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CAPÍTULO IV
O CORO DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ
A instituição do coro segundo a procuração de 1724
____________________________________________________________
Em 18 de Agosto de 1724, Inácio da Silva Medela – nascido no bairro do Bom Jesus, na
vila de Barcelos, então residente na Rua Direita da cidade do Rio de Janeiro, Brasil –
passou uma procuração para se instituir um coro permanente no templo do Senhor da
Cruz da sua terra natal.
Foram então apresentados como seus procuradores o capitão Joaquim da Costa Silva, da
vila de Guimarães, António Pereira, Maurício Correia, Manuel Gonçalves Moreira
Alvares e Cipriano Vieira, residentes na cidade do Porto.
Na procuração refere-se que Inácio da Silva Medela era filho legítimo de Pascoal
Rodrigues e de Helena Ribeiro e que fora baptizado na igreja colegiada de Santa Maria
de Barcelos; que tivera como avós Martinho Rodrigues, o Rates por alcunha e “fulana
Medela” (pela parte paterna); pelo lado da mãe era neto de Álvaro da Silva e de Gracia
Coelho – todos do bairro do Bom Jesus.
À esquerda: quadro de pintura a óleo sobre tela,
1888, com o retrato de Inácio da Silva Medela
(falecido em 1747), instituidor do coro do Senhor
da Cruz.
Em cima: aspecto da árvore genealógica de Inácio
da Silva Medela, século XVIII.
A administração do coro cabia à mesa da irmandade, que detinha a prerrogativa de
empregar (através de concurso) e despedir os 7 capelães previstos, devendo dar
preferência a familiares do instituidor.
O legado destinado a garantir o seu normal funcionamento era de 16.000 cruzados,
dinheiro que deveria ser aplicado a juros em instituições seguras, de preferência ligadas
ao poder régio (na Alfândega ou no Almoxarifado de Barcelos, por exemplo),
calculando-se um resultado líquido anual de 80.000 réis, 40 mil para pagar aos capelães
e outros 40 mil para ornamentos da sacristia1
.
Aquando da elaboração da escritura de aceitação do legado, em 15 de Março de 1725,
assinaram pela mesa da irmandade o seu juiz, Dr. Manuel de Andrade e Almada, o
escrivão padre Manuel da Costa Lopes, o tesoureiro José Gomes Garcia, os mordomos
Dr. José Leite de Faria, José Barreto da Gama, Manuel Luís Tamel e restantes
elementos da mesa, todos residentes na vila de Barcelos. (Mais duas escrituras de
aceitação do legado serão assinadas, uma em 30 de Dezembro de 1728 e outra em 7 de
Março de 1730, na sequência da ampliação do coro e do respectivo valor financeiro).
Em representação do instituidor assinou o seu
principal procurador, o capitão de Guimarães
Joaquim da Costa Silva, que apresentou a
procuração emitida no Rio de Janeiro, com a data
de 18 de Agosto de 1724.
Como testemunhas da procuração e do “extracto”
que seguia em anexo, assinaram o capitão
Cordeiro Silva, João Pinto Rodrigues e Paulo
Pinto de Faria, sendo “tabelião público do
judicial, e notas” Jorge de Sousa Coutinho. Como
juiz das justificações, rubricou o Dr. António de
Sousa de Abreu Grade, do desembargo de sua
majestade, ouvidor geral, corregedor da comarca
com alçada no cível e crime na cidade do Rio de
Janeiro e mais capitanias de sua repartição2
.
1
AISC, Caixa 2, Instituição do coro da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, Documentos 1 e 2.
2
Destes documentos foi passada uma certidão, em 21 de Outubro de 1769, em Barcelos, assinada pelo
escrivão João Francisco da Silva.
Pormenor da procuração de Inácio da
Silva Medela, emitida no Rio de Janeiro
a 18 de Agosto de 1724.
Os documentos esclarecem que Inácio da Silva Medela enviuvara de Maria de Almeida,
mulher de quem não teve filhos pelo que era herdeiro dos bens “remanescentes” do
finado matrimónio. Afirma-se também detentor dos bens que conseguiu por sua
“indústria”, devendo-os todos (aspecto em que diz acreditar com “as três potências da
sua alma”) à misericórdia e infinita liberalidade de Cristo. De resto, Medela defende que
não tem mais poder que o de administrar a riqueza que o Senhor Jesus lhe terá
prometido.
Em resumo, na procuração são apresentadas as seguintes motivações para a instituição
do coro no Senhor da Cruz:
 A existência de uma capela com a milagrosa imagem do Senhor Bom Jesus, com
uma cruz às costas, junto ao bairro onde Medela nasceu e cresceu.
 Refere-se o miraculoso aparecimento de cruzes nos dias das festas da Invenção e da
Exaltação da Santa Cruz, em Maio e em Setembro, e que quando tal é “vontade do
Senhor” as cruzes de terra enegrecida reapareceriam noutras ocasiões.
 Alheio a qualquer motivo de ordem “temporal”, o instituidor diz-se exclusivamente
movido pela devoção ao Senhor da Cruz e pelo desejo de que Ele seja louvado e
venerado no Seu templo, através do cântico quotidiano das horas canónicas.
Na procuração, seguida de um extenso “extracto”, instituiu-se um coro de 7 capelães e
definiram-se as suas atribuições:
 Rezar as horas canónicas do ofício divino, incluindo o de Nossa Senhora e o dos
fiéis defuntos.
 Dizer os salmos penitenciais e graduais, seguindo as rubricas do Breviário Romano,
em conformidade com o que se praticava na igreja colegiada de Barcelos.
 Cantar a música do cantochão nas missas solenes e festivas, bem como nas
celebradas nos dias dos Santos Apóstolos.
 Todos os dias, “in perpetuum”, quer no turno da manhã quer no da tarde, deveria
celebrar-se uma missa cantada, com responso, sufragando-lhe a alma e a do seu
irmão José Coelho da Silva Medela. Porém, como ambos ainda eram vivos, este
ofício cumprir-se-ia pela alma dos seus pais, Pascoal Rodrigues e Helena Ribeiro.
O legatário dera já instruções aos seus procuradores para entregarem à mesa da
irmandade o legado para a instituição deste coro permanente de 7 capelães, no valor de
16.000 cruzados (6.400$00). Todavia, a partir da escritura de 30 de Dezembro de 1728,
mais 4.000 cruzados (1.600$00) serão entregues para aumentar o grupo de capelães,
passando para 9 elementos e 2 meninos do coro. Uma terceira escritura foi assinada em
7 de Março de 1730, a fim de se corrigirem algumas condições com as quais o
instituidor não concordava e que, segundo diz, tinham sido abusivamente introduzidas
no documento dos finais de 1728.
Tratou-se de um legado sem dúvida controverso, com algumas ilusões e muita desilusão
e dores de cabeça para o legatário. Apesar de desiludido, em 26 de Janeiro de 1743, será
assinada uma escritura de aceitação de um novo legado, no valor de 20.000 cruzados,
depois do instituidor ver garantida a constituição de um padrão de juros no
Almoxarifado de Barcelos, reservando para si três partes do seu rendimento e
entregando à mesa da irmandade apenas um quarto, como adiante se verificará.
Entretanto, nos finais da década de 1720, Inácio da Silva Medela ordenou ao seu
principal procurador que apetrechasse o coro com o mobiliário e materiais
indispensáveis: o cadeiral, a estante, os livros e o órgão.
Um pequeno apontamento inscrito nas despesas de 1725-1726, permite-nos pensar que
logo após a assinatura da primeira escritura de aceitação do legado, o coro entrou em
Cadeiral do coro, uma obra do mestre entalhador Miguel Coelho
executada em 1730.
funcionamento, ainda que em precárias condições. Nos primeiros anos deve ter
funcionado na capela-mor, até que o espaço coral se apetrechasse e alindasse.
De acordo com o documento, os “novos capelães” celebraram nesta data uma missa
pela alma de José da Silva Medela, irmão do instituidor que falecera, tendo-se gasto
330 réis pelo “aluguer da cadeira e pano e mais ornamentos” para o ofício fúnebre3
.
De seguida surgem os nomes dos primeiros capelães do coro: Manuel Ribeiro Belo,
António da Costa de Azevedo, Custódio Alvares Tinoco (abade de Arcozelo),
Francisco Lopes Marques, António Pinheiro, António Pinheiro Lopes e Gabriel da
Costa4
.
Como vimos, dos rendimentos do capital mutuado pagar-se-iam as propinas ou
ordenados dos capelães – “as quantias que se consignarem a cada um”, acrescentando
de imediato que, caso os rendimentos não bastassem diminuir-se-ia no salário dos
capelães/sacerdotes e, em sentido inverso, o que sobejasse destinava-se a ornatos e
paramentos da sacristia.
O dinheiro das faltas injustificadas ao serviço (as que fossem acima de 60 dias/ano,
excluindo as motivadas por doenças) seria igualmente aplicado na sacristia e no
“aumento do coro”, concordantes com a boa administração da mesa e dentro das
condições estabelecidas. Fundamental era que a mesa administrasse bem esta capelania,
“pondo e dispondo na forma mais conveniente, para aumento do coro, e segurança dos
rendimentos”.
Foi desejo expresso pelo instituidor que o coro fosse instituído o mais depressa possível
para, ainda em vida, tomar conhecimento de que o Bom Jesus da Cruz de Barcelos era
louvado no Seu templo e para que os seus parentes “tenham o gosto de que eu me
lembrei dos aumentos da minha pátria”. E, como vimos, o coro entrou de imediato em
funcionamento.
