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Vol.14 no
3 Set./Dez. 2004 ISSN 0103-6513
RevistaPRODUÇÃOVol.14no
3ano2004
Forclusão do feminino na organização
do trabalho: um assédio de gênero
Marie Grenier-Pezé
Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de
sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
Pascale Molinier
Subjetividade, trabalho e ação
Christophe Dejours
“Você liga demais para os sentimentos”
“Bem-estar animal”, repressão da
afetividade, sofrimento dos pecuaristas
Jocelyne Porcher
Análise do trabalho e serviço de limpeza
hospitalar: contribuições da ergonomia
e da psicodinâmica do trabalho
Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman;
Márcio Johlben Wu; Erica Alvarinho; Maria dos Santos
Desenho do trabalho e patologia organizacional:
um estudo de caso no serviço público
José Marçal Jackson Filho
Entre a organização do trabalho e o
sofrimento: o papel de mediação da atividade
Júlia Issy Abrahão; Camila Costa Torres
Psicodinâmica do trabalho: o método
clínico de intervenção e investigação
Roberto Heloani; Selma Lancman
Ser Auxiliar de enfermagem: um
olhar da psicodinâmica do trabalho
Laerte Sznelwar; Seiji Uchida
ED
IÇÃO
ESPECIAL
001 capa1B.p65 4/2/2005, 15:551
Revista Produção
Apoio Administrativo
Fernando José Barbin Laurindo (POLI-USP-FCAV))
Maria Aparecida da Silva Cotta (FCAV)
Gabriela Maria Cabel Barbaran (POLI/ABEPRO)
Flávia Gutierrez Motta (POLI/ABEPRO)
Editor do Número Especial:
Laerte Idal Sznelvar (POLI-USP)
ISSN 0103-6513
Corpo Editorial:
Editora
Marly Monteiro de Carvalho (POLI-USP)
Conselho Consultivo:
Gabriel Bitran (Massachusetts Institute of Technology - MIT)
José Luis Duarte Ribeiro (UFRGS)
Nivaldo Lemos Coppini (UNIMEP)
Piercarlo Maggiolini (Politecnico di Milano)
Ricardo Manfredi Naveiro (COPPE-UFRJ)
Tamio Shimizu (POLI-USP)
Targino de Araújo Filho (UFSCar)
Revista Produção é um veículo quadrimestral de divulgação de trabalhos acadêmicos na
área de engenharia de produção, publicado pela Associação Brasileira de Engenharia de
Produção – ABEPRO, com distribuição gratuita a todos os seus associados.
Conselho Científico do Número Especial:
João Alberto Camarotto (UFSCAR)
Francisco A. P. Lima (UFMG)
Leda Leal Ferreira (FUNDACENTRO)
Seiji Uchida (FGV)
Roberto Marx (POLI-USP)
Lys Esther Rocha (Medicina-USP)
Paulo Bento (UFSCar)
Laerte Idal Sznelvar (POLI-USP)
Débora Raab Glina (FVC)
Júlia Issy Abrahão (UNB)
Marçal Jackson (FUNDACENTRO)
Selma Lancman (Medicina-USP)
Diagramação
Cristiane Tassi
Impressão
Gráfica Bandeirantes
002 exped capa 2.p65 10/2/2005, 16:262
Este número da Revista Produção tem o propósito de trazer para discussão um tema que tem
crescido em importância no mundo da produção. A relação entre a organização do trabalho e o
psiquismo humano é cada vez mais debatida entre as disciplinas que se ocupam do trabalho,
principalmente entre as que tem uma inserção mais clínica, isto é, aquelas que tem como foco a
questão do trabalhar. Em especial, a psicodinâmica do trabalho se ocupa dessas questões, como
as pessoas vivem o seu trabalho, como aí se constrói uma relação entre sofrimento e prazer.
Resultados de pesquisas têm mostrado a importância do trabalho como um dos mais significativos
agentes para a construção da saúde, em todos sentidos, inclusive no que concerne à saúde mental.
O trabalho é um dos pilares do processo de realização de si. Por meio dele, as pessoas podem
encontrar um lugar digno na sociedade e dar vazão a parte de seus sonhos e desejos. Portanto o
trabalho tem um lugar fundamental na construção e no reforço da identidade individual e coletiva.
Por outro lado, o trabalho, dependendo como ele é organizado, é um agente de desestabilização,
de sofrimento patogênico. Constata-se este fato, a partir de um sem numero de pessoas que são
impedidas de se realizar pela via do trabalho. A elas resta o caminho da doença, seja ela expressa
no corpo, na mente ou em ambos. Em muitas situações de trabalho, felizmente não em todas, nos
defrontamos com um processo de intensificação dos constrangimentos e de banalização de certas
práticas, que põem em risco não somente a saúde dos indivíduos, mas no médio ou longo prazo,
as próprias empresas e instituições. Um desafio para todos nós é diagnosticar precocemente essa
tendência para poder agir no sentido transformar as organizações. Essa tarefa transformadora é,
em muitos sentidos, hercúlea e ainda fadada a muitos insucessos, visto que estamos vivendo uma
época onde, em nome da competitividade, são aceitas práticas contestáveis no seu sentido ético
e moral. Neste número da revista Produção foram publicados artigos que nos levam a uma reflexão
sobre questões que, muitas vezes, evitamos enfrentar. Esses artigos são fruto de pesquisas e de
ações em psicodinâmica do trabalho, assim como de reflexões mais teóricas, desenvolvidas por
colegas franceses e brasileiros. Vale a pena correr o risco!
Laerte Idal Sznelwar
Revista Produção
volume 14
número 3
ano 2004
EDITORIAL
003-005.p65 4/2/2005, 15:573
CONTENTS
Revista Produção, vol. 14, nº 3, ano 2004
Female foreclusion in the workforce
organization: gender harassment
Marie Grenier-Pezé
Psychodynamics of work and sex social relationships.
An interdisciplinary itinerary. 1988-2002
Pascale Molinier
Subjectivity, work and action
Christophe Dejours
“You care too much for feelings” “Animal well-being”,
repression of affectivity, cattle raisers’ distress
Jocelyne Porcher
Work analysis in a higiene service of a hospital:
contributions from ergonomics and work psychodynamics
Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Márcio Johlben Wu; Erica Alvarinho; Maria dos Santos
Work design and “sick workplace syndrome”:
a case study in a public institution
José Marçal Jackson Filho
Between work organization and suffering:
the mediation role of the activity
Júlia Issy Abrahão; Camila Costa Torres
Psychodinamic of the work: the clinical method
of the intervention and investigation of the work
Roberto Heloani; Selma Lancman
To be nurse auxiliary: the point of
view of work psychodynamics
Laerte Sznelwar; Seiji Uchida
06
14
27
35
45
58
67
77
87
003-005.p65 4/2/2005, 15:574
SUMÁRIO
Revista Produção, vol. 14, nº 3, ano 2004
Forclusão do feminino na organização
do trabalho: um assédio de gênero
Marie Grenier-Pezé
Psicodinâmica do trabalho e relações sociais
de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
Pascale Molinier
Subjetividade, trabalho e ação
Christophe Dejours
“Você liga demais para os sentimentos” “Bem-estar animal”,
repressão da afetividade, sofrimento dos pecuaristas
Jocelyne Porcher
Análise do trabalho e serviço de limpeza hospitalar:
contribuições da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho
Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Márcio Johlben Wu; Erica Alvarinho; Maria dos Santos
Desenho do trabalho e patologia organizacional:
um estudo de caso no serviço público
José Marçal Jackson Filho
Entre a organização do trabalho e o sofrimento:
o papel de mediação da atividade
Júlia Issy Abrahão; Camila Costa Torres
Psicodinâmica do trabalho: o método
clínico de intervenção e investigação
Roberto Heloani; Selma Lancman
Ser Auxiliar de enfermagem: um
olhar da psicodinâmica do trabalho
Laerte Sznelwar; Seiji Uchida
06
14
27
35
45
58
67
77
87
003-005.p65 4/2/2005, 15:575
Marie Grenier-Pezé
6 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004
Female foreclusion in work organization:
gender harassment
Abstract
This paper proposes a discussion to help understand the fierce efficacy of moral harassment in the workplace. For
this, the issue discussed is that of identitary construction, which depends on the acknowledgement directed on
doing, since identity is inseparable of the technical gestures conducted by the subject. This is also a gender issue,
of belonging to a sex. In work psychodynamics, a special attention is given to the construction of work collectives
which weld a team to professional rules. Cooperation needs an adjustment of particular procedures for carrying out
a task, but it is also a confrontation of each individual’s ethical positions, based on shared trust and, therefore, of
possible cooperation. Nevertheless, moral harassment became a real management strategy, based on the
radicalization of the new forms of work organization which favor defensive virility, which seem to have deeply
transformed the relationships within the work teams and radicalized the defense systems built to resist it.
Key words
Workplace psychodynamics, work organization, moral harassment, gender, identitary construction.
MARIE-GRENIER PEZÉ, DRA.
Hôpital Max Forestier
303, Av. De la République
92200 Nanterre França
E-mail: mariepeze@free.fr
Resumo
Neste artigo é proposta uma discussão para ajudar a compreender a temível eficácia do assédio moral no trabalho.
Para tanto é discutida a questão da construção “identitária”, que depende do reconhecimento que se dirige sobre
o fazer, a identidade é inseparável dos gestos técnicos efetuados pelo sujeito. Esta também é uma questão de
gênero de pertencimento a um sexo. Em psicodinâmica do trabalho, uma atenção particular é dada à construção
dos coletivos de trabalho que soldam um grupo em torno de regras da profissão. A cooperação necessita um
ajustamento dos procedimentos singulares de execução da tarefa, mas também uma confrontação de posições
éticas de cada um, sobre a base de uma confiança partilhada e, portanto, de uma cooperação possível. Entretanto
o assédio moral se tornou uma verdadeira estratégia de gerenciamento, baseada na radicalização das novas formas
de organização do trabalho que favorecem a virilidade defensiva, que parecem ter transformado profundamente as
relações nos grupos de trabalho e radicalizado os sistemas de defesa construídos para resistir.
Palavras-chave
Psicodinâmica do trabalho, organização do trabalho, assédio moral, gênero, construção “identitária”
Forclusão do feminino na organização
do trabalho: um assédio de gênero
INVITED PAPER
006-013.p65 4/2/2005, 15:586
Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero
Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 7
O ASSÉDIO MORAL, UMA ESTRATÉGIA
DE GERENCIAMENTO SEXUADO
“Enquanto você não parar de escalar, os degraus
não cessarão de subir ao mesmo tempo que seus
passos avançam” Kafka, O processo
Os gestos de uma profissão são a fonte fundamental de
estabilização da economia psicossomática, oferecendo à
excitação pulsional uma saída socialmente positiva ao
valor da sublimação. Tornar sua execução aleatória, pa-
radoxal, humilhante, dia após dia, tem efeitos traumáti-
cos sobre a psique. A subordinação própria à definição
jurídica de contrato de trabalho prende o assalariado
numa toxicidade contextual experimental. Com efeito, o
aparelho psíquico só pode se afrontar a uma situação
excessiva fonte de excitação graças a duas grandes vias
de expressão: o pensamento, que permite trabalhar o
“excesso” intrapsíquico, o movimento, que descarrega o
corpo do excesso de tensão. Numa situação de assédio, a
repetição das humilhações aos novatos, os vexames e as
injunções paradoxais têm valor de destruição psíquica e
suspendem todo trabalho do pensamento. A impossibili-
dade de demitir-se sob pena de perder seus direitos sociais
barra a descarga sensório-motora. O impasse criado nestas
duas grandes vias de escoamento das excitações traumáti-
cas convoca fatalmente a ruína depressiva e a via somática
mais ou menos a longo termo. Nós veremos mais adiante
como, tocando os gestos da profissão, nós ferimos fatal-
mente as pessoas na sua identidade.
A situação do assédio, quando interrompida a tempo,
pode manter um parêntese obscuro na vida do sujeito.
Quando ocorre por um tempo excessivo, as seqüelas
psíquicas (neurose traumática, ruína ansio-depressiva,
acessos delirantes), acometimentos orgânicos (amenor-
réias, câncer de seio, de ovário entre as mulheres) podem
ser definitivos e constituem um problema de sobrevivên-
cia individual e de saúde pública maior.
Em psicodinâmica do trabalho, uma atenção particular
é dada à construção dos coletivos de trabalho que soldam
um grupo em torno de regras da profissão. A cooperação
necessita um ajustamento dos procedimentos singulares
É habitualmente a construção de um corpo erótico no
entrelaçado das identificações que apaixona o psicana-
lista. Mas limitar seu olhar terapêutico à construção do
corpo erótico através dos acasos da história infantil en-
quanto que o trabalho (sua regulamentação, seu custo,
seus efeitos psíquicos e orgânicos) penetra fortemente o
material clínico é manter uma postura ilusória.
Uma psicanalista durante uma consulta «Sofrimento e
trabalho» pode esperar ver o assédio moral evocado na
prática clínica. A presença na mídia desta nova denomi-
nação deu uma forte força às queixas das vítimas, a
criação de uma rede especializada de escuta e de cuida-
dos, lhes deu doravante uma legitimidade social. Do que
se trata essa legitimidade psicopatológica? É necessário
lembrar-se que o assédio moral (HIRIGOYEN, 1998) é
um procedimento técnico de destruição e não uma
síndrome clínica.
Nós privilegiaremos aqui a definição de Michèle
Drida : “O assédio é um sofrimento infligido no local de
trabalho de maneira durável, repetitiva e/ou sistemática
por uma ou várias pessoas a uma outra pessoa, por todos
os meios relativos às relações, à organização, aos con-
teúdos ou às condições de trabalho, mudando a sua
finalidade, manifestando assim uma intenção de prejudi-
car ou mesmo de destruir.” (DRIDA, et al. 1999).
Como compreender a temível eficácia do assédio moral
sem compreender o jogo identitário ligado à situação de
trabalho? O que confere ao trabalho sua dimensão pro-
priamente dramática é sua ligação com a construção
“identitária”. Quando a escolha da profissão está de
acordo às necessidades
psicossomáticas de um
sujeito, quando as moda-
lidades do seu exercício
permitem o livre jogo de
funcionamento mental e
da construção pulsional
individual, o trabalho
ocupa um lugar central na
manutenção de uma eco-
nomia psicossomática durável (DAVEZIES 1993). Por-
que o reconhecimento do trabalho se dirige sobre o fazer,
a identidade é inseparável dos gestos técnicos efetuados
pelo sujeito. Atos de expressão da postura psíquica e
social do sujeito dirigido ao próximo (DEJOURS,
DESSORS, MOLINIER, 1994), eles se ancoram na nossa
infância pela cópia, pois a identificação aos modelos ama-
dos e admirados, na tradição das profissões transmitidas
pelo aprendizado, entrelaçando as ligações estreitas entre
atividadedocorpoeopertencimentoaumcoletivodetrabalho.
Enfim, eles traduzem nossa identidade de gênero, nosso
pertencimento a um sexo.
Numa situação de assédio, a repetição das
humilhações aos novatos, os vexames e as
injunções paradoxais têm valor de destruição psíquica
e suspendem todo trabalho do pensamento.
006-013.p65 4/2/2005, 15:587
Marie Grenier-Pezé
8 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004
de execução da tarefa, mas também uma confrontação de
posições éticas de cada um, sobre a base de uma confian-
ça partilhada e, portanto, de uma cooperação possível.
Uma análise aprofundada da situação de impasse descrita
pelos pacientes assediados coloca em evidência o isola-
mento do sujeito. Isolamento de fato num posto sem
equipe, isolamento subjetivo num posto onde o coletivo
de trabalho não existe verdadeiramente, onde falta coo-
peração, e mais ainda a solidariedade. Suportar o traba-
lho deixa o sujeito sozinho com seus mecanismos de
defesa individuais, privando-o do recurso das estratégias
coletivas de defesa. Estas últimas, destinadas a fazer
frente ao sofrimento no trabalho, são específicas a cada
local profissional, produzidas, estabilizadas e construí-
das coletivamente. Se o sujeito isolado não pode benefi-
ciar-se delas, ele pode ser atingido, ou servir, pelo seu
estado, de bode expiatório dos outros.
A precariedade tende a neutralizar a mobilização cole-
tiva, a produzir o silêncio e o “cada um por si”. O medo
de perder seu emprego induz as condutas de dominação e
de submissão. É necessário constatar que a manipulação
deliberada da ameaça, da chantagem, do assédio tem sido
utilizada como um método de gerenciamento para
desestabilizar, incitar o erro e permitir o afastamento por
uma falta ou incitar a demissão. Alguns se queixam do
assédio que alguns meses antes eles viram ser exercido
sobre outro sem intervir ou, muito pior, para guardar seu
lugar e contribuindo para que isso acontecesse.
Nestas situações, o sofrimento ético resulta, de um
lado, da pulverização da auto-estima, e ainda da
culpabilização às avessas do outro sem que ele tenha
sido defendido.
Para conjurar o risco de descompensação psíquica, a
maior parte dos sujeitos constrói defesas específicas. A
vergonha é superada pela interiorização dos valores pro-
postos, pela banalização do mal no seu exercício dos atos
civis comuns (DEJOURS 1999). O cinismo no mundo do
trabalho é então considerado equivalente à coragem, à
força de caráter. A tolerância à injustiça e ao sofrimento
infligido ao outro é construída em valores viris, em ide-
ologias defensivas da profissão. Um homem, um verda-
deiro homem, deve para ter sucesso chegar a ignorar o
medo e o sofrimento, o seu e o do outro. A virilidade social
se mede pela capacidade de exercer sobre os outros
violências anunciadas como necessárias, num sistema de
construção social do masculino que desperta o medo de
ser castrado, submetido, passivo, afastado, privado de
seus atributos. Quanto mais as condições de trabalho se
endurecem, mais as defesas se enrijecem, chegando a
haver uma exacerbação das atitudes viris.
O machismo induzido pela organização do trabalho
não fica no vestiário quando se deixa o local de trabalho.
Para mantê-lo a postos é necessário, por vezes, colocar
um impasse sobre sua vida afetiva. A organização do
trabalho, quando ela exige defesas adaptativas, pode
afetar a organização mental do sujeito até mesmo na sua
construção erótica, nas suas relações afetivas. A falta de
reciprocidade nas relações intersubjetivas entre os ho-
mens e as mulheres no trabalho é levada para a vida no
lar. O “fora do trabalho” traz também marcas de defor-
mações de comportamentos sexuais no trabalho. “(...)
pelas suas observações, suas condutas, as mulheres
fragilizam a negação do medo colocando em perigo sua
base principal :o prestígio viril” (MOLINIER, 1997).
DELPHES OU « A CONFUSÃO ORGANIZADA » :
O primeiro encontro com o sujeito assediado é carre-
gado de olhares múltiplos: encontro com o sujeito, sua
estrutura psíquica, sua organização do trabalho, sua for-
ma de descompensação. Estes níveis de escuta
intrincados exigem concentração, formação especifica
sobre a organização psí-
quica individual e a or-
ganização do trabalho.
Esta investigação psi-
codinâmica é um mo-
mento privilegiado, po-
dendo conduzir o sujei-
to à compreensão dos
mecanismos específicos
utilizados contra ele, ao
descolamento da histó-
ria do trabalho e da his-
tória singular, à verbalização e à perlaboração dos afetos
reprimidos. O paciente passa por uma provação porque a
entrevista é longa, o retorno a uma cronologia de aconte-
cimentos laborais, a catarses dolorosas.
Delphes cai sobre ela mesma, hesitante, conta sua
historia sem cronologia, sem lógica ao ponto que eu
mesma me perco pouco a pouco. Um grande sofrimento
surdo do corpo e a palavra aleatória desta mulher, mas eu
É necessário constatar que a manipulação
deliberada da ameaça, da chantagem, do assédio
tem sido utilizada como um método de gerenciamento
para desestabilizar, incitar o erro e permitir o
afastamento por uma falta ou incitar a demissão.
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Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero
Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 9
não chego a nada com o material que ela traz. Eu tento
algumas questões para inserir alguns pontos de sinaliza-
ção precisos sobre este itinerário profissional. Eu custo
a acreditar que o funcionamento intelectual e imaginário
desta jovem mulher engenheira poderia estar tão altera-
do. A descompensação ansioso-depressiva é grave. Há
alguma coisa a mais, da ordem do verdadeiro e do falso,
do real e do irreal, do justo e do injusto que ela não sabe
mais situar. Ela está no limite da perda da realidade,
desorganizada psiquicamente. O tempo passa e o senti-
mento de visco psíquico persiste ao ponto que eu decido
terminar a entrevista que durou duas horas. Duas horas!
Nos dias que se seguem, chega uma primeira carta,
depois outras. Começa então uma correspondência unila-
teral, uma vez que eu não respondo. Eu recebo páginas
numeradas que se acumulam. Eu me torno a depositária de
um espaço psíquico onde se anuncia uma reconstrução
identitária. Da massa disforme inicial emergem pouco a
pouco os contornos de uma vida de mulher. Delphes se
extrai, diz ela, da “confusão organizada” onde ela estava
perdida. Observando o fio condutor das cartas desde o
início, o desaparecimento das faltas de acordo, de gênero,
a aparição de espaço entre palavras onde elas estavam
coladas, o retorno de uma cronologia dos acontecimentos.
No fundo, Delphes descreve o trabalho com a minúcia de
uma verdadeira profissional e a impecável representação
de mulher que lhe é imposta. Esta correspondência de
vários meses permitirá a elaboração multidisciplinar2
de
um atestado argumentando o assédio de gênero e suas
conseqüências psicopatológicas, apoiando o médico do
trabalho na sua diligência de colocar restrições à paciente
“todas as tarefas na empresa que podem trazer perigo ime-
diato” (artigo R 241-51-1 do código do trabalho francês).
Contratada numa grande empresa com um diploma
universitário técnico em engenharia elétrica e informáti-
ca, a paciente descreve um percurso profissional satisfa-
tório no seio da empresa antes de 1990. Ela é autônoma
na gestão da sua tarefa, sua hierarquia direta confia nela.
Ela gosta muito de aprender. No contrato, seu chefe de
serviço lhe precisou, entretanto, que como era uma mu-
lher, e portanto uma mãe em potencial, ela não teria o
mesmo salário que os homens.
Desde 1990, as ameaças de afastamento foram fre-
qüentes. A organização do trabalho se radicaliza. De
“nós trabalhamos para a pátria-mãe” passaram a “nos
iremos trabalhar como os japoneses”. O ambiente de tra-
balho foi ficando mais duro. As horas de trabalho aumen-
taram, ela precisava freqüentemente se mudar. Ela era,
entretanto, a única que possuía um antigo contrato trata-
do diretamente. Cedo ela deve gerir dois tipos de contrato
de trabalho ao mesmo tempo. A necessidade de adapta-
ção ao trabalho é constante. Em 1983, ela trabalha à mão,
sobre papel vegetal, com lápis HB, caneta Rotring®
; em
1999, ela trabalha diretamente com o computador, olhar
sobre a tela, com o mouse. Cada contrato demanda uma
reflexão, sobre evolução, a utilização e a proteção do
material vendido. Os tempos de realização só diminuem.
Trabalhar rápido com as pessoas que nem sempre tem a
competência necessária se torna uma ilusão.
Ela nunca teve a escolha da tarefa que deveria realizar.
O trabalho era aquele que os homens não haviam escolhi-
do. Delphes deve conceber um sistema automático em seis
meses. O sistema a ser realizado é aquele que ninguém
quis fazer, previam, conforme lhe disseram, que seriam
necessárias no máximo, 600 linhas de cálculo. Ela fez
uma avaliação e totalizou de fato 1.400 linhas de cálculo.
