O poema descreve o entardecer visto por um observador solitário em um jardim. A tarde cai mansamente e o observador sente o frio, enquanto os pássaros do jardim o olham com espanto ou anseio. Ele se sente sozinho, mas em paz, escutando música e refletindo sobre o silêncio dentro de si. Com o fim da tarde, ele envelhece mas se sente feliz, tendo desfrutado da serenidade do momento.
5. FECHOU A ESCOLA EM GRIJÓ
Ao Frederico Amaral Neves
I
Dantes ouviam-se as crianças a caminho da escola
e eram como pássaros de som nas manhãs de Grijó.
Não eram muitas, mas as vozes joviais
davam sinal de que a aldeia resistia,
continha à distância o deserto que a ronda
como a alcateia ronda uma rês tresmalhada.
Agora as crianças, todas as manhãs,
são acondicionadas como mercadorias
numa viatura com vocação de furgoneta.
Lembram judeus amontoados
em vagões jota a caminho de algures.
Vão aprender em terra estranha o que os seus pais
e os pais dos seus pais aprenderam em Grijó.
6. II
Só se voltam a ouvir ao fim da tarde
quando a viatura as despeja no largo da aldeia
como artigos que ficaram por vender.
Mas ouvem-se pouco, porque vêm cansadas.
Ouvem-se pouco e triste porque o seu dia
foi deportado para outra terra onde
não se lhe firmam raízes.
O senhor ministro das Finanças está contente,
porque poupa meia dúzia de euros
com a violenta trasfega da infância.
Mas está triste Grijó, porque já não ouve
as suas aves da manhã a caminho da escola
— e por isso pode dizer-se que a aldeia encolheu,
ficaram uns metros mais perto
as dunas de amanhã.
7. III
Caladas as vozes tagarelas das crianças,
nos dias de Grijó poucas mais vozes se ouvem
do que as de alguns velhos que antecipam
em palavras raras, conformadas,
o dia em que o silêncio cobrirá com estrondo
o (des)povoado definitivamente.
O senhor ministro das Finanças terá poupado
mais alguns euros com a instauração
deste opressivo silêncio final,
e ficará contente.
Grijó não.
A. M. Pires Cabral
9. A UMA BICICLETA DESENHADA NA CELA
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
Luís Veiga Leitão
11. DA FRÁGIl SABEDORIA e ARTE DA RESPIRAÇÃO
Há dias em que, de tanto ruído, não ouço nada. Mas ainda não
Estou surdo e fico silencioso, como parecem estar as estrelas.
Se queres conquistar um público, se te queres vender
(tal a TV, os políticos, os best-sellers), terás de baixar a bola –
Bater com o focinho no chão da multidão. Se porém o que desejas é
Ser, procurar “voar outro” (Pessoa) – terás que o fazer sozinho.
O luxo não é possuir coisas, o luxo é cantar, olhar o verde
das ultimas árvores, a terra sumarenta do outono; o luxo
É dizer ao filho que aprenda com os erros e despir-me na
Praia e que o sol me possua ou as águas ou o teu olhar.
Um luxo que por vezes me intimida porque o mundo está
Doente e tudo se desmorona em volta.
O silêncio, o que é o silêncio ? Perguntei ao mestre.
- Uma floresta cheia de ruído.
Palavras vãs…Vãs são as palavras quando o silêncio, ou
Apenas um sorriso, dizem o que há a dizer…o que não é
Possível dizer-se…necessário dizer…
- Como está a tua mulher? Não é minha, apenas viajamos juntos. Casimiro de Brito
13. AVE ; PÁSSARO; ÁRVORE
Ave
Alada
a palavra solta
a veloz consoante do voo
Pássaro
Sobre o campo
um som de flecha
uma palavra veloz
ÁRVORE
É feita de aves e vento
E a linfa que a percorre
nutre por dentro a palavra
como o v que alimenta o verde
o vento a erva e o vale João Pedro Mésseder
19. DOS VERSOS QUE LI…VER SÓ COM OS OLHOS…PORTUGUÊS E VIVO…
Dos versos que eu li
(Bem mais de um milhão)
Tão poucos senti
No meu coração!
E dos que o tocaram
Quantos lá ficaram?
Quantos florirão?
E esses ainda
(Tão menos ainda!)
Que fruto darão?
Ver só com olhos
É fácil e vão:
Por dentro das coisas
É que as coisas são.
Português e vivo
É diminutivo.
Só fazemos bem
Torres de Belém.
Carlos Queiroz
21. PEQUENA ORAÇÃO ; QUASE-IRONIA; CANÇÃO BASTANTE ROMÂNTICA
Quando a nossa dor descansa,
E as lágrimas nos olhos são mais frescas que o orvalho nas
flores…
Ave-Maria.