Esclarecem os documentos que o instituidor prescreveu um vasto conjunto de condições
para tentar garantir a perfeição do coro do Senhor da Cruz:
 Os 7 capelães a admitir seriam, dentro do possível, destros no canto de órgão,
porém, no caso de tal não ser possível, teriam de dominar o cantochão, isto é,
possuírem bons dotes na cantoria mais comum. Mas, infalivelmente, o vigário ou
3
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 98.
4
Idem, fls. 98-98v.
presidente do coro (nomeado pela mesa) tinha de ser destro no canto de órgão, para
examinar os “beneficiados” das cadeiras que fossem vagando.
 Na admissão dos capelães dever-se-iam escolher os melhores dentre os “sacerdotes
de missa, e de exemplar virtude”, cumprindo-se assim com “a justiça distributiva” e
ao mesmo tempo serviriam de “emulação para todos os sacerdotes procurarem o
serem perfeitos”.
 No concurso aos lugares vagos, os candidatos fariam petição à mesa que, para os
admitir, havia de mandá-los examinar pelo vigário ou presidente do coro. Como foi
dito, dava-se prioridade aos familiares do instituidor (esclarecendo-se que tem um
irmão casado em Aveiro e outros parentes em Ponte de Lima e em Braga), que no
entanto deveriam reunir as qualidades exigíveis ao perfeito desempenho do cargo.
Exceptuando-se os eventuais candidatos familiares, os restantes deveriam ser
naturais de Barcelos. E, uma vez aceitos, deveriam os capelães assinar um termo de
aceitação a registar em livro próprio, onde se obrigassem ao cumprimento de todas
as atribuições definidas.
 Quanto às faltas injustificadas, ser-lhes-iam descontadas no vencimento, designado
por propinas. Como atrás se disse, o capital decorrente destas faltas seria investido
nos espaços da sacristia e do coro.
 No caso de algum capelão vir a ser “remisso nas suas obrigações, ou prevarique o
seu modo de viver com algum escândalo público”, será expulso pela mesa que há-de
recorrer ao voto secreto (utilizando-se favas pretas e brancas), para que o capelão
“não perca a sua opinião” face a quem determinou a sua expulsão ou continuidade.
 Porque se pretende um processo de todo legal, devia fazer-se petição ao arcebispo
primaz de Braga para que este prelado aprovasse esta instituição – “com cuja bênção
se possa perpetuar esta obra, e granjear por ela os favores do dito senhor em tomar
conhecimento todos os anos nas suas visitas do cumprimento das coisas aqui
dispostas para maior perfeição, que se deve observar no coro”.
 Neste documento de 1724 já se prevê o recrutamento de “moços” do coro, devendo
a irmandade escolher “os mais perfeitos rapazes”, preferindo sempre os seus
parentes. Deveria ainda nomear-se um mestre para rapazes, a fim de se lhes ensinar
o latim.
 Quanto ao canto coral, e a exemplo do
que se praticava noutros coros, também
aqui a missa seria cantada nas
festividades solenes (com as vésperas
igualmente cantadas), nomeadamente
nas festas evocativas do Cristo Senhor
Nosso, da Nossa Senhora e dos Santos
Apóstolos.
Mas, atenção senhores capelães!... Toda esta cantoria era para cumprir “debaixo do
mesmo salário, que se lhes consignar”.
Sendo este aspecto – o canto nas solenidades festivas – peculiar da igreja matriz de
Barcelos, caso o seu pároco se viesse a opor ao referido cântico “se implorará
indulto do ilustríssimo senhor arcebispo, ou de Roma, para que os mesmos
capelães, que rezam no coro possam cantar as ditas missas, sem que o pároco da
freguesia lhe possa impedir, nem tenha jus para as cantar”.
 Numa tentativa de evitar a confusão e os conflitos (tem conhecimento dos muitos
candidatos aos apetecidos lugares de capelães), Inácio da Silva Medela nomeou para
as capelanias, seguindo os critérios da formação e das virtudes conhecidas, os
seguintes elementos: Manuel da Costa Lopes, Manuel da Costa Leitão, Luís de
Barros, Manuel Ribeiro Belo, Manuel Pinheiro, Domingos Lopes Garcia e João
Gomes de Matos. (Porém, o elenco dos capelães acima referidos demonstra que,
exceptuando Manuel Ribeiro Belo, que será o presidente, nenhum destes sacerdotes
exerceu as funções no coro, pelo menos em 1725-1726).
 Na eventualidade de existirem dúvidas no “particular da reza, missa, e mais
cerimónias”, os capelães seguiriam as orientações da mesa, mas se algum viesse a
“repugnar”, ou seja, não acatasse as orientações dadas, seria substituído no cargo,
aspecto que deveria constar nos termos assinados pelos capelães aquando da sua
admissão ao serviço, isto para evitar dúvidas e eventuais pleitos, “como tem
acontecido em outros coros”.
Num livro relativo ao legado do coro do Bom Jesus de Barcelos, escrito em 1730,
afirma-se que o coro foi instituído em 1728 – mas tratou-se da sua ampliação, de 7 para
9 capelães – e que o vencimento dos juros costumava ocorrer a 6 de Julho de cada ano5
.
5
“Livro do recibo, e despesa na administração do legado do coro do Bom Jesus, que instituiu Inácio da
Silva Medella. E para se não confundir este, com os mais legados, houveram por bem mandar fazer este
Nesta data, como o quadro a seguir elucida, o valor do legado havia já crescido para
mais de 9.000$00, andando as despesas anuais com a sua administração na ordem dos
452$00.
VALOR E DESPESAS DO LEGADO DO CORO – 17306
Valor global do legado – 9.040.000 réis
Despesa anual Totais
Capelães (nove) 40.000 (x9) 360.000
Meninos (dois) 10.000 (x2) 20.000
Cera durante os ofícios 20.000 20.000
Sacristia 40.000 40.000
“Propinas” dos coristas 1.200 1.200
Duas missas semanais 10.800 10.800
Total da despesa anual 452.000
No documento é referenciada uma escritura de 1729, feita no notário de José António
Vilas Boas, em que os capelães concordaram receber os juros do devedor Pedro Lopes
Calheiros, relativos a 5:600$000 réis, verba emprestada do “capital dos primeiros 7
capelães”.
Por outra escritura feita no mesmo notário, em 7 de Março de 1730, os capelães
aceitaram receber do mesmo devedor os juros referentes ao capital de 1.600$000 réis,
atribuído aos restantes 2 capelães, na sequência da renovação do legado do coro7
em
finais de 1728.
códice, só para o que pertencer a este legado […]. Em mesa do ano de MDCCLXXXII. Na curiosidade, e
bom zelo desta venerável mesa, se permitem o pobre trabalho deste título a João José Pinheiro da Cunha”
– AISC, Tratado do legado do coro do Bom Jesus de Barcelos 1730, fl. 2.
6
AISC, Tratado do legado do coro do Bom Jesus de Barcelos 1730.
7
Idem, fl.4.
Os capelães ao serviço do coro, embora comprometidos com o cumprimento
escrupuloso dos ofícios divinos pelos quais eram pagos em conformidade com o
estipulado nos documentos (procuração do instituidor, escrituras de aceitação do legado,
termos de aceitação e obrigação aquando do seu recrutamento, estatutos da irmandade e
regulamento do coro), acabaram por se revelar um grupo contestatário e reivindicativo,
nomeadamente no que respeita ao destino do capital resultante da aplicação do regime
de faltas ao serviço.
Com efeito, logo em 8 de Janeiro de 1730 os capelães reuniram e propuseram ao padre
Manuel Ribeiro Belo (presidente do coro durante longos anos) que se procedesse às
contas “das porções de cada um” e se contabilizassem as faltas dadas ao serviço do coro
para que, uma vez cobrados os juros “do dinheiro deste legado” se adjudicasse a cada
um deles “o que lhe tocasse líquido”. Decidem também, por unanimidade, que “neste
primeiro ano [do renovado coro] se não fizesse ponto das faltas e que a cada um se
entregasse a sua porção por inteiro”, contrariando assim uma das cláusulas estabelecidas
pelo instituidor.
O plenário dos capelães concordou ainda que se descontasse ao herdeiro do capelão
Luís de Barros o tempo vencido até ao óbito deste, ocorrido a 27 de Junho de 1729,
termo que foi assinado pelos nove capelães. Finalmente, apresentaram as contas
“vencidas ao dia cinco de Janeiro” de 17308
, ou seja, no final do primeiro ano do
funcionamento do coro constituído por 9 capelães.
Embora o coro do Senhor da Cruz tenha iniciado as suas funções, primeiro em 1725
com 7 capelães e, posteriormente, em 6 de Janeiro de 1729 com 9 capelães, a verdade é
que o espaço que lhe estava reservado teve de ser aprimorado, de acordo com a
dignidade do templo, a vontade da mesa da irmandade e o dinheiro de Inácio da Silva
Medela.
8
Com outra caligrafia, foi registado posteriormente na margem esquerda o seguinte: “É prática, que a
Santa Sé Romana condenou” – AISC, Livro das porções dos capelães do coro 1730, fl. 2.
Pormenores do cadeiral existente no coro do templo do Senhor
Bom Jesus da Cruz, da autoria do mestre entalhador barcelense
Miguel Coelho, 1730.
Na verdade, apenas em 1730-1731 os labores artísticos e musicais chegaram ao espaço
coral. Depois do revestimento azulejar dos panos de parede vazias, sem aparelho
granítico, construiu-se o órgão de tubos e a sua caixa em talha dourada. E o cadeiral.
As obras do cadeiral e do órgão
______________________________________________________________________
Dezenas de documentos existentes no arquivo da real irmandade dão vida a todo o
processo da instituição e instalação do coro no templo do Senhor da Cruz.
Como se referiu no Capítulo II, nos inícios da década de 1720 procedia-se ainda a obras
de acabamentos em vários espaços da igreja, incluindo naquele que fora destinado ao
funcionamento do coro.