Isto significa encomendar o material para dois sistemas e
não para um só, 12 meses de trabalho. Ela coloca em
questão a prescrição da hierarquia, sua tarefa de trabalho
parece sempre mais importante que a dos homens porque
ela não esconde as dificuldades reais. Ela tem que se virar.
RADICALIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO E A VIRILIDADE DEFENSIVA
Delphes assume há muito tempo as funções de um
cargo superior, mas com um salário inferior, ela precisou
esperar cerca de seis anos para receber a promoção. Ela
não tem o diploma universitário de engenheira plena e
enquanto mulher não tinha apoio da hierarquia. Os outros
que não tem o mesmo cargo à sua volta lhe dizem “é
porque você dorme com o chefe que você passou para
este cargo!”.
A partir da promoção, ela precisa se afirmar, ter um
perfil de autoridade. “Na empresa, eles consideram o
estresse como um estimulante. O estresse é então viva-
mente estimulado para que cada executivo o provoque
afim de obter melhores resultados.” Os executivos mas-
culinos lhe transmitem esta filosofia que ela deve
doravante aplicar: “Você está lá para incitá-lo. Quando
nós estamos na casta superior, é para obedecer”. Seu
chefe direto a incita a práticas gerenciais: “Nós iremos
dar alguém para você treinar diretamente. Você tem a
proteção da hierarquia”. Se afirmar em cima de qual-
quer um consiste em “fazer pressão” sobre alguém que
ocupa um nível hierárquico inferior, lhe dar metas
irrealizáveis, sem meios e com pouco tempo para realizá-
las e lhe dizer que é uma competição. Fazer também a
pressão quando as pessoas entram em férias. Afirmar sua
autoridade sobre os outros passa por este tipo de relações
“viris” enquanto que “meu conceito de autoridade en-
quanto mulher passa pela relação”, afirma a paciente,
“pela cooperação, por considerar o outro e suas compe-
tências profissionais”.
006-013.p65 4/2/2005, 15:589
Marie Grenier-Pezé
10 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004
A nova organização do trabalho parece ter transforma-
do profundamente as relações nos grupos de trabalho e
radicalizado os sistemas de defesa construídos para re-
sistir. Os homens encontram certamente as mesmas difi-
culdades que Delphes em termos de constrangimento de
tempo, de trabalho feito sem os meios adequados. No
entanto, eles parecem suportar “esta confusão organiza-
da” pela interiorização massiva dos novos valores da
empresa e a adesão a uma ideologia defensiva da profis-
são baseada sobre o cinismo. Sabemos que “são as ideo-
logias defensivas da profissão que produzem a expressão
especifica da virilidade no trabalho, no inicio essencial-
mente voltadas à defesa contra o sofrimento, se mostra-
ram num segundo tempo utilizáveis para aumentar a
produtividade.” (DEJOURS 1988). Podemos então fazer
a hipótese que a oscilação da estratégia defensiva em
ideologia, passe por um programa de ação coletiva espe-
cífica. Além disso, uma técnica de interrogatório pesado
sobre o assalariado é introduzida como método específi-
co de gerenciamento. Praticada a dois, ela responde aos
métodos de desestabilização do interrogatório policial:
nível verbal elevado e ameaças, chuva de questões sem
possibilidade de serem respondidas, clima de acusação
sistemática, falsas saídas, duração prolongada da entre-
vista, porta deixada aberta para todos ouvirem. Isso é
feito para se obter o rebaixamento emocional do assala-
riado e de todos aqueles que escutaram.
Estas técnicas pesadas são valorizadas pelos homens.
O exercício autorizado da agressividade é um sistema de
governo dos homens que solda o coletivo de trabalho em
torno de uma radicalização defensiva. “A defesa trans-
formada em um fim em si, a luta contra o sofrimento se
transforma em alienação, impedindo todas as possibili-
dades de expressão individual, em proveito de uma
indiferenciação dos membros do coletivo” (MOLINIER
1997). O perigo é projetado fora do grupo sobre um bode
expiatório, no ataque exterior da diferença: “o
deficiente”, “o negro”, “a mulher”. Sendo a única mu-
lher na equipe, o assédio de Delphes se torna
inexoravelmente sexista.
A REPRESÃO DE SI
Pede-se a Delphes que se ocupe dos clientes estrangei-
ros que têm reconhecidamente posições machistas diante
das mulheres. Sua percepção do trabalho é fina : “Trata-
se de contratos feitos pelo pessoal de venda, é traduzi-los
em trabalho real, para os técnicos onde a técnica evolui
sem parar, para satisfazer os clientes de raízes e de
expressões socioculturais diferentes”. É então a ela que
são confiadas as mediações difíceis porque ela se desdo-
bra nas suas qualidades relacionais de antecipação, de
mediação, de empatia. Em resumo, suas qualidades “fe-
mininas” inerentes à condição de mulher. Um dos chefes
lhe afirma sarcasticamente que ela foi escolhida para
colocá-la em situações delicadas com os homens que
vêm de países onde as mulheres são maltratadas. De fato,
os clientes indianos, paquistaneses, indonésios, egípcios,
chineses se dizem todos honrados de trabalhar com uma
mulher ocidental. Os homens estrangeiros em situação
de aprendizado se preocupam, sobretudo em não
decepcioná-la. Desde o início, as competências de for-
madora que ela utiliza são in-
visíveis porque são ligadas à
“natureza feminina” e não ori-
ginadas de seu trabalho e de
suas competências pessoais.
A ideologia defensiva da
profissão enaltece diante das
mulheres uma posição de po-
der e de conhecimento. “(...) o
desprezo das mulheres, o
machismo, encontram assim
uma potente alavanca na con-
tribuição que traz à negação
da vulnerabilidade dos ho-
mens” (MOLINIER 1997). A
mulher é por natureza inferior,
psicologicamente e intelectualmente. Esta afirmação é
confirmada por afirmações picantes, que Delphes escuta
dia após dia: “Somente uma mulher perguntaria estas
coisas!”, “Se isso acontece, é por culpa da mulher”, “para
uma mulher você é muito bem paga !”, “Corte seus
cabelos, é como se fazia com as há sistematicamente
problemas...”, “De todas as maneiras, não é necessário
procurar, tem somente uma mulher na parada...”. Ela
Os homens encontram certamente as mesmas
dificuldades que Delphes em termos de
constrangimento de tempo, de trabalho feito
sem os meios adequados. No entanto, eles
parecem suportar “esta confusão organizada”
para a interiorização massiva dos novos valores
da empresa e a adesão a uma ideologia defensiva
da profissão baseada sobre o cinismo.
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Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero
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está esgotada, não pesa mais do que 45 kg. Uma
tecnóloga em plena atividade, a menos adaptada, uma
demanda incessante para assumir horas extras são ainda
fatores agravantes do seu esgotamento. Não é mais infor-
mada das reuniões: reunião de lançamento, reunião sobre
o desenvolvimento dos negócios, reunião com os mecâni-
cos. Contrariamente aos outros chefes, ela não tem um
computador exclusivo, ela trabalha no de qualquer outro
colega. Ela é colocada como invisível, excluída pelo boi-
cote subterrâneo presente.
A solidão fica maior sobre os planos intelectual e
intersubjetivo. O mecanismo de defesa que ela desenvol-
ve para resistir é a repressão. Ao contrário do recalque
que permite, num processo inconsciente, não considerar
nossos desejos e os conflitos que eles suscitam em nós, a
repressão é um trabalho consciente e constante do ego,
um esforço voluntário e deliberado para deixar de lado as
representações conflituosas e os afetos correspondentes.
A repressão educativa é um exemplo perfeito: pelo gesto,
palavra, olhar, trata-se de pesar sobre as expressões
motoras e verbais de uma criança, de indagar sua espon-
taneidade e seus ímpetos pulsionais. Ainda mais longe,
de pesar sobre o pensamento e as fantasias desenvolven-
do então as limitações funcionais do ego (PARAT,
1991). Delphes tenta se fazer pequenina, se apagar. A
única mulher num coletivo de homens, ela não pode
partilhar sua feminilidade. Ela só usa calças, ela suprime
as bijuterias, seu cabelo é neutro. Os bloqueios à forma-
ção, a falta de estabilidade dos cargos propostos, a
desqualificação constante de seu trabalho a impedem de
encontrar uma saída que valorize seu funcionamento
pessoal.
Em paralelo, as regras da empresa estipulam que não
se pratique nenhuma discriminação em relação aos em-
pregados em razão da sua raça, sua religião, suas opiniões
políticas ou de seu sexo, que todos se engajem e tratem
os outros com dignidade, respeitando plenamente a vida
privada dos colegas.
Pela falta de referencias para pensar o que vem do
exterior, do campo social, Delphes acredita que a causa
de seu sofrimento seja intrapsíquica e se responsabiliza,
portanto. Ela começa uma psicoterapia e encontra um
espaço para pensar suas dificuldades. Passado um certo
tempo, ela encontra um esquema explicativo. Eles, os
homens, têm uma lógica que ela não compreende. Ela
fica então enfraquecida, não confiável, insuficiente, im-
potente. Por esta posição feminina defeituosa, confron-
tando a hipótese de um masoquismo inconsciente, ela se
convence da legitimidade do poder dos homens. Esta
aceitação da interiorização de uma posição enfraquecida
tem efeitos positivos em termos de benefícios secundários
pois ela autoriza um “deixa disso”. Ela decide pedir
tempo parcial porque a sobrecarga crônica de trabalho
deixou marcas na sua vida privada. Seus dois filhos têm
dificuldades. Ela faz também um pedido de utilização de
bônus, previsto no contrato. Ela é convocada pelo seu
diretor de recursos humanos que lhe assinala que ela é a
primeira a reclamar seus bônus, mesmo que isto esteja
previsto no contrato, que isto não deveria ser sabido, que
ele “não tem que gerenciar ainda mais os dias para
recuperação dos bônus destas damas”. A não convergên-
cia na prática social dos homens e das mulheres sobre o
tempo fora do trabalho fica caricatural diante do pedido
de tempo parcial e de utilização dos bônus. O pedido é
incompreensível para seu chefe, que lhe faz doravante
críticas cotidianas.
A partir desta data, seu trabalho é desqualificado. Ela
faz os trabalhos que ninguém quer fazer. A descompen-
sação está presente sob a forma do esgotamento profis-
sional, mas combatida sem trégua para manter o traba-
lho e não desabar. O estado geral se agrava. Os sintomas
físicos começam sempre pelas vertigens: “Tudo gira em
torno de mim, eu me torno transparente, eu não escuto
mais nada de fora, eu não sinto mais minhas pernas e a
vontade de chorar está lá. Eu vejo grandes buracos
negros diante de mim. Eu tenho a forte sensação de estar
em perigo, eu não tenho mais forças, mais vontade de
comer e às vezes tenho idéias suicidas”.
Quando voltou de férias, em setembro, ela tinha seu
novo contrato, mas ela não aparecia mais no organogra-
ma. O chefe não era um executivo e lhe exprime além
disso seu incômodo diante dela. Os membros da equipe
se dirigem, no entanto, a ela quando surge alguma difi-
culdade. O mau funcionamento do coletivo de homens
deve ser suportado pelas mulheres. “30 homens diante de
uma mulher deve ser uma situação muito tranqüilizadora
para escapar do conflito” diz Delphes, que deve gerir
psiquicamente esta contradição: suportar as imagens de
vaginas de mulheres peladas em destaque na tela de
descanso dos computadores de seus colegas e permane-
cer como mediadora compreensiva.
Ela é sem trégua o centro das atenções diante da
equipe. O chefe vem lhe falar se encostando nela e lhe
dizendo a 25 cm de sua boca. “Este homem que se encosta
quando fala, é o horror tanto que cheira mal. Isto ocorre
diversas vezes, quanto mais eu me afasto mais ele se
aproxima de novo. Ele cheira mal, ele é grosseiro, ele
não escuta. Eu lhe digo que não sou surda, que desejo
mais distância entre nós.” Seu chefe de serviço, a quem
ela se queixa das telas pornográficas e do gestual fora de
lugar do chefe direto, lhe responde: “Isto é sempre assim
e eu não posso mudar nada”.
Ela se concentra sobre a tarefa que lhe é prescrita. Ela
começa a avaliar o volume de trabalho, o cronograma de
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Marie Grenier-Pezé
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tarefas, o programa de computador necessário, os cole-
gas que podem ajudá-la. O colega ocupado de estudos se
recusa a lhe comunicar as informações. A ela é imposto
um novo prazo muito curto. O planejamento e a gestão
deveriam ser assumidos pelo chefe direto. Nada foi feito.
Uma vez mais, lhe é confiada uma tarefa que ela não pode
executar, lhe é fixado um objetivo impossível de atingir.
O assédio é manifesto: desqualificação do cargo, sobre-
carga de trabalho, injunções paradoxais, fracassos pelos
objetivos irrealizáveis. As conseqüências da alteração de
sua relação com o real do trabalho são maiores sobre seu
equilíbrio psicossomático. No dia seguinte, as dificulda-
des graves fazem seu médico decidir afastá-la por tempo
prolongado.
FORCLUSÃO DO FEMININO
E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO:
Vários meses se passaram. Novamente ela vem me ver
porque eu devo lhe dar um certificado de apoio à ação do
médico do trabalho atestando sua incapacidade devido ao
perigo imediato. Ela diz que se sente melhor desde que
está em licença médica, que seus transtornos desaparece-
ram, que seu corpo se recuperou: “até minha menstrua-
ção voltou!”. Eu lhe pergunto: “Você não tinha mais
menstruação?”.– Sim. “Desde quando?”. Ela fica pertur-
bada, precisa refletir longamente para lembrar o começo
da amenorréia, suas interrogações para sua ginecologista
que lhe repetia “isto pode voltar” . Ela encontra a data no
seu prontuário médico: 1989. Nós nos remetemos ao
período da radicalização na organização do trabalho, a
acentuação das ideologias defensivas viris tinham come-
çado com a designação de um bode expiatório, sobre o
ataque sistemático ao feminino.
Para ter uma chance de encontrar as condições propi-
cias ao reconhecimento de suas qualidades profissionais
e à realização de si no trabalho, Delphes deveria compor
com a economia erótica de seus colegas homens. Muitas
mulheres fracassam nesta luta que as dilacera interior-
mente entre sua identidade de mulher e sua identidade no
campo social. O problema é quando isto faz perder sua
feminilidade. A descompensação depressiva e somática
de Delphes resulta deste conflito. Ela recusou endossar o
arsenal machista, não demonstrou sua capacidade de
trazer uma contribuição entusiasta ao funcionamento da
estratégia viril e se viu excluída. O desaparecimento da
sua menstruação assinala o assédio de gênero ao nível
somático, pontuando a função erótica reprimida. À viri-
lidade anexada pelo vocabulário agressivo e sumoso, o
gestual invasivo, os comportamentos agressivos, as telas
pornô que solicitam a economia erótica masculina nas
suas pulsões parciais, Delphes parece responder pela
neutralização de sua identidade sexuada até no nível
somático.
Na perspectiva psicossomática, a descompensação
testemunha geralmente a fragilidades das possibilidades
de representação, do transbordamento das capacidades
de ligação da psique, de uma situação de impasse para o
sujeito. “A somatização é um processo pelo qual o confli-
to que não pode encontrar saída mental vai desencadear
no corpo desordens endócrino-metabólicas, ponto de
partida de uma doença orgânica” (DEJOURS 1993).
Sabemos que as relações das crianças com seus pais
vão, numa interação incessante, ao coração dos gozos e
das mágoas, inscrever a trama da nossa historia emocio-
nal sobre o corpo biológico, edificar assim nosso segun-
do corpo, o corpo erótico. Certas zonas e/ou funções
corporais podem no entanto permanecer sobre o primado
do psicológico fruto de terem sido subvertidos em pro-
veito da economia do desejo. A “forclusão”3
(DEJOURS
1995) destas zonas ou funções fora da edificação do
corpo erótico assinalam o fracasso da subversão
libidinal de uma função biológica. Estas zonas brancas
são os lugares de eleição de uma desorganização psi-
cossomática, desde que na relação com o outro, na
esfera privada, como no trabalho, elas sejam solicitadas.
A “escolha do órgão ou da função”, traz então a marca do
impasse do trabalho psíquico, estrutural ou conjuntural.
Entre numerosas mulheres em situação de assédio, a
anamnese permite reencontrar problemas na esfera gine-
cológica: amenorréia, metrorragias, ou ainda mais gra-
ves, como câncer do colo, do ovário e do útero. Para
Delphes, ao tornar invisível sua identidade feminina, o
ataque cotidiano a suas características psíquicas, psico-
lógicas, a suas competências profissionais, acarretou
uma lenta e inexorável desconstrução da complexidade
pulsional. O processo de construção da identidade sexual
parte do corpo, se apaga.
Quais espaços as exigências de identidade social no
trabalho deixam para a construção do masculino e do
feminino? O mundo do trabalho é atravessado pelas rela-
ções sociais de sexo, definindo as condutas e as represen-
tações de mundo que não são sexuais no sentido psicana-
lítico do termo; o sistema consciente que se constrói lá,
se edifica em detrimento do sistema pré-consciente como
alças restritas de determinismos, deixando geralmente
pouco lugar aos rearranjos psíquicos individuais. O en-
contro entre a organização psíquica individual e a orga-
nização do trabalho não é uma imagem. As relações de
trabalho têm uma lógica, modos de funcionamento pre-
cisos, uma duração que exige um engajamento total,
implicando na renúncia de todo o resto. Este resto
poderia ser a finalização da construção do corpo eróti-
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Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero
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co. O trabalho de bissexualização psíquica, o encontro
com o outro podem ser colocados num impasse em
proveito de uma identidade sexual de superfície, social-
mente construída, jamais definitivamente adquirida,
visto que imposta do exterior no lugar de identificações
internas (PEZÉ, 1998). No entanto, a construção
identitária social não tem a mesma equivalência para os
homens e para as mulheres.
Em período de “guerra econômica”, quanto mais as
condições de trabalho se endurecem, mais as defesas se
enrijecem empurrando as atitudes viris à caricatura,
contaminando as relações com as mulheres com estereó-
tipos que servem a se manter no trabalho. A exacerbação
do sentimento de força e de poder exercidos entre os
homens, se exerce então contra as mulheres. “A luta
contra o medo e o sofrimento encontra, para os homens,
sua eficácia simbólica no sistema de representações que
estrutura um imaginário social associando a supremacia
dos homens ao domínio infalível do real. Em permitindo
a integração no coletivo do trabalho, a virilidade social
se capitaliza no registro da identidade sexual e confere
segurança, prestígio, esperança de sucesso com as mu-
lheres àquele que é reconhecido pelos outros homens
como um deles” (MOLINIER, 1997)
Pelo simples fato da sua presença, as mulheres podem
constituir um perigo maior visto que a virilidade se
edifica por contraste sobre a inferioridade da mulher. A
única mulher no coletivo de homens, Delphes, pelo fato
de não ser um chefe como deveria, de não poder se tornar
a mãe ou a mascote, vertentes femininas aceitáveis, se
tornou assexuada. A transparência de Delphes não foi
um máscara, mas uma figura do vazio.
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Bibliografia
4. Definição jurídica da forclusão: si-
tuação de alguém que se encontra
privado do exercício de um direito
por não o ter exercido em um prazo
fixado.
1. Doutora em psicologia, psicana-
lista., atendimento clínico “sofri-
mento e trabalho”, policlínica, De-
partamento de clínica e saúde pú-
blica do professor HERVE. CASH de
Nanterre.
2. Eu agradeço a Danièle Kergoat
e Pascale Molinier o tempo que
elas dedicaram a esta paciente.
3. O conceito de forclusão utilizado
aqui se reporta ao corpus teórico
psicossomático de Christophe Dejours.
Sabemos que para J. Lacan, é um me-
canismo psíquico consistente na rejei-
ção primordial de um significado fun-
damental fora do universo simbólico
do sujeito, ligado à psicose.
Notas
Tradução: Selma Lancman
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Pascale Molinier
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Psychodynamics of work and sex social relationships.
An interdisciplinary itinerary. 1988-2002
Abstract
The psychodynamics of work is defined as the analysis of psychic processes mobilized by the gathering of a subject
and the work organization constraints. In the 80s, the researches conducted in male workplace environments
allowed to uncover the existence of collective defense strategies against suffering at the work. As from 1988, an
important interdisciplinary work with work sociologies was launched. It is concerned with knowing whether the
psychodynamics work was heuristic to equally analyze the situations of women at work and to reexamine the
preexisting knowledge on men suffering in a sexualized problematic framework. The paper reports the main
determinants which led to the establishment of sex social relationships and its challenge, the sexual division of work,
a central dimension of the clinic research, the theory and methodology in workplace psychodynamics. An important
issue in the paper is the situation of nurses, from which is constituted the main knowledge on the relations between
health and work on the women’s side.
Key words
Work psychodynamics, sex social relationships, suffering at work, collective defense strategies.
PASCALE MOLINIER, PROFA
Laboratoire de Psychologie du Travail et de l’Action
Conservatoire National des Arts et Métiers
41, rue Gay-Lussac
75005 Paris França
E-mail: molinier@cnam.fr
Resumo
A psicodinâmica do trabalho se define como a análise dos processos psíquicos mobilizados pelo encontro entre um
sujeito e os constrangimentos da organização do trabalho. Nos anos 1980, as pesquisas realizadas nos meios de
trabalho masculino permitiram descobrir a existência de estratégias coletivas de defesa contra o sofrimento no
trabalho. A partir de 1988 iniciou-se um importante trabalho interdisciplinar com as sociologias do trabalho. Trata
-se de saber se a psicodinâmica do trabalho era heurística para analisar igualmente as situações das mulheres no
mundo do trabalho e de reexaminar os conhecimentos preexistente, sobre o sofrimento dos homens no quadro de
uma problemática sexuada. O artigo relata os principais determinantes que conduziram a criar as relações sociais
de sexo e de seu desafio, a divisão sexual do trabalho, uma dimensão central da pesquisa clínica, a teoria e a
metodologia em psicodinâmica do trabalho. Um ponto importante do artigo é a situação das enfermeiras a partir
da qual são constituídos os principais conhecimentos sobre as relações entre saúde e trabalho do lado das
mulheres.
Palavras-chave
Psicodinâmica do trabalho, relações sociais de sexo, sofrimento no trabalho, estratégias coletivas de defesa.
Psicodinâmica do trabalho e relações sociais
de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
INVITED PAPER
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Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
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ções vividas pelas mulheres. A descoberta das diferenças
homem/mulher não são feitas no campo, a despeito das
primeiras investigações realizadas junto às pessoas que
trabalham com cuidados à saúde, na maioria mulheres
como as enfermeiras, auxiliares, atendentes. Fomos leva-
das a constatar que não encontrávamos, neste coletivo de
trabalhadores, estratégias coletivas de defesa semelhan-
tes àquelas descritas na petroquímica ou na construção.
Deduzimos, na época, a ausência de cooperação defensi-
va entre estes profissionais, prova que não se encontra
sempre aquilo que se procura.
