1. Shirléia: o lugar do afeto no diálogo com o outro
RESUMO
No sexto capítulo do livro “Primeiras letras: alfabetização de jovens e adultos em
espaços populares” de Marlene de Carvalho, Shirléia: o lugar do afeto no diálogo com
o outro, relata a história da experiência vivida por Shirléia Leandro da Silva ao entrar
no complexo de favelas da Maré e o impacto que ela teve. O objetivo deste trabalho é
fazer uma análise do texto no intuito de observar com mais clareza o trabalho de
alfabetização de jovens e adultos feito por Shirléia, com pessoas que moram em
complexos de favelas também chamados de territórios e que vivem cercados de má
fama e de interdições e por outro lado cheios de afetividade e vontade de viver, e que
vivem uma vida normal mesmo sem ter sido alfabetizados, porém envoltos a vergonha
de terem chego a uma certa idade sem ter tido a chance de ter sido alfabetizado,
avaliando assim o resultado obtido nesta luta e incansável missão. A metodologia
utilizada será a análise da leitura do texto proposto e a relação com outros textos. A
autora nos encoraja a ir a busca de adultos que não tiveram o prazer de terem sido
alfabetizados na idade certa e transmitir conhecimentos e transformar em cidadãos
alfabetizados cônscios de seus direitos.
Palavras-chave: Território, alfabetização, afetividade.
1. INTRODUÇÃO
O texto relata a árdua tarefa de Shirléia, uma estudante de ciências sociais que
sonhava ser professora, porém, acabou optando por sociologia. Por ter vivido em
bairros populares candidatou-se ao mestrado em Educação, suas experiências ajudou
bastante no ingresso do programa de alfabetização. O bairro da Maré, considerado
território de má fama e de embargos foi escolhido por Shirléia para colocar em prática
o programa de alfabetização.
O ato de alfabetizar já não é tão fácil, e quando temos a nossa frente pessoas
que passaram a vida sofrendo humilhações e desprezos por fazerem parte de
Complexo, de ambientes considerados Territórios demarcados por interdições se
tornam ainda mais tenebroso. Shirléia teve em suas mãos o direito de mudar essas
mentes levando a cada um o conhecimento e o prazer de poder escrever seu nome,
uma carta ao parente distante, mesmo receosos com a idade ou pelas críticas que
recebiam das próprias pessoas do Complexo, mas o que eles queriam na verdade era
serem alfabetizados. Nos bairros nobres, nos deparamos e até convivemos a cada dia
com pessoas que não tiveram o direito de ter recebido a alfabetização no tempo certo,
2. são pessoas que vivem por trás de um balcão de supermercado, uma banca de
verduras e frutas, etc. que trocaram de certa forma a escola pelo trabalho, por
questões sociais, políticas e econômicas.
Porém a partir do momento em que Shirléia entra no Complexo essas limitações
vão se desfazendo e vi dando lugar ao aprendizado e convivência social, pois ela
buscou interagir de certa forma para que toda barreira seja desfeita, levando os seus
alunos a conhecer espaços sociais e culturais o qual nunca teriam acesso.
2. EXPOSIÇÃO
2.1. Shirléia: O lugar do afeto no diálogo com o outro
Shirléia, estudante de ciências sociais que sonhava em ser professora e acabou
optando por sociologia. Por ter vivido em bairros populares, candidatou-se ao
mestrado em educação o qual ajudou bastante a utilização de suas experiências para
o ingresso no Programa de Alfabetização, no entanto o Bairro da Maré foi escolhido
por ela para a realização do Programa pela empatia que sentiu pelos moradores, um
Bairro considerado território de má fama e de interdições. A surpresa de Shirléia foi
tamanha ao ver que os outros analfabetos à sua volta eram pessoas comuns, onde o
analfabetismo era camuflado sempre que preciso o que enfatiza o valor simbólico da
alfabetização. Foram encontradas diversas dificuldades além do financeiro, a
resistência dos alunos em assistirem aula, porém com toda a dificuldade Shirléia
busca envolver os alunos em excursões por lugares que para eles eram
desconhecidos como o zoológico, cinema, teatro etc. que para Shirléia essa possível
convivência com essas pessoas foi de extrema importância e que trouxe para sua vida
não só uma experiência social, mas também espiritual. Contudo Shirléia pôde
perceber que era preciso dar importância não só ao ensino dos conteúdos escolares,
mas também dar ênfase a protuberância dos aspectos afetivos na vida escolar dos
alunos, principalmente na relação professor-aluno.