Recorde-se que nas despesas de 1721, Bento da Costa recebeu 445 réis relacionados
com o transporte da pedra para lajear o espaço coral, faltando ainda colocar-lhe as
portas e o soalho, bem como outras obras de carpintaria e de talha, nomeadamente a
estante e o cadeiral para os capelães poderem oficiar com alguma comodidade. Faltava
ainda o revestimento das paredes, obras que decorreram nos finais dos anos 20 e nos
inícios de 1730.
Pormenores da parede fundeira do coro, podendo observar-se o revestimento azulejar onde, mais uma vez,
pontificam cenas associadas a temática da Paixão de Cristo. Pequenos e grandes, os anjos participam na
mostra de instrumentos do martírio, enquadrados pela arquitectura da abóbada e rodeados de elementos da
natureza, numa exuberância decorativa tão característica do período barroco.
Aliás, nos anos 40 decorrerão ainda algumas obras de carpintaria no antecoro. Nas
contas de 1741, o mestre carpinteiro João da Silva recebeu do tesoureiro Manuel de
Miranda 8.000 réis por ter feito um “sobrado no antecoro” (despesa que incluía os
barrotes, as tábuas de castanho e os pregos que o mestre havia fornecido); recebeu 1.200
por um tapamento para o mesmo sobrado, uma porta, barrotes de castanho e tábuas de
pinho, dobradiças e pregos; por duas caixas grandes para o mesmo espaço junto ao coro,
com seus assentos, dobradiças e pregos, recebeu ainda 4.300 réis9
.
Coube ao mestre Calisto de Barros Pereira, de Cambezes (Monção), conceber o órgão
de tubos “ibérico”, um mestre ligado à organaria galega que terá sido contratado em
1730 pelo juiz de fora e juiz da irmandade, o Dr. Matias de Melo e Lima10
.
9
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 234.
10
FONSECA, Manuel dos Santos – Os órgãos de tubos no concelho de Barcelos, in Actas do Congresso
“Barcelos Terra Condal”, Vol. II, pp. 48-49.
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67.
Órgão de tubos ibérico, executado pelo mestre Calisto de
Barros Pereira, segundo encomenda de 1730. No mesmo
ano, encomendou-se ao mestre entalhador Miguel Coelho o
entalhe da caixa, obra que realizou em 1731.
A sua execução e instalação ocorreram pouco depois porquanto, nas contas de Março
de 1731 a Dezembro de 1734, foram registadas várias despesas, uma de 7.663 réis,
relacionada com o “aluguer da casa do organista por onze meses e meio que nela
assistiu” e outra, de 524 réis, pelo acrescentamento dos ferros que se consertaram para
segurar o órgão, pelo chumbo, pregos e salário ao carpinteiro António de Azevedo.
Nessa altura, gastaram-se também 400 réis com um pedreiro que assentou umas pedras
na torre dos sinos “para impedir cair água no coro”11
.
Miguel Coelho foi o artista escolhido para entalhar a caixa do órgão, de acordo com a
encomenda de 1730, uma obra que executou em 1731. Também em 1730 terá sido
contratado o enxambrador bracarense José dos Reis para fabricar as grades e a estante,
feitas em pau-preto, com aplicações de metal12
, artista a quem a irmandade pagou
55.200 réis pelo andor da Procissão dos Passos, conforme se pode ler nas contas atrás
referidas13
.
Faltava dourar e pintar o órgão. Antes, porém, da sua caixa ser dourada e pintada,
encontrámos o mestre carpinteiro João da Silva a consertar-lhe os foles (1746-1748),
talvez do muito uso e do pouco cuido. A caixa do órgão será dourada e pintada em
1750, uma obra do pintor barcelense António Vieira cujo contrato foi assinado a 10 de
Agosto deste ano, pelo preço de 90.000 réis. (De referir que dois ou três anos antes, o
mestre António Vieira tinha recebido 6.400 réis pela “encarnação da imagem do
Senhor”, uma imagem feita em pasta, e mais 1.400, pela “encarnação do Senhor dos
Passos”)14
.
Pelo contrato de 1750 (assinado pelo artista e por duas testemunhas, os barcelenses
Manuel da Costa Silva e Francisco Xavier da Mota), a obra da pintura e douramento da
caixa do órgão deveria executar-se “com a perfeição que deve ser e a contento da mesa”
e estar pronta no dia de Natal do mesmo ano. Os andaimes da obra ficaram por conta da
mesa da irmandade.
11
AISC, Livros das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 162v, 165v e 171v.
12
Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67.
13
AISC, Livros das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 158v.
14
Idem, fls. 300 e 302.
Para que não subsistissem
dúvidas, o mestre dourador e
pintor comprometia-se a dourar
toda a caixa do referido órgão,
incluindo as grades “tanto da
parte fronteira como de trás”,
enquanto os meninos que o
coroam eram para pintar e estofar
“com seus rubis e foscos onde a
obra o pedir”.
No caso de alguma destas condições não ser respeitada, seriam descontados 6.400 réis
ao valor estipulado no contrato15
. Deve tudo ter corrido bem. Estavam o órgão e a sua
caixa finalmente completos. O canto de órgão e o cantochão ecoavam no templo,
abrilhantados pela policromia e pelo oiro reluzente.
Por volta de 1746-1748 tinham vindo os livros do cantochão que custaram 11.100 réis,
despesa a que temos de juntar outras para que a obra se completasse: 1.120 réis pelo
transporte das pautas musicais, de Coimbra para Barcelos; 360 para quem as foi levar a
Braga para encadernar e depois buscá-las; pelo trabalho da encadernação 6.400; pelas
chapas e pregos utilizados na referida encadernação 7.500, por se abrir e esmaltar as
chapas 1.200 e pelo chumbo para se fazer o molde delas 100 réis16
.
Preciso era proteger o órgão das chuvas que, tocadas pelo vento, invadiam o interior do
templo. Segundo as contas rubricadas a 21 de Dezembro de 1738, tinha-se pago 1.400
réis ao mestre carpinteiro João da Silva por, entre outros aspectos, colocar um alçapão
em castanho “que cobre o boqueirão que está no fim das escadas da torre”, feito para se
evitar a infiltração das águas que, sobretudo no Inverno, invadiam o coro e a sua
abóbada “quando os grande ventos com chuvas metem água na mesma torre”17
.
Mas a humidade que invadia de forma impiedosa o espaço coral, atingindo o novíssimo
órgão, não entrava apenas pela torre sineira. Tocada pelo vento, ela entrava
directamente no templo pela porta principal dele.
15
AISC, Caixa 1, Contrato do douramento da caixa do órgão.
16
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 303.
17
Idem, fl. 204.
Pormenor do órgão sob a abóbada, junto ao coro do
templo do Senhor da Cruz.
E tardou a resolução do problema. Com esse tardar, como sempre acontece, e nós
somos testemunhas do descuido e abandono a que historicamente inúmeras obras
patrimoniais são deixadas, ocasionam-se danos irreparáveis.
Apenas a 13 de Maio de 1783, por se encontrar o
órgão desafinado – “causa de lhe cair água da chuva,
pela abóbada do mesmo templo no Inverno” –, o
tesoureiro foi mandatado pelos “senhores da mesa”
para chamar o competente organeiro para proceder
ao seu arranjo e afinação18
.
Finalmente, na reunião de 11 de Novembro de 1787,
a mesa da irmandade determinou a construção de
um guarda-vento “atendendo ao grave prejuízo que
os ventos e chuvas causam a este templo, e seu
órgão, pela porta principal dele”19
.
Nesta circunstância, encarregou-se o
tesoureiro de mandar fazer o risco desse
resguardo de madeira, com a parte
superior envidraçada, a fim de se
contratar quem melhor realizasse a obra
e, obviamente, dentro do melhor preço.
De notar que, nesta ocasião, conforme se pode ler na acta, o tesoureiro ficou ainda
incumbido de mandar entalhar dois tocheiros iguais aos que se encontravam na capela
do Santíssimo Sacramento da igreja colegiada de Barcelos20
.
Conforme a pesquisa de Manual Fonseca, volvidos 100 anos após o seu assentamento, o
órgão do Senhor da Cruz sofreu um profundo restauro, da autoria de João Evangelista,
um homem de possível origem galega. Cerca de 1870 a maioria dos seus tubos internos
e alguns da frontaria terão sido retirados e substituídos por tubos de folha da Flandres,
que enfim “foram balindo como puderam” até se calarem cerca de 192321
.
18
AISC, Livro de actas da segunda metade do século XVIII, fl. 39.
19
Idem, fl. 49.
20
Idem, Ibidem.
21
FONSECA, Manuel dos Santos, ob. cit., p. 49.
Guarda-vento, visto do interior.
Calaram-se os tubos velhos, mas o mestre barcelense deu-lhes voz!... Restaurou o
órgão, restituiu-se o brilho à talha dourada da sua caixa, deu-se colorido aos meninos
que o enfeitam.
De facto, na década de 1990, sendo então provedor da real irmandade o Dr. Vasco de
Faria, o órgão do Senhor da Cruz foi sujeito a um profundo restauro sob a
responsabilidade do mestre Manuel Fonseca, que nos explica tratar-se este órgão de
tubos do “tipo ibérico”, diferenciando-se do instrumento inglês, francês, alemão,
italiano e Países Baixos.
Na pesquisa que elaborou, Fonseca cita especialistas como M. A. Vente e W. Kok e o
seu tratado “Spanish Baroque Organ”, bem como o padre Manuel Valença e a sua obra
“O Órgão na História e na Arte”, estudiosos que consideram como paradigmas do
chamado órgão ibérico o de Toledo, o do Escorial e o da Sé de Braga22
.