Em 1988, na época do seminário interdisciplinar
“Plaisir et souffrance dans le travail”, Danièle
Kergoat e Helena Hirata lançaram uma verdadeira
“bomba”, colocando a questão se a psicodinâmica do
trabalho podia “tratar das relações sociais de sexo”
(HIRATA, KERGOAT, 1988), demonstrando que a pro-
blemática das relações sociais de sexo era transversal ao
conjunto do campo social, portanto ao conjunto dos cam-
pos disciplinares, relativo aos homens assim como às
mulheres e, ao trabalho assalariado como ao trabalho
doméstico. Elas estão na origem de remanejamentos teó-
ricos e, conseqüentemente metodológicos, de enverga-
dura que tinham, e continuam a ter, um impacto decisivo
sobre o conjunto do programa científico em psicodinâmi-
ca do trabalho.
Psicanálise e divisão sexual
do trabalho: uma teoria implícita
Do ponto de vista psicanalítico, consideramos que as
diferenças psíquicas entre os homens e as mulheres
encontram sua origem na idade precoce da psicosexua-
lidade, portanto bem antes do encontro com o trabalho.
Desta perspectiva, o status teórico da divisão sexual do
trabalho é de pouca importância. É subentendido que este
é, pode-se dizer, o prolongamento social destas diferen-
ças e se justifica pelo fato destas diferenças. Esta concep-
ção naturalista e harmoniosa da divisão sexual do traba-
lho existe, aliás, em sociologia (cf. o funcionalismo de
Parsons). Sem dúvida as injustiças sociais deverão ser
corrigidas, mas a divisão sexual do trabalho não será
INTRODUÇÃO
A psicodinâmica do trabalho foi iniciada por
Christophe Dejours no fim dos anos 1970. Seu tema é a
análise da relação entre saúde mental e trabalho. Depois
nos interessamos mais particularmente pela dinâmica do
sofrimento e do prazer na situação de trabalho. O modelo
de homem provém da antropologia freudiana, a partir da
qual se considera que o sujeito aborda o mundo do
trabalho com o conjunto daquilo que ele é e daquilo que
procura alcançar. A consciência que ele tem destes fatos
é confusa e parcial. Quando esta busca pessoal pode ser
atingida em situação de trabalho, então o trabalho tem
um papel importante na realização de si. Quando a orga-
nização do trabalho faz obstáculo à elaboração do sofri-
mento e a sua transformação em prazer, então o trabalho
pode ser prejudicial para a saúde mental. Não há neutra-
lidade do trabalho defronte à saúde mental.
Durante os anos 1980, a relação saúde mental–traba-
lho foi conceitualizada principalmente por homens, a
partir de investigações clínicas realizadas junto aos
trabalhadores masculinos que exerciam atividades peri-
gosas (pilotos de caça, operadores e engenheiros da
indústria de processo contínuo, operários da construção
civil) (DEJOURS, 1980). O corpo teórico da psicodinâ-
mica do trabalho desenvolveu-se a partir da descoberta,
nestes meios de trabalho,
de estratégias coletivas
de defesa, isto é, de for-
mas de cooperação para
lutar contra o sofrimento
no trabalho, mais preci-
samente contra o medo
gerado pelos riscos da
atividade. Pode-se mos-
trar que estas estratégias
coletivas de defesa eram
mais eficazes para pre-
servar a saúde mental que as estratégias individuais, mas
elas traziam distorções de comunicação, impedindo que
fosse pensado e discutido aquilo que, no trabalho, seria
difícil suportar psiquicamente. Aparecia uma nova forma
de racionalidade da ação, a racionalidade subjetiva ou
racionalidade pática da ação, orientada para a sobrevi-
vência e a saúde, que permitia interpretar de outra manei-
ra “condutas insólitas” ou de “resistência à mudança”
julgadas até como irresponsáveis ou contraprodutivas.
Os fundamentos teóricos da disciplina e suas primei-
ras descobertas empíricas foram também estabelecidos
num quadro de referência ao masculino-neutro, onde a
questão era saber se a teoria em psicodinâmica do traba-
lho seria adequada para compreender também as situa-
Quando a organização do trabalho faz obstáculo à
elaboração do sofrimento e a sua transformação
em prazer, então o trabalho pode ser prejudicial
para a saúde mental. Não há neutralidade do
trabalho defronte à saúde mental.
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Pascale Molinier
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abolida, pois ao oferecer tarefas diferentes aos homens e
às mulheres, ela estará em ressonância simbólica com
suas orientações diferenciadas em matéria de realização
de si. Para explicar por que certas pessoas fazem uma
escolha profissional atípica, sem colocar em questão a
complementaridade entre os sexos, a noção de bisse-
xualidade psíquica pode ser utilizada como uma variável
de ajuste afim de dar conta das situações de exceção.
Cada um(a) teria em si uma parte feminina e uma parte
masculina, com uma dosagem diferente segundo os indi-
víduos. Uma solução teórica aparentemente menos estig-
matizada para as mulheres que a interpretação de suas
ambições profissionais em termos de “reivindicação
fálica” ou de “complexo de masculinidade”. Seria tam-
bém menos imediatamente homofóbica face aos homens
que exercem tarefas femininas. Todo este arcabouço, em
grande parte implícito, foi colocado em questão pelos
sociólogos do trabalho através de sua categorização de
classe e de sexo.
A divisão sexual do trabalho: o
desafio das relações sociais de sexo
Segundo Danièle Kergoat, a relação social do sexo é
uma tensão que estrutura e atravessa o conjunto do campo
social e desafia certos fenômenos sociais entorno dos
quais se constituem grupos de interesses antagônicos. A
relação social do sexo se fundamenta primeiramente e
antes de tudo em uma relação hierárquica entre o grupo
social dos homens e o grupo social das mulheres. Estes
grupos estão em tensão permanente em torno de um desa-
fio central, o trabalho e suas divisões.
“A divisão sexual do trabalho tem por característica
a afetação prioritária dos homens à esfera produtiva
e das mulheres à esfera reprodutiva como que si-
multaneamente a captação pelos homens das fun-
ções com um forte valor agregado (políticas, religi-
osas, militares, etc.)
Esta forma de divisão social tem dois princípios
organizadores:
• o princípio da separação (tem trabalhos de ho-
mens e trabalhos de mulheres);
• o princípio hierárquico (um trabalho de homem
“vale” mais que um trabalho de mulher)”
(KERGOAT, 2001, p. 89)
Segundo a autora, se os dois princípios organizadores
se encontram em todas as sociedades estudadas, por outro
lado, um aspecto fundamental é que constatamos uma
grande variabilidade das modalidades da divisão sexual do
trabalho, no espaço e no tempo. Nesta perspectiva, as
diferenças constatadas entre as práticas dos homens e das
mulheres são devidas a construções sociais, e não relevam
uma casualidade biológica. Esta construção social, tem
uma base ideológica (o naturalismo) mas também e antes
de tudo material – “ quer dizer, a ‘mudança de mentalida-
de’ não se fará jamais espontaneamente se ela ficar
desconectada da divisão do tra-
balho concreta. “(KERGOAT,
2000, p. 40). Isto implica uma
conceituação rigorosa do traba-
lho que “desconstrói” a clivagem
trabalho-fora do trabalho e não
desassocia a relação de produção
da relação de reprodução. Por
outro lado, e se trata de um im-
portante aspecto, a relação social
do sexo é um conceito analítico.
Daniele Kergoat insiste sempre
sobre o caráter de abstração, isto
para ficar atento contra uma aná-
lise solipsista da complexidade
das práticas sociais. Se a relação social de sexo é heurística
para pensar as práticas sociais, os desafios e suas evolu-
ções, não pode ser isolada das outras relações sociais.
Imbricação e recobrimento parcial das relações de classe e
de sexo são conceituadas não só em termos de hierarquia
mas de co-extensividade.
Trabalho, subjetividade e determinismos sociais
A partir dos fundamentos epistemológicos aparente-
mente também distantes, como explicar que o encontro
entre a psicodinâmica do trabalho e os sociólogos do
trabalho poderia apesar de tudo acontecer?
As relações sociais de sexo representavam o nó cego
da psicodinâmica do trabalho. Mas a problemática do
prazer e do sofrimento no trabalho foi sendo construída
recusando a “tentação“ psicossociológica, isto é, a tese
da articulação entre o indivíduo e o social, em proveito
de uma concepção dinâmica das relações entre sujeito e
Os fundamentos teóricos da disciplina e
suas primeiras descobertas empíricas
foram também estabelecidos num quadro de
referência ao masculino-neutro, onde a questão
era saber se a teoria em psicodinâmica do
trabalho seria adequada para compreender
também as situações vividas pelas mulheres.
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Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 17
sociedade. Entre a cena do fantasma e a experiência do
trabalho (tendo como exemplo o sonho da ausência de
gravidade e a profissão do piloto de caça), havia a
materialidade dos constrangimentos da organização do
trabalho (DEJOURS, 1980). Isto não se inscrevia na
continuidade da história pessoal, mas se impunha in-
dependentemente da vontade do sujeito. A experiência
do trabalho não repetia a história infantil. Também,
problematizar as relações dinâmicas entre o sujeito e o
trabalho implicava em evitar um duplo obstáculo:
• Por um lado, não fazer o impasse sobre o peso dos
determinismos sociais e seu heteronômio com relação
à psicologia individual. Em suma, deve-se adotar uma
verdadeira teoria social.
• Por outro, não ceder a uma outra “tentação”, aquela de
uma ciência do homem sem subjetividade, de acordo
com estes determinismos um peso tão esmagador que o
sujeito é reduzido a ser um simples reflexo social, uma
marionete sem espessura psíquica e portanto sem li-
berdade. De qualquer forma, a análise das relações domi-
nante–dominado(as)
se reduzirá pura e sim-
plesmente a uma teo-
ria de alienação, inap-
ta a pensar os proces-
sos de emancipação.
A sociologia das rela-
ções sociais de sexo dá
um estatuto privilegiado
ao antagonismo, ao conflito. “As relações sociais não são
para mim o determinismo, escreve Danièle Kergoat, mas ao
contrário são uma maneira de pensar e de trabalhar a
liberdade” (HIRATA, KERGOAT, 1988, p. 140). Além
disso, estreitamente ligado à questão da liberdade, o traba-
lho representa um desafio central nas duas disciplinas.
Parece, retrospectivamente, que foi esta doutrina comum
das relações entre determinismos e liberdade que tornou
possível um trabalho interdisciplinar, fecundo para as duas
partes. Kergoat e Hirata integraram no seu próprio trabalho
teórico que os desafios em termos de emancipação não
podem ser desvinculados dos desafios em termos de saúde
mental, e que “não podemos pensar o trabalho, inclusive
sociologicamente, sem considerar a subjetividade”
(KERGOAT, 2001, p. 89).
Uma primeira etapa: reconsiderar
o sofrimento dos homens
No seminário “ Plaisir et souffrance dans le travail ”
Christophe Dejours contribui escrevendo: “ Cada sofri-
mento será, seguindo as teses sociológicas aqui expos-
tas, sexuado (...). Certos sofrimentos são masculinos,
outros femininos. Eles não são similares, porque as
situações de trabalho que os produzem não são as mes-
mas” (HIRATA, KERGOAT, 1988, p.167)
A primeira etapa reconsiderou o sofrimento no traba-
lho dos homens. Danièle Kergoat possibilitou uma nova
leitura, uma leitura sexuada, das estratégias coletivas
descobertas entre os homens, salientando a importância
da virilidade social nas suas estratégias. É o que ela
indica sobre os caminhoneiros da fábrica Bulledor, onde
o responsável de recursos humanos os comparava a “uma
horda de cavalos selvagens” (HIRATA, KERGOAT,
1988, p. 153). O que a sensibiliza é de um lado um
julgamento positivo proferido pela hierarquia sobre um
grupo percebido pela chefia como rebelde. Por outro
lado, os motoristas julgavam positivamente seu trabalho,
ainda que a duração e as condições sejam duras. A
exaltação viril não tem função de “compensar” a explora-
ção sofrida devido às relações de classe? Esta questão
terá forte incidência sobre a conceituação das estratégias
coletivas de defesas.
A dimensão coletiva destas estratégias apareceu de
maneira típica na profissão da construção civil. É, princi-
palmente, a de lutar contra o medo gerado pelo trabalho
opondo coletivamente uma recusa de sua percepção. Na
construção desta recusa, a virilidade social tem um papel
preponderante. Em essencial, um homem, um “verdadei-
ro”, deve multiplicar as demonstrações de coragem para
conseguir convencer seus companheiros e compartilhar os
mesmos riscos, que ele domina e despreza o medo. A
exaltação viril não oferece somente uma “compensação”
narcísica à exploração, ela se constitui em uma verdadeira
ideologia defensiva que, logo que ela é compartilhada por
todos os membros de um coletivo de trabalho, interdita a
expressão de medo e mais amplamente a de sofrimento no
trabalho. Aquele que sofre deve se calar e/ou partir, senão
ele passa por um fraco, um “afeminado”, uma “mulher”.
Entre os assalariados, como no espaço privado, as ativida-
des suscetíveis de fragilizar a posição viril, por que elas
confrontam a vulnerabilidade humana, são ocupadas pe-
las mulheres, de preferência sem falar com os homens,
sob pena de se expor a seu mau humor, ou ainda pior
(MOLINIER, 1996). A recusa do sofrimento dos homens
E m essencial, um homem, um “verdadeiro“, deve
multiplicar as demonstrações de coragem para
conseguir convencer seus companheiros e compartilhar
os mesmos riscos, que ele domina e despreza o medo.
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Pascale Molinier
18 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004
aparece também como um apoio psicológico fundamental
na análise combinada das relações sociais de produção e
de reprodução, e como um dos princípios organizadores
das práticas sociais, notadamente das lutas sindicais.
Em 1998, C. Dejours dará um passo suplementar ao
mostrar que a virilidade “não anestesia” somente a per-
cepção do medo, mas também o sentido moral
(DEJOURS, 1998). A análise do “cinismo viril” na orga-
nização contemporânea coloca as formas de racionaliza-
ção defensiva, em particular do lado dos executivos, para
justificar a sua própria participação na injustiça social.
Todos os termos que são associados à virilidade se esta-
belecem na hierarquia dos valores e são suscetíveis de
adquirir uma grandeza, mesmo se infligir um castigo ao
sofrimento ou à injustiça para com outros. Um homem,
um “verdadeiro”, não terá crises. Em nome da coragem
viril, o mal feito pelos homens é mais facilmente justifi-
cado que aquele cometido pelas mulheres e o bem que
elas fazem alcança o mesmo valor daquele dos homens.
As operárias e o silogismo
do sujeito sexuado feminino
Existem coletivos de profissões femininas? Das for-
mas de cooperação específicas e das formas de coopera-
ção defensiva feminina? Segundo Danièle Kergoat, o
coletivo das operárias existe apenas em período de luta e
o grupo de operárias aparece no cotidiano inteiramente
fragmentado, definido pela representação dada pelas
operárias, “como um agregado atravessado por uma in-
tensa concorrência interindividual (a solidariedade será
a condição exclusiva do grupo de homens ou ao menos
do grupo misto)”. O problema da “inveja” volta como um
leitmotiv em quase a totalidade das entrevistas.
Em termos de reprodução dos esteriótipos sexuais,
como nos discursos sobre a “inveja”, Kergoat decida
dar importância ao que “as prórpias operárias reconhe-
cem”, formalizando-os por um silogismo (KERGOAT,
1988):
1- todas as mulheres são invejosas (têm medo do chefe,
são fofoqueiras, etc.);
2- eu, eu não sou invejosa;
As premissas colocam em visibilidade a recusa do
indivíduo-operário de se identificar pertencente a um
grupo de “mulheres” julgado pejorativamente segundo
os estereótipos sexistas da ideologia dominante. A idéia
forte é que formalmente a conclusão deveria ser:
3- então eu não sou uma mulher.
Na medida em que “eu não sou uma mulher” não é nem
dizível nem mesmo pensável, “a constituição sexual do
sujeito se encontra assim bloqueada ao nível de suas
representações” e parece ser um impasse (KERGOAT,
1988, p. 110) .
As operárias não podem, como mulheres, se constituir
em um “sujeito social”. Quais são as conseqüências de
uma falta de identidade social sobre a identidade indivi-
dual? Como será para as mulheres qualificadas? O este-
reótipo da “inveja”, ao inverso dos
“valores” viris mobilizados pelos ho-
mens, é pejorativo. Admitindo que
existem, em outros meios de trabalho
não só das operárias, estratégias cole-
tivas de mulheres, a partir de quais
outras fontes ideológicas elas são
construídas? E estas estratégias con-
seguem reduzir, talvez superar, a
descontinuidade entre o sujeito se-
xual de um lado, o grupo sexual e o
universo de trabalho de outro lado?
Para trabalho diferente, sofrimento
diferente: a compaixão das enfermeiras
Para tentar responder a estas questões, é preciso
encontrar uma situação que autorize a comparação com
as situações de trabalho masculinas que permitiram
construir os conhecimentos em psicodinâmica do traba-
lho. Prescrita por homens (médicos e administradores),
a profissão de enfermeira foi inventada, exercida e
estabelecida por uma maioria de mulheres, em todos os
níveis hierárquicos. Ainda que implique em formas de
comando e cooperação, técnica é uma dimensão impor-
tantes trata-se de um trabalho que confronta o medo
(contaminação, erro, violência...). Mesmo que compor-
te similitudes com situações masculinas, o trabalho de
enfermagem é também bem diferente: explicitamente
orientado para atender aos outros e aliviar o sofrimento
psíquico, ele aparece, por estas razões, fortemente
indexado à identidade feminina.
Para investigar as situações do trabalho de enferma-
gem, a solução foi privilegiar um construtivismo metodo-
As operárias não podem, como mulheres,
se constituir em um “sujeito social”.
Quais são as conseqüências de uma falta de
identidade social sobre a identidade individual?
Como será para as mulheres qualificadas?
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Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 19
lógico. Suspendemos deliberadamente a questão do sa-
ber se os homens e as mulheres eram, por natureza,
diferentes. Fiéis às opções metodológicas da psicodinâ-
mica do trabalho, escolhemos como eixo de análise o
conflito entre o sujeito e os constrangimentos da organi-
zação do trabalho. Mas este conflito foi redefinido no
contexto de uma problemática integrando a divisão sexual
do trabalho como uma dimensão estrutural e central na
relação subjetividade–trabalho.
A confrontação com o sofrimento de outro é a fonte de
um sofrimento específico que é a compaixão (sofrer com).
Quais são as principais descobertas sobre este sofrimento?
A experiência dos alunos de enfermagem se instaura sob
a influência do medo e do desgosto, combinado com a
tentação de demolir os muros e evitar a confrontação com os
doentes. Não é a compaixão que está em primeiro plano,
mas os comportamentos de recusa. A compaixão é um
processo psíquico desencadeado pela obrigação determina-
da pelo confronto com os doentes, mesmo quando não se
tem vontade, e que só se elabora graças a um grande esforço
coletivo. A compaixão é fruto de uma construção social.
De um lado, a relação subjetiva com o outro é forte-
mente impregnada de ambivalência; estamos ocupadas
com pessoas cujo estado de degeneração física e mental
suscita angústia, desgosto e medo. De outro, a organiza-
ção do trabalho hospitalar, notadamente através de seus
constrangimentos temporais, tende a passar a humani-
zação dos cuidados para um segundo plano com relação
às dimensões técnicas do trabalho. Mas a instrumentali-
zação da atividade é vivida como insatisfatória do ponto
de vista dos valores, do sentido
da profissão. Trabalhar bem é
construir o melhor compromisso
entre eficácia técnica e compai-
xão. Tal compromisso é neces-
sariamente imperfeito, mas ele
pode ser julgado aceitável. A
qualidade das arbitragens coleti-
vas é decisiva, tanto para evitar a
desumanização dos cuidados como os riscos de trans-
gressões individuais (por exemplo, não colocar luvas de
proteção por compaixão aos pacientes em estado termi-
nal da AIDS. CARPENTIER-ROY, 1991). As dimensões
ambíguas da afetividade estão na realidade sempre pre-
sentes numa atividade aonde as relações podem alcançar
uma real intensidade. Por um processo de deliberação, o
pessoal de enfermagem estabeleceu uma fronteira coleti-
va entre, como elas dizem, “a mulher” e a “profissional”,
para não “misturar tudo”. A importância que as enfer-
meiras conferem a esta fronteira, como garantia de sua
saúde mental, sugere que, em suas representações, a
identidade feminina e a identidade profissional não se
recobrem completamente, e a confusão entre as duas será
fonte de sofrimento.
“No começo, como enfermeira, eu interpretava mal
as falas que vinham dos homens, tipo: você tem a
mão doce (...). Eu quero ser reconhecida, como
enfermeira, não só como mulher. (...) Você sabe,
quando você é uma garota, você tem sempre medo
dos contatos porque podem ser vistos como uma
agressão física: não pode me tocar porque tem a
intenção de mexer no meu corpo, isto eu não supor-
to. Aí é o momento aonde eu ainda preciso me
afirmar tanto como profissional como mulher.”
(KERGOAT, 2001, p. 95).
“Todas as mulheres são fofoqueiras”: esteriótipo
sexual ou estratégia coletiva de defesa?
As enfermeiras dissociam com insistência o “ser-mu-
lher” de seu profissionalismo, insistência sem equivalên-
cia do lado dos homens. Os valores da compaixão jamais
são por elas considerados como valores especificamente
femininos (vs os valores viris)1
. Suas estratégias coleti-
vas de defesa são também opostas às estratégias viris:
elas não podiam ser entendidas num modelo teórico
“androcentrado”. É a tonalidade particular das discus-
sões entre o pessoal que se ocupa dos cuidados à saúde
que faz aparecer as especificidades da cooperação defen-
siva, sob condição de manter uma distância dos estereó-
tipos sexuados, a fim de escutar outra coisa que não
fofoca da «mulherada» ou «das descerebradas».
A negação de sua própria vulnerabilidade deixava as
enfermeiras insensíveis ao sofrimento, colocando em
xeque a eficácia e mesmo o sentido do trabalho. As
discussões entre elas visa elaborar o sofrimento gerado
pelo trabalho hospitalar sem contrapor uma negação.
Mas esta elaboração coletiva é tão ambígua quanto a
realidade que ela tenta subverter . As enfermeiras consa-
gram um tempo significativo para discutir entre elas, de
preferência tomando um cafezinho. Estes momentos de
convívio são necessários para a coesão da equipe e a
qualidade do trabalho, como para a boa saúde mental,
mas tendem a desaparecer à medida que o trabalho se
intensifica. Durante essas discussões informais, as mu-
As enfermeiras dissociam com insistência
o “ser-mulher” de seu profissionalismo,
insistência sem equivalência do lado dos homens.
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lheres trocam informações preciosas para acompanhar o
trabalho, e também expressar seus diversos sentimentos,
as dúvidas, a inquietação, a impotência, a atração ou a
aversão. O tom de suas conversas pode parecer insólito,
às vezes chocante para pessoas de fora. As situações
descritas são geralmente patéticas, portanto é o bom
humor que rege. Cada uma se esforça em “desdramati-
zar” as situações vividas, empregando façanhas inventi-
vas e fantasias para deixar o cotidiano mais agradável e
divertido. Para dizer de uma outra forma, trata-se de
inventar um conjunto de recursos simbólicos que per-
mita deixar o mundo mais vivível sem portanto eliminar
o sofrimento. Para tanto, elas zombam dos doentes, dos
chefes e dos médicos, mas sobretudo elas zombam de si
mesmas, “frágeis-mulheres”. A dimensão da auto ironia
frente à própria vulnerabilidade é a componente essenci-
al das defesas “femininas”. O sentimento de
vulnerabilidade é congruente com a feminilidade. Ao
contrário, zombar de suas próprias fraquezas, de suas
próprias perdas, é inconcebível na perspectiva viril.
