas crianças digam palavras ranja, abacaxi, manga, banaque combinam com a palavra na”.
“mamão”.
Ao perceber que as crianças
estavam se valendo do aspecto semântico como referência para a realização da tarefa
proposta, a professora resolve
mostrar um cartaz com a figura de um cavalo e a escrita
da palavra cavalo. A professora faz a seguinte pergunta
para os alunos: “como se pronuncia a palavra que está escrita aqui?”
Comentários
Podemos dizer que as crianças se sentiram mais à vontade com a segunda proposta,
porque a professora trocou
o termo “começam com o
As crianças respondem: “ca- mesmo som da palavra”, usado no primeiro pedido, por
valo”.
“palavras que combinam”.
Elas parecem ter entendido que o que deve ser
feito é uma simples combinação
de
palavras.
No entanto, combinar palavras para essas crianças é o
mesmo que combinar significados. Pensar nas palavras do
ponto de vista dos sons que
as compõem é uma operação
que elas estão começando a
desenvolver a partir da ação
da professora.
Trazendo para a interlocução com as crianças o cartaz
com a figura de um cavalo e
a palavra escrita, a professora
está criando a possibilidade
para que as crianças compreendam que a palavra pode
ser analisada pelo menos sob
dois diferentes planos de linguagem: o plano do significado e o plano da expressão.
Trocando em miúdos...
O desenvolvimento da consciência fonológica parece estar relacionado ao próprio desenvolvimento simbólico da criança, no sentido de ela vir a atentar para o aspecto sonoro das palavras
(significante), em detrimento de seu aspecto semântico (significado).
30
31. ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – TERCEIRA PARTE
Professora
Em seguida, a professora formula a seguinte pergunta:
“Quantas partes tem a palavra cavalo?”
Crianças
Algumas crianças ficam em
silêncio, outras já se distraíram com os objetos na
carteira e outras dizem:
“ca-vaaaa-lo”
“ca-va-lo”
“caaaa-vaaaa-looo”
Comentários
Quando a professora pergunta aos alunos quantas partes
tem a palavra cavalo, ela faz
com que as crianças analisem a palavra por meio da
atividade de segmentação das
unidades sonoras que constituem a palavra. Podemos observar, então, que nem todas
as crianças compreenderam
a tarefa proposta. As crianças reconhecem, nesse tipo
de tarefa, uma oportunidade
de lidar, de forma lúdica, com
os sons da língua oral. No entanto estão realizando uma
atividade de análise que vai
levá-las à elaboração de uma
representação da sílaba enquanto unidade sonora.
Trocando em miúdos...
A noção de recorte ou de segmentação (analisar a fala) é fundamental na aquisição do
sistema alfabético de escrita. É preciso fazer com que a criança se dê conta de que aquilo que
ela percebe como um todo na língua oral, um “ bololô”, vai ser dividido em unidades menores
(em palavras, sílabas e fonemas).
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – QUARTA PARTE
Professora
Crianças
Comentários
A professora pergunta: “Como Muitas crianças respondem: A professora, agora, faz com
começa a palavra cavalo?”
“Começa com ca.”
que as crianças realizem uma
outra atividade, que é a identificação da sílaba inicial da
palavra.
Trocando em miúdos...
As sílabas são unidades naturalmente isoláveis no contínuo da fala. Esse parece ser o fator responsável pela elaboração de uma hipótese silábica anterior à hipótese alfabética no processo de
aquisição da língua escrita. A sílaba inicial parece ser mais facilmente observada pelas crianças.
31
32. ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – QUINTA PARTE
Professora
Crianças
Entusiasmada com o desem- “Cachorro” - diz um aluno.
penho das crianças, a professora retoma a primeira tarefa proposta na aula para os
alunos: “Que outras palavras
começam como a palavra cavalo?”
Comentários
A professora volta a encorajar
as crianças a realizarem uma
comparação entre palavras
através da identificação de
palavras que começam com
a mesma sílaba. A aposta da
professora é a de que, uma
vez segmentada a palavra e
identificada a sílaba inicial da
palavra “cavalo”, as crianças
serão capazes de identificar
palavras semelhantes por terem a mesma sílaba inicial.
Trocando em miúdos...