Aqui e agora, interessa-nos o do Senhor Bom Jesus de Barcelos, um órgão magnífico,
quer pelas sonoridades que dos seus tubos ecoam, quais ecos dum passado glorioso
revividos, quer pela talha de excelente qualidade que o envolve, o enfeita e o torna mais
belo, mais festivo, setecentista.
O órgão de tubos do Senhor da Cruz patenteia plasticidade formal, imagética e
lumínica, ondulação e movimento, policromia e oiro, para além dos acordes melodiosos
de primeira plana, suaves e profundos sons clássicos e barrocos arrancados aos seus
elegantes tubos, graças à mestria de exímios mestres, tudo ali harmoniosamente
reunido… Numa excelente obra de arte!
22
Idem, pp. 43-56.
Num exemplar casamento com a pureza de linhas arquitectónicas, com as 8 pinturas do
eixo central sob a cúpula feitas pelo pintor barcelense Manuel Luís Pereira, com a festa
azulejar das paredes e a talha de primeira grandeza dos altares e do arco-cruzeiro, o
órgão de tubos do Senhor Bom Jesus da Cruz contribui para a qualificação deste templo
como um dos melhores ex-líbris de Barcelos.
Doações do instituidor do coro do Senhor da Cruz
______________________________________________________________________
O livro das receitas e despesas e as cartas enviadas do Brasil ao juiz da irmandade
atestam de forma inequívoca, por um lado, uma corrente quase constante de dádivas ao
Senhor da Cruz e, por outro, o desenvolvimento de conflitos de algum melindre,
relacionados com a dinâmica do coro e com os interesses materiais a ele associados.
Antes de mais, parece-nos apropriado divulgar as doações feitas à Irmandade do Senhor
Bom Jesus da Cruz, directa ou indirectamente relacionadas com a instituição do coro
por este barcelense, um rico homem de negócios «brasileiro» que viveu cerca de meio
século na Rua Direita, do Rio de Janeiro. (Em 1706 Medela já se encontrava no Brasil,
data em que enviou uma esmola de 100.000 réis para as obras do novo templo. O seu
falecimento terá ocorrido no Rio de Janeiro, em 1747).
Inácio da Silva Medela foi, sem margem para dúvidas, o mais importante benfeitor do
Senhor da Cruz e da sua irmandade.
Será oportuno recordarmos que, para além de ter saído do seu bolso o mais expressivo
donativo individual para as obras da actual igreja, Medela deu instruções ao seu
procurador vimaranense, Joaquim da Costa Silva, para proceder ao pagamento anual do
azeite para as lâmpadas do Bom Jesus de Barcelos. Embora o primeiro donativo para
este fim date de Fevereiro de 1723, no valor de 32.400 réis, a sua entrada no cofre da
irmandade verificou-se a 3 de Maio, dia da Invenção da Santa Cruz 23
.
A partir desta data, anualmente, o procurador entregava ou fazia entregar à mesa da
irmandade a quantia de 16.000 réis destinada ao azeite que ardia para iluminar o templo.
Como se pode aferir pela leitura dos documentos, a esmola chegava a Barcelos
geralmente em Maio, embora o mês de Fevereiro fosse a baliza anual desta esmola. É de
crer que o fazia na qualidade de juiz da irmandade, cargo honorífico para que foi
entretanto nomeado, talvez no intuito, perdoe-se o juízo, do alargamento do caudal que
provinha do Rio de Janeiro.
Também se deve a Inácio da Silva Medela a pequena e bela escultura da Senhora da
Piedade, que se encontra no retábulo do altar-mor, esculpida num toro de cedro enviado
do Brasil, conforme a leitura dum excerto duma carta de 30 de Junho de 1730
claramente nos elucida.
Em um navio da cidade do Porto que desta vai com escala por Pernambuco
tenho carregado um toro de pau cedro para vossas mercês me fazerem
mercê deste mandarem fazer uma imagem de Nossa Senhora da Piedade do
tamanho que virem se pode acomodar no altar-mor sobre a banqueta, pois
desde rapaz tenho a devoção com esta Senhora por haver em casa de meus
pais um painel desta imagem – o qual quando me vi com a defunta minha
mãe na cidade de Lisboa no ano de 1698, lhe perguntei por ele e me disse o
tinha deixado às filhas de Jerónimo do Vale nessa vila – assim que peço a
vossas mercês tomem por serviço da mesma Senhora este trabalho,
mandando-a fazer com toda a perfeição que for possível, como também
ajustar com os reverendos capelães rezar-lhe a sua ladainha nos sábados
de manhã, ou de tarde, como melhor lhes parecer24
.
23
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 2.
24
AISC, Caixa 2, Carta III de Inácio da silva Medela.
Numa carta que escrevera em 1727 ao juiz da irmandade, Dr. Manuel de Andrade e
Almada, Inácio Medela dá-lhe conta do envio da madeira para as grades do templo do
Senhor da Cruz. A madeira, jacarandá, terá sido despachada da Baía, cidade donde deu
ordens a outro seu procurador, António Jorge Martins, que “comprasse e remetesse nos
navios do Porto o pau de jacarandá para as grades do Bom Jesus que vossa mercê me
pediu, pois nesta [cidade do Rio de Janeiro] nunca põem navio à carga para a cidade do
Porto, por cuja causa mandei ao dito comprasse também um feixe de açúcar, e
remetesse para vossa mercê o qual lhe oferece o meu amor”25
.
Pela mesma missiva Medela dá a notícia de que um diadema em ouro atravessaria as
águas do Atlântico, destinado ao Bom Jesus de Barcelos, levada pelo tenente-coronel
Manuel Nunes Ferreira, que no entanto deveria refazer-se em Lisboa, atendendo ao
defeito detectado no seu fabrico.
Nesta ocasião vai o nosso patrício e famoso
tenente-coronel Manuel Nunes Ferreira e leva uma
diadema de ouro para o nosso Bom Jesus de
Barcelos a qual mandou fazer nesta cidade do Rio
de Janeiro, e a leva em sua companhia, que pelo
defeito com que lhe saiu vai de acordo a mandá-la
fazer outra vez em Lisboa que há-de permitir o
mesmo Bom Jesus levá-lo a salvamento à dita
cidade a donde lhe escreverá vossa mercê e o
reverendo cónego meu primo dando-lhe as boas
vindas, e tudo o mais que é necessário a um
tenente-coronel solteiro moço e rico26
.
25
AISC, Caixa 2, Carta II de Inácio da Silva Medela.
26
Idem, Ibidem.
Pormenor da imagem do Senhor Bom
Jesus da Cruz, com o seu resplendor
feito de metais preciosos.
Em 1730 pagou-se 120 réis a um carreteiro que trouxe do Porto “o caixote do
ornamento de damasco carmesim”27
. Mas as despesas registadas pelo tesoureiro entre
Janeiro de 1730 e Março de 1731 são bem expressivas dos gastos que corriam por conta
deste juiz e instituidor do coro do Senhor da Cruz.
DESPESAS EFECTUADAS POR CONTA DE INÁCIO DA SILVA MEDELA,
ENQUANTO “JUIZ E LEGATÁRIO DO CORO” – 1730-173128
Descrição da despesa Montante
(em réis)
Por 8 dobradiças para as cadeiras do coro. 400
Metade dos gastos da Procissão dos Passos, de 1730. 8.110
A quem levou uma carta ao organista, em Abril de 1730, para a
“disposição do órgão”.
600
A quem levou uma carta ao procurador de Inácio da Silva Medela,
Joaquim da Costa Silva, de Guimarães.
400
A quem foi a Braga levar os apontamentos do órgão a Manuel de Matos. 360
Pelo papel “imperial” para fazer a conta do órgão. 100
Metade das despesas com a Festa das Cruzes de 1730. 18.650
Pela ceia que se deu aos mordomos no dia da Festa das Cruzes. 970
Despesa com a escritura para a execução do órgão. 400
A quem foi buscar o organista para se ratificar o contrato do órgão e
entregar-lhe o dinheiro para “os materiais dele”.
800
Para os ferros “que hão de segurar as cadeiras do coro”. 240
Metade das despesas com a Procissão dos Passos de 1731. 6.190
Total 37.220
A custódia de prata foi também feita graças ao precioso metal enviada por Medela.
Pelas contas de Março de 1731 a Dezembro de 1734, podemos verificar que a
irmandade ainda não dispunha desta alfaia litúrgica fundamental, pois gastou-se 100 réis
27
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 141v.
28
Idem, fl. 142.
com o homem que foi a Gilmonde, e depois a Remelhe, buscar a custódia para as
Endoenças29
.
Porém, antes de Dezembro de 1734, o problema
deveria estar resolvido, graças ao benemérito
instituidor do coro.
Despendeu [o tesoureiro] a prata que mandou
Inácio da Silva Medela de esmola para esta
irmandade para dela se fazer a custódia, cuja
prata importou todo o peso de vinte e cinco
marcos duas onças e seis oitavas, e importou o
peso da prata da custódia vinte e cinco marcos
duas onças e quatro oitavas e sobejaram da dita
prata depois de feita a custódia duas oitavas
que importaram duzentos réis.
Despendeu com o mestre António Ferreira
velho pelo feitio da custódia setenta mil réis,
com o douramento da esfera e luneta da mesma
custódia despendeu cinco mil e duzentos réis, e
das buchas e ferros da mesma custódia
despendeu trezentos e sessenta réis [perfazendo
81.160 réis]30
.
Somos ainda informados pela mesma fonte que se gastaram 25.729 réis, “por conta do
juiz Inácio da Silva Medela pelo que lhe tocou de gastos à sua parte nos Passos e festa de
Maio de 1734”31
.
29
Idem, fl. 164v.
30
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 168-168v.
31
Idem, fl. 170v.