Existe uma “sexuação” das defesas. Evidentemente isto
não se dá porque as mulheres são dotadas, desde o nasci-
mento, da capacidade de reconhecer em si suas próprias
fraquezas e de tolerá-las nos outros.
Estas estratégias de “domesticação” do real são con-
tingentes e só se elaboram porque existe um coletivo de
regras de enfermagem. Ora, a perenidade do coletivo é
contribuinte do desejo de dividir sua experiência do
trabalho com os colegas. Isto implica em estar de acordo
com o que se faz. A dificuldade do trabalho compassivo
assinala a entrada do sofrimento ético. É o caso, para
dar um exemplo, quando os trabalhadores do hospital
têm o sentimento de ser antes de qualquer coisa avaliados
não pela qualidade de seu cuidado, mas por sua prontidão
em “ esvaziar as camas” ou as “rentabilizar”. Eis, tipica-
mente, o tipo de situação suscetível para quebrar a pala-
vra no seio do coletivo e provocar “descompensações”
psicopatológicas. Estas interferem logo que o sujeito não
consegue mais trabalhar conforme seus valores; logo que
ele tem o sentimento de desenvolver um trabalho indig-
no, nefasto para o outro. Uma tarefa que ele tem vergo-
nha e que ele não quer, portanto, colocar em deliberação
com seus colegas. Não é a compaixão que é patogênica
mas a impossibilidade crônica de lhe dar uma saída
criativa no cuidar.
Quais são as formas de compensação das pessoas que
trabalham com cuidados aos outros? Qual é a sua fre-
qüência? Os médicos do trabalho que atuam em hospitais
serão os melhores para responder a estas questões, saben-
do que as relações entre sofrimento no trabalho e doença
não mantém relações causais: depressões, suicídios, pas-
sagens ao ato violento para uns, aparecimento de diver-
sas doenças somáticas para outros. Nossos estudos suge-
rem que entre o drama da doença e a subversão coletiva
do sofrimento, uma alternativa muito utilizada é a das
estratégias individuais de defesa.
Duas estratégias individuais típicas:
a mudança e o ativismo
Em um estudo realizado com chefes de enfermagem
que sofriam de fadiga2
por excesso de trabalho, na medi-
da em que elas estimam que não podem trabalhar confor-
me seus valores, Seria mais sábio pedir rapidamente uma
mudança de cargo ou de setor do que se desgastar em
conflitos estéreis e inúteis com os chefes de serviço e
com a administração (MOLINIER, 2001). De fato, parti-
das e mudanças intervêm logo que as pessoas compreen-
deram que não tinham poder para modificar a situação3
.
Em suma, as estratégias de mudança (às vezes demissão)
intervêm depois de tentativas abortadas de resistência ou
de rebelião, tentativas freqüentemente custosas no plano
pessoal e cujo insucesso é doloroso de elaborar. Partir
significa a recusa de se tornar cúmplice do sistema e a
vontade, como dizem as chefes de enfermagem, de “sal-
var sua pele” 4
. O pedido de mudança (ou a demissão)
ocorre freqüentemente após uma fase de ativismo. O
ativismo é uma estratégia, clássica no meio hospitalar,
que consiste em querer concluir sua tarefa integralmente,
notadamente a não sacrificar a humanidade dos cuida-
dos, sem contar suas horas de trabalho. O ativismo privi-
legia então o sentido do trabalho. Mas é uma estratégia a
curto prazo que ocorre sobre a diminuição da vida pesso-
al e sobre o esgotamento profissional, o qual numerosos
trabalhadores que cuidam de outras pessoas tentam ame-
nizar usando automedicação.
Se o ativismo é explorado pela organização do traba-
lho, ele não é reconhecido nem recompensado. Quando
as pessoas que cuidam de outras são usadas, consumidas
e se tornam, portanto, em parte inaptas para sua função,
elas são estigmatizadas por seus colegas, que as enqua-
dram como “braços quebrados”. O ativismo é raramente
uma estratégia coletiva5
, ele é fonte de conflito e de
divisão no seio das equipes, entre aquelas que não con-
tam suas horas, aceitam fazer substituições nos seus dias
de descanso, e aquelas que tentam proteger sua vida
privada, fazendo respeitar seus direitos. Estas devem
compor com os constrangimentos (mono)parentais, ou
simplesmente vivem em “sobrecarga” por excesso de
trabalho. Na medida em que as equipes das pessoas que
cuidam sejam formadas por mulheres da classe média
sujeitas a dupla tarefa, tem uma função primordial.
Pela diferença com o sofrimento gerado pelo trabalho
de enfermagem, o sofrimento gerado por sua “concilia-
ção” com o trabalho reprodutivo é visto como um proble-
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Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
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ma individual e não como uma dificuldade que poderia
ser socializada e superada coletivamente. Isto aparece
claramente nos estudos realizados com chefes enfermei-
ras, quando elas não conseguem “conciliar” o papel ma-
ternal e conjugal com o seu trabalho, o que pode sob a
ótica dos constrangimentos da organização do trabalho
parecer, ao menos para nós pesquisadores, como uma
missão impossível. Portanto não é a organização do tra-
balho que elas remetem em questão, mas a elas mesmas
(ou àquelas que não conseguem). “Más profissionais” e
“más mães” é “sua culpa”: elas erraram em querer fazer
carreira. Esta personalização de suas dificuldades as
conduz a ficarem sozinhas, no silêncio e na culpa, com
inteira responsabilidade. Enfim, quando as enfermeiras
esgotadas tentam levar as suas dificuldades para aqueles
que decidem, elas estão num estado de excitação, esgota-
mento emocional, confusas. Seu estado é, em geral, jul-
gado como patológico pelo interlocutor. Nelas estaria
todo o problema, na sua atividade, na sua “ devoção” ou
na sua fragilidade (MOLINIER, 2000).
Abordamos, aqui, um dos principais problemas. Quem
compadece? A “mulher”? ou a “profissional”? A com-
paixão não está incluída como um trabalho, ela é natura-
lizada, confundida com a feminilidade. À medida dos
interesses defensivos dos que de-
cidem, a compaixão é idealizada
no registro da sensibilidade femi-
nina (“as mulheres são formidá-
veis”), ou racionalizada pejorati-
vamente como pieguice (as mu-
lheres têm “crises”). Em seguida,
nós vimos que é sobre um modo
aonde a compaixão não é jamais
desassociada do humor e da auto-
gozação que as enfermeiras con-
tam sua vivência do trabalho atra-
vés do que é uma arte de viver o
sofrimento. Compreendemos que
este modo de narração tão particular seja difícil de
socializar fora do coletivo delas: é inaudível a partir da
posição de negação viril. Todavia, o déficit de visibilida-
de do trabalho compassivo não é unicamente devido à
negação de realidade dos que decidem. Para ser eficaz,
o trabalho compassivo deve se tornar invisível anteci-
pando com relação às necessidades do outro, em termos
de conforto, de escuta, de segurança, de presença, etc.
Como reconhecer o trabalho, aonde esperam a autenticida-
de de um gesto de simpatia? Os saber fazer compassivos
são discretos (MOLINIER, 2000). Para as enfermeiras,
uma vez estabelecida, a compaixão se experimenta espon-
taneamente, como um sofrimento ...., ela torna-se uma
relação com o mundo, uma postura, vivida como natural.
Volta sobre a continuidade sujeito sexuado–sociedade
As descobertas realizadas junto às enfermeiras, de um
lado, e o estatuto da negação do real nas estratégias
defensivas viris, de outro lado, confrontam a tese da
continuidade entre a identidade sexual e a divisão sexual
do trabalho? Segundo Roiphe e Galenson (1981), as
observações sistemáticas feitas de crianças dos dois se-
xos, entre quinze e vinte e quatro meses, sugerem que a
negação será uma postura física enraizada bem cedo no
desenvolvimento infantil do menino, enquanto que as
meninas serão “preparadas” ao reconhecimento do real
do corpo e sua vulnerabilidade6
. É numa idade não muito
precoce que os teóricos da ética do cuidar (ethics of care)
instituem a diferença entre o “eu relacional” das meninas
e o eu abstrato dos meninos (CHODOROW, 1978,
GILLIGIAN, 1982). Sem dúvida, a transmissão das iden-
tidades e dos “papéis do sexo” se enraízam nas interações
precoces, antes do trabalho, entretanto, como sabemos,
com importantes variações entre os indivíduos. Mas, nos
exemplos, parece que aquilo que se esboça na infância é
em seguida profundamente modificado pelo encontro com
o real do trabalho e muito pouco compreendemos sobre as
vicissitudes da identidade (pedestal da saúde mental) na
idade adulta sem referência à materialidade do trabalho.
Assim, a negação da realidade não é única (e a me-
lhor) forma de se defender contra o sofrimento gerado
pelas atividades exercidas por uma maioria de homens.
Estas atividades não precisam ser efetuadas de maneira
viril para serem bem-sucedidas. Parece, com efeito, que
uma minoria entre as mulheres não mobiliza sempre
exatamente as mesmas fontes psíquicas que os homens,
como Lívia Scheller mostrou sobre as condutoras de
ônibus (SCHELLER, 1996).
Além do mais, mesmo que nas atividades “masculi-
nas” as mulheres trabalhem em parte diferentemente dos
homens, não é sempre a primeira intenção. Mas sobretu-
do porque as mulheres tentam empregar os métodos
viris, aqueles que funcionam para os homens, são
P ela diferença com o sofrimento gerado
pelo trabalho de enfermagem, o sofrimento
gerado por sua “conciliação” com o trabalho
reprodutivo é visto como um problema individual
e não como uma dificuldade que poderia ser
socializada e superada coletivamente.
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Pascale Molinier
22 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004
freqüentemente a seu prejuízo e insucesso. Isto aparece
nitidamente num estudo de Joan Cassell sobre as
cirurgiãs (CASSELL, 2000). Estas devem enfrentar ex-
pectativas específicas, para a maioria implícitas, da
parte de suas hierarquias, colegas e subordinados. Em
particular, se espera das mulheres no posto de comando
que elas façam prova de firmeza como os homens, mas que
elas também estejam mais à escuta dos outros, mais “hu-
manas”, diriam trivialmente. Isto, as cirurgiãs não apren-
dem nem na faculdade, nem observando os mestres, elas
descobrem em situação de trabalho. É então, em seu corpo,
sem ter antecipado primeiro, que elas são conduzidas a
experimentar defensivamente formas de relações profis-
sionais, de autoridade e de gestão (mais “compreensível”)
diferentes das dos homens, assim como outras defesas
(MOLINIER, 2003).
Enfim, as mulheres que exercem atividades “femini-
nas” não estão sempre na medida de reconhecer o real.
É o caso quando elas se defendem de perceber seu trabalho
como degradante para a sua própria dignidade, em particu-
lar quando ele consiste em limpeza sem descanso (e sem
reconhecimento) dos dejetos corporais e porcarias dos
outros. Assim, podemos identificar, em certos coletivos de
atendentes de enfermagem ideologias defensivas da pro-
fissão7
chamadas de Kaporalisme (ou ideologia da ordem
ao mérito) que consiste em fazer uma triagem entre:
• os (alguns) pacientes que merecem a compaixão e serão
tratados como pessoas sem restrições (aqueles que coo-
peram ativamente e manifestam a gratidão);
• e aqueles que serão tratados como subprodutos da
espécie humana, como “coisas”, porque eles diminuem
o trabalho e contribuem com a penosa tarefa sem
manifestar gratidão: tipicamente os doentes mentais,
que “não têm mais sua cabeça” os drogados e os
alcoólatras, que “terão aquilo que eles merecem”, ou
as mulheres no dia seguinte da tentativa de suicídio,
que “fazem drama” (MOLINIER, 1966).
Assinalemos que tal manobra coletiva contra a perda da
auto-estima, devastadora para os doentes que são o alvo,
modifica muito superficialmente o sentimento de se deterio-
rar numa tarefa indigna. O maltrato, ou a mínima indiferen-
ça que resulta de uma estratégia kaporalista não beneficia a
“ascensão viril”, pois retorna num “valor”, uma vez que
atinge o registro da identidade. Se for para renovar a refle-
xão moral apoiando-se sobre a experiência concreta das
mulheres, assim como a censura ética da solidão, é necessá-
rio ter-se em conta a base material desta experiência, isto
é, a divisão sexual do trabalho, as relações sociais de
classe e de sexo, assim como os conhecimentos sobre as
estratégias coletivas de defesa. À revelia, as auxiliares
de enfermagem que se defendem da fadiga e da humilha-
ção pelo kaporalismo vivem o risco de ser duplamente
estigmatizadas, julgadas “malvadas” tanto como profissio-
nais como mulheres (a indiferença ao outro e a violência são
antinômicos com a definição da feminilidade “relacional”).
A dupla centralidade do trabalho e da sexualidade
A identidade sexual se es-
boça durante a infância. Este
primeiro pilar é colocado em
questão não somente pelas
primeiras experiências amo-
rosas mas também, de uma
maneira decisiva, pela expe-
riência do trabalho. É no mo-
mento da adolescência, perío-
do chave do desenvolvimen-
to, que entram em conflito os dois problemas, o da esco-
lha profissional (vetorização inconsciente → sujeito) e as
incidências da situação de trabalho sobre a vida psíquica
e afetiva do adulto (vetorização sociedade → sujeito
(DEJOURS, 1996). Isto leva a postular uma “dupla
centralidade”, a da sexualidade e a do trabalho, no funcio-
namento psíquico e na construção da saúde. Esta discussão
se iniciou desde 1988 em um artigo consagrado essencial-
mente, como indica seu título, ao “masculino entre socie-
dade e sexualidade” (DEJOURS, 1988).
É raro que o sujeito, quando entra no mundo do traba-
lho, seja suficientemente maduro e seguro de sua identida-
de sexual para pretender ser aceito pelos outros como
amável enquanto homem (ou enquanto mulher) 8
. É por
isso que nos encontros entre o sujeito masculino e os
constrangimentos deletérios das situações de trabalho, o
risco de captura da identidade masculina pela virilidade
defensiva é real. O homem virilizado escora seu funciona-
mento mental e social a partir de representações estereo-
tipadas e imagens prontas, também é pouco acessível aos
remanejamentos psíquicos, fragilizado não somente por
abordar o reencontro erótico com uma mulher alter ego,
mas também por elaborar ao longo da vida as situações de
ruptura, em particular as demissões ou a aposentadoria.
Do outro lado da relação social de sexo, para designar
a posição feminina encravada, isto é alienada na submis-
E m particular, espera-se das mulheres no posto
de comando que elas façam prova de firmeza
como os homens, mas que elas também estejam
mais à escuta dos outros, mais “humanas”
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Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002
Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 23
são, Dejours cria o neologismo de “mulheridade”. Entre
virilidade e “mulheridade”, a identidade sexual das mu-
lheres que trabalham em profissões tradicionalmente
masculinas se dá sob grande tensão. É o caso de Mulvir,
uma jovem analisada em psicoterapia por Dejours
(1996). Ela, recusando repetir o destino maternal frustra-
do (mulheridade), deseja entrar num trabalho interessan-
te e qualificado, o de técnica-eletricista. Mas, no seu
meio social, não há mulher que represente um modelo de
emancipação profissional e sexual. E no seu meio de
trabalho exclusivamente masculino, ela deve consentir
em aceitar as estratégias coletivas de defesa e os trotes
construídos pelos homens, com o risco de uma conse-
qüente virilização – “uma crise da identidade sexual
com os problemas do uso do corpo erótico e a uma hesita-
ção sobre a orientação sexual (homo ou heterossexual)”
(DEJOURS, 1996, p. 25). Dejours mostra que, numa
abordagem psicanalítica convencional, a sua própria an-
tes da discussão com Kergoat e Hirata, a luta trágica da
jovem contra a “mulheridade” será interpretada como
uma reivindicação fálica e uma recusa típica da castra-
ção. Mulvir não é “um homem castrado”, mas uma jovem
mulher em busca da realização de si. A tomada de cons-
ciência das relações sociais da produção e da reprodução
tem incidentes pesados em termos da orientação terapêuti-
ca. Em princípio, a terapia pode reforçar a “mulheridade”,
antes de tudo uma defesa que consiste em “fazer a mulher”
para ser aceita e amar (Ver GRENIER-PEZÉ, 2000 e
MOLINIER, 2003).
“Através da feminilidade a subjetividade se descolaria
do esteriótipo social de dona de casa submissa a seu homem,
como a masculinidade será a testemunha do caminho feito
pelo sujeito para não se deixar reduzir ao machismo con-
vencional (identidade de empréstimo).” (DEJOURS, 1966,
p. 20). As vicissitudes deste “descolamento”
não são interpretáveis sem referência ao traba-
lho. Isto é adquirido. Mas as aspas que são
colocadas na “feminilidade” sugerem que se
avança num terreno conceitual incerto. A dis-
cussão com os sociólogos tem um papel impor-
tante nesta indefinição conceitual. Esta posi-
ção teórica prudente me parece ser sempre
devida, especialmente porque há um verdadeiro hiato entre
as definições sociais (androcentradas) da feminilidade e a
maneira como esta se apresenta no discurso feminino. Já
explicamos longamente sobre a naturalização do trabalho
compassivo na feminilidade social. Acrescentamos que em
psicodinâmica do trabalho, a identidade sexual foi proble-
matizada por Dejours em termos de reciprocidade entre os
sexos (como aquilo que escapa a toda relação social). Desta
maneira, a masculinidade se construiria no encontro erótico
com as mulheres, ao contrário da tese romântica de Rousseau
que defendia a feminilidade como fruto da iniciação sexu-
al pelo homem (HABIB, 1998). Portanto, quando as mu-
lheres dissociam a “mulher” da “profissional”, esta parte
delas mesmas que elas designam como a “mulher” é antes
de mais nada a que deseja que seu corpo lhe pertença.
Livre de se “ocupar dela mesma” como as esposas dos
homens que trabalham em turnos dos quais falaremos mais
tarde, livre de recusar ser tocada contra sua vontade, como
a jovem enfermeira citada, livre para não se embrutecer nas
respostas repetitivas às necessidades dos outros, como tes-
temunham amplamente as auxiliares de puericultura e as
assistentes maternais (CHAPLAIN, CUSTOS-LUCIDI,
2001). No discurso das mulheres, é a inalienabilidade do
corpo que aparece como o vetor principal da identidade
sexual. Inalienabilidade a ser conquistada antes de toda
maneira de reciprocidade sexual e que implica a subversão
das relações sociais de sexo.
As duplas virilidade–masculinidade, mulheridade-fe-
minilidade não são então simétricas e não reenviam a
uma tipologia das identidades sexuadas, mas formam
uma rede conceitual topológica para pensar a complexi-
dade dos destinos de identidades, entre sexualidade e
trabalho, sem fixar ou definir a essência dos conteúdos da
masculinidade ou da feminilidade.
A saúde dos homens: uma
construção do trabalho conjugal?
Discursos e práticas da maioria das mulheres apare-
cem fortemente marcados, não porque será uma adesão
pura e simples a seu estatuto de dominada, mas pela luta
contra a mulheridade. Isto autoriza retomar a controver-
tida questão do “consentimento” das mulheres, a sua
dominação, ao menos aonde elas não são constrangidas
pela violência.
“Por que (a despeito das mudanças da atividade femi-
nina) o trabalho doméstico é e continua a ser realizado
no meio da família e do casal gratuitamente e “volunta-
riamente” pelas mulheres? Por que mesmo aquelas que
têm uma “consciência de gênero” “consentem” em re-
produzir esta relação assimétrica?”, pergunta Helena
Hirata (2002, p. 14). Abre-se aqui um novo programa de
pesquisa interdisciplinar, apenas esboçado, que repre-
senta um desafio teórico (DEJOURS, 2001) e metodo-
lógico.
As relações de produção não podem
ser analisadas independentemente
das relações de reprodução
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Pascale Molinier
24 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004
Eu evocarei brevemente uma recente pesquisa feita
com mulheres de homens que trabalham em turnos numa
indústria de processo contínuo (MOLINIER et al., 2001).
Permitindo confirmar que as relações de produção não
podem ser analisadas independentemente das relações de
reprodução, e portanto que as investigações sobre o so-
frimento no trabalho não podem ser desligadas dos desa-
fios em termos de transformações das situações de traba-
lho, esta pesquisa poderia inaugurar uma nova era para os
dispositivos metodológicos em psicodinâmica do traba-
lho. Com efeito, a contribuição das mulheres de homens
que trabalham em turnos não se limita à execução das
faxinas domésticas, se acrescentamos um trabalho psico-
lógico onde o papel é fundamental na construção e na
preservação da saúde do esposo. Guardiãs do sono de
seus esposos, da regularidade das referências temporais
da família, guardiã do seu par, a cooperação das mulheres
no espaço doméstico é necessária ao desempenho dos
trabalhadores em turnos. Aliás, estes dizem que um ho-
mem solteiro não teria muito tempo disponível. O modo
de produção doméstico toma tanto tempo que a maioria
das esposas renunciaram a um trabalho assalariado ou
desejam parar de trabalhar. A suspensão, provisória ou
definitiva, da atividade é o preço a pagar para a sua
própria saúde e a estabilidade do casal, pensam elas.
As mulheres de homens que trabalham em turnos são
“compreensivas”. “Compreensiva, mesmo se isto me
irrita”, dirá uma delas. Constatamos, entre as mais ve-
lhas, um cansaço e uma irritação em relação à vida
assim organizada e uma irritação contida frente a um
marido que se guarda mais e mais e que se recupera
durante o tempo de descanso. Um marido com quem
precisa se preocupar mais e mais. Segundo as mulheres,
seus esposos, em particular os jovens engenheiros, não
são particularmente “machos”. Eles não impõem a para-
da da atividade profissional a suas esposas. Eles se
propõem a executar as tarefas domésticas, como vestir
as crianças para levá-las à escola. “ Mas eu prefiro fazer
eu mesma”, dirá a esposa, pois ele não combinará as
meias com os elásticos das roupas! Para esta mulher
super- qualificada, que provisoriamente renunciou ao
trabalho, como para as mulheres não qualificadas pro-
fissionalmente, o trabalho doméstico só é suportável
quando realizado perfeitamente. O zelo doméstico é um
meio de lutar contra “o endurecimento”, dizem elas,
para não dizer a depressão silenciosa, a preguiça em
frente à televisão à tarde ou as voltas intermináveis nos
supermercados. Para as mulheres dos engenheiros, elas
mesmas super qualificadas, a parada da atividade pro-
fissional é transitória (os jovens engenheiros não ficam
mais de 5 anos no trabalho). Todavia, para os operado-
res de base, parece que a sua saúde conta em grande
parte sobre a escolha de uma mulher sem ambições de
carreira pessoal. Portanto, sabemos que nas sociedades
atuais, e nas classes sociais, poucas mulheres se reconhe-
cem no modelo da “dona de casa” , incluindo, como vimos,
entre as mais “zelosas”. Resta, por enquanto, que os proje-
tistas das organizações do trabalho masculino não integra-
ram as evoluções das aspirações femininas.
Conclusão
As questões levantadas neste artigo provam que o
campo aberto pela discussão entre a psicodinâmica do
trabalho e a sociologia das relações sociais de sexo não é
homogêneo do ponto de vista teórico, que é cruzado pelas
tensões e controvérsias entre as duas disciplinas e entre
os pesquisadores de cada disciplina. Além destas ten-
sões, os conhecimentos construídos
ao longo destes quinze anos levantam
argumentos substanciais à tese se-
gundo a qual a saúde não é um dom da
natureza, mas uma construção inter-
subjetiva. Parece que nesta constru-
ção, o trabalho de cuidar realizado pe-
las mulheres, neste espaço produtivo
como no espaço reprodutivo, tem um
papel preponderante, hoje subestima-
do. Também não se pode subestimar que este trabalho de
cuidar de outros é freqüentemente questionado pelas
organizações do trabalho que o desconhecem.