Podemos relacionar três importantes habilidades que constituem o trabalho na área da consciência fonológica:
32
1 - Identificação das unidades fonológicas;
2 - Segmentação das unidades fonológicas;
3 - Manipulação: inverter, subtrair e trocar segmentos fonológicos.
Essas habilidades precisam ser consideradas em relação aos diferentes níveis das unidades fonológicas com as quais a criança pode operar: as unidades suprassegmentares – por exemplo,
rimas e aliterações –, as sílabas e os fonemas.
33. ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – SEXTA PARTE
Professora
Crianças
Comentários
“Muito bem”, reforça a pro- Neste momento, outros alu- Nesta aula, a professora tinha
fessora.
nos dizem: “Elefante, girafa, como objetivo fazer com que
burro, boi”.
as crianças compreendessem
que as palavras orais podem ser
segmentadas em unidades silábicas. Para isso, ela promoveu
como atividade didática a análise de palavras orais. Muitas
crianças tiveram oportunidade
de exercitar habilidades relacionadas ao desenvolvimento
da consciência fonológica. No
entanto, o desenvolvimento da
capacidade de analisar e refletir
sobre a língua oral no processo
de alfabetização resulta em alteração na compreensão que as
crianças vão construindo para
o sistema de escrita enquanto
um sistema de representação.
Vale ressaltar que o processo de
compreensão não ocorre a partir de alterações momentâneas das crianças. Ele é resultado de um desenvolvimento
gradativo da percepção que a
criança vai adquirindo.
Os estudos sobre o desenvolvimento da
consciência fonológica das crianças peque-
• Análise das diferentes unidades fonológicas da língua oral;
nas sugerem a necessidade de uma abordagem sistemática do sistema fonológico ao
longo do processo de alfabetização. Ao elaborar a proposta de ensino, é preciso consi-
• Reconhecimento das correspondências entre unidades fonológicas e unidades do sistema de escrita.
derar diferentes níveis de abordagem através da atividade pedagógica:
• Análise das variações linguísticas que
constituem a linguagem oral;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino e a aprendizagem da linguagem escrita em classes do primeiro ano do Ensino
33
34. Fundamental devem acontecer por meio de
de outros bens culturais, a sua apropriação
estratégias capazes de respeitar as caracte-
pelos sujeitos. Ou seja, espera-se que todos
rísticas das crianças e seu direito de viver
os membros da cultura humana tornem-se
plenamente esse momento da vida. Encon-
usuários desse sistema de representação.
trar uma forma de ensinar capaz de respeitar o direito ao conhecimento e, ao mesmo
A terceira e última exigência a ser conside-
tempo, a capacidade, o interesse e o desejo
rada na formação dos pequenos usuários da
de cada um de aprender se constitui em um
linguagem escrita é o fato de que, por se
desafio da Pedagogia para qualquer nível de
tratar de um direito, sua aprendizagem deve
ensino ou área de conhecimento. No caso
respeitar as crianças como cidadãos e ato-
da aprendizagem da leitura e da escrita na
res do seu próprio desenvolvimento. Quer
infância, há que se ter em conta pelo menos
consideremos o ponto de vista da criança
três exigências.
como um ser competente, cognitivamente
capaz de formular hipóteses, de interagir
A primeira é a consolidação de uma práti-
com os signos e símbolos veiculados social-
ca educativa na qual o aprendiz vai se apro-
mente; quer consideremos as característi-
priando da tecnologia da escrita, ao mesmo
cas da sociedade contemporânea como sen-
tempo em que vai se tornando um usuário
do um mundo grafocêntrico, a linguagem
competente desse sistema. Uma prática que
escrita deve ser compreendida como um
atenda igualmente a esses dois eixos que
bem cultural com o qual as crianças devem
constituem o processo de aquisição da lin-
interagir, mas, sobretudo, do qual devem se
guagem escrita, trabalhados de forma inte-
apropriar como forma de inclusão na socie-
grada, sem que o desenvolvimento de um
dade.
deles ocorra anteriormente ao do outro.