Custódia de prata, com a esfera e a
luneta douradas, uma obra do mestre
ourives António Ferreira, cerca de 1734.
Desilusão e conflitos em torno do coro do Senhor da Cruz
________________________________________________________________________
Apesar da vasta benfeitoria do instituidor do coro do templo do Senhor da Cruz (que
funcionou com mais ou menos regularidade desde 1725 até 1923) as cartas que Inácio
da Silva Medela enviou do Rio de Janeiro põem em evidência a existência de conflitos,
primeiro relacionados com as pretensões de amigos e familiares e logo a seguir com os
pedidos e/ou exigências dos capelães.
A mesa da irmandade, responsável pela administração do coro, parece não ter pulso (na
sua opinião) junto dos capelães, que Medela cada vez mais interpreta como
interesseiros. Chega mesmo a comparar as instituições de fiéis brasileiras com as da sua
terra natal, para enaltecer aquelas e criticar estas.
Do lamento e da mágoa vertidos a tinta no papel das cartas que vai escrevendo, do
desapontamento e da consciência dos interesses pouco espirituais dos capelães do coro,
o conflito foi-se alimentando, e aparentemente resolvendo, sob o fino verniz da
hipocrisia.
Naquela que julgamos ser a primeira carta enviada do Rio de Janeiro, de 8 de Julho de
172632
, Medela dirige-se ao Dr. Manuel de Andrade e Almada (juiz da irmandade
durante longos anos), mostrando-se condoído com os “debates” que este vem travando
com o seu amigo Manuel Correia Rebelo e com o seu primo, o cónego Manuel de Faria
de Eça, expressando a opinião de que “o demónio perdeu a graça de Deus”, mas não
está destituído da necessária “indústria para com ela trabalhar” visando perturbar todo o
trabalho em Seu louvor.
Diz desconhecer as razões do amigo e do primo perante “uma coisa que eu fiz para
todos, enquanto o mundo for mundo, que nela lhe dou a preferência a todos os meus
parentes; porém estes pelo serem não querem esperar como eu esperei e trabalhei, e
andei”, sem qualquer ajuda de parentes.
Depreende-se que o juiz lhe sugerira a colação dos capelães, ou que estes a reclamavam
– o que implicaria obediência exclusiva à autoridade eclesiástica, situação que não fora
prevista nem desejada –, já que Inácio Medela contesta tal possibilidade, defendendo o
vínculo dos capelães ao juiz e à mesa da irmandade.
32
AISC, Caixa 2, Carta I de Inácio da Silva Medela.
As cartas e mais documentação relativa ao coro foram trasladadas para o Livro da instituição do coro da
Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.
Sustenta que, “como vossa mercê me faz juiz, digo que a serem colados, é em prejuízo
da Irmandade do Bom Jesus, porque não ficam a ela subordinados, e pode qualquer dos
beneficiados então ser desatento ao juiz e mais irmãos se quiser” sem que estes tenham
poderes para “botá-lo fora”.
Com razão diz vossa mercê que todo o meu projecto, e de quem me
aconselhou foi sujeitar os clérigos à mesa da Irmandade do Bom Jesus,
para por si os poder expulsar, por que regulei isto por um contrato,
recíproco, de que os clérigos rezassem no coro as horas canónicas e a mesa
lhe pagasse a sua côngrua, e como as naturezas dos clérigos são diferentes
se pode algum demariar com os irmãos da mesa, ou juiz, e acho posto em
razão que a mesa o expulse, pois não pode dar-lhe outro castigo, o que
serve de freio para o conservarem com cautela, o que não será sendo
colados. Nesta cidade há dois legados semelhantes, um na Misericórdia e
outro na matriz da Candelária que assim se observa, nem a nenhuma luz em
sombra pode parecer justo, que o clérigo se possa despedir cada vez que
quiser, e quem lhe paga o não possa despedir não o servindo bem, e se no
principio da instituição se não prevenir estes obstáculos, sucedem bulhas, e
demandas, de que eu quero fugir neste legado, e se uns não quiserem
aceitar nesta forma haverão outros que aceitem33
.
Noutra passagem da missiva acusa a recepção das cartas de 8 e de 15 de Março, tendo
ficado radiante pela “alegria que vossas mercês tiveram nessa vila, e o estrondo com
que se rompeu a notícia desta minha instituição”, acrescentando que deu instruções ao
seu procurador para tratar do financiamento do cadeiral e do órgão para o coro.
Nesta data, 8 de Julho de 1726, mais informa Inácio Medela que é sua intenção alargar o
coro de 7 para 9 capelães e 2 meninos; que os elementos do coro deverão funcionar na
capela-mor enquanto se não pudesse rezar no espaço a ele destinado; que nomeava para
os novos capelães aos padres António Barbosa (de Góios) e Filipe Correia, filho de
Manuel Correia Rebelo (na ausência deste dever-se-ia nomear o padre Manuel de
Matos); e para meninos do coro indicava os “dois netos de meu tio Martim Rodrigues o
cirurgião e na falta destes a outros quaisquer que hajam capazes por sanguinidade”.
Nomeava ainda o padre Leitão como o sacristão do templo.
33
AISC, Caixa 2, Carta I de Inácio da Silva Medela.
Numa carta de 19 de Agosto de 172734
, concorda com a proposta do juiz de se pagarem
10.000 réis anuais a cada um dos meninos do coro, mas quanto à insistência e/ou
reivindicação dos capelães no sentido de serem colados e não nomeados pela mesa
segundo as prescrições do instituidor, este é peremptório:
Tomara eu fazer-lhes boa renda, que colados e dignidades isso não está na
minha mão, e ainda que estivera não havia de deixar de dar a regalia aos
irmãos da mesa na forma que eu tenho explicado no extracto, porque o que
pode suceder por acaso haver irmãos que entrem nessa mesa, e queiram
correr com os meus parentes, o que tal não posso presumir, e caso que
assim seja não é esse o obstáculo que me há de fazer revogar o dar a
primazia à dita irmandade, porque tenho de fé que os meus parentes sendo
corridos dos irmãos da mesa, hão de ser favorecidos pelo mesmo Bom
Jesus.
Perante as dificuldades da colocação do capital do legado a juros numa instituição do
Estado, e para fazer face às despesas do coro, o juiz da irmandade apresentou uma
sugestão que não agradou ao instituidor: “vejo a dificuldade que vossa mercê mostra em
se não poder pôr este dinheiro em juro real, dizendo-me posso eu buscar sujeito no
Porto ou em Lisboa que supra com os quatrocentos mil réis do ordenado para o dito
coro, obrigando eu a este sujeito as minhas propriedades visto não ter herdeiros, ao que
se me oferece dizer a vossa mercê que não tem lugar por muitas razões […] fundadas na
razão da experiência que o tempo me tem mostrado”, sugerindo que busque a mesa
influências junto do rei e da câmara da vila para a colocação do dinheiro a juros no
Almoxarifado de Barcelos.
Entretanto, é de parecer que, enquanto não for possível colocar o dinheiro a “juro real”,
poderia o mesmo dar-se a juros a pessoa “abonada e cristã, para que vá rendendo algum
juro”; para isso, sugere que se contactem os capitães Joaquim da Costa Silva, Tomás
Rodrigues de Brito e Manuel Gonçalves Neves, bem como o abade da Castanheira, até
porque, estando o capital “na forma que tem estado até aqui nenhum propósito tem”.
Uma vez resolvido este problema, e em jeito de promessa (que aliás cumprirá sem
delongas) “se andará com os aprestos do órgão, cadeiras e livros, e o mais necessário
34
Idem, Carta II de Inácio da Silva Medela.
pois poderá o dito dinheiro ter rendido os juros para os ornamentos que estão feitos”, no
valor de 150.000 réis “e escusara eu de os desembolsar em cima de se perder os juros
que se podia lucrar”.
Na mesma carta, porém, regozija-se com o envio da petição ao rei, para que fossem
aceites os 20.000 cruzados a juro real, no Almoxarifado de Barcelos, sabendo que o
monarca já a tinha encaminhado para o seu Secretario de Estado. Inácio Medela renova
a recomendação das influências das personalidades atrás referidas “para que se
empenhem em buscar o meio de se pedir ao dito secretario alcance de sua majestade
esta mercê porque só ele é que o pode fazer”.
Todavia, enquanto se não conseguisse o almejado depósito a juro real, insistir-se junto
daqueles influentes capitães no empréstimo ”aos seus amigos pessoas fidedignas e
abonadas que tomem este dinheiro a juro […] pois são pessoas que nos hão de tirar as
barbas de vergonha”35
.
Com uma carta de 30 de Junho de 1730, dirigida ao juiz e mais irmãos da mesa, Inácio
Medela remete “a procuração bastante em que confirmo os estatutos acrescentados”, ou
seja, rectifica algumas prescrições que, de forma abusiva, tinham sido introduzidas na
segunda escritura de instituição do coro, aquando da passagem de 7 para 9 capelães e
que iam ao encontro dos interesses destes.
Como atrás se referiu, foi nesta carta que
noticiou o envio da madeira para a escultura
da Senhora da Piedade, que deveria colocar-
se sobre a banqueta, mas que foi parar à
pilastra do retábulo-mor, lado do Evangelho.
(Recorde-se que em 1730, a parte superior
da parede fundeira do coro já deveria estar
forrada a azulejo azul e branco, uma obra do
mestre João Neto, de Lisboa).