Fortalecida pelas contribuições da sociologia das
relações sociais de sexo, a análise das situações do
trabalho do pessoal de enfermagem permitiu mostrar
que as modalidades da subjetividade, como a paciência,
a receptividade, a sensibilidade à vulnerabilidade do
outro, classicamente consideradas pela psicologia clí-
nica como pertencentes à constelação psíquica da femi-
nilidade e do “eu relacional” das mulheres, são, em sua
maioria, diferenciações contingentes e secundárias à
experiência do trabalho. Não considerando as teorias do
trabalho, as teses convencionais da psicologia partici-
pam da ocultação do trabalho das mulheres, desfiguram
sua experiência e acentuam o déficit crônico de reco-
nhecimento que elas sofrem. A psicodinâmica do traba-
Conhecimentos construídos ao longo
destes quinze anos levantam
argumentos substanciais à tese que a
saúde é uma construção intersubjetiva.
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  • 1. Vol.14 no 3 Set./Dez. 2004 ISSN 0103-6513 RevistaPRODUÇÃOVol.14no 3ano2004 Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero Marie Grenier-Pezé Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Pascale Molinier Subjetividade, trabalho e ação Christophe Dejours “Você liga demais para os sentimentos” “Bem-estar animal”, repressão da afetividade, sofrimento dos pecuaristas Jocelyne Porcher Análise do trabalho e serviço de limpeza hospitalar: contribuições da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Márcio Johlben Wu; Erica Alvarinho; Maria dos Santos Desenho do trabalho e patologia organizacional: um estudo de caso no serviço público José Marçal Jackson Filho Entre a organização do trabalho e o sofrimento: o papel de mediação da atividade Júlia Issy Abrahão; Camila Costa Torres Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação Roberto Heloani; Selma Lancman Ser Auxiliar de enfermagem: um olhar da psicodinâmica do trabalho Laerte Sznelwar; Seiji Uchida ED IÇÃO ESPECIAL 001 capa1B.p65 4/2/2005, 15:551
  • 2. Revista Produção Apoio Administrativo Fernando José Barbin Laurindo (POLI-USP-FCAV)) Maria Aparecida da Silva Cotta (FCAV) Gabriela Maria Cabel Barbaran (POLI/ABEPRO) Flávia Gutierrez Motta (POLI/ABEPRO) Editor do Número Especial: Laerte Idal Sznelvar (POLI-USP) ISSN 0103-6513 Corpo Editorial: Editora Marly Monteiro de Carvalho (POLI-USP) Conselho Consultivo: Gabriel Bitran (Massachusetts Institute of Technology - MIT) José Luis Duarte Ribeiro (UFRGS) Nivaldo Lemos Coppini (UNIMEP) Piercarlo Maggiolini (Politecnico di Milano) Ricardo Manfredi Naveiro (COPPE-UFRJ) Tamio Shimizu (POLI-USP) Targino de Araújo Filho (UFSCar) Revista Produção é um veículo quadrimestral de divulgação de trabalhos acadêmicos na área de engenharia de produção, publicado pela Associação Brasileira de Engenharia de Produção – ABEPRO, com distribuição gratuita a todos os seus associados. Conselho Científico do Número Especial: João Alberto Camarotto (UFSCAR) Francisco A. P. Lima (UFMG) Leda Leal Ferreira (FUNDACENTRO) Seiji Uchida (FGV) Roberto Marx (POLI-USP) Lys Esther Rocha (Medicina-USP) Paulo Bento (UFSCar) Laerte Idal Sznelvar (POLI-USP) Débora Raab Glina (FVC) Júlia Issy Abrahão (UNB) Marçal Jackson (FUNDACENTRO) Selma Lancman (Medicina-USP) Diagramação Cristiane Tassi Impressão Gráfica Bandeirantes 002 exped capa 2.p65 10/2/2005, 16:262
  • 3. Este número da Revista Produção tem o propósito de trazer para discussão um tema que tem crescido em importância no mundo da produção. A relação entre a organização do trabalho e o psiquismo humano é cada vez mais debatida entre as disciplinas que se ocupam do trabalho, principalmente entre as que tem uma inserção mais clínica, isto é, aquelas que tem como foco a questão do trabalhar. Em especial, a psicodinâmica do trabalho se ocupa dessas questões, como as pessoas vivem o seu trabalho, como aí se constrói uma relação entre sofrimento e prazer. Resultados de pesquisas têm mostrado a importância do trabalho como um dos mais significativos agentes para a construção da saúde, em todos sentidos, inclusive no que concerne à saúde mental. O trabalho é um dos pilares do processo de realização de si. Por meio dele, as pessoas podem encontrar um lugar digno na sociedade e dar vazão a parte de seus sonhos e desejos. Portanto o trabalho tem um lugar fundamental na construção e no reforço da identidade individual e coletiva. Por outro lado, o trabalho, dependendo como ele é organizado, é um agente de desestabilização, de sofrimento patogênico. Constata-se este fato, a partir de um sem numero de pessoas que são impedidas de se realizar pela via do trabalho. A elas resta o caminho da doença, seja ela expressa no corpo, na mente ou em ambos. Em muitas situações de trabalho, felizmente não em todas, nos defrontamos com um processo de intensificação dos constrangimentos e de banalização de certas práticas, que põem em risco não somente a saúde dos indivíduos, mas no médio ou longo prazo, as próprias empresas e instituições. Um desafio para todos nós é diagnosticar precocemente essa tendência para poder agir no sentido transformar as organizações. Essa tarefa transformadora é, em muitos sentidos, hercúlea e ainda fadada a muitos insucessos, visto que estamos vivendo uma época onde, em nome da competitividade, são aceitas práticas contestáveis no seu sentido ético e moral. Neste número da revista Produção foram publicados artigos que nos levam a uma reflexão sobre questões que, muitas vezes, evitamos enfrentar. Esses artigos são fruto de pesquisas e de ações em psicodinâmica do trabalho, assim como de reflexões mais teóricas, desenvolvidas por colegas franceses e brasileiros. Vale a pena correr o risco! Laerte Idal Sznelwar Revista Produção volume 14 número 3 ano 2004 EDITORIAL 003-005.p65 4/2/2005, 15:573
  • 4. CONTENTS Revista Produção, vol. 14, nº 3, ano 2004 Female foreclusion in the workforce organization: gender harassment Marie Grenier-Pezé Psychodynamics of work and sex social relationships. An interdisciplinary itinerary. 1988-2002 Pascale Molinier Subjectivity, work and action Christophe Dejours “You care too much for feelings” “Animal well-being”, repression of affectivity, cattle raisers’ distress Jocelyne Porcher Work analysis in a higiene service of a hospital: contributions from ergonomics and work psychodynamics Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Márcio Johlben Wu; Erica Alvarinho; Maria dos Santos Work design and “sick workplace syndrome”: a case study in a public institution José Marçal Jackson Filho Between work organization and suffering: the mediation role of the activity Júlia Issy Abrahão; Camila Costa Torres Psychodinamic of the work: the clinical method of the intervention and investigation of the work Roberto Heloani; Selma Lancman To be nurse auxiliary: the point of view of work psychodynamics Laerte Sznelwar; Seiji Uchida 06 14 27 35 45 58 67 77 87 003-005.p65 4/2/2005, 15:574
  • 5. SUMÁRIO Revista Produção, vol. 14, nº 3, ano 2004 Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero Marie Grenier-Pezé Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Pascale Molinier Subjetividade, trabalho e ação Christophe Dejours “Você liga demais para os sentimentos” “Bem-estar animal”, repressão da afetividade, sofrimento dos pecuaristas Jocelyne Porcher Análise do trabalho e serviço de limpeza hospitalar: contribuições da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho Laerte Idal Sznelwar; Selma Lancman; Márcio Johlben Wu; Erica Alvarinho; Maria dos Santos Desenho do trabalho e patologia organizacional: um estudo de caso no serviço público José Marçal Jackson Filho Entre a organização do trabalho e o sofrimento: o papel de mediação da atividade Júlia Issy Abrahão; Camila Costa Torres Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação Roberto Heloani; Selma Lancman Ser Auxiliar de enfermagem: um olhar da psicodinâmica do trabalho Laerte Sznelwar; Seiji Uchida 06 14 27 35 45 58 67 77 87 003-005.p65 4/2/2005, 15:575
  • 6. Marie Grenier-Pezé 6 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 Female foreclusion in work organization: gender harassment Abstract This paper proposes a discussion to help understand the fierce efficacy of moral harassment in the workplace. For this, the issue discussed is that of identitary construction, which depends on the acknowledgement directed on doing, since identity is inseparable of the technical gestures conducted by the subject. This is also a gender issue, of belonging to a sex. In work psychodynamics, a special attention is given to the construction of work collectives which weld a team to professional rules. Cooperation needs an adjustment of particular procedures for carrying out a task, but it is also a confrontation of each individual’s ethical positions, based on shared trust and, therefore, of possible cooperation. Nevertheless, moral harassment became a real management strategy, based on the radicalization of the new forms of work organization which favor defensive virility, which seem to have deeply transformed the relationships within the work teams and radicalized the defense systems built to resist it. Key words Workplace psychodynamics, work organization, moral harassment, gender, identitary construction. MARIE-GRENIER PEZÉ, DRA. Hôpital Max Forestier 303, Av. De la République 92200 Nanterre França E-mail: mariepeze@free.fr Resumo Neste artigo é proposta uma discussão para ajudar a compreender a temível eficácia do assédio moral no trabalho. Para tanto é discutida a questão da construção “identitária”, que depende do reconhecimento que se dirige sobre o fazer, a identidade é inseparável dos gestos técnicos efetuados pelo sujeito. Esta também é uma questão de gênero de pertencimento a um sexo. Em psicodinâmica do trabalho, uma atenção particular é dada à construção dos coletivos de trabalho que soldam um grupo em torno de regras da profissão. A cooperação necessita um ajustamento dos procedimentos singulares de execução da tarefa, mas também uma confrontação de posições éticas de cada um, sobre a base de uma confiança partilhada e, portanto, de uma cooperação possível. Entretanto o assédio moral se tornou uma verdadeira estratégia de gerenciamento, baseada na radicalização das novas formas de organização do trabalho que favorecem a virilidade defensiva, que parecem ter transformado profundamente as relações nos grupos de trabalho e radicalizado os sistemas de defesa construídos para resistir. Palavras-chave Psicodinâmica do trabalho, organização do trabalho, assédio moral, gênero, construção “identitária” Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero INVITED PAPER 006-013.p65 4/2/2005, 15:586
  • 7. Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 7 O ASSÉDIO MORAL, UMA ESTRATÉGIA DE GERENCIAMENTO SEXUADO “Enquanto você não parar de escalar, os degraus não cessarão de subir ao mesmo tempo que seus passos avançam” Kafka, O processo Os gestos de uma profissão são a fonte fundamental de estabilização da economia psicossomática, oferecendo à excitação pulsional uma saída socialmente positiva ao valor da sublimação. Tornar sua execução aleatória, pa- radoxal, humilhante, dia após dia, tem efeitos traumáti- cos sobre a psique. A subordinação própria à definição jurídica de contrato de trabalho prende o assalariado numa toxicidade contextual experimental. Com efeito, o aparelho psíquico só pode se afrontar a uma situação excessiva fonte de excitação graças a duas grandes vias de expressão: o pensamento, que permite trabalhar o “excesso” intrapsíquico, o movimento, que descarrega o corpo do excesso de tensão. Numa situação de assédio, a repetição das humilhações aos novatos, os vexames e as injunções paradoxais têm valor de destruição psíquica e suspendem todo trabalho do pensamento. A impossibili- dade de demitir-se sob pena de perder seus direitos sociais barra a descarga sensório-motora. O impasse criado nestas duas grandes vias de escoamento das excitações traumáti- cas convoca fatalmente a ruína depressiva e a via somática mais ou menos a longo termo. Nós veremos mais adiante como, tocando os gestos da profissão, nós ferimos fatal- mente as pessoas na sua identidade. A situação do assédio, quando interrompida a tempo, pode manter um parêntese obscuro na vida do sujeito. Quando ocorre por um tempo excessivo, as seqüelas psíquicas (neurose traumática, ruína ansio-depressiva, acessos delirantes), acometimentos orgânicos (amenor- réias, câncer de seio, de ovário entre as mulheres) podem ser definitivos e constituem um problema de sobrevivên- cia individual e de saúde pública maior. Em psicodinâmica do trabalho, uma atenção particular é dada à construção dos coletivos de trabalho que soldam um grupo em torno de regras da profissão. A cooperação necessita um ajustamento dos procedimentos singulares É habitualmente a construção de um corpo erótico no entrelaçado das identificações que apaixona o psicana- lista. Mas limitar seu olhar terapêutico à construção do corpo erótico através dos acasos da história infantil en- quanto que o trabalho (sua regulamentação, seu custo, seus efeitos psíquicos e orgânicos) penetra fortemente o material clínico é manter uma postura ilusória. Uma psicanalista durante uma consulta «Sofrimento e trabalho» pode esperar ver o assédio moral evocado na prática clínica. A presença na mídia desta nova denomi- nação deu uma forte força às queixas das vítimas, a criação de uma rede especializada de escuta e de cuida- dos, lhes deu doravante uma legitimidade social. Do que se trata essa legitimidade psicopatológica? É necessário lembrar-se que o assédio moral (HIRIGOYEN, 1998) é um procedimento técnico de destruição e não uma síndrome clínica. Nós privilegiaremos aqui a definição de Michèle Drida : “O assédio é um sofrimento infligido no local de trabalho de maneira durável, repetitiva e/ou sistemática por uma ou várias pessoas a uma outra pessoa, por todos os meios relativos às relações, à organização, aos con- teúdos ou às condições de trabalho, mudando a sua finalidade, manifestando assim uma intenção de prejudi- car ou mesmo de destruir.” (DRIDA, et al. 1999). Como compreender a temível eficácia do assédio moral sem compreender o jogo identitário ligado à situação de trabalho? O que confere ao trabalho sua dimensão pro- priamente dramática é sua ligação com a construção “identitária”. Quando a escolha da profissão está de acordo às necessidades psicossomáticas de um sujeito, quando as moda- lidades do seu exercício permitem o livre jogo de funcionamento mental e da construção pulsional individual, o trabalho ocupa um lugar central na manutenção de uma eco- nomia psicossomática durável (DAVEZIES 1993). Por- que o reconhecimento do trabalho se dirige sobre o fazer, a identidade é inseparável dos gestos técnicos efetuados pelo sujeito. Atos de expressão da postura psíquica e social do sujeito dirigido ao próximo (DEJOURS, DESSORS, MOLINIER, 1994), eles se ancoram na nossa infância pela cópia, pois a identificação aos modelos ama- dos e admirados, na tradição das profissões transmitidas pelo aprendizado, entrelaçando as ligações estreitas entre atividadedocorpoeopertencimentoaumcoletivodetrabalho. Enfim, eles traduzem nossa identidade de gênero, nosso pertencimento a um sexo. Numa situação de assédio, a repetição das humilhações aos novatos, os vexames e as injunções paradoxais têm valor de destruição psíquica e suspendem todo trabalho do pensamento. 006-013.p65 4/2/2005, 15:587
  • 8. Marie Grenier-Pezé 8 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 de execução da tarefa, mas também uma confrontação de posições éticas de cada um, sobre a base de uma confian- ça partilhada e, portanto, de uma cooperação possível. Uma análise aprofundada da situação de impasse descrita pelos pacientes assediados coloca em evidência o isola- mento do sujeito. Isolamento de fato num posto sem equipe, isolamento subjetivo num posto onde o coletivo de trabalho não existe verdadeiramente, onde falta coo- peração, e mais ainda a solidariedade. Suportar o traba- lho deixa o sujeito sozinho com seus mecanismos de defesa individuais, privando-o do recurso das estratégias coletivas de defesa. Estas últimas, destinadas a fazer frente ao sofrimento no trabalho, são específicas a cada local profissional, produzidas, estabilizadas e construí- das coletivamente. Se o sujeito isolado não pode benefi- ciar-se delas, ele pode ser atingido, ou servir, pelo seu estado, de bode expiatório dos outros. A precariedade tende a neutralizar a mobilização cole- tiva, a produzir o silêncio e o “cada um por si”. O medo de perder seu emprego induz as condutas de dominação e de submissão. É necessário constatar que a manipulação deliberada da ameaça, da chantagem, do assédio tem sido utilizada como um método de gerenciamento para desestabilizar, incitar o erro e permitir o afastamento por uma falta ou incitar a demissão. Alguns se queixam do assédio que alguns meses antes eles viram ser exercido sobre outro sem intervir ou, muito pior, para guardar seu lugar e contribuindo para que isso acontecesse. Nestas situações, o sofrimento ético resulta, de um lado, da pulverização da auto-estima, e ainda da culpabilização às avessas do outro sem que ele tenha sido defendido. Para conjurar o risco de descompensação psíquica, a maior parte dos sujeitos constrói defesas específicas. A vergonha é superada pela interiorização dos valores pro- postos, pela banalização do mal no seu exercício dos atos civis comuns (DEJOURS 1999). O cinismo no mundo do trabalho é então considerado equivalente à coragem, à força de caráter. A tolerância à injustiça e ao sofrimento infligido ao outro é construída em valores viris, em ide- ologias defensivas da profissão. Um homem, um verda- deiro homem, deve para ter sucesso chegar a ignorar o medo e o sofrimento, o seu e o do outro. A virilidade social se mede pela capacidade de exercer sobre os outros violências anunciadas como necessárias, num sistema de construção social do masculino que desperta o medo de ser castrado, submetido, passivo, afastado, privado de seus atributos. Quanto mais as condições de trabalho se endurecem, mais as defesas se enrijecem, chegando a haver uma exacerbação das atitudes viris. O machismo induzido pela organização do trabalho não fica no vestiário quando se deixa o local de trabalho. Para mantê-lo a postos é necessário, por vezes, colocar um impasse sobre sua vida afetiva. A organização do trabalho, quando ela exige defesas adaptativas, pode afetar a organização mental do sujeito até mesmo na sua construção erótica, nas suas relações afetivas. A falta de reciprocidade nas relações intersubjetivas entre os ho- mens e as mulheres no trabalho é levada para a vida no lar. O “fora do trabalho” traz também marcas de defor- mações de comportamentos sexuais no trabalho. “(...) pelas suas observações, suas condutas, as mulheres fragilizam a negação do medo colocando em perigo sua base principal :o prestígio viril” (MOLINIER, 1997). DELPHES OU « A CONFUSÃO ORGANIZADA » : O primeiro encontro com o sujeito assediado é carre- gado de olhares múltiplos: encontro com o sujeito, sua estrutura psíquica, sua organização do trabalho, sua for- ma de descompensação. Estes níveis de escuta intrincados exigem concentração, formação especifica sobre a organização psí- quica individual e a or- ganização do trabalho. Esta investigação psi- codinâmica é um mo- mento privilegiado, po- dendo conduzir o sujei- to à compreensão dos mecanismos específicos utilizados contra ele, ao descolamento da histó- ria do trabalho e da his- tória singular, à verbalização e à perlaboração dos afetos reprimidos. O paciente passa por uma provação porque a entrevista é longa, o retorno a uma cronologia de aconte- cimentos laborais, a catarses dolorosas. Delphes cai sobre ela mesma, hesitante, conta sua historia sem cronologia, sem lógica ao ponto que eu mesma me perco pouco a pouco. Um grande sofrimento surdo do corpo e a palavra aleatória desta mulher, mas eu É necessário constatar que a manipulação deliberada da ameaça, da chantagem, do assédio tem sido utilizada como um método de gerenciamento para desestabilizar, incitar o erro e permitir o afastamento por uma falta ou incitar a demissão. 006-013.p65 4/2/2005, 15:588
  • 9. Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 9 não chego a nada com o material que ela traz. Eu tento algumas questões para inserir alguns pontos de sinaliza- ção precisos sobre este itinerário profissional. Eu custo a acreditar que o funcionamento intelectual e imaginário desta jovem mulher engenheira poderia estar tão altera- do. A descompensação ansioso-depressiva é grave. Há alguma coisa a mais, da ordem do verdadeiro e do falso, do real e do irreal, do justo e do injusto que ela não sabe mais situar. Ela está no limite da perda da realidade, desorganizada psiquicamente. O tempo passa e o senti- mento de visco psíquico persiste ao ponto que eu decido terminar a entrevista que durou duas horas. Duas horas! Nos dias que se seguem, chega uma primeira carta, depois outras. Começa então uma correspondência unila- teral, uma vez que eu não respondo. Eu recebo páginas numeradas que se acumulam. Eu me torno a depositária de um espaço psíquico onde se anuncia uma reconstrução identitária. Da massa disforme inicial emergem pouco a pouco os contornos de uma vida de mulher. Delphes se extrai, diz ela, da “confusão organizada” onde ela estava perdida. Observando o fio condutor das cartas desde o início, o desaparecimento das faltas de acordo, de gênero, a aparição de espaço entre palavras onde elas estavam coladas, o retorno de uma cronologia dos acontecimentos. No fundo, Delphes descreve o trabalho com a minúcia de uma verdadeira profissional e a impecável representação de mulher que lhe é imposta. Esta correspondência de vários meses permitirá a elaboração multidisciplinar2 de um atestado argumentando o assédio de gênero e suas conseqüências psicopatológicas, apoiando o médico do trabalho na sua diligência de colocar restrições à paciente “todas as tarefas na empresa que podem trazer perigo ime- diato” (artigo R 241-51-1 do código do trabalho francês). Contratada numa grande empresa com um diploma universitário técnico em engenharia elétrica e informáti- ca, a paciente descreve um percurso profissional satisfa- tório no seio da empresa antes de 1990. Ela é autônoma na gestão da sua tarefa, sua hierarquia direta confia nela. Ela gosta muito de aprender. No contrato, seu chefe de serviço lhe precisou, entretanto, que como era uma mu- lher, e portanto uma mãe em potencial, ela não teria o mesmo salário que os homens. Desde 1990, as ameaças de afastamento foram fre- qüentes. A organização do trabalho se radicaliza. De “nós trabalhamos para a pátria-mãe” passaram a “nos iremos trabalhar como os japoneses”. O ambiente de tra- balho foi ficando mais duro. As horas de trabalho aumen- taram, ela precisava freqüentemente se mudar. Ela era, entretanto, a única que possuía um antigo contrato trata- do diretamente. Cedo ela deve gerir dois tipos de contrato de trabalho ao mesmo tempo. A necessidade de adapta- ção ao trabalho é constante. Em 1983, ela trabalha à mão, sobre papel vegetal, com lápis HB, caneta Rotring® ; em 1999, ela trabalha diretamente com o computador, olhar sobre a tela, com o mouse. Cada contrato demanda uma reflexão, sobre evolução, a utilização e a proteção do material vendido. Os tempos de realização só diminuem. Trabalhar rápido com as pessoas que nem sempre tem a competência necessária se torna uma ilusão. Ela nunca teve a escolha da tarefa que deveria realizar. O trabalho era aquele que os homens não haviam escolhi- do. Delphes deve conceber um sistema automático em seis meses. O sistema a ser realizado é aquele que ninguém quis fazer, previam, conforme lhe disseram, que seriam necessárias no máximo, 600 linhas de cálculo. Ela fez uma avaliação e totalizou de fato 1.400 linhas de cálculo. Isto significa encomendar o material para dois sistemas e não para um só, 12 meses de trabalho. Ela coloca em questão a prescrição da hierarquia, sua tarefa de trabalho parece sempre mais importante que a dos homens porque ela não esconde as dificuldades reais. Ela tem que se virar. RADICALIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A VIRILIDADE DEFENSIVA Delphes assume há muito tempo as funções de um cargo superior, mas com um salário inferior, ela precisou esperar cerca de seis anos para receber a promoção. Ela não tem o diploma universitário de engenheira plena e enquanto mulher não tinha apoio da hierarquia. Os outros que não tem o mesmo cargo à sua volta lhe dizem “é porque você dorme com o chefe que você passou para este cargo!”. A partir da promoção, ela precisa se afirmar, ter um perfil de autoridade. “Na empresa, eles consideram o estresse como um estimulante. O estresse é então viva- mente estimulado para que cada executivo o provoque afim de obter melhores resultados.” Os executivos mas- culinos lhe transmitem esta filosofia que ela deve doravante aplicar: “Você está lá para incitá-lo. Quando nós estamos na casta superior, é para obedecer”. Seu chefe direto a incita a práticas gerenciais: “Nós iremos dar alguém para você treinar diretamente. Você tem a proteção da hierarquia”. Se afirmar em cima de qual- quer um consiste em “fazer pressão” sobre alguém que ocupa um nível hierárquico inferior, lhe dar metas irrealizáveis, sem meios e com pouco tempo para realizá- las e lhe dizer que é uma competição. Fazer também a pressão quando as pessoas entram em férias. Afirmar sua autoridade sobre os outros passa por este tipo de relações “viris” enquanto que “meu conceito de autoridade en- quanto mulher passa pela relação”, afirma a paciente, “pela cooperação, por considerar o outro e suas compe- tências profissionais”. 006-013.p65 4/2/2005, 15:589