Finalmente, é importante destacar que tanA segunda exigência é considerar a escola
to a linguagem escrita quanto sua aprendi-
como espaço privilegiado para garantir esse
zagem possuem elementos que as tornam
aprendizado. A linguagem escrita possui pelo
coerentes com o universo infantil, com sua
menos duas características que a aproxi-
forma de construir significados para o que
mam da ação educativa formal. A primeira é
se faz, para o que se vê e para aquilo que
que se trata de uma linguagem estruturante
se experimenta. O direito de ter acesso ao
e, muitas vezes, pré-requisito para o acesso
mundo da linguagem escrita e dele se apro-
a outras linguagens e outros sistemas de re-
priar não pode descuidar-se do direito de ser
presentação. A segunda característica é que
criança, e há muitas maneiras de se respei-
a linguagem escrita requer, diferentemente
tarem ambos os direitos.
34
35. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRO, E. Los niños piensan sobre la escritura. México: Siglo Veintiuno Ed., 2003. 1 CD
BAPTISTA, M., MACIEL, F. & MONTEIRO, S.
ROM.
M.(coord.). A criança de seis anos, a linguagem escrita e o ensino fundamental de nove
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. 4 ed. Psicogêne-
anos. Brasília: Ministério da Educação. (No
se da língua escrita. Porto Alegre: Artes Mé-
prelo)
dicas, 1991.
BARRERA, Sylvia Domingos; MALUF, Maria
SOARES, M. Letramento: um tema em três gê-
Regina. Consciência metalinguística e alfa-
neros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
betização: um estudo com crianças da primeira série do Ensino Fundamental. Psicolo-
TEBEROSKY, A.; CARDOSO, B. Reflexões sobre
gia: reflexão e crítica. São Paulo, Scielo, n. 16,
o ensino da leitura e da escrita. Campinas, SP:
v. 3, p. 491-502. 03/ 2003.
Ed. Universidades Estaduais de Campinas,
1991.
35
36. TEXTO 3
A abordagem das diferentes áreas do conhecimento
nos primeiros anos do Ensino Fundamental
Patrícia Corsino1
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente
repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para
mudar, o que não se faz sem abertura do espírito (Paulo Freire, 1997, p.77).
Inicio este texto, que se propõe a refletir so-
detalhe das lagartas pôde ser observado.
bre as diferentes áreas do conhecimento e
Pedi para o Mig deixar algumas lagartas
os primeiros anos do Ensino Fundamental,
conosco e ele concordou. Arrumamos
trazendo um relatório de uma professora do
as quatro lagartas (três grandes e uma
segundo ano sobre um projeto desenvolvido
pequena) numa caixa de sapatos com
na sua turma:
areia e folhas para se alimentarem e assim iniciamos um delicioso trabalho de
METAMOFORSE: O SEGREDO DA
VIDA
Ciências.
Começamos a registrar as nossas obser-
Numa segunda-feira, Miguel entrou na
vações diárias num papel, onde desenhos
sala com um pote cheio de lagartas. A
e textos se complementavam ganhando
curiosidade tomou conta da turma. To-
muitas cores. Todos tinham o que dizer
dos perguntavam ao mesmo tempo:
das lagartas. Sugeri textos coletivos,
onde você pegou estas lagartas? O que
mas cada um quis escrever o seu. Cada
elas comem ? Elas bebem água? O quê?
dia as lagartas nos davam uma surpre-
Elas podem virar borboleta? Como?
sa. Um dia, uma delas ficou quietinha,
com o corpo escurecido. O que estaria
O pote correu de mesa em mesa e cada
acontecendo? No dia seguinte, ela teceu
1
Doutora em Educação pela PUC-Rio (2003), com especialização em Educação Infantil pela Universidade
Estácio de Sá (1983). Professora da UFRJ e Coordenadora da Secretaria de Ensino a Distância - MEC.
36
37. uma teia e se escondeu embaixo da areia
quando olhamos bem as cascas e des-
da caixa. Estava fazendo o casulo! Mig
cobrimos a parte do rosto da lagarta. A
já havia observado nas suas lagartas de
lagarta pequena não resistiu e morreu. A
casa todo o processo de confecção dos
morte faz parte da vida.
casulos e nos deu muitas explicações.