Diversos autores como: Fernandes (1991), Dantas (1992), Snyders (1993),
Freire (1994; 1999ª), Codo e Gazotti (1999) entre outros, afirmam que o afeto é
indispensável na atividade de ensinar, incluindo que as relações entre o ensinar e o
aprender são motivadas pelos desejos, pelas paixões e que é possível identificar
possibilidades afetivas favoráveis que facilitem a aprendizagem. Shirléia buscou esse
elemento importante na tentativa de dar oportunidade a um ensino e aprendizagem
competente visando um ambiente agradável em sala de aula, na obtenção e
naturalização de conhecimentos e elevação de autoestima.
2.2. Práticas Pedagógicas de Alfabetização e Letramento
3. Durante o Programa de Alfabetização, Shirléia baseou-se nos métodos de Paulo
Freire como também desenvolveu materiais didáticos produzidos por ela mesma para
ajudar na compreensão da leitura, relacionando a leitura com a realidade dos alunos.
Suas atividades eram feitas de caráter simples, mas objetivas. Shirléia colocava uma
palavra por folha acompanhada de uma ilustração em uma folha A4, e os alunos
observavam as imagens e as palavras e pensavam em si mesmo que já sabiam ler,
trazendo contudo motivação.
Para Paulo Freire a alfabetização está baseada nas experiências de vida das
pessoas. Em vez de buscar a alfabetização por meio de cartilhas e ensinar, por
exemplo, “o boi baba” e “vovó viu a uva”, ele trabalhava as chamadas “palavras
geradoras” a partir da realidade do cidadão. Por exemplo, um trabalhador de fábrica
podia aprender “tijolo”, “cimento”, um agricultor aprenderia “cana”, “enxada”, “terra”,
“colheita” etc. A partir da decodificação fonética dessas palavras, ia se construindo
novas palavras e ampliando o repertório (Paulo Freire, 1964). Shirléia utilizava esse
método das palavras geradoras o qual surgiam das conversas e preocupação dos
alunos. A educadora estava a todo tempo incentivando para o interesse dos alunos na
leitura, tentando relacioná-la aos assuntos dos interesses cotidianos, mas a intenção
de Shirléia estava além da alfabetização, envolvendo os usos sociais da escrita,
incentivando a escrever cartas pessoais para parentes e amigos. “Era essa a minha
preocupação: eles lerem e escreverem outras coisas, não só no caderno, na sala de
aula”. (Shirléia, 2009)
As condições precárias do ambiente escolar e as fortes reclamações dos alunos,
levou Shirléia a incentivá-los a escrever uma carta à Pró-Reitoria de Extensão da
UFRJ, fazendo uma reclamação sobre tal situação, o qual obteve bons resultados pois
foram transferidos para uma sala de aula de escola municipal, contudo o desafio
enfrentado por Shirléia afinal, da maior parte dos alfabetizadores de jovens e adultos
era conduzir satisfatoriamente o ensino numa turma heterogênea, com pessoas
iniciantes na leitura e escrita e outras de nível intermediário, já com certo domínio do
código alfabético.
Para Shirléia, o Programa de Alfabetização teve um grande significado na sua
vida pessoal, pois trabalhava em uma empresa multinacional capitalista, o qual ela era
contra:
“Eu sou completamente contra o sistema capitalista, porque eu sou
uma das pessoas que sofrem com ele. E isso era um mal estar na
minha vida, ter que me violentar dessa forma, fazer uma coisa que
me fazia mal por causa do dinheiro.”(Shirléia)
E se viu trabalhando em uma coisa não pelo dinheiro, mas pela realização
pessoal, de cunho social e fazendo o que já havia sonhado há tantos anos atrás, que
era a educação, podendo ver na prática o que havia visto na teoria.