  • 10. Marie Grenier-Pezé 10 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 A nova organização do trabalho parece ter transforma- do profundamente as relações nos grupos de trabalho e radicalizado os sistemas de defesa construídos para re- sistir. Os homens encontram certamente as mesmas difi- culdades que Delphes em termos de constrangimento de tempo, de trabalho feito sem os meios adequados. No entanto, eles parecem suportar “esta confusão organiza- da” pela interiorização massiva dos novos valores da empresa e a adesão a uma ideologia defensiva da profis- são baseada sobre o cinismo. Sabemos que “são as ideo- logias defensivas da profissão que produzem a expressão especifica da virilidade no trabalho, no inicio essencial- mente voltadas à defesa contra o sofrimento, se mostra- ram num segundo tempo utilizáveis para aumentar a produtividade.” (DEJOURS 1988). Podemos então fazer a hipótese que a oscilação da estratégia defensiva em ideologia, passe por um programa de ação coletiva espe- cífica. Além disso, uma técnica de interrogatório pesado sobre o assalariado é introduzida como método específi- co de gerenciamento. Praticada a dois, ela responde aos métodos de desestabilização do interrogatório policial: nível verbal elevado e ameaças, chuva de questões sem possibilidade de serem respondidas, clima de acusação sistemática, falsas saídas, duração prolongada da entre- vista, porta deixada aberta para todos ouvirem. Isso é feito para se obter o rebaixamento emocional do assala- riado e de todos aqueles que escutaram. Estas técnicas pesadas são valorizadas pelos homens. O exercício autorizado da agressividade é um sistema de governo dos homens que solda o coletivo de trabalho em torno de uma radicalização defensiva. “A defesa trans- formada em um fim em si, a luta contra o sofrimento se transforma em alienação, impedindo todas as possibili- dades de expressão individual, em proveito de uma indiferenciação dos membros do coletivo” (MOLINIER 1997). O perigo é projetado fora do grupo sobre um bode expiatório, no ataque exterior da diferença: “o deficiente”, “o negro”, “a mulher”. Sendo a única mu- lher na equipe, o assédio de Delphes se torna inexoravelmente sexista. A REPRESÃO DE SI Pede-se a Delphes que se ocupe dos clientes estrangei- ros que têm reconhecidamente posições machistas diante das mulheres. Sua percepção do trabalho é fina : “Trata- se de contratos feitos pelo pessoal de venda, é traduzi-los em trabalho real, para os técnicos onde a técnica evolui sem parar, para satisfazer os clientes de raízes e de expressões socioculturais diferentes”. É então a ela que são confiadas as mediações difíceis porque ela se desdo- bra nas suas qualidades relacionais de antecipação, de mediação, de empatia. Em resumo, suas qualidades “fe- mininas” inerentes à condição de mulher. Um dos chefes lhe afirma sarcasticamente que ela foi escolhida para colocá-la em situações delicadas com os homens que vêm de países onde as mulheres são maltratadas. De fato, os clientes indianos, paquistaneses, indonésios, egípcios, chineses se dizem todos honrados de trabalhar com uma mulher ocidental. Os homens estrangeiros em situação de aprendizado se preocupam, sobretudo em não decepcioná-la. Desde o início, as competências de for- madora que ela utiliza são in- visíveis porque são ligadas à “natureza feminina” e não ori- ginadas de seu trabalho e de suas competências pessoais. A ideologia defensiva da profissão enaltece diante das mulheres uma posição de po- der e de conhecimento. “(...) o desprezo das mulheres, o machismo, encontram assim uma potente alavanca na con- tribuição que traz à negação da vulnerabilidade dos ho- mens” (MOLINIER 1997). A mulher é por natureza inferior, psicologicamente e intelectualmente. Esta afirmação é confirmada por afirmações picantes, que Delphes escuta dia após dia: “Somente uma mulher perguntaria estas coisas!”, “Se isso acontece, é por culpa da mulher”, “para uma mulher você é muito bem paga !”, “Corte seus cabelos, é como se fazia com as há sistematicamente problemas...”, “De todas as maneiras, não é necessário procurar, tem somente uma mulher na parada...”. Ela Os homens encontram certamente as mesmas dificuldades que Delphes em termos de constrangimento de tempo, de trabalho feito sem os meios adequados. No entanto, eles parecem suportar “esta confusão organizada” para a interiorização massiva dos novos valores da empresa e a adesão a uma ideologia defensiva da profissão baseada sobre o cinismo. 006-013.p65 4/2/2005, 15:5810
  • 11. Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 11 está esgotada, não pesa mais do que 45 kg. Uma tecnóloga em plena atividade, a menos adaptada, uma demanda incessante para assumir horas extras são ainda fatores agravantes do seu esgotamento. Não é mais infor- mada das reuniões: reunião de lançamento, reunião sobre o desenvolvimento dos negócios, reunião com os mecâni- cos. Contrariamente aos outros chefes, ela não tem um computador exclusivo, ela trabalha no de qualquer outro colega. Ela é colocada como invisível, excluída pelo boi- cote subterrâneo presente. A solidão fica maior sobre os planos intelectual e intersubjetivo. O mecanismo de defesa que ela desenvol- ve para resistir é a repressão. Ao contrário do recalque que permite, num processo inconsciente, não considerar nossos desejos e os conflitos que eles suscitam em nós, a repressão é um trabalho consciente e constante do ego, um esforço voluntário e deliberado para deixar de lado as representações conflituosas e os afetos correspondentes. A repressão educativa é um exemplo perfeito: pelo gesto, palavra, olhar, trata-se de pesar sobre as expressões motoras e verbais de uma criança, de indagar sua espon- taneidade e seus ímpetos pulsionais. Ainda mais longe, de pesar sobre o pensamento e as fantasias desenvolven- do então as limitações funcionais do ego (PARAT, 1991). Delphes tenta se fazer pequenina, se apagar. A única mulher num coletivo de homens, ela não pode partilhar sua feminilidade. Ela só usa calças, ela suprime as bijuterias, seu cabelo é neutro. Os bloqueios à forma- ção, a falta de estabilidade dos cargos propostos, a desqualificação constante de seu trabalho a impedem de encontrar uma saída que valorize seu funcionamento pessoal. Em paralelo, as regras da empresa estipulam que não se pratique nenhuma discriminação em relação aos em- pregados em razão da sua raça, sua religião, suas opiniões políticas ou de seu sexo, que todos se engajem e tratem os outros com dignidade, respeitando plenamente a vida privada dos colegas. Pela falta de referencias para pensar o que vem do exterior, do campo social, Delphes acredita que a causa de seu sofrimento seja intrapsíquica e se responsabiliza, portanto. Ela começa uma psicoterapia e encontra um espaço para pensar suas dificuldades. Passado um certo tempo, ela encontra um esquema explicativo. Eles, os homens, têm uma lógica que ela não compreende. Ela fica então enfraquecida, não confiável, insuficiente, im- potente. Por esta posição feminina defeituosa, confron- tando a hipótese de um masoquismo inconsciente, ela se convence da legitimidade do poder dos homens. Esta aceitação da interiorização de uma posição enfraquecida tem efeitos positivos em termos de benefícios secundários pois ela autoriza um “deixa disso”. Ela decide pedir tempo parcial porque a sobrecarga crônica de trabalho deixou marcas na sua vida privada. Seus dois filhos têm dificuldades. Ela faz também um pedido de utilização de bônus, previsto no contrato. Ela é convocada pelo seu diretor de recursos humanos que lhe assinala que ela é a primeira a reclamar seus bônus, mesmo que isto esteja previsto no contrato, que isto não deveria ser sabido, que ele “não tem que gerenciar ainda mais os dias para recuperação dos bônus destas damas”. A não convergên- cia na prática social dos homens e das mulheres sobre o tempo fora do trabalho fica caricatural diante do pedido de tempo parcial e de utilização dos bônus. O pedido é incompreensível para seu chefe, que lhe faz doravante críticas cotidianas. A partir desta data, seu trabalho é desqualificado. Ela faz os trabalhos que ninguém quer fazer. A descompen- sação está presente sob a forma do esgotamento profis- sional, mas combatida sem trégua para manter o traba- lho e não desabar. O estado geral se agrava. Os sintomas físicos começam sempre pelas vertigens: “Tudo gira em torno de mim, eu me torno transparente, eu não escuto mais nada de fora, eu não sinto mais minhas pernas e a vontade de chorar está lá. Eu vejo grandes buracos negros diante de mim. Eu tenho a forte sensação de estar em perigo, eu não tenho mais forças, mais vontade de comer e às vezes tenho idéias suicidas”. Quando voltou de férias, em setembro, ela tinha seu novo contrato, mas ela não aparecia mais no organogra- ma. O chefe não era um executivo e lhe exprime além disso seu incômodo diante dela. Os membros da equipe se dirigem, no entanto, a ela quando surge alguma difi- culdade. O mau funcionamento do coletivo de homens deve ser suportado pelas mulheres. “30 homens diante de uma mulher deve ser uma situação muito tranqüilizadora para escapar do conflito” diz Delphes, que deve gerir psiquicamente esta contradição: suportar as imagens de vaginas de mulheres peladas em destaque na tela de descanso dos computadores de seus colegas e permane- cer como mediadora compreensiva. Ela é sem trégua o centro das atenções diante da equipe. O chefe vem lhe falar se encostando nela e lhe dizendo a 25 cm de sua boca. “Este homem que se encosta quando fala, é o horror tanto que cheira mal. Isto ocorre diversas vezes, quanto mais eu me afasto mais ele se aproxima de novo. Ele cheira mal, ele é grosseiro, ele não escuta. Eu lhe digo que não sou surda, que desejo mais distância entre nós.” Seu chefe de serviço, a quem ela se queixa das telas pornográficas e do gestual fora de lugar do chefe direto, lhe responde: “Isto é sempre assim e eu não posso mudar nada”. Ela se concentra sobre a tarefa que lhe é prescrita. Ela começa a avaliar o volume de trabalho, o cronograma de 006-013.p65 4/2/2005, 15:5811
  • 12. Marie Grenier-Pezé 12 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 tarefas, o programa de computador necessário, os cole- gas que podem ajudá-la. O colega ocupado de estudos se recusa a lhe comunicar as informações. A ela é imposto um novo prazo muito curto. O planejamento e a gestão deveriam ser assumidos pelo chefe direto. Nada foi feito. Uma vez mais, lhe é confiada uma tarefa que ela não pode executar, lhe é fixado um objetivo impossível de atingir. O assédio é manifesto: desqualificação do cargo, sobre- carga de trabalho, injunções paradoxais, fracassos pelos objetivos irrealizáveis. As conseqüências da alteração de sua relação com o real do trabalho são maiores sobre seu equilíbrio psicossomático. No dia seguinte, as dificulda- des graves fazem seu médico decidir afastá-la por tempo prolongado. FORCLUSÃO DO FEMININO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: Vários meses se passaram. Novamente ela vem me ver porque eu devo lhe dar um certificado de apoio à ação do médico do trabalho atestando sua incapacidade devido ao perigo imediato. Ela diz que se sente melhor desde que está em licença médica, que seus transtornos desaparece- ram, que seu corpo se recuperou: “até minha menstrua- ção voltou!”. Eu lhe pergunto: “Você não tinha mais menstruação?”.– Sim. “Desde quando?”. Ela fica pertur- bada, precisa refletir longamente para lembrar o começo da amenorréia, suas interrogações para sua ginecologista que lhe repetia “isto pode voltar” . Ela encontra a data no seu prontuário médico: 1989. Nós nos remetemos ao período da radicalização na organização do trabalho, a acentuação das ideologias defensivas viris tinham come- çado com a designação de um bode expiatório, sobre o ataque sistemático ao feminino. Para ter uma chance de encontrar as condições propi- cias ao reconhecimento de suas qualidades profissionais e à realização de si no trabalho, Delphes deveria compor com a economia erótica de seus colegas homens. Muitas mulheres fracassam nesta luta que as dilacera interior- mente entre sua identidade de mulher e sua identidade no campo social. O problema é quando isto faz perder sua feminilidade. A descompensação depressiva e somática de Delphes resulta deste conflito. Ela recusou endossar o arsenal machista, não demonstrou sua capacidade de trazer uma contribuição entusiasta ao funcionamento da estratégia viril e se viu excluída. O desaparecimento da sua menstruação assinala o assédio de gênero ao nível somático, pontuando a função erótica reprimida. À viri- lidade anexada pelo vocabulário agressivo e sumoso, o gestual invasivo, os comportamentos agressivos, as telas pornô que solicitam a economia erótica masculina nas suas pulsões parciais, Delphes parece responder pela neutralização de sua identidade sexuada até no nível somático. Na perspectiva psicossomática, a descompensação testemunha geralmente a fragilidades das possibilidades de representação, do transbordamento das capacidades de ligação da psique, de uma situação de impasse para o sujeito. “A somatização é um processo pelo qual o confli- to que não pode encontrar saída mental vai desencadear no corpo desordens endócrino-metabólicas, ponto de partida de uma doença orgânica” (DEJOURS 1993). Sabemos que as relações das crianças com seus pais vão, numa interação incessante, ao coração dos gozos e das mágoas, inscrever a trama da nossa historia emocio- nal sobre o corpo biológico, edificar assim nosso segun- do corpo, o corpo erótico. Certas zonas e/ou funções corporais podem no entanto permanecer sobre o primado do psicológico fruto de terem sido subvertidos em pro- veito da economia do desejo. A “forclusão”3 (DEJOURS 1995) destas zonas ou funções fora da edificação do corpo erótico assinalam o fracasso da subversão libidinal de uma função biológica. Estas zonas brancas são os lugares de eleição de uma desorganização psi- cossomática, desde que na relação com o outro, na esfera privada, como no trabalho, elas sejam solicitadas. A “escolha do órgão ou da função”, traz então a marca do impasse do trabalho psíquico, estrutural ou conjuntural. Entre numerosas mulheres em situação de assédio, a anamnese permite reencontrar problemas na esfera gine- cológica: amenorréia, metrorragias, ou ainda mais gra- ves, como câncer do colo, do ovário e do útero. Para Delphes, ao tornar invisível sua identidade feminina, o ataque cotidiano a suas características psíquicas, psico- lógicas, a suas competências profissionais, acarretou uma lenta e inexorável desconstrução da complexidade pulsional. O processo de construção da identidade sexual parte do corpo, se apaga. Quais espaços as exigências de identidade social no trabalho deixam para a construção do masculino e do feminino? O mundo do trabalho é atravessado pelas rela- ções sociais de sexo, definindo as condutas e as represen- tações de mundo que não são sexuais no sentido psicana- lítico do termo; o sistema consciente que se constrói lá, se edifica em detrimento do sistema pré-consciente como alças restritas de determinismos, deixando geralmente pouco lugar aos rearranjos psíquicos individuais. O en- contro entre a organização psíquica individual e a orga- nização do trabalho não é uma imagem. As relações de trabalho têm uma lógica, modos de funcionamento pre- cisos, uma duração que exige um engajamento total, implicando na renúncia de todo o resto. Este resto poderia ser a finalização da construção do corpo eróti- 006-013.p65 4/2/2005, 15:5812
  • 13. Forclusão do feminino na organização do trabalho: um assédio de gênero Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 006-013, Set./Dez. 2004 13 co. O trabalho de bissexualização psíquica, o encontro com o outro podem ser colocados num impasse em proveito de uma identidade sexual de superfície, social- mente construída, jamais definitivamente adquirida, visto que imposta do exterior no lugar de identificações internas (PEZÉ, 1998). No entanto, a construção identitária social não tem a mesma equivalência para os homens e para as mulheres. Em período de “guerra econômica”, quanto mais as condições de trabalho se endurecem, mais as defesas se enrijecem empurrando as atitudes viris à caricatura, contaminando as relações com as mulheres com estereó- tipos que servem a se manter no trabalho. A exacerbação do sentimento de força e de poder exercidos entre os homens, se exerce então contra as mulheres. “A luta contra o medo e o sofrimento encontra, para os homens, sua eficácia simbólica no sistema de representações que estrutura um imaginário social associando a supremacia dos homens ao domínio infalível do real. Em permitindo a integração no coletivo do trabalho, a virilidade social se capitaliza no registro da identidade sexual e confere segurança, prestígio, esperança de sucesso com as mu- lheres àquele que é reconhecido pelos outros homens como um deles” (MOLINIER, 1997) Pelo simples fato da sua presença, as mulheres podem constituir um perigo maior visto que a virilidade se edifica por contraste sobre a inferioridade da mulher. A única mulher no coletivo de homens, Delphes, pelo fato de não ser um chefe como deveria, de não poder se tornar a mãe ou a mascote, vertentes femininas aceitáveis, se tornou assexuada. A transparência de Delphes não foi um máscara, mas uma figura do vazio. construction défensive de la virilité. Précarisation sociale, travail et santé. CNRS/IRESCO, 1997. PARAT, C. A propos de la répression. Revue Française de Psychosomatique. n. 1, 1991. PEZÉ, M. Corps érotique et corps au travail: les hommes de métier. Travailler, n. 1, 1998. DAVEZIES P. Eléments de psychodynamique du travai. Education Permanente, 116, 1993. DEJOURS C. Le masculin entre sexualité et société. Adolescence, Masculin, 6, n. 6, 1988. DEJOURS C. Travail usure mentale. Pa- ris: Bayard, 1993. DEJOURS C. Doctrine et théorie en psychosomatique. Revue Française de Psychosomatique, 7, 1995. DEJOURS, C.; Dessors, D.; Molinier, P. Comprendre la résistance au changement. Documents du médecin du travail, INRS, 58, 1994. DEJOURS C. Souffrance en France. Pa- ris: Seuil, 1999. DRIDA, M.; ENGEL, E.; Litzenberger, M. Du harcèlement ou la violence discrète des relations de travail. Actes du 2ème CIPPT, Paris, 1999. HIRIGOYEN, M-F. Le harcèlement mo- ral. Paris: Syros, 1998. MOLINIER, P. Psychodynamique du travail et précarisation: La Bibliografia 4. Definição jurídica da forclusão: si- tuação de alguém que se encontra privado do exercício de um direito por não o ter exercido em um prazo fixado. 1. Doutora em psicologia, psicana- lista., atendimento clínico “sofri- mento e trabalho”, policlínica, De- partamento de clínica e saúde pú- blica do professor HERVE. CASH de Nanterre. 2. Eu agradeço a Danièle Kergoat e Pascale Molinier o tempo que elas dedicaram a esta paciente. 3. O conceito de forclusão utilizado aqui se reporta ao corpus teórico psicossomático de Christophe Dejours. Sabemos que para J. Lacan, é um me- canismo psíquico consistente na rejei- ção primordial de um significado fun- damental fora do universo simbólico do sujeito, ligado à psicose. Notas Tradução: Selma Lancman 006-013.p65 4/2/2005, 15:5813
  • 14. Pascale Molinier 14 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 Psychodynamics of work and sex social relationships. An interdisciplinary itinerary. 1988-2002 Abstract The psychodynamics of work is defined as the analysis of psychic processes mobilized by the gathering of a subject and the work organization constraints. In the 80s, the researches conducted in male workplace environments allowed to uncover the existence of collective defense strategies against suffering at the work. As from 1988, an important interdisciplinary work with work sociologies was launched. It is concerned with knowing whether the psychodynamics work was heuristic to equally analyze the situations of women at work and to reexamine the preexisting knowledge on men suffering in a sexualized problematic framework. The paper reports the main determinants which led to the establishment of sex social relationships and its challenge, the sexual division of work, a central dimension of the clinic research, the theory and methodology in workplace psychodynamics. An important issue in the paper is the situation of nurses, from which is constituted the main knowledge on the relations between health and work on the women’s side. Key words Work psychodynamics, sex social relationships, suffering at work, collective defense strategies. PASCALE MOLINIER, PROFA Laboratoire de Psychologie du Travail et de l’Action Conservatoire National des Arts et Métiers 41, rue Gay-Lussac 75005 Paris França E-mail: molinier@cnam.fr Resumo A psicodinâmica do trabalho se define como a análise dos processos psíquicos mobilizados pelo encontro entre um sujeito e os constrangimentos da organização do trabalho. Nos anos 1980, as pesquisas realizadas nos meios de trabalho masculino permitiram descobrir a existência de estratégias coletivas de defesa contra o sofrimento no trabalho. A partir de 1988 iniciou-se um importante trabalho interdisciplinar com as sociologias do trabalho. Trata -se de saber se a psicodinâmica do trabalho era heurística para analisar igualmente as situações das mulheres no mundo do trabalho e de reexaminar os conhecimentos preexistente, sobre o sofrimento dos homens no quadro de uma problemática sexuada. O artigo relata os principais determinantes que conduziram a criar as relações sociais de sexo e de seu desafio, a divisão sexual do trabalho, uma dimensão central da pesquisa clínica, a teoria e a metodologia em psicodinâmica do trabalho. Um ponto importante do artigo é a situação das enfermeiras a partir da qual são constituídos os principais conhecimentos sobre as relações entre saúde e trabalho do lado das mulheres. Palavras-chave Psicodinâmica do trabalho, relações sociais de sexo, sofrimento no trabalho, estratégias coletivas de defesa. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 INVITED PAPER 014-026.p65 4/2/2005, 15:5814