Assim, aguardamos atentamente este
Enquanto as lagartas preparavam a
momento. Enquanto isto, as outras duas
metamorfose dentro do casulo, pesqui-
lagartas grandes comiam e a pequena
samos sobre borboletas, mariposas e
andava sem parar.
lagartas. A troca coletiva das pesquisas
feitas ampliou muito os nossos conheci-
Não demorou muito para o casulo fi-
mentos. Assim, já era possível saber as
car pronto. Que engraçado, o casulo
diferenças entre borboletas e mariposas,
se mexe! Outras duas lagartas ficaram
seus hábitos, sua alimentação, além de
quietinhas e de noite fizeram uma "ca-
compreender o ciclo de vida destes inse-
baninha" de folhas, teia e areia, e se es-
tos no qual a lagarta não passa de uma
conderam lá dentro. Levantamos com
larva, um estágio deste ciclo. Muitos li-
cuidado a "cabaninha" de folhas e lá
vros chegaram até a sala com informa-
estavam elas quietinhas, só se moviam
ções e ilustrações. Quantos estudos já
com o nosso barulho e com a luz que en-
foram feitos sobre estes bichos? Quantas
trava. O corpo delas estava escuro, cas-
espécies existem? Que surpresa sairia
cudo e sem brilho. Todos nós olhávamos
dos nossos casulos? Pelo tipo de lagar-
com cuidado, levantando a "cabaninha"
ta e pelo casulo, vimos que deveria ser
com carinho.
uma mariposa. Como os casulos da casa
do Mig eclodiram antes dos nossos, já
O fim de semana passou e na segunda-
tínhamos a notícia de que se tratava re-
feira lá estavam os dois casulos pronti-
almente de uma mariposa de asas bem
nhos. Eram pretos, com listras alaranja-
escuras por fora e laranja por dentro.
das e pareciam encerados. Cada vez que
levantávamos a "cabaninha" de folhas
Abrimos a caixa e vimos que o primeiro
para observá-los, eles se mexiam. Vimos
casulo estava vazio. O que teria aconte-
umas cascas ao lado de cada casulo e
cido com a mariposa? Teria nascido ou
descobrimos, com a ajuda das nossas
não? A turma que estuda de manhã na
pesquisas, que algumas lagartas soltam
nossa sala teria mexido na caixa? Passa-
a casca que envolve o seu corpo antes
dos alguns dias, ao abrir a caixa... sur-
de fazerem o casulo. Confirmamos isto
presa! Duas lindas mariposas estavam
37
38. lá dentro paradinhas. Mexemos numa
Um primeiro movimento a ser observado nes-
delas e a alegria tomou conta da turma
te relato é o acolhimento e a receptividade da
- ela voou pela sala! Gritaria, felicidade,
professora ao que a criança levou para a esco-
corre-corre. O melhor era deixá-la livre
la e da criança que se dispôs a ceder algumas
voando lá fora. Pegamos a mariposa e
de suas lagartas para a turma. A professora, ao
a soltamos no ar. Ela voou e parou no
perceber que o interesse do Miguel havia des-
telhado. A outra mariposa foi guardada
pertado a curiosidade do grupo, propõe a con-
num vidro para que todos pudessem ob-
tinuidade das observações com o pedido de fi-
servá-la de perto, vendo os detalhes das
car com algumas lagartas, o menino aceita e a
asas, das patas, das antenas. Registra-
turma aprova. Este movimento de acolhimen-
mos nossas observações e procuramos
to mútuo foi possível pelas relações de troca
desenhá-la o mais parecida possível.
e confiança estabelecidas no grupo. É comum
as crianças levarem coisas para a escola para
Queria deixar registrado neste relatório
mostrar aos amigos. Talvez não seja comum
o meu agradecimento ao Miguel e a to-
a chegada na sala de um pote cheio de lagar-
das as crianças que, com a sua curiosi-
tas, mas o que é feito com os objetos e narra-
dade, possibilitaram a construção cole-
tivas que as crianças levam? Este movimento
tiva do conhecimento, dando mais sabor
do adulto se curvar à criança foi traduzido por
ao saber, trazendo vida para a sala de
Van Gogh (1853-1890) na sua obra Primeiros
aula. Obrigada.
Passos, que reproduzimos aqui.