Esta tristeza calada
É coitada, minha amiga…
Companheira dedicada,
Confrangida e delicada,
Não me abandona por nada…
… E eu gosto que ela me siga.
A minha vida é uma
Torre de espuma
Toda a tremer…
Se vem o vento,
A minha vida
Enfraquecida,
Sem um lamento
Vai-se perder!...
Que pena tenho
Da minha vida!
Cristovam Pavia
23. Solidão
Como quem tece um xale
para o frio da alma
invento os teus braços
nos meus ombros,
o verão da tua boca
na minha pele.
No meu outono, agreste,
invento-te.
E a tua lembrança,
que não foi nem houve,
porque não existes
ou o teu destino é longe
e noutro lugar
atravessa a noite.
Luísa Dacosta
25. NOS SEMÁFOROS… MERCADO DO BOLHÃO…. ALEGRIA DESCONHECIDA
NOS SEMÁFOROS DA RUA DE SANTA CATARINA
Ao menos os teus olhos
permanecem verdes
todo o ano
MERCADO DO BOLHÃO
No meio das couves de sabóia e dos espinafres
o sorriso gelado
de um molho de nabos
Jorge de Sousa Braga
Jorge de Sousa Braga
de súbito
o prazer de sentir o sol
manso de Inverno
caminhar suavemente no passeio
numa hora morta
encontrar no vidro das casas comerciais
o espanto do rosto
o risco distraído de atravessar a rua
depois
talvez comer uma maçã
um café
fumar um cigarro
observar uma mulher pela transparência
do vidro
Amanhã vai ser diferente Francisco Duarte Mangas
27. INCONSTÂNCIA
Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde
ando...
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei
quando...
Florbela Espanca
28. MINHA TRAGÉDIA
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!
Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! ...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! ...
Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! ...
Florbela Espanca
29. EM VÃO
Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.
Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
A flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!
E eu quero bem a tudo, a toda a gente...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!
E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flor a sombra dos meus passos!
Florbela Espanca
31. TEXTOUTONO ; DANÇA
Cai...
A primeira acastanhada
folha-texto de Outono
Na minha serenidade.
Brilham na teia
os olhos orvalho
da incansável e bela
tecedeira.
Como bailarina em pontas
descia a amarelada folha
suave, delicada, em doce rodopio...
Paixão da queda.
A. V
A. V
33. EU…JÁ NÃO SEI QUERO SONHO
Vou sabendo aceitar a visitação silenciosa da ternura. Instala-
se. Nada diz. Acabo por a perceber perfeitamente. Eu já...
Rejeito a frágil folha rosto de lágrima percorrida. O meu olhar
não tem pressa. Eu não...
Que este rumor interior de beleza comovida regressa sempre
ao lugar de partida. Eu sei...
Como barco em horizonte distante, acenar recolhido até que.
Eu quero...
Continuar a entregar-me despudoradamente ao Instante que
Existe no passado - presente, nesta força imorredoira de
merecer-me de Vida merecida. Eu sonho...
A. V
35. ENVELHEÇO COM A TARDE
Cai mansa, etérea e fria a tarde.
Cinco horas da tarde. Os senhores do Jardim olham-me com espanto ou anseio de alimento.
Está frio, aconchego o cachecol, levanto as abas do sobretudo, coloco as mãos no bolso. Distendo as pernas.
Olho de olhar alongado para um rio profundo, lagunar, que me observa.
Estou só, completamente só.
Estou bem.
Ouço o arfar compassado da minha respiração em dó menor ao som do Stabat Mater de Pergolesi, cantado por angélica voz de contratenor.
Começa a ser comum perscrutar o silêncio que habita em mim, ou por problema de habitação, o que vai sobrando de mim no silêncio.
Estou só, profundamente só. Pleno, comovido a leste de mim, que para minha perdição – salvação só me encontro na bússola do cá dentro.
Um frágil ramo de tília desnudada observa-me. Sorrio-lhe e a brisa abana-a como se treme.
Esvai-se a tarde em horizontes laranja. As primeiras luzes-candeias tremeluzem do lado de lá. Convoco-as para o meu lado de cá, companheiras de
entardecimento.
Estou só. Profundamente só.
Envelheço com a tarde e estou bem.
Preciso destes amplexos de serenidade para ser feliz.
Despeço-me deste escuro verde-musgo com um sorriso aos bancos vermelhos. Aceno-lhes por dentro, e , no seu vazio de ninguém, vislumbro
promessas pacificadoras de outros entardeceres.
Com o fim da tarde envelheço e estou feliz. Talvez Ele andasse por ali, de certeza que andou por ali, hálito profundo de vida…
Talvez. Resolvi fixá-lo com a minha Pelikan no meu moleskine .
Caminho arborizado e noturno entre as áleas. Uma nesga de lua espreita-me. Algumas raízes de mim ali ficam.
Envelheci com a tarde.
Não me importo, gostamos.