Mais informa que deu instruções ao procurador de Guimarães para entregar à mesa da
irmandade a quantia necessária, “do seu juro”, para se pagar a um sacerdote organista
“que só sirva de tocar o órgão e não de rezar, mais do que os nove que tenho
35
Idem, Ibidem.
determinado”. Este sacerdote/organista a contratar funcionaria como uma espécie de
preceptor, que ensinaria latim a dois coristas, “até construírem” e leitura a dois rapazes;
uma vez dominada a leitura, os novos moços passariam à escrita, devendo então o
organista ensinar os “quatro, dois a latim, e dois a ler, ou todos os quatro a latim, e estes
devem ser filhos daquelas minhas parentas ou parentes que mais necessitem, e os
rapazes sejam capazes para tal ocupação”. Para além de professor de português e latim,
o organista do Senhor da Cruz ficaria obrigado a celebrar uma missa semanal, à
segunda-feira, pelas Almas do Purgatório36
.
Em 6 de Agosto de 1731, Medela dirige-se aos “senhores da mesa” acusando a recepção
da carta de 29 de Janeiro e reagindo às resistências da rectificação das condições
introduzidas na segunda escritura. Embora os irmãos, na sua carta, “digam que esta
matéria não pode já receber alteração pela força de contracto que se fez com os capelães
é sem dúvida que o tal contracto foi celebrado muito contra minha mente e vontade”.
Mais diz que os capelães, por aquele novo contracto ser tão favorável, “o abraçaram e
aceitaram logo sem mais fundamento que a minha simples carta […]. E assim entendo
que vossas mercês como administradores deste legado devem com os termos mais
políticos e corteses persuadir aos ditos capelães queiram ceder da sua opinião fazendo
que a missa quotidiana fique nos sete primeiros, e que os dois acrescidos digam as duas
missas semanárias uma à sexta-feira outra ao sábado na forma das minhas tenções de
sorte que todas as semanas se digam nove missas, e se eles assim o não quiserem,
também entendo que vossas mercês têm jus e acção para os compelir e obrigar, ou
expulsá-los e meter outros, e quando assim se não faça usarei eu então do meu direito e
justiça”37
.
Visivelmente irritado com a postura dos capelães e a possível cumplicidade da mesa da
irmandade, Inácio da Silva Medela retrocede na criação do cargo de organista e
preceptor dos rapazes do coro, mostrando-se “desenganado e desvanecido por entender
que é desnecessário visto que um dos capelães tem a tal obrigação e vista também a
nova forma da aceitação do legado”. O caudal do Rio de Janeiro não estancará, mas
parece iniciar-se a descida do leito!
Em tom deveras agastado, de quem pretende lembrar as benfeitorias realizadas, Medela
continua a sua extensa carta do estio de 1731, que aqui reproduzimos pela pertinência
36
Idem, Carta III de Inácio da Silva Medela.
37
Idem, Ibidem.
que lhe encontramos. É quase um quadro resumo das dádivas ao templo do Senhor da
Cruz, nos escassos 6 anos de funcionamento do coro.
E se além do legado mandei dar três ornamentos ricos, varias peças de
prata, grades para o coro, cera, propinas, e coristas, e não reparei no
prejuízo e dano que recebi na demora de vinte e cinco mil cruzados, que no
espaço de três ou quatro anos estiveram empatados sem lucrar coisa
alguma, e no fim deles achei só catorze bem se deixa ver que tudo foi
inspiração do Senhor Bom Jesus, e nem pela demasia, e superfluidade de se
darem dois mil cruzados, por um órgão, que pela planta e preço entendo
que será maior que o templo, fico desanimado, antes tenho por certo que o
dito Senhor me recompensará tudo na salvação da minha alma, e não nos
bens temporais, porque eu sem nada nasci e sem nada hei-de morrer.
Sobre a diminuição dos 60 dias do estatuto [folgas dos capelães] ao que
vossas mercês só me deferem com a repugnância dos capelães que
repugnam tudo o que é dar-me gosto, se oferece dizer a vossas mercês que o
senhor patriarca de Lisboa não confirmou mais que 40 dias de estatuto aos
capelães do coro que meu irmão instituiu na dita cidade e paroquial de
Nossa Senhora da Conceição da Rua Nova como a vossas mercês mandarei
a cópia, se for necessário, e que a esta imitação se podia lá também
diminuir os ditos 60 dias e reduzir a 40 – Deus guarde a vossas mercês
muitos anos. De vossas mercês. Muito seu venerador. Inácio da Silva
Medela38
.
Em 30 de Novembro de 1732, Inácio Medela escreveu de novo para o Senhor da Cruz,
desta vez dirigindo-se ao presidente do coro, Manuel Ribeiro Belo. A tensão parece ter
diminuído, esperando que esteja agora tudo “sossegado”. Informa que deu ordens ao
procurador Joaquim da Costa Silva para gastar o necessário para “se acabar de ordenar”
o seu primo padre Francisco Coelho; e que este, logo que seja ordenado sacerdote,
assista ao coro e reze como os capelães e diga uma missa semanal à terça-feira pelas
Almas do Purgatório “ao qual hei-de eu pagar enquanto não houver lugar para entrar no
mesmo coro”. Esclarece que o dito primo estará sob “debaixo do domínio do presidente
dele e este seja vossa mercê, lhe encomendo já, desde agora a sua boa educação e
38
Idem, Carta IV de Inácio da Silva Medela.
doutrina”. Também manda acrescentar mais um capelão, o primo Manuel Alves
Medela, pedindo-lhe “como meu procurador ajustar isto, e a sanar alguma dificuldade
que se ofereça com a mesa”.
De seguida, solicita ao presidente do coro que elabore uma descrição detalhada das
obrigações inerentes ao legado instituído – “em clareza e assento todas as obrigações,
assim antecedentes, como as modernas” – nomeadamente: o valor principal doado para
a instituição do coro; o rendimento anual dos juros e respectivas aplicações; o número
de capelães, seus ordenados e suas obrigações; o montante destinado às missas semanais
e o “cómodo ou giro com que são ditas”; o donativo para o rendimento da cera; a
mesada que “agora” dá para o jantar dos presos; a quantia que se destina à celebração
das 3 missas do Natal e “que quero que todos os capelães digam”; em suma um relatório
pormenorizado, incluindo “tudo o que dei fora da obrigação por uma vez somente”,
documento que será feito “com aquela individuação, e miudeza que a vossa mercê lhe
parecer precisa para notícia e perpetuidade”39
.
Na carta de 30 de Maio de 1735, queixa-se a Manuel Ribeiro Belo das “moléstias
causadas pelos contratempos que nesta cidade tem havido”, desde prisões à confiscação
de bens, que “até eu tirei carta de seguro, por crime que me quiseram imputar de
dinheiro que emprestei a um sujeito” envolvido num problema relacionado com o
sequestro de um navio “por lhe acharem ouro em pó”.
Dá-lhe conta de que ordenou ao seu primo e procurador Valentim da Silva Coelho, via
procuração endereçada na frota anterior, que entregasse a Manuel Maciel Ferreira
400.000 réis a juros de 5%, com hipoteca dos seus bens de raiz.
No que respeita ao seu defunto primo, Manuel Rodrigues Medela, ordena que se
desobriguem os seus fiadores e que a hipoteca existente se circunscreva aos bens de raiz
do dito primo; caso este tenha “faltado”, manda cobrar todos os anos 4.800 réis para o
jantar dos presos no Dia de Réis, passando-se “quitação por inteiro” e o resto dos juros
será para “sustentação de seu filho do estudo”40
.
Na correspondência de 25 de Janeiro de 1739, dirigida aos “senhores reverendos
capelães do Senhor Bom Jesus da Cruz”, informa-os que está convalescente de uma
grave doença que teve em Outubro último.
Os capelães tinham-lhe dado conta de que as missas de Natal e a esmola dos presos da
cadeia haviam sido aceites pela mesa da irmandade, mas que faltava fazer-se a escritura
39
Idem, Carta V de Inácio da Silva Medela.
40
Idem, Carta VI de Inácio da Silva Medela.
deste legado. Porém, diz Medela, “nem creio se fará pois vejo pelo aviso que tive do
meu procurador em que me diz que os senhores da mesa querem se lhe dê seiscentos mil
réis – uma disparidade […] porque a eu querer fazer as missas de Natal nesta cidade me
tomam o dinheiro a seis e quatro por cento […] quanto ao vinho e cera e hóstias me
pedem quatrocentos mil réis, o que parece supérfluo”.
Avisa-os de que enviara uma
proposta, via frota da Baía, para ser apresentada à mesa pelo padre Manuel da Silva
Ferreira.
Vai no entanto informando que os “bens mais líquidos” os deixará à Santa Casa da
Misericórdia do Rio de Janeiro, mas quer que fique claro, para que a todo o tempo se
saiba “o muito que desejei aumentar à minha pátria, e que pela parte dela nunca
quiseram aceitar”41.
No dia 30 de Janeiro, talvez do mesmo ano, escreveu a Manuel Ribeiro Belo, falando-
lhe da doença de Outubro, da qual diz ter escapado por milagre.
Queixa-se que a Irmandade de Nossa Senhora da Graça lhe pede a dívida de que é
fiador de Manuel Maciel Ferreira, que “diz que a tem paga – Deus me dê paciência”,
comenta.
Também nesta carta, Silva Medela mostra-se muito desiludido sobre o que a mesa
pretende dele e que já enviou uma proposta ao seu procurador. Informa que logo que
escapou da doença “dispus dos meus bens os mais líquidos com a Santa Casa da
Misericórdia desta cidade do Rio de Janeiro como Deus me ajudou e foi servido, porque
os irmãos das Santas Casas e das irmandades que no Brasil trabalham para elas
desinteressados o que esses senhores não fazem nem querem fazer”42
.
Na nova carta ao padre Manuel Ribeiro Belo, escrita em 15 de Setembro de 1742 pelo
septuagenário instituidor do coro do Senhor da Cruz (Inácio da Silva Medela fez 70
anos em Agosto), informa-o que designou como procurador o seu sobrinho de
Esposende, Dr. João Ferreira Linhares a quem enviou uma procuração com todos os
poderes para revogar e/ou acrescentar bens à sua instituição.