38
39. Este quadro, retratando o gesto do adulto de
O planejamento como organização do tem-
abaixar para se aproximar da criança, traz
po e do espaço, em que as ações e intera-
também a ideia da escuta, de interlocução. A
ções serão vivenciadas pela turma, é im-
criança entendida não mais como in-fant – o
prescindível. Sem planejamento, a função
que não fala e, portanto, o que não é ouvido –,
educativa da escola, em sua estreita relação
mas como alguém que tem o que dizer, é com-
com a cultura, não se efetiva plenamente.
petente o suficiente para atribuir significados
No relato da professora, fica evidente a or-
ao que está ao seu redor, produz algo singular a
ganização de um projeto a partir da chega-
partir do que vive e sente, participa ativamen-
da das lagartas. A busca de resposta às per-
te da cultura, se formando e transformando.
guntas das crianças levou às pesquisas e aos
Compreender a criança a partir deste ponto de
registros. A cada observação, surgem novas
vista é o que garante a escuta de suas ques-
buscas de fontes e novas formas de expres-
tões, a valorização de suas produções, a alte-
sar e expandir o observado. Como pode ser
ração do lugar do adulto de detentor do saber
percebido, a professora relata a observação
e da criança do lugar de quem não sabe, não
da metamorfose da lagarta à mariposa e
pode, não consegue, não tem.
os registros deste processo, dando ênfase
à área das Ciências Naturais. Fica evidente
Um segundo movimento percebido no relato
que seu objetivo foi ampliar a curiosidade
da professora e que se articula ao anterior é a
das crianças, incentivá-las a levantar hipó-
abertura para o imprevisível, que pode ser en-
teses e a construir conhecimentos sobre os
tendida como compromisso ético-político, já
seres vivos, sobre a relação entre o homem e
que, como afirma Geraldi (2003, p. 47) a vida
a natureza, etc. Certamente ocorreram mui-
concebida como acontecimento ético aberto não
tas aprendizagens a partir das situações re-
comporta acabamento. Naquela turma houve
latadas e também de outras que não foram
espaço e tempo para algo fora do previsto, o
registradas. O relato é uma impressão ampla
inacabamento que permitiu o contorno dado
do processo de um grupo e não de um sujei-
pelo outro-criança. Isso remete a algumas ca-
to em particular.
racterísticas e dimensões do planejamento,
tais como abordei em texto anterior (Corsino,
Entretanto, se fizermos um exercício deno-
2006), quais sejam: i) o inacabamento; ii) a par-
minado por Helm e Beneke (2005) de rede
ticipação do coletivo; iii) a tensão entre previsi-
antecipatória, em que por associação de
bilidade e imprevisibilidade; iv) a continuidade
ideias e possibilidades de articulação puxa-
e o encadeamento das propostas, uma vez que
mos vários assuntos, podemos pensar o pro-
o conhecimento se dá em rede e também em
jeto de forma expandida às diferentes áreas
saltos e rupturas.
do conhecimento. Por exemplo, a literatura
39
40. infantil poderia ser um fio a ser puxado, com
processo de aprendizagem é a formação de
histórias e poemas que trazem a dimensão
conceitos. O autor compara e inter-relaciona
ficcional e metafórica da metamorfose, en-
duas categorias de conceitos: os conceitos
traria como contraponto aos conhecimen-
espontâneos – construídos cotidianamente
tos da área da Biologia que estavam sendo
pela ação direta das crianças sobre a reali-
trabalhados, a leitura e a escrita se estende-
dade que elas experimentam e observam –
riam a gêneros literários.
e os conceitos científicos – construídos em
situações formais de ensino-aprendizagem.
Nos primeiros anos de escolarização, proje-
Para o autor, os conceitos espontâneos per-
tos como o relatado são possibilidades ím-
correm muitos caminhos até a criança ser
pares de articulação entre diferentes áreas
capaz de defini-los verbalmente. Por exem-
do conhecimento. As crianças são curiosas
plo, o conceito de irmão, o próprio Vygotsky
e é esta curiosidade que move o seu interes-
relata a dificuldade inicial de a criança defi-
se, que favorece as ampliações, que provoca
nir o conceito, mesmo tendo a experiência
aprendizagens, que desenvolve capacidades.