  • 15. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 15 ções vividas pelas mulheres. A descoberta das diferenças homem/mulher não são feitas no campo, a despeito das primeiras investigações realizadas junto às pessoas que trabalham com cuidados à saúde, na maioria mulheres como as enfermeiras, auxiliares, atendentes. Fomos leva- das a constatar que não encontrávamos, neste coletivo de trabalhadores, estratégias coletivas de defesa semelhan- tes àquelas descritas na petroquímica ou na construção. Deduzimos, na época, a ausência de cooperação defensi- va entre estes profissionais, prova que não se encontra sempre aquilo que se procura. Em 1988, na época do seminário interdisciplinar “Plaisir et souffrance dans le travail”, Danièle Kergoat e Helena Hirata lançaram uma verdadeira “bomba”, colocando a questão se a psicodinâmica do trabalho podia “tratar das relações sociais de sexo” (HIRATA, KERGOAT, 1988), demonstrando que a pro- blemática das relações sociais de sexo era transversal ao conjunto do campo social, portanto ao conjunto dos cam- pos disciplinares, relativo aos homens assim como às mulheres e, ao trabalho assalariado como ao trabalho doméstico. Elas estão na origem de remanejamentos teó- ricos e, conseqüentemente metodológicos, de enverga- dura que tinham, e continuam a ter, um impacto decisivo sobre o conjunto do programa científico em psicodinâmi- ca do trabalho. Psicanálise e divisão sexual do trabalho: uma teoria implícita Do ponto de vista psicanalítico, consideramos que as diferenças psíquicas entre os homens e as mulheres encontram sua origem na idade precoce da psicosexua- lidade, portanto bem antes do encontro com o trabalho. Desta perspectiva, o status teórico da divisão sexual do trabalho é de pouca importância. É subentendido que este é, pode-se dizer, o prolongamento social destas diferen- ças e se justifica pelo fato destas diferenças. Esta concep- ção naturalista e harmoniosa da divisão sexual do traba- lho existe, aliás, em sociologia (cf. o funcionalismo de Parsons). Sem dúvida as injustiças sociais deverão ser corrigidas, mas a divisão sexual do trabalho não será INTRODUÇÃO A psicodinâmica do trabalho foi iniciada por Christophe Dejours no fim dos anos 1970. Seu tema é a análise da relação entre saúde mental e trabalho. Depois nos interessamos mais particularmente pela dinâmica do sofrimento e do prazer na situação de trabalho. O modelo de homem provém da antropologia freudiana, a partir da qual se considera que o sujeito aborda o mundo do trabalho com o conjunto daquilo que ele é e daquilo que procura alcançar. A consciência que ele tem destes fatos é confusa e parcial. Quando esta busca pessoal pode ser atingida em situação de trabalho, então o trabalho tem um papel importante na realização de si. Quando a orga- nização do trabalho faz obstáculo à elaboração do sofri- mento e a sua transformação em prazer, então o trabalho pode ser prejudicial para a saúde mental. Não há neutra- lidade do trabalho defronte à saúde mental. Durante os anos 1980, a relação saúde mental–traba- lho foi conceitualizada principalmente por homens, a partir de investigações clínicas realizadas junto aos trabalhadores masculinos que exerciam atividades peri- gosas (pilotos de caça, operadores e engenheiros da indústria de processo contínuo, operários da construção civil) (DEJOURS, 1980). O corpo teórico da psicodinâ- mica do trabalho desenvolveu-se a partir da descoberta, nestes meios de trabalho, de estratégias coletivas de defesa, isto é, de for- mas de cooperação para lutar contra o sofrimento no trabalho, mais preci- samente contra o medo gerado pelos riscos da atividade. Pode-se mos- trar que estas estratégias coletivas de defesa eram mais eficazes para pre- servar a saúde mental que as estratégias individuais, mas elas traziam distorções de comunicação, impedindo que fosse pensado e discutido aquilo que, no trabalho, seria difícil suportar psiquicamente. Aparecia uma nova forma de racionalidade da ação, a racionalidade subjetiva ou racionalidade pática da ação, orientada para a sobrevi- vência e a saúde, que permitia interpretar de outra manei- ra “condutas insólitas” ou de “resistência à mudança” julgadas até como irresponsáveis ou contraprodutivas. Os fundamentos teóricos da disciplina e suas primei- ras descobertas empíricas foram também estabelecidos num quadro de referência ao masculino-neutro, onde a questão era saber se a teoria em psicodinâmica do traba- lho seria adequada para compreender também as situa- Quando a organização do trabalho faz obstáculo à elaboração do sofrimento e a sua transformação em prazer, então o trabalho pode ser prejudicial para a saúde mental. Não há neutralidade do trabalho defronte à saúde mental. 014-026.p65 4/2/2005, 15:5815
  • 16. Pascale Molinier 16 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 abolida, pois ao oferecer tarefas diferentes aos homens e às mulheres, ela estará em ressonância simbólica com suas orientações diferenciadas em matéria de realização de si. Para explicar por que certas pessoas fazem uma escolha profissional atípica, sem colocar em questão a complementaridade entre os sexos, a noção de bisse- xualidade psíquica pode ser utilizada como uma variável de ajuste afim de dar conta das situações de exceção. Cada um(a) teria em si uma parte feminina e uma parte masculina, com uma dosagem diferente segundo os indi- víduos. Uma solução teórica aparentemente menos estig- matizada para as mulheres que a interpretação de suas ambições profissionais em termos de “reivindicação fálica” ou de “complexo de masculinidade”. Seria tam- bém menos imediatamente homofóbica face aos homens que exercem tarefas femininas. Todo este arcabouço, em grande parte implícito, foi colocado em questão pelos sociólogos do trabalho através de sua categorização de classe e de sexo. A divisão sexual do trabalho: o desafio das relações sociais de sexo Segundo Danièle Kergoat, a relação social do sexo é uma tensão que estrutura e atravessa o conjunto do campo social e desafia certos fenômenos sociais entorno dos quais se constituem grupos de interesses antagônicos. A relação social do sexo se fundamenta primeiramente e antes de tudo em uma relação hierárquica entre o grupo social dos homens e o grupo social das mulheres. Estes grupos estão em tensão permanente em torno de um desa- fio central, o trabalho e suas divisões. “A divisão sexual do trabalho tem por característica a afetação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva como que si- multaneamente a captação pelos homens das fun- ções com um forte valor agregado (políticas, religi- osas, militares, etc.) Esta forma de divisão social tem dois princípios organizadores: • o princípio da separação (tem trabalhos de ho- mens e trabalhos de mulheres); • o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher)” (KERGOAT, 2001, p. 89) Segundo a autora, se os dois princípios organizadores se encontram em todas as sociedades estudadas, por outro lado, um aspecto fundamental é que constatamos uma grande variabilidade das modalidades da divisão sexual do trabalho, no espaço e no tempo. Nesta perspectiva, as diferenças constatadas entre as práticas dos homens e das mulheres são devidas a construções sociais, e não relevam uma casualidade biológica. Esta construção social, tem uma base ideológica (o naturalismo) mas também e antes de tudo material – “ quer dizer, a ‘mudança de mentalida- de’ não se fará jamais espontaneamente se ela ficar desconectada da divisão do tra- balho concreta. “(KERGOAT, 2000, p. 40). Isto implica uma conceituação rigorosa do traba- lho que “desconstrói” a clivagem trabalho-fora do trabalho e não desassocia a relação de produção da relação de reprodução. Por outro lado, e se trata de um im- portante aspecto, a relação social do sexo é um conceito analítico. Daniele Kergoat insiste sempre sobre o caráter de abstração, isto para ficar atento contra uma aná- lise solipsista da complexidade das práticas sociais. Se a relação social de sexo é heurística para pensar as práticas sociais, os desafios e suas evolu- ções, não pode ser isolada das outras relações sociais. Imbricação e recobrimento parcial das relações de classe e de sexo são conceituadas não só em termos de hierarquia mas de co-extensividade. Trabalho, subjetividade e determinismos sociais A partir dos fundamentos epistemológicos aparente- mente também distantes, como explicar que o encontro entre a psicodinâmica do trabalho e os sociólogos do trabalho poderia apesar de tudo acontecer? As relações sociais de sexo representavam o nó cego da psicodinâmica do trabalho. Mas a problemática do prazer e do sofrimento no trabalho foi sendo construída recusando a “tentação“ psicossociológica, isto é, a tese da articulação entre o indivíduo e o social, em proveito de uma concepção dinâmica das relações entre sujeito e Os fundamentos teóricos da disciplina e suas primeiras descobertas empíricas foram também estabelecidos num quadro de referência ao masculino-neutro, onde a questão era saber se a teoria em psicodinâmica do trabalho seria adequada para compreender também as situações vividas pelas mulheres. 014-026.p65 4/2/2005, 15:5816
  • 17. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 17 sociedade. Entre a cena do fantasma e a experiência do trabalho (tendo como exemplo o sonho da ausência de gravidade e a profissão do piloto de caça), havia a materialidade dos constrangimentos da organização do trabalho (DEJOURS, 1980). Isto não se inscrevia na continuidade da história pessoal, mas se impunha in- dependentemente da vontade do sujeito. A experiência do trabalho não repetia a história infantil. Também, problematizar as relações dinâmicas entre o sujeito e o trabalho implicava em evitar um duplo obstáculo: • Por um lado, não fazer o impasse sobre o peso dos determinismos sociais e seu heteronômio com relação à psicologia individual. Em suma, deve-se adotar uma verdadeira teoria social. • Por outro, não ceder a uma outra “tentação”, aquela de uma ciência do homem sem subjetividade, de acordo com estes determinismos um peso tão esmagador que o sujeito é reduzido a ser um simples reflexo social, uma marionete sem espessura psíquica e portanto sem li- berdade. De qualquer forma, a análise das relações domi- nante–dominado(as) se reduzirá pura e sim- plesmente a uma teo- ria de alienação, inap- ta a pensar os proces- sos de emancipação. A sociologia das rela- ções sociais de sexo dá um estatuto privilegiado ao antagonismo, ao conflito. “As relações sociais não são para mim o determinismo, escreve Danièle Kergoat, mas ao contrário são uma maneira de pensar e de trabalhar a liberdade” (HIRATA, KERGOAT, 1988, p. 140). Além disso, estreitamente ligado à questão da liberdade, o traba- lho representa um desafio central nas duas disciplinas. Parece, retrospectivamente, que foi esta doutrina comum das relações entre determinismos e liberdade que tornou possível um trabalho interdisciplinar, fecundo para as duas partes. Kergoat e Hirata integraram no seu próprio trabalho teórico que os desafios em termos de emancipação não podem ser desvinculados dos desafios em termos de saúde mental, e que “não podemos pensar o trabalho, inclusive sociologicamente, sem considerar a subjetividade” (KERGOAT, 2001, p. 89). Uma primeira etapa: reconsiderar o sofrimento dos homens No seminário “ Plaisir et souffrance dans le travail ” Christophe Dejours contribui escrevendo: “ Cada sofri- mento será, seguindo as teses sociológicas aqui expos- tas, sexuado (...). Certos sofrimentos são masculinos, outros femininos. Eles não são similares, porque as situações de trabalho que os produzem não são as mes- mas” (HIRATA, KERGOAT, 1988, p.167) A primeira etapa reconsiderou o sofrimento no traba- lho dos homens. Danièle Kergoat possibilitou uma nova leitura, uma leitura sexuada, das estratégias coletivas descobertas entre os homens, salientando a importância da virilidade social nas suas estratégias. É o que ela indica sobre os caminhoneiros da fábrica Bulledor, onde o responsável de recursos humanos os comparava a “uma horda de cavalos selvagens” (HIRATA, KERGOAT, 1988, p. 153). O que a sensibiliza é de um lado um julgamento positivo proferido pela hierarquia sobre um grupo percebido pela chefia como rebelde. Por outro lado, os motoristas julgavam positivamente seu trabalho, ainda que a duração e as condições sejam duras. A exaltação viril não tem função de “compensar” a explora- ção sofrida devido às relações de classe? Esta questão terá forte incidência sobre a conceituação das estratégias coletivas de defesas. A dimensão coletiva destas estratégias apareceu de maneira típica na profissão da construção civil. É, princi- palmente, a de lutar contra o medo gerado pelo trabalho opondo coletivamente uma recusa de sua percepção. Na construção desta recusa, a virilidade social tem um papel preponderante. Em essencial, um homem, um “verdadei- ro”, deve multiplicar as demonstrações de coragem para conseguir convencer seus companheiros e compartilhar os mesmos riscos, que ele domina e despreza o medo. A exaltação viril não oferece somente uma “compensação” narcísica à exploração, ela se constitui em uma verdadeira ideologia defensiva que, logo que ela é compartilhada por todos os membros de um coletivo de trabalho, interdita a expressão de medo e mais amplamente a de sofrimento no trabalho. Aquele que sofre deve se calar e/ou partir, senão ele passa por um fraco, um “afeminado”, uma “mulher”. Entre os assalariados, como no espaço privado, as ativida- des suscetíveis de fragilizar a posição viril, por que elas confrontam a vulnerabilidade humana, são ocupadas pe- las mulheres, de preferência sem falar com os homens, sob pena de se expor a seu mau humor, ou ainda pior (MOLINIER, 1996). A recusa do sofrimento dos homens E m essencial, um homem, um “verdadeiro“, deve multiplicar as demonstrações de coragem para conseguir convencer seus companheiros e compartilhar os mesmos riscos, que ele domina e despreza o medo. 014-026.p65 4/2/2005, 15:5817
  • 18. Pascale Molinier 18 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 aparece também como um apoio psicológico fundamental na análise combinada das relações sociais de produção e de reprodução, e como um dos princípios organizadores das práticas sociais, notadamente das lutas sindicais. Em 1998, C. Dejours dará um passo suplementar ao mostrar que a virilidade “não anestesia” somente a per- cepção do medo, mas também o sentido moral (DEJOURS, 1998). A análise do “cinismo viril” na orga- nização contemporânea coloca as formas de racionaliza- ção defensiva, em particular do lado dos executivos, para justificar a sua própria participação na injustiça social. Todos os termos que são associados à virilidade se esta- belecem na hierarquia dos valores e são suscetíveis de adquirir uma grandeza, mesmo se infligir um castigo ao sofrimento ou à injustiça para com outros. Um homem, um “verdadeiro”, não terá crises. Em nome da coragem viril, o mal feito pelos homens é mais facilmente justifi- cado que aquele cometido pelas mulheres e o bem que elas fazem alcança o mesmo valor daquele dos homens. As operárias e o silogismo do sujeito sexuado feminino Existem coletivos de profissões femininas? Das for- mas de cooperação específicas e das formas de coopera- ção defensiva feminina? Segundo Danièle Kergoat, o coletivo das operárias existe apenas em período de luta e o grupo de operárias aparece no cotidiano inteiramente fragmentado, definido pela representação dada pelas operárias, “como um agregado atravessado por uma in- tensa concorrência interindividual (a solidariedade será a condição exclusiva do grupo de homens ou ao menos do grupo misto)”. O problema da “inveja” volta como um leitmotiv em quase a totalidade das entrevistas. Em termos de reprodução dos esteriótipos sexuais, como nos discursos sobre a “inveja”, Kergoat decida dar importância ao que “as prórpias operárias reconhe- cem”, formalizando-os por um silogismo (KERGOAT, 1988): 1- todas as mulheres são invejosas (têm medo do chefe, são fofoqueiras, etc.); 2- eu, eu não sou invejosa; As premissas colocam em visibilidade a recusa do indivíduo-operário de se identificar pertencente a um grupo de “mulheres” julgado pejorativamente segundo os estereótipos sexistas da ideologia dominante. A idéia forte é que formalmente a conclusão deveria ser: 3- então eu não sou uma mulher. Na medida em que “eu não sou uma mulher” não é nem dizível nem mesmo pensável, “a constituição sexual do sujeito se encontra assim bloqueada ao nível de suas representações” e parece ser um impasse (KERGOAT, 1988, p. 110) . As operárias não podem, como mulheres, se constituir em um “sujeito social”. Quais são as conseqüências de uma falta de identidade social sobre a identidade indivi- dual? Como será para as mulheres qualificadas? O este- reótipo da “inveja”, ao inverso dos “valores” viris mobilizados pelos ho- mens, é pejorativo. Admitindo que existem, em outros meios de trabalho não só das operárias, estratégias cole- tivas de mulheres, a partir de quais outras fontes ideológicas elas são construídas? E estas estratégias con- seguem reduzir, talvez superar, a descontinuidade entre o sujeito se- xual de um lado, o grupo sexual e o universo de trabalho de outro lado? Para trabalho diferente, sofrimento diferente: a compaixão das enfermeiras Para tentar responder a estas questões, é preciso encontrar uma situação que autorize a comparação com as situações de trabalho masculinas que permitiram construir os conhecimentos em psicodinâmica do traba- lho. Prescrita por homens (médicos e administradores), a profissão de enfermeira foi inventada, exercida e estabelecida por uma maioria de mulheres, em todos os níveis hierárquicos. Ainda que implique em formas de comando e cooperação, técnica é uma dimensão impor- tantes trata-se de um trabalho que confronta o medo (contaminação, erro, violência...). Mesmo que compor- te similitudes com situações masculinas, o trabalho de enfermagem é também bem diferente: explicitamente orientado para atender aos outros e aliviar o sofrimento psíquico, ele aparece, por estas razões, fortemente indexado à identidade feminina. Para investigar as situações do trabalho de enferma- gem, a solução foi privilegiar um construtivismo metodo- As operárias não podem, como mulheres, se constituir em um “sujeito social”. Quais são as conseqüências de uma falta de identidade social sobre a identidade individual? Como será para as mulheres qualificadas? 014-026.p65 4/2/2005, 15:5818
  • 19. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 19 lógico. Suspendemos deliberadamente a questão do sa- ber se os homens e as mulheres eram, por natureza, diferentes. Fiéis às opções metodológicas da psicodinâ- mica do trabalho, escolhemos como eixo de análise o conflito entre o sujeito e os constrangimentos da organi- zação do trabalho. Mas este conflito foi redefinido no contexto de uma problemática integrando a divisão sexual do trabalho como uma dimensão estrutural e central na relação subjetividade–trabalho. A confrontação com o sofrimento de outro é a fonte de um sofrimento específico que é a compaixão (sofrer com). Quais são as principais descobertas sobre este sofrimento? A experiência dos alunos de enfermagem se instaura sob a influência do medo e do desgosto, combinado com a tentação de demolir os muros e evitar a confrontação com os doentes. Não é a compaixão que está em primeiro plano, mas os comportamentos de recusa. A compaixão é um processo psíquico desencadeado pela obrigação determina- da pelo confronto com os doentes, mesmo quando não se tem vontade, e que só se elabora graças a um grande esforço coletivo. A compaixão é fruto de uma construção social. De um lado, a relação subjetiva com o outro é forte- mente impregnada de ambivalência; estamos ocupadas com pessoas cujo estado de degeneração física e mental suscita angústia, desgosto e medo. De outro, a organiza- ção do trabalho hospitalar, notadamente através de seus constrangimentos temporais, tende a passar a humani- zação dos cuidados para um segundo plano com relação às dimensões técnicas do trabalho. Mas a instrumentali- zação da atividade é vivida como insatisfatória do ponto de vista dos valores, do sentido da profissão. Trabalhar bem é construir o melhor compromisso entre eficácia técnica e compai- xão. Tal compromisso é neces- sariamente imperfeito, mas ele pode ser julgado aceitável. A qualidade das arbitragens coleti- vas é decisiva, tanto para evitar a desumanização dos cuidados como os riscos de trans- gressões individuais (por exemplo, não colocar luvas de proteção por compaixão aos pacientes em estado termi- nal da AIDS. CARPENTIER-ROY, 1991). As dimensões ambíguas da afetividade estão na realidade sempre pre- sentes numa atividade aonde as relações podem alcançar uma real intensidade. Por um processo de deliberação, o pessoal de enfermagem estabeleceu uma fronteira coleti- va entre, como elas dizem, “a mulher” e a “profissional”, para não “misturar tudo”. A importância que as enfer- meiras conferem a esta fronteira, como garantia de sua saúde mental, sugere que, em suas representações, a identidade feminina e a identidade profissional não se recobrem completamente, e a confusão entre as duas será fonte de sofrimento. “No começo, como enfermeira, eu interpretava mal as falas que vinham dos homens, tipo: você tem a mão doce (...). Eu quero ser reconhecida, como enfermeira, não só como mulher. (...) Você sabe, quando você é uma garota, você tem sempre medo dos contatos porque podem ser vistos como uma agressão física: não pode me tocar porque tem a intenção de mexer no meu corpo, isto eu não supor- to. Aí é o momento aonde eu ainda preciso me afirmar tanto como profissional como mulher.” (KERGOAT, 2001, p. 95). “Todas as mulheres são fofoqueiras”: esteriótipo sexual ou estratégia coletiva de defesa? As enfermeiras dissociam com insistência o “ser-mu- lher” de seu profissionalismo, insistência sem equivalên- cia do lado dos homens. Os valores da compaixão jamais são por elas considerados como valores especificamente femininos (vs os valores viris)1 . Suas estratégias coleti- vas de defesa são também opostas às estratégias viris: elas não podiam ser entendidas num modelo teórico “androcentrado”. É a tonalidade particular das discus- sões entre o pessoal que se ocupa dos cuidados à saúde que faz aparecer as especificidades da cooperação defen- siva, sob condição de manter uma distância dos estereó- tipos sexuados, a fim de escutar outra coisa que não fofoca da «mulherada» ou «das descerebradas». A negação de sua própria vulnerabilidade deixava as enfermeiras insensíveis ao sofrimento, colocando em xeque a eficácia e mesmo o sentido do trabalho. As discussões entre elas visa elaborar o sofrimento gerado pelo trabalho hospitalar sem contrapor uma negação. Mas esta elaboração coletiva é tão ambígua quanto a realidade que ela tenta subverter . As enfermeiras consa- gram um tempo significativo para discutir entre elas, de preferência tomando um cafezinho. Estes momentos de convívio são necessários para a coesão da equipe e a qualidade do trabalho, como para a boa saúde mental, mas tendem a desaparecer à medida que o trabalho se intensifica. Durante essas discussões informais, as mu- As enfermeiras dissociam com insistência o “ser-mulher” de seu profissionalismo, insistência sem equivalência do lado dos homens. 014-026.p65 4/2/2005, 15:5819