Recomenda-lhe que se não pague aos capelães mais do que estava fixado; que do
primeiro rendimento se dessem às suas sobrinhas 200.000 réis e que das suas três partes
se fizesse uma “memória perpétua” para pagar as missas do Natal aos 9 capelães e o
jantar aos presos no Dia dos Reis; refere também a procuração para se cobrarem aos
capelães os 500.000 réis que lhes foram pagos indevidamente, pois logo que tomou
41
Idem, Carta VII de Inácio da Silva Medela.
42
Idem, Carta VIII de Inácio da Silva Medela.
conhecimento do recebimento indevido discordou; e depois de se pagarem os 200.000
réis, só deixará vitalícios, o dinheiro para as missas do Natal e para “o jantar dos
presos”; o resto do rendimento será para uma das parentes “mais chegadas” que venham
a entrar no Recolhimento do Menino Deus de Barcelos – com sanguinidade paterna ou
materna – e o restante será para repartir pelas outras parentes mais chegadas cujos
nomes já forneceu ao seu procurador.
Em resposta à carta que recebera de Manuel Ribeiro Belo, de 8 de Março, nota que este
lhe pedia um “lugar para o Recolhimento”, pedido que Medela lhe recusa “por ser
contra a minha instituição”43
.
No dia 20 de Novembro do mesmo ano, Inácio Medela voltou a escrever a Manuel
Ribeiro Belo, ainda e sempre na qualidade de presidente do coro. Desta vez, entre
múltiplos outros aspectos, pô-lo ao corrente do que fizera: “mandei um extracto a meu
sobrinho João Ferreira Linhares de 20 mil cruzados, no caso que possa alcançar juro
real para o Almoxarifado dessa vila oferecendo à mesa a quarta parte” do rendimento
proveniente do tão almejado padrão de juros. Três partes do rendimento reservara para
si, a fim de os poder distribuir à sua “disposição”, esperando uma resposta por parte da
mesa da irmandade, se aceitava ou não o novo legado nestas condições44
.
Refira-se que, entretanto, uma escritura de aceitação de novo legado foi assinada a 26 de
Janeiro de 1743, sendo assinada pelo juiz da irmandade, Dr. Manuel de Andrade e
Almada, pelo tesoureiro Manuel de Miranda, pelo escrivão Manuel Ribeiro Belo e mais
irmãos da mesa. Como representante do legatário, assinou o seu sobrinho e procurador,
Dr. João Ferreira Linhares, residente em Esposende. A escritura foi feita na nota do
tabelião Baltazar de Faria.
Na carta que escreveu em 10 de Setembro de 1743 ao presidente do coro e escrivão da
mesa, Inácio Medela mostra satisfação pelo que fora feito com “a minha instituição e
contrato com a santa e veneranda irmandade […] que queira ele tenha efeito o padrão
que pretendo alcançar de sua majestade que Deus guarde, pois nisso tenho trabalhado e
gasto dinheiro”, pensando remediar os familiares mais próximos, ainda que se lamente
da “ingratidão de todos os meus parentes”45
.
43
Idem, Carta IX de Inácio da Silva Medela.
44
Idem, Carta X de Inácio da Silva Medela.
45
Idem, Carta XI de Inácio da Silva Medela.
Na última carta que lhe conhecemos, datada de 5 de Agosto de 1745, Inácio da Silva
Medela dirigiu-se de novo ao juiz e aos irmãos da mesa, acusando ter recebido o
exemplar da “escritura da aceitação de vossas mercês do padrão real” que lhes havia
sido entregue pelo seu sobrinho e procurador Ferreira Linhares.
Dos rendimentos do primeiro ano (que diz terem vencido em Abril de 1745) manda se
fizesse a distribuição da sua parte pelos parentes que enuncia, advertindo-os que “o
rendimento deste padrão é em primeiro lugar parra dele se pagar todos os anos 30$000
réis àquela minha parenta que estiver recolhida [no Recolhimento do Menino Deus], e
caso que depois de recolhida passe para freira, não se lhe pagará o dito legado e ficará
para outra que entrar”. A distribuição que mandou fazer, relativa ao primeiro
vencimento (Abril de 1745), foi a seguinte:
 Para uma parenta que casara com um ferreiro – 100.000 réis;
 Para uma filha bastarda do seu primo Manuel da Fonseca Coelho, casada na
freguesia de Sanfins – 50.000 réis;
 Para a filha do seu “primo irmão” casada com Francisco de Almada – 50.000 réis;
 Para a filha de Manuel Rodrigues Marques, recolhida no Recolhimento do Menino
Jesus – 30.000 réis;
 Para a filha do seu primo, Rosa Clara, “caso que estivesse recolhida assim como ela
me pediu que me certificou se recolhia” – 30.000 réis
Um outro documento de 1745 (dois anos antes da morte do instituidor do coro), mostra
que a mesa da Irmandade do Senhor da Cruz recebeu 270.000 réis da sua parte dos
juros do padrão real que finalmente se conseguira aplicar no Almoxarifado de Barcelos.
Como se pode verificar, o dito “padrão” foi criado a 1 de Abril de 1744 e os juros,
segundo este documento, ter-se-iam vencido em 31 de Dezembro do mesmo ano (e não
em Abril de 45), pelo que este primeiro rendimento reportava-se a nove meses.
Recebeu do almoxarife desta vila três quartéis do juro do padrão real, que
Inácio da Silva Medella do Rio de Janeiro doou a esta irmandade, cujos
três quartéis são os primeiros, que se venceram no ano de 1744 desde o
primeiro de Abril do dito ano até o último de Dezembro dele, e importaram
duzentos e setenta mil réis, porém sobre o mesmo tesoureiro só carrega a
quarta parte da dita quantia que são sessenta e sete mil réis, porque as
outras três partes despendeu já com as pensões as quais o mesmo Inácio da
Silva Medela as mandou distribuir que são as que constam de uma escritura
de paga e quitação que o mesmo tesoureiro tem das tais pessoas continuada
da nota de Pascoal da Costa desta vila em 28 de Outubro do presente ano
de 1745 – 67.00046
.
Retomando a carta de 5 de Agosto de 1745, Inácio Medela informa desde já que o
rendimento do segundo ano se destinará a outras suas parentes “que queiram entrar” no
Recolhimento do Menino Deus, tantas da parte do pai como da parte da mãe, repartindo
sempre pelas “mais chegadas”, como ficou registado na escritura do legado e que foram
“nomeadas na árvore” genealógica; assim como também nada legará das suas três partes
à “descendência de Manuel Maciel Ferreira sem que primeiro pague 400$000 réis que
lhe emprestei a juros o qual em cima de me não pagar me pôs uma demanda”.
Noutra passagem da carta dizia que enviava “o rol das parentas que nomeio para
entrarem no Recolhimento as que quiserem, não querendo umas, outras, e não tenho
dúvida entrem as que quiserem filhas de meu primo Valentim da Silva”.
Ainda agastado no que respeita ao comportamento dos capelães e da mesa da irmandade
(que não tinha mão neles), afirma que “na minha instituição que fiz do coro dessa igreja
fiz a vossas mercês senhores para regerem os capelães […] e botá-los fora e meter
outros cada vez que quiserem; e pelo que a experiência me tem mostrado, e tendo
experimentado, eles ditos capelães me parece governam a vossas mercês, o que é contra
todo o direito da minha instituição, porque escrevendo-me o presidente do coro
insinuando-me mandasse pagar aos capelães as missas do Natal do padrão que pretendia
para a dita irmandade eu o fiz assim como se vê da instituição, e agora me dizem que
ele é o pior de todos, e cabeça de não quererem entregar os 500$000 réis”47
.
Em 1750, três anos após o falecimento de Inácio da Silva Medela, o seu sobrinho e
padre Manuel Pereira Medela atestou a autenticidade da sua correspondência, que foi
trasladada para o livro onde se compilou a documentação da instituição do coro, no qual
nos apoiamos.
Diz o padre Manuel Pereira Medela que reconhece a “letra do sinal acima, ser feito pela
própria mão de meu tio Inácio da Silva Medela, que tanta glória haja, por ter dele
46
AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 271.
47
AISC, Caixa 2, Carta XII de Inácio da Silva Medela.
recebido muitas cartas sendo vivo, e me corresponder com ele naquele tempo; e por
tudo passar na verdade passei este que assino. Barcelos 24 de Outubro de 1750 anos. O
padre Manuel Pereira Medela”48
.
Por sua vez, José António de Vilas Boas faz
o reconhecimento da assinatura de Manuel
Pereira Medela, a 1 de Novembro do mesmo
ano: “reconheço ser a letra do
reconhecimento retro e supra e seu sinal do
padre Manuel Pereira Medela por ser o
próprio […]. José António de Vilas Boas
tabelião proprietário o escrevi”49
.
Como fizemos notar, desde o início do seu funcionamento que um certo
descontentamento relacionado com os aspectos materiais afectou as relações entre o
instituidor, a mesa da irmandade e os capelães do coro.
Do Rio de Janeiro, Inácio Medela escreveu pelo menos 12 cartas, nas quais foi
exprimindo o seu descontentamento e a sua mágoa face aos abusos e às pretensões
materialistas dos capelães.
Após a morte do instituidor, em 1747, alguns problemas continuaram, chegando a mesa
da irmandade a fazer uma escritura de reclamação a 1 de Julho de 1753, relativa às
“cláusulas celebradas na segunda escritura de aceitação do legado”, que havia sido feita
em 30 de Dezembro de 172950
.
48
AISC, Livro da instituição do coro da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, fl. 49v.
49
Idem, Ibidem.