4. 2.3. As contribuições de Emilia Ferreiro para os estudos em EJA
Emília Ferreiro e Ana Teberosky(1988), deixaram suas contribuições ao
elaborarem uma psicogênese da língua escrita apoiadas na psicologia construtivista
de Piaget e Vigotsky.
Em seus estudos, Emília Ferreiro distingue pistas e aspectos relevantes do
processo de aquisição da linguagem escrita por parte da criança, levando em
consideração os resultados de pesquisas que investigam os processos e estratégias
que a criança utiliza no início da alfabetização, fazendo a interpretação da escrita no
meio em que vivem. Ferreiro questiona a ideia de que a criança só aprende a ler por
meio da ação didática do professor, seguindo a ordem escolar de apresentação de
letras, sílabas, palavras, frases etc. Em suas pesquisas, ela demonstrou que a criança
pensa sobre a escrita e formula hipóteses sobre o que ela representa, há indícios de
que alguns adultos, quando estimulados a produzir escritas espontâneas, passam por
etapas análogas àquelas vividas pelas crianças. Contudo vemos que as contribuições
de Emília Ferreiro se fez presente nos trabalhos realizados por Shirléia com seus
alunos.
Alguns outros autores como: Alessandra Macedo e Maria Estela Campelo (2004,
p.1) consideraram que a apropriação da abordagem de Emília Ferreiro permite
entender melhor a lógica da escrita que os alunos produzem.
A constatação mais significativa do nosso trabalho é que as construções
científicas de Emília Ferreiro e colaboradores, relativas à alfabetização, têm contribuído
no trabalho docente de alfabetizar pessoas jovens e adultas. (Macedo; Campelo, 2004,
p.3).
Será de grande pertinência que alfabetizadores de jovens e adultos conheçam a
obra de Emília Ferreiro e deem continuidade aos estudos e as reflexões sobre a
importância de sua teoria para a formação docente.
CONCLUSÃO
No texto estudado vemos a árdua tarefa de Shirléia em tornar pessoas
alfabetizadas, e o prazer que a autora tem em realizar este trabalho, por ter sido um
de seus sonhos e agora estar colocando em prática o que só via em teorias.
Tomamos essa tarefa para os nossos dias, e vemos que não é diferente as
barreiras encontradas para educação em comunidades ou até mesmo em bairros e
pequenas cidades. Shirléia buscou em todo o seu programa de alfabetização
compreender a vida dos alunos conciliando o dia a dia com o aprendizado,
5. aprendendo com eles a afetividade e o respeito, quebrando uma grande barreira
construída em cima de preconceito e inibição por estarem sendo alfabetizados “fora da
idade”, sem lembrar que para aprender não tem idade e sim força de vontade.
O texto traz excelente aprendizado para todos os profissionais que visam a
educação de jovens e adultos que vivem em comunidades e que buscam vincular o
aprendizado com a cultura do ambiente de estudo, Paulo Freire traz uma boa
colocação em um de seus trabalhos no que diz respeito a educação e a cultura:
“A alfabetização e a educação são expressões culturais. Não se pode
desenvolver um trabalho de alfabetização fora do mundo da cultura, porque
a educação é por si mesma, uma dimensão da cultura” (FREIRE, MACEDO,
2006, p.33 e 34).
O texto mostra que o educador através de sua prática educativa e afetiva pode
transformar educandos inibidos e cobertos de preconceitos em pessoas cônscios de
seus direitos lhes dando oportunidade de obter uma nova visão de vida e a
possibilidade de reivindicarem pelos seus direitos com segurança e convicção.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Marlene. Shirléia: o lugar do afeto no diálogo com o outro. In.
Primeiras letras: Alfabetização de jovens e adultos em espaços populares. Ed. São
Paulo: Ática, 2009.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra.
1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
47ª ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2013.
FREIRE, Paulo, MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da
palavra. Tradução Lourenço de Oliveira, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2011.