de ter um irmão. Já os conceitos científicos,
Portanto, a atenção aos interesses do gru-
que partem de uma definição, precisam
po é um caminho importante para tornar o
aliar a formulação cientifica à experiência
cotidiano escolar significativo e dinâmico. É
das crianças. As apropriações dos conceitos
fundamental que o professor também se in-
espontâneos e dos conceitos científicos se-
teresse pelo assunto que está desenvolven-
guem, assim, direções diferentes, mas são
do com a turma, que se envolva na busca
processos intimamente interligados que
por respostas, que as busque em diferentes
exercem influências mútuas.
fontes, que tenha as produções culturais de
diferente épocas, grupos sociais, áreas de co-
O autor enfatiza que a apreensão dos siste-
nhecimento como um vasto campo aberto à
mas de conhecimento científicos pressupõe
escola. São as possibilidades de as crianças
um tecido conceitual já amplamente ela-
estabelecerem relações que fazem com que
borado e desenvolvido por meio da ativida-
uma atividade ou projeto da escola se tor-
de espontânea do pensamento infantil. E,
ne relevante para sua vida. É na troca com
ainda, destaca que o desenvolvimento dos
o outro que os conhecimentos vão fazendo
conceitos científicos não é fruto de memo-
sentido e é na partilha das descobertas que
rização ou de imitação, pois estes conceitos
os conhecimentos aprendidos se tornam um
surgem e se constituem por meio de uma
território comum do grupo.
tensão de toda atividade do próprio pensamento infantil: na medida em que a criança
Segundo Vygotsky (2000), o elo central do
toma conhecimento pela primeira vez do sig-
40
41. nificado de uma nova palavra, o processo de
No relato da professora, podemos notar que
desenvolvimento dos conceitos não termi-
as crianças obtiveram muitas informações
na, mas está apenas começando (Vygotsky,
sobre o processo da metamorfose da lagarta
2000, p. 252). Estudando as complexas rela-
à mariposa, mas aprenderam principalmen-
ções entre as duas categorias de conceitos,
te a levantar hipóteses, a procurar informa-
Vygotsky (2000) observou que, embora as
ções em diferentes fontes, a registrar – com
crianças consigam operar espontaneamen-
desenhos e por escrito – a partir de obser-
te com uma série de palavras, elas não têm
vações sistemáticas, a pensar no tempo de
consciência da sua definição, ou seja, não
duração da metamorfose e nas diferenças
conseguem tomar consciência do seu pró-
entre os tempos de cada lagarta, a observar
prio pensamento. Isto é, quanto mais usam
que a vida comporta a morte, a comparar
automaticamente alguma relação tanto me-
o processo de crescimento/desenvolvimen-
nos têm consciência dela. Por isso, entende
to entre animais, entre outros. O conteúdo
que tomar consciência de alguma operação
em si da metamorfose é muito pouco diante
significa transferi-la do plano da ação para o
do que um projeto como este pode abrir ao
plano da linguagem, isto é, recriá-la na ima-
sujeito. É notório que toda a articulação de
ginação para que seja possível exprimi-la em
saberes que o projeto favoreceu teve a pro-
palavras (p. 275). Para o autor, o desenvol-
fessora como mediadora. Foi ela quem, efe-
vimento consiste nesta progressiva tomada
tivamente, selecionou e organizou o que foi
de consciência dos conceitos e operações do
trabalhado com as crianças e como foi feito
próprio pensamento.
este trabalho.
Nesta perspectiva, a linguagem ganha uma
Para dar continuidade às reflexões sobre as
dimensão central em todo o processo de
áreas do conhecimento nos primeiros anos
desenvolvimento e aprendizagem. Falar so-
do Ensino Fundamental, trago a seguir algu-
bre o que viu, observou, sentiu, bem como
mas questões sobre esta articulação entre
desenhar, pintar, dramatizar as situações e
educação e cultura e o lugar do professor no
observações vividas, ditar para outra pes-
processo de seleção e produção de conheci-
soa escrever ou escrever para dizer algo
mento na escola.
para alguém são ações que vão possibilitar
as recriações do vivido. Recriações contextualizadas, uma vez que partem do coletivo
(intrapsíquico), são significadas subjetiva-
EDUCAÇÃO, CULTURA,
CURRÍCULO
mente (interpsíquico) e retornam ao coleti-
(…) a educação não é nada fora da cultura
vo reelaboradas.