50
Idem, Ibidem.
Imagem de Santo Inácio de Loiola, talvez de meados do
século XVIII. Trata-se de um bela escultura barroca que,
segundo um inventário, ocupava o seu lugar na estante
do coro. Para além de funcionar como invocação do
fundador da Companhia de Jesus, ela pode ter
constituído uma homenagem póstuma a Inácio Medela.
Destino do coro do templo do Senhor da Cruz
______________________________________________________________________
Desde a sua instituição em 1725 até ao seu aparente encerramento em 1923, o coro do
Senhor da Cruz conheceu uma história certamente não linear, de altos e baixos, de
maior e de menor cumprimento das cláusulas estipuladas nos documentos que o
legitimaram.
Tratava-se de uma instituição dotada de sete capelães (15 de Março de 1725), ampliada
para nove (30 de Dezembro de 1728) e de dois rapazes que coadjuvavam, com as
virtudes e os defeitos inerentes aos seres humanos que sentem, pensam, reclamam,
trabalham, amam e lutam.
Ainda que nos espantem as intrigas e as faltas do pessoal religioso, o certo é que a
relaxação foi-se impondo, sobretudo a partir de meados do século XVIII: entradas
tardias ao serviço, incumprimento de horários e dos ofícios por parte de vários capelães,
ausências inaceitáveis, interesses instalados, querelas e intrigas, tudo à sombra do Bom
Jesus da Cruz. Deficiente funcionamento do coro, em suma. Ao longo do século XIX a
situação deve ter-se complicado. A mesa eleita a 14 de Setembro de 1866, reunida no
dia 13 de Outubro e constando-se-lhe que “o coro tinha caído em grande desleixo”,
deixando de cantar em certas ocasiões, inclusive em dias de missa cantada; que alguns
capelães não se apresentavam ao serviço ou chegavam atrasados, chegando o coro a
funcionar com apenas dois dos nove capelães e alterando-se o próprio horário de
funcionamento. Assim, decidiu-se escrever uma carta ao presidente do coro
comunicando-lhe que a mesa não tolerará tais comportamentos “e que fará despedir os
capelães que não frequentarem o coro como devem”51
.
Em 5 de Outubro de 1910 caiu a Monarquia e implantou-se a República em Portugal. A
Igreja, a exemplo do que tinha acontecido com a instauração do liberalismo monárquico
que triunfou em 1834, foi fortemente afectada nos seus interesses e privilégios. Mas não
foi a revolução do 5 de Outubro que liquidou o coro do Senhor da Cruz.
Uma certidão do orçamento ordinário de 24 de Fevereiro de 1911, para além de fazer
referência às despesas com as festividades previstas – 85.000 réis com os sermões da
51
AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 9.
Quaresma, 170.000 réis com a festa da Invenção da Santa Cruz (vulgo Festa das
Cruzes), 4.500 réis com a solenidade da Exaltação da Santa Cruz, em 14 de Setembro –,
menciona também a despesa global prevista para a administração do coro, a saber:
381.200 réis, destinados aos salários “dos capelães e meninos do coro que rezam no
templo, diariamente, de manhã e de tarde” o ofício divino e o responso pela alma de
Inácio da Silva Medela e seu irmão José Coelho da Silva “e quintas-feiras é pela
intenção dos mesmos, salvo se na semana houver algum dia santificado, que prefere à
quinta-feira”52
.
Mas os tempos eram de crise financeira, para lá da crise das consciências que, decerto,
feriram de morte o velho coro. A modernidade do século XX fez o resto.
Numa comunicação que terá sido enviada ao arcebispo de Braga (documento não datado
mas que é posterior a 1929), a mesa da irmandade sintetizou a situação difícil então
vivida justificando-se, assim, o incumprimento dos legados – que haviam sido reduzidos
em 11 de Março de 1889 e em 29 de Setembro de 1896 – devido à “natural redução de
rendimentos em consequência da desvalorização da moeda”. Informava-se o prelado que
o capital da irmandade rendia cerca de 1.900$00, resultantes de 43.000$00 de “inscrições
do governo português”, de duas escrituras de mútuo de 4.100$00 e de um depósito na
C.G.D. de pouco mais de 10.000$00.
Não sabe ao certo a actual mesa o que as mesas administrativas anteriores
cumpriram; mas por informações que forneceu o antigo capelão desta
irmandade e actual pároco em Abade de Neiva, que deixou o lugar de
capelão em 1923, parece que foi desde este ano que deixou de se cumprir
algumas das obrigações, nomeadamente o coro, que deixou de existir desde
então, e possivelmente uma das missas aos Domingos, a das 11, e a missa
diária chamada do coro53
.
A mesa, que tomara posse a 1 de Julho de 1929, mantinha a missa das 9 em todos os
Domingos e Dias Santos, bem como em todas as Sextas-feiras do ano, absorvendo-lhe a
quase totalidade dos meios financeiros de que dispunha.
52
AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Certidão de orçamento ordinário de 1911.
53
Idem, Comunicação ao arcebispo de Braga.
Têm-se realizado os 7 sermões nos Domingos da Quaresma, as nove missas da novena
nas vésperas do Natal, as festividades da Invenção e da Exaltação da Santa Cruz e de
Nossa Senhora das Dores – mas tudo por conta de esmolas
Graças ainda às esmolas realizavam-se outras despesas, relacionadas com a
beneficência pública, a aquisição de cera, pequenas reparações no templo e o pagamento
ao servo, que garantia a abertura diária durante todo o ano, desde a manhã ao pôr-do-
sol54
.
Do velho coro resta-nos a sua memória escrita, arquitectónica e artística.
Dispomos do seu belo órgão, devidamente restaurado, e do cadeiral a pedir o mesmo...
54
Idem, Ibidem.

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Sc 4 de 8 capítulo iv

  • 1. CAPÍTULO IV O CORO DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ
  • 2. A instituição do coro segundo a procuração de 1724 ____________________________________________________________ Em 18 de Agosto de 1724, Inácio da Silva Medela – nascido no bairro do Bom Jesus, na vila de Barcelos, então residente na Rua Direita da cidade do Rio de Janeiro, Brasil – passou uma procuração para se instituir um coro permanente no templo do Senhor da Cruz da sua terra natal. Foram então apresentados como seus procuradores o capitão Joaquim da Costa Silva, da vila de Guimarães, António Pereira, Maurício Correia, Manuel Gonçalves Moreira Alvares e Cipriano Vieira, residentes na cidade do Porto. Na procuração refere-se que Inácio da Silva Medela era filho legítimo de Pascoal Rodrigues e de Helena Ribeiro e que fora baptizado na igreja colegiada de Santa Maria de Barcelos; que tivera como avós Martinho Rodrigues, o Rates por alcunha e “fulana Medela” (pela parte paterna); pelo lado da mãe era neto de Álvaro da Silva e de Gracia Coelho – todos do bairro do Bom Jesus. À esquerda: quadro de pintura a óleo sobre tela, 1888, com o retrato de Inácio da Silva Medela (falecido em 1747), instituidor do coro do Senhor da Cruz. Em cima: aspecto da árvore genealógica de Inácio da Silva Medela, século XVIII.
  • 3. A administração do coro cabia à mesa da irmandade, que detinha a prerrogativa de empregar (através de concurso) e despedir os 7 capelães previstos, devendo dar preferência a familiares do instituidor. O legado destinado a garantir o seu normal funcionamento era de 16.000 cruzados, dinheiro que deveria ser aplicado a juros em instituições seguras, de preferência ligadas ao poder régio (na Alfândega ou no Almoxarifado de Barcelos, por exemplo), calculando-se um resultado líquido anual de 80.000 réis, 40 mil para pagar aos capelães e outros 40 mil para ornamentos da sacristia1 . Aquando da elaboração da escritura de aceitação do legado, em 15 de Março de 1725, assinaram pela mesa da irmandade o seu juiz, Dr. Manuel de Andrade e Almada, o escrivão padre Manuel da Costa Lopes, o tesoureiro José Gomes Garcia, os mordomos Dr. José Leite de Faria, José Barreto da Gama, Manuel Luís Tamel e restantes elementos da mesa, todos residentes na vila de Barcelos. (Mais duas escrituras de aceitação do legado serão assinadas, uma em 30 de Dezembro de 1728 e outra em 7 de Março de 1730, na sequência da ampliação do coro e do respectivo valor financeiro). Em representação do instituidor assinou o seu principal procurador, o capitão de Guimarães Joaquim da Costa Silva, que apresentou a procuração emitida no Rio de Janeiro, com a data de 18 de Agosto de 1724. Como testemunhas da procuração e do “extracto” que seguia em anexo, assinaram o capitão Cordeiro Silva, João Pinto Rodrigues e Paulo Pinto de Faria, sendo “tabelião público do judicial, e notas” Jorge de Sousa Coutinho. Como juiz das justificações, rubricou o Dr. António de Sousa de Abreu Grade, do desembargo de sua majestade, ouvidor geral, corregedor da comarca com alçada no cível e crime na cidade do Rio de Janeiro e mais capitanias de sua repartição2 . 1 AISC, Caixa 2, Instituição do coro da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, Documentos 1 e 2. 2 Destes documentos foi passada uma certidão, em 21 de Outubro de 1769, em Barcelos, assinada pelo escrivão João Francisco da Silva. Pormenor da procuração de Inácio da Silva Medela, emitida no Rio de Janeiro a 18 de Agosto de 1724.
  • 4. Os documentos esclarecem que Inácio da Silva Medela enviuvara de Maria de Almeida, mulher de quem não teve filhos pelo que era herdeiro dos bens “remanescentes” do finado matrimónio. Afirma-se também detentor dos bens que conseguiu por sua “indústria”, devendo-os todos (aspecto em que diz acreditar com “as