  • 20. Pascale Molinier 20 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 lheres trocam informações preciosas para acompanhar o trabalho, e também expressar seus diversos sentimentos, as dúvidas, a inquietação, a impotência, a atração ou a aversão. O tom de suas conversas pode parecer insólito, às vezes chocante para pessoas de fora. As situações descritas são geralmente patéticas, portanto é o bom humor que rege. Cada uma se esforça em “desdramati- zar” as situações vividas, empregando façanhas inventi- vas e fantasias para deixar o cotidiano mais agradável e divertido. Para dizer de uma outra forma, trata-se de inventar um conjunto de recursos simbólicos que per- mita deixar o mundo mais vivível sem portanto eliminar o sofrimento. Para tanto, elas zombam dos doentes, dos chefes e dos médicos, mas sobretudo elas zombam de si mesmas, “frágeis-mulheres”. A dimensão da auto ironia frente à própria vulnerabilidade é a componente essenci- al das defesas “femininas”. O sentimento de vulnerabilidade é congruente com a feminilidade. Ao contrário, zombar de suas próprias fraquezas, de suas próprias perdas, é inconcebível na perspectiva viril. Existe uma “sexuação” das defesas. Evidentemente isto não se dá porque as mulheres são dotadas, desde o nasci- mento, da capacidade de reconhecer em si suas próprias fraquezas e de tolerá-las nos outros. Estas estratégias de “domesticação” do real são con- tingentes e só se elaboram porque existe um coletivo de regras de enfermagem. Ora, a perenidade do coletivo é contribuinte do desejo de dividir sua experiência do trabalho com os colegas. Isto implica em estar de acordo com o que se faz. A dificuldade do trabalho compassivo assinala a entrada do sofrimento ético. É o caso, para dar um exemplo, quando os trabalhadores do hospital têm o sentimento de ser antes de qualquer coisa avaliados não pela qualidade de seu cuidado, mas por sua prontidão em “ esvaziar as camas” ou as “rentabilizar”. Eis, tipica- mente, o tipo de situação suscetível para quebrar a pala- vra no seio do coletivo e provocar “descompensações” psicopatológicas. Estas interferem logo que o sujeito não consegue mais trabalhar conforme seus valores; logo que ele tem o sentimento de desenvolver um trabalho indig- no, nefasto para o outro. Uma tarefa que ele tem vergo- nha e que ele não quer, portanto, colocar em deliberação com seus colegas. Não é a compaixão que é patogênica mas a impossibilidade crônica de lhe dar uma saída criativa no cuidar. Quais são as formas de compensação das pessoas que trabalham com cuidados aos outros? Qual é a sua fre- qüência? Os médicos do trabalho que atuam em hospitais serão os melhores para responder a estas questões, saben- do que as relações entre sofrimento no trabalho e doença não mantém relações causais: depressões, suicídios, pas- sagens ao ato violento para uns, aparecimento de diver- sas doenças somáticas para outros. Nossos estudos suge- rem que entre o drama da doença e a subversão coletiva do sofrimento, uma alternativa muito utilizada é a das estratégias individuais de defesa. Duas estratégias individuais típicas: a mudança e o ativismo Em um estudo realizado com chefes de enfermagem que sofriam de fadiga2 por excesso de trabalho, na medi- da em que elas estimam que não podem trabalhar confor- me seus valores, Seria mais sábio pedir rapidamente uma mudança de cargo ou de setor do que se desgastar em conflitos estéreis e inúteis com os chefes de serviço e com a administração (MOLINIER, 2001). De fato, parti- das e mudanças intervêm logo que as pessoas compreen- deram que não tinham poder para modificar a situação3 . Em suma, as estratégias de mudança (às vezes demissão) intervêm depois de tentativas abortadas de resistência ou de rebelião, tentativas freqüentemente custosas no plano pessoal e cujo insucesso é doloroso de elaborar. Partir significa a recusa de se tornar cúmplice do sistema e a vontade, como dizem as chefes de enfermagem, de “sal- var sua pele” 4 . O pedido de mudança (ou a demissão) ocorre freqüentemente após uma fase de ativismo. O ativismo é uma estratégia, clássica no meio hospitalar, que consiste em querer concluir sua tarefa integralmente, notadamente a não sacrificar a humanidade dos cuida- dos, sem contar suas horas de trabalho. O ativismo privi- legia então o sentido do trabalho. Mas é uma estratégia a curto prazo que ocorre sobre a diminuição da vida pesso- al e sobre o esgotamento profissional, o qual numerosos trabalhadores que cuidam de outras pessoas tentam ame- nizar usando automedicação. Se o ativismo é explorado pela organização do traba- lho, ele não é reconhecido nem recompensado. Quando as pessoas que cuidam de outras são usadas, consumidas e se tornam, portanto, em parte inaptas para sua função, elas são estigmatizadas por seus colegas, que as enqua- dram como “braços quebrados”. O ativismo é raramente uma estratégia coletiva5 , ele é fonte de conflito e de divisão no seio das equipes, entre aquelas que não con- tam suas horas, aceitam fazer substituições nos seus dias de descanso, e aquelas que tentam proteger sua vida privada, fazendo respeitar seus direitos. Estas devem compor com os constrangimentos (mono)parentais, ou simplesmente vivem em “sobrecarga” por excesso de trabalho. Na medida em que as equipes das pessoas que cuidam sejam formadas por mulheres da classe média sujeitas a dupla tarefa, tem uma função primordial. Pela diferença com o sofrimento gerado pelo trabalho de enfermagem, o sofrimento gerado por sua “concilia- ção” com o trabalho reprodutivo é visto como um proble- 014-026.p65 4/2/2005, 15:5820
  • 21. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 21 ma individual e não como uma dificuldade que poderia ser socializada e superada coletivamente. Isto aparece claramente nos estudos realizados com chefes enfermei- ras, quando elas não conseguem “conciliar” o papel ma- ternal e conjugal com o seu trabalho, o que pode sob a ótica dos constrangimentos da organização do trabalho parecer, ao menos para nós pesquisadores, como uma missão impossível. Portanto não é a organização do tra- balho que elas remetem em questão, mas a elas mesmas (ou àquelas que não conseguem). “Más profissionais” e “más mães” é “sua culpa”: elas erraram em querer fazer carreira. Esta personalização de suas dificuldades as conduz a ficarem sozinhas, no silêncio e na culpa, com inteira responsabilidade. Enfim, quando as enfermeiras esgotadas tentam levar as suas dificuldades para aqueles que decidem, elas estão num estado de excitação, esgota- mento emocional, confusas. Seu estado é, em geral, jul- gado como patológico pelo interlocutor. Nelas estaria todo o problema, na sua atividade, na sua “ devoção” ou na sua fragilidade (MOLINIER, 2000). Abordamos, aqui, um dos principais problemas. Quem compadece? A “mulher”? ou a “profissional”? A com- paixão não está incluída como um trabalho, ela é natura- lizada, confundida com a feminilidade. À medida dos interesses defensivos dos que de- cidem, a compaixão é idealizada no registro da sensibilidade femi- nina (“as mulheres são formidá- veis”), ou racionalizada pejorati- vamente como pieguice (as mu- lheres têm “crises”). Em seguida, nós vimos que é sobre um modo aonde a compaixão não é jamais desassociada do humor e da auto- gozação que as enfermeiras con- tam sua vivência do trabalho atra- vés do que é uma arte de viver o sofrimento. Compreendemos que este modo de narração tão particular seja difícil de socializar fora do coletivo delas: é inaudível a partir da posição de negação viril. Todavia, o déficit de visibilida- de do trabalho compassivo não é unicamente devido à negação de realidade dos que decidem. Para ser eficaz, o trabalho compassivo deve se tornar invisível anteci- pando com relação às necessidades do outro, em termos de conforto, de escuta, de segurança, de presença, etc. Como reconhecer o trabalho, aonde esperam a autenticida- de de um gesto de simpatia? Os saber fazer compassivos são discretos (MOLINIER, 2000). Para as enfermeiras, uma vez estabelecida, a compaixão se experimenta espon- taneamente, como um sofrimento ...., ela torna-se uma relação com o mundo, uma postura, vivida como natural. Volta sobre a continuidade sujeito sexuado–sociedade As descobertas realizadas junto às enfermeiras, de um lado, e o estatuto da negação do real nas estratégias defensivas viris, de outro lado, confrontam a tese da continuidade entre a identidade sexual e a divisão sexual do trabalho? Segundo Roiphe e Galenson (1981), as observações sistemáticas feitas de crianças dos dois se- xos, entre quinze e vinte e quatro meses, sugerem que a negação será uma postura física enraizada bem cedo no desenvolvimento infantil do menino, enquanto que as meninas serão “preparadas” ao reconhecimento do real do corpo e sua vulnerabilidade6 . É numa idade não muito precoce que os teóricos da ética do cuidar (ethics of care) instituem a diferença entre o “eu relacional” das meninas e o eu abstrato dos meninos (CHODOROW, 1978, GILLIGIAN, 1982). Sem dúvida, a transmissão das iden- tidades e dos “papéis do sexo” se enraízam nas interações precoces, antes do trabalho, entretanto, como sabemos, com importantes variações entre os indivíduos. Mas, nos exemplos, parece que aquilo que se esboça na infância é em seguida profundamente modificado pelo encontro com o real do trabalho e muito pouco compreendemos sobre as vicissitudes da identidade (pedestal da saúde mental) na idade adulta sem referência à materialidade do trabalho. Assim, a negação da realidade não é única (e a me- lhor) forma de se defender contra o sofrimento gerado pelas atividades exercidas por uma maioria de homens. Estas atividades não precisam ser efetuadas de maneira viril para serem bem-sucedidas. Parece, com efeito, que uma minoria entre as mulheres não mobiliza sempre exatamente as mesmas fontes psíquicas que os homens, como Lívia Scheller mostrou sobre as condutoras de ônibus (SCHELLER, 1996). Além do mais, mesmo que nas atividades “masculi- nas” as mulheres trabalhem em parte diferentemente dos homens, não é sempre a primeira intenção. Mas sobretu- do porque as mulheres tentam empregar os métodos viris, aqueles que funcionam para os homens, são P ela diferença com o sofrimento gerado pelo trabalho de enfermagem, o sofrimento gerado por sua “conciliação” com o trabalho reprodutivo é visto como um problema individual e não como uma dificuldade que poderia ser socializada e superada coletivamente. 014-026.p65 4/2/2005, 15:5821
  • 22. Pascale Molinier 22 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 freqüentemente a seu prejuízo e insucesso. Isto aparece nitidamente num estudo de Joan Cassell sobre as cirurgiãs (CASSELL, 2000). Estas devem enfrentar ex- pectativas específicas, para a maioria implícitas, da parte de suas hierarquias, colegas e subordinados. Em particular, se espera das mulheres no posto de comando que elas façam prova de firmeza como os homens, mas que elas também estejam mais à escuta dos outros, mais “hu- manas”, diriam trivialmente. Isto, as cirurgiãs não apren- dem nem na faculdade, nem observando os mestres, elas descobrem em situação de trabalho. É então, em seu corpo, sem ter antecipado primeiro, que elas são conduzidas a experimentar defensivamente formas de relações profis- sionais, de autoridade e de gestão (mais “compreensível”) diferentes das dos homens, assim como outras defesas (MOLINIER, 2003). Enfim, as mulheres que exercem atividades “femini- nas” não estão sempre na medida de reconhecer o real. É o caso quando elas se defendem de perceber seu trabalho como degradante para a sua própria dignidade, em particu- lar quando ele consiste em limpeza sem descanso (e sem reconhecimento) dos dejetos corporais e porcarias dos outros. Assim, podemos identificar, em certos coletivos de atendentes de enfermagem ideologias defensivas da pro- fissão7 chamadas de Kaporalisme (ou ideologia da ordem ao mérito) que consiste em fazer uma triagem entre: • os (alguns) pacientes que merecem a compaixão e serão tratados como pessoas sem restrições (aqueles que coo- peram ativamente e manifestam a gratidão); • e aqueles que serão tratados como subprodutos da espécie humana, como “coisas”, porque eles diminuem o trabalho e contribuem com a penosa tarefa sem manifestar gratidão: tipicamente os doentes mentais, que “não têm mais sua cabeça” os drogados e os alcoólatras, que “terão aquilo que eles merecem”, ou as mulheres no dia seguinte da tentativa de suicídio, que “fazem drama” (MOLINIER, 1966). Assinalemos que tal manobra coletiva contra a perda da auto-estima, devastadora para os doentes que são o alvo, modifica muito superficialmente o sentimento de se deterio- rar numa tarefa indigna. O maltrato, ou a mínima indiferen- ça que resulta de uma estratégia kaporalista não beneficia a “ascensão viril”, pois retorna num “valor”, uma vez que atinge o registro da identidade. Se for para renovar a refle- xão moral apoiando-se sobre a experiência concreta das mulheres, assim como a censura ética da solidão, é necessá- rio ter-se em conta a base material desta experiência, isto é, a divisão sexual do trabalho, as relações sociais de classe e de sexo, assim como os conhecimentos sobre as estratégias coletivas de defesa. À revelia, as auxiliares de enfermagem que se defendem da fadiga e da humilha- ção pelo kaporalismo vivem o risco de ser duplamente estigmatizadas, julgadas “malvadas” tanto como profissio- nais como mulheres (a indiferença ao outro e a violência são antinômicos com a definição da feminilidade “relacional”). A dupla centralidade do trabalho e da sexualidade A identidade sexual se es- boça durante a infância. Este primeiro pilar é colocado em questão não somente pelas primeiras experiências amo- rosas mas também, de uma maneira decisiva, pela expe- riência do trabalho. É no mo- mento da adolescência, perío- do chave do desenvolvimen- to, que entram em conflito os dois problemas, o da esco- lha profissional (vetorização inconsciente → sujeito) e as incidências da situação de trabalho sobre a vida psíquica e afetiva do adulto (vetorização sociedade → sujeito (DEJOURS, 1996). Isto leva a postular uma “dupla centralidade”, a da sexualidade e a do trabalho, no funcio- namento psíquico e na construção da saúde. Esta discussão se iniciou desde 1988 em um artigo consagrado essencial- mente, como indica seu título, ao “masculino entre socie- dade e sexualidade” (DEJOURS, 1988). É raro que o sujeito, quando entra no mundo do traba- lho, seja suficientemente maduro e seguro de sua identida- de sexual para pretender ser aceito pelos outros como amável enquanto homem (ou enquanto mulher) 8 . É por isso que nos encontros entre o sujeito masculino e os constrangimentos deletérios das situações de trabalho, o risco de captura da identidade masculina pela virilidade defensiva é real. O homem virilizado escora seu funciona- mento mental e social a partir de representações estereo- tipadas e imagens prontas, também é pouco acessível aos remanejamentos psíquicos, fragilizado não somente por abordar o reencontro erótico com uma mulher alter ego, mas também por elaborar ao longo da vida as situações de ruptura, em particular as demissões ou a aposentadoria. Do outro lado da relação social de sexo, para designar a posição feminina encravada, isto é alienada na submis- E m particular, espera-se das mulheres no posto de comando que elas façam prova de firmeza como os homens, mas que elas também estejam mais à escuta dos outros, mais “humanas” 014-026.p65 4/2/2005, 15:5822
  • 23. Psicodinâmica do trabalho e relações sociais de sexo. Um itinerário interdisciplinar. 1988-2002 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 23 são, Dejours cria o neologismo de “mulheridade”. Entre virilidade e “mulheridade”, a identidade sexual das mu- lheres que trabalham em profissões tradicionalmente masculinas se dá sob grande tensão. É o caso de Mulvir, uma jovem analisada em psicoterapia por Dejours (1996). Ela, recusando repetir o destino maternal frustra- do (mulheridade), deseja entrar num trabalho interessan- te e qualificado, o de técnica-eletricista. Mas, no seu meio social, não há mulher que represente um modelo de emancipação profissional e sexual. E no seu meio de trabalho exclusivamente masculino, ela deve consentir em aceitar as estratégias coletivas de defesa e os trotes construídos pelos homens, com o risco de uma conse- qüente virilização – “uma crise da identidade sexual com os problemas do uso do corpo erótico e a uma hesita- ção sobre a orientação sexual (homo ou heterossexual)” (DEJOURS, 1996, p. 25). Dejours mostra que, numa abordagem psicanalítica convencional, a sua própria an- tes da discussão com Kergoat e Hirata, a luta trágica da jovem contra a “mulheridade” será interpretada como uma reivindicação fálica e uma recusa típica da castra- ção. Mulvir não é “um homem castrado”, mas uma jovem mulher em busca da realização de si. A tomada de cons- ciência das relações sociais da produção e da reprodução tem incidentes pesados em termos da orientação terapêuti- ca. Em princípio, a terapia pode reforçar a “mulheridade”, antes de tudo uma defesa que consiste em “fazer a mulher” para ser aceita e amar (Ver GRENIER-PEZÉ, 2000 e MOLINIER, 2003). “Através da feminilidade a subjetividade se descolaria do esteriótipo social de dona de casa submissa a seu homem, como a masculinidade será a testemunha do caminho feito pelo sujeito para não se deixar reduzir ao machismo con- vencional (identidade de empréstimo).” (DEJOURS, 1966, p. 20). As vicissitudes deste “descolamento” não são interpretáveis sem referência ao traba- lho. Isto é adquirido. Mas as aspas que são colocadas na “feminilidade” sugerem que se avança num terreno conceitual incerto. A dis- cussão com os sociólogos tem um papel impor- tante nesta indefinição conceitual. Esta posi- ção teórica prudente me parece ser sempre devida, especialmente porque há um verdadeiro hiato entre as definições sociais (androcentradas) da feminilidade e a maneira como esta se apresenta no discurso feminino. Já explicamos longamente sobre a naturalização do trabalho compassivo na feminilidade social. Acrescentamos que em psicodinâmica do trabalho, a identidade sexual foi proble- matizada por Dejours em termos de reciprocidade entre os sexos (como aquilo que escapa a toda relação social). Desta maneira, a masculinidade se construiria no encontro erótico com as mulheres, ao contrário da tese romântica de Rousseau que defendia a feminilidade como fruto da iniciação sexu- al pelo homem (HABIB, 1998). Portanto, quando as mu- lheres dissociam a “mulher” da “profissional”, esta parte delas mesmas que elas designam como a “mulher” é antes de mais nada a que deseja que seu corpo lhe pertença. Livre de se “ocupar dela mesma” como as esposas dos homens que trabalham em turnos dos quais falaremos mais tarde, livre de recusar ser tocada contra sua vontade, como a jovem enfermeira citada, livre para não se embrutecer nas respostas repetitivas às necessidades dos outros, como tes- temunham amplamente as auxiliares de puericultura e as assistentes maternais (CHAPLAIN, CUSTOS-LUCIDI, 2001). No discurso das mulheres, é a inalienabilidade do corpo que aparece como o vetor principal da identidade sexual. Inalienabilidade a ser conquistada antes de toda maneira de reciprocidade sexual e que implica a subversão das relações sociais de sexo. As duplas virilidade–masculinidade, mulheridade-fe- minilidade não são então simétricas e não reenviam a uma tipologia das identidades sexuadas, mas formam uma rede conceitual topológica para pensar a complexi- dade dos destinos de identidades, entre sexualidade e trabalho, sem fixar ou definir a essência dos conteúdos da masculinidade ou da feminilidade. A saúde dos homens: uma construção do trabalho conjugal? Discursos e práticas da maioria das mulheres apare- cem fortemente marcados, não porque será uma adesão pura e simples a seu estatuto de dominada, mas pela luta contra a mulheridade. Isto autoriza retomar a controver- tida questão do “consentimento” das mulheres, a sua dominação, ao menos aonde elas não são constrangidas pela violência. “Por que (a despeito das mudanças da atividade femi- nina) o trabalho doméstico é e continua a ser realizado no meio da família e do casal gratuitamente e “volunta- riamente” pelas mulheres? Por que mesmo aquelas que têm uma “consciência de gênero” “consentem” em re- produzir esta relação assimétrica?”, pergunta Helena Hirata (2002, p. 14). Abre-se aqui um novo programa de pesquisa interdisciplinar, apenas esboçado, que repre- senta um desafio teórico (DEJOURS, 2001) e metodo- lógico. As relações de produção não podem ser analisadas independentemente das relações de reprodução 014-026.p65 4/2/2005, 15:5823
  • 24. Pascale Molinier 24 Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 014-026, Set./Dez. 2004 Eu evocarei brevemente uma recente pesquisa feita com mulheres de homens que trabalham em turnos numa indústria de processo contínuo (MOLINIER et al., 2001). Permitindo confirmar que as relações de produção não podem ser analisadas independentemente das relações de reprodução, e portanto que as investigações sobre o so- frimento no trabalho não podem ser desligadas dos desa- fios em termos de transformações das situações de traba- lho, esta pesquisa poderia inaugurar uma nova era para os dispositivos metodológicos em psicodinâmica do traba- lho. Com efeito, a contribuição das mulheres de homens que trabalham em turnos não se limita à execução das faxinas domésticas, se acrescentamos um trabalho psico- lógico onde o papel é fundamental na construção e na preservação da saúde do esposo. Guardiãs do sono de seus esposos, da regularidade das referências temporais da família, guardiã do seu par, a cooperação das mulheres no espaço doméstico é necessária ao desempenho dos trabalhadores em turnos. Aliás, estes dizem que um ho- mem solteiro não teria muito tempo disponível. O modo de produção doméstico toma tanto tempo que a maioria das esposas renunciaram a um trabalho assalariado ou desejam parar de trabalhar. A suspensão, provisória ou definitiva, da atividade é o preço a pagar para a sua própria saúde e a estabilidade do casal, pensam elas. As mulheres de homens que trabalham em turnos são “compreensivas”. “Compreensiva, mesmo se isto me irrita”, dirá uma delas. Constatamos, entre as mais ve- lhas, um cansaço e uma irritação em relação à vida assim organizada e uma irritação contida frente a um marido que se guarda mais e mais e que se recupera durante o tempo de descanso. Um marido com quem precisa se preocupar mais e mais. Segundo as mulheres, seus esposos, em particular os jovens engenheiros, não são particularmente “machos”. Eles não impõem a para- da da atividade profissional a suas esposas. Eles se propõem a executar as tarefas domésticas, como vestir as crianças para levá-las à escola. “ Mas eu prefiro fazer eu mesma”, dirá a esposa, pois ele não combinará as meias com os elásticos das roupas! Para esta mulher super- qualificada, que provisoriamente renunciou ao trabalho, como para as mulheres não qualificadas pro- fissionalmente, o trabalho doméstico só é suportável quando realizado perfeitamente. O zelo doméstico é um meio de lutar contra “o endurecimento”, dizem elas, para não dizer a depressão silenciosa, a preguiça em frente à televisão à tarde ou as voltas intermináveis nos supermercados. Para as mulheres dos engenheiros, elas mesmas super qualificadas, a parada da atividade pro- fissional é transitória (os jovens engenheiros não ficam mais de 5 anos no trabalho). Todavia, para os operado- res de base, parece que a sua saúde conta em grande parte sobre a escolha de uma mulher sem ambições de carreira pessoal. Portanto, sabemos que nas sociedades atuais, e nas classes sociais, poucas mulheres se reconhe- cem no modelo da “dona de casa” , incluindo, como vimos, entre as mais “zelosas”. Resta, por enquanto, que os proje- tistas das organizações do trabalho masculino não integra- ram as evoluções das aspirações femininas. Conclusão As questões levantadas neste artigo provam que o campo aberto pela discussão entre a psicodinâmica do trabalho e a sociologia das relações sociais de sexo não é homogêneo do ponto de vista teórico, que é cruzado pelas tensões e controvérsias entre as duas disciplinas e entre os pesquisadores de cada disciplina. Além destas ten- sões, os conhecimentos construídos ao longo destes quinze anos levantam argumentos substanciais à tese se- gundo a qual a saúde não é um dom da natureza, mas uma construção inter- subjetiva. Parece que nesta constru- ção, o trabalho de cuidar realizado pe- las mulheres, neste espaço produtivo como no espaço reprodutivo, tem um papel preponderante, hoje subestima- do. Também não se pode subestimar que este trabalho de cuidar de outros é freqüentemente questionado pelas organizações do trabalho que o desconhecem. Fortalecida pelas contribuições da sociologia das relações sociais de sexo, a análise das situações do trabalho do pessoal de enfermagem permitiu mostrar que as modalidades da subjetividade, como a paciência, a receptividade, a sensibilidade à vulnerabilidade do outro, classicamente consideradas pela psicologia clí- nica como pertencentes à constelação psíquica da femi- nilidade e do “eu relacional” das mulheres, são, em sua maioria, diferenciações contingentes e secundárias à experiência do trabalho. Não considerando as teorias do trabalho, as teses convencionais da psicologia partici- pam da ocultação do trabalho das mulheres, desfiguram sua experiência e acentuam o déficit crônico de reco- nhecimento que elas sofrem. A psicodinâmica do traba- Conhecimentos construídos ao longo destes quinze anos levantam argumentos substanciais à tese que a saúde é uma construção intersubjetiva. 014-026.p65 4/2/2005, 15:5824