e sem ela. Mas, reciprocamente, é pela e
41
42. na educação, através do trabalho pacien-
estudante( id. p. 28). E não se pode desconside-
te e continuamente recomeçado de uma
rar a relação de poder e as tensões que se tra-
“tradição docente” que a cultura se trans-
vam neste processo seletivo da cultura: o cur-
mite e se perpetua: a educação “realiza”
rículo é um território em que se travam ferozes
a cultura como memória viva, reativação
competições em torno dos significados (Moreira
incessante e sempre ameaçada, fio precá-
e Caudau, 2007, p. 28).
rio e promessa necessária da continuidade
humana (Forquin,1993, p. 14).
A escola é a instituição oficialmente encarregada de organizar, selecionar, decantar, adap-
Forquin ajuda a refletir sobre as inter-rela-
tar elementos da cultura, para serem trans-
ções entre educação e cultura, enfatizando
mitidos às novas gerações. Cabe a ela não
a importância da ação docente neste proces-
só a função de selecionar o que deverá ser
so. Para o autor, pode-se dizer que a cultura
ensinado, como também de pensar o como
é o conteúdo substancial da educação, sua
estes saberes deverão ser organizados para
fonte e sua justificação última.
serem aprendidos da melhor maneira possível. Ao pensar o como, a escola reorganiza
Partimos de uma visão de cultura como prá-
didaticamente aqueles saberes, faz transpo-
tica social. Como afirmam Moreira e Can-
sições didáticas dos saberes eruditos, produ-
dau (2007, p. 27), quando um grupo compar-
zindo substitutos didáticos da cultura social
tilha uma cultura, compartilha um conjunto
de referência, produzindo os conhecimentos
de significados, construídos, ensinados e
escolares. Estes conhecimentos, por sua vez,
aprendidos nas práticas de utilização da
são responsáveis por formas típicas de ati-
linguagem. A palavra cultura implica, por-
vidades intelectuais, influenciando também
tanto, o conjunto de práticas por meio das
a produção cultural fora dos muros escola-
quais significados são produzidos e compar-
res. Portanto, o professor, com seus saberes
tilhados em um grupo. Isto é, um conjunto
e suas condições de trabalho, é, em última
de práticas significantes.
instância, quem realiza o currículo, transmitindo, perpetuando e produzindo cultura.
Nesta perpectiva, os autores discutem o currículo como escolhas, como uma seleção cul-
Para Chevallard (1991, p.15), o processo didáti-
tural da escola. Portanto, um conjunto de prá-
co é uma relação ternária entre um docente,
ticas que propicia a produção, a circulação e
os alunos e o saber. Durante muito tempo, a
o consumo de significados. O currículo é, por
didática preocupou-se com a relação “ensino-
consequência, um dispositivo de grande efeito
aprendizagem”, esquecendo-se do saber. Ao
no processo de construção da identidade do(a)
levarmos em conta o saber nestas relações
42
43. e considerando a aquisição de conhecimento
às interlocuções e partilhas são sinalizado-
como um processo interativo em que os su-
res de uma educação comprometida com a
jeitos envolvidos não só se apropriam como
constituição das crianças e com a mudança.
também produzem conhecimentos, surgem
Os conteúdos que circulam e a forma com
algumas questões: quais são os critérios de
que são problematizados pelo professor re-
seleção dos saberes escolares? Que saberes
levam suas posições sócio-político-culturais.
os professores possuem e tomam como referência e quais os que eles produzem?
Uma educação de qualidade, afirmam Moreira e Candau (2007, p. 21) deve propiciar
O professor encontra-se no centro desta
ao (à) estudante ir além dos referentes pre-
complexa e tensa relação entre escola e cul-
sentes em seu mundo cotidiano, assumindo-o
tura. Especialmente porque a escola sempre
e ampliando-o, transformando-se, assim, em
teve dificuldade em lidar com a pluralida-
um sujeito ativo na mudança de seu contexto.
de e com as diferenças, tendendo ao silen-
Portanto, não cabe mais na escola a antiga e
ciamento e neutralização de muitas vozes.
sempre presente lógica de transmissão e re-
Moreira e Caudau (op. cit.) destacam, ain-
produção de conhecimentos e também não
da, que a homogeneização e a padronização
cabe mais pensar as áreas de conhecimento
têm sido sua marca, e que seu grande de-
de forma fechada e restrita.
safio é abrir espaços para a diversidade, a
diferença e para o cruzamento de culturas.
A organização do currículo por áreas do conhecimento é uma maneira (entre outras) de
E este desafio se coloca desde os primeiros
tentar organizar os saberes em conhecimento
anos da criança na escola. Nas seleções feitas
escolar. Os conteúdos selecionados para serem
para cada faixa etária, em cada área de co-
trabalhados em cada área devem ser enten-
nhecimento, nas formas de descontextuali-
didos como possibilidades de socialização de
zar e recontextualizar os saberes, nas aborda-
conhecimentos acumulados ao longo de uma
gens capazes de problematizar e confrontar
história ocidental, burguesa, urbana, branca
diferentes pontos de vistas, nas possibilida-
– portanto, precisam ser problematizados de
des de as crianças expressarem de diferentes
forma crítica – e também como possibilida-
maneiras seus sentimentos, visões e formas
de de desenvolver capacidades nas crianças.
de significar o que está ao seu redor.
Os conteúdos não são importantes por si sós e
sim enquanto suportes que dão sustentação a
A linguagem, como constituinte do sujeito, é
inúmeras ações e interações.
a arena onde cultura e educação se realizam
mutuamente. Portanto, os espaços abertos
A seguir, trago alguns objetivos amplos de
43
44. cada área sugeridos no documento do MEC
são, em filmes, em livros, etc. Histórias in-
intitulado Ensino Fundamental de Nove anos:
dividuais e coletivas que participaram e que
orientações para inclusão das crianças de 6 anos
participam da construção da história da so-
de idade, com a finalidade de se pensar uma
ciedade contemporânea, problematizando a
educação capaz de dotar as crianças de instru-
história de vencidos e de vencedores.
mentos para uma efetiva participação social
O trabalho com a área das Ciências Sociais
também tem como objetivo ajudar a criança
O TRABALHO COM AS
DIFERENTES ÁREAS DO
CONHECIMENTO: UMA SÍNTESE
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES
FINAIS
a pensar e a desenvolver atitudes de observação, de estudo e de comparação das paisagens, do lugar onde habita, das relações
entre o homem e o espaço e a natureza. É
importante conhecer as transformações
ocorridas sob a ação humana na constru-
Trabalhar com os conhecimentos das Ciên-
ção, povoamento e urbanização das diferen-
cias Sociais nessa etapa de ensino reside, es-
tes regiões do planeta; perceber que a ma-
pecialmente, no desenvolvimento da refle-
neira como o homem lida com a natureza
xão crítica sobre os grupos humanos, suas
interfere na paisagem e, consequentemen-
relações, suas histórias, suas formas de se
te, na forma e na qualidade de vida das pes-
organizar, de resolver problemas e de viver
soas. Deve-se propor atividades que levem
em diferentes épocas e locais. Assim, a fa-
as crianças a investigarem e a intervirem
mília, a escola, a religião, o mundo do tra-
sobre a realidade, reconhecendo-se como
balho, o entorno social (bairro, comunida-
parte integrante da natureza e da cultura.
de, povoado), o campo, a cidade, o país e o
Nas séries/anos iniciais é também importan-
mundo são esferas da vida humana que com-
te que as atividades propostas possibilitem
portam inúmeras relações, configurações e
às crianças construírem noções básicas de
organizações. Propor atividades em que as
tempo (ordenação, sequência, duração, con-
crianças possam ampliar a compreensão da
comitância) e de espaço (dentro e fora, em
sua própria história, da sua forma de viver
cima e embaixo, em frente, atrás, etc.).
e de se relacionar; identificar diferenças e
semelhanças entre as histórias vividas pelos
Na área das Ciências Naturais, o objetivo
colegas e por outras pessoas e grupos so-
é ampliar a curiosidade das crianças, incen-
ciais próximos ou distantes, que conhecem
tivá-las a levantar hipóteses e a construir
pessoalmente ou que conheceram através
conhecimentos sobre os fenômenos físicos
das histórias ouvidas, lidas, vistas na televi-
e químicos, sobre os seres vivos e sobre a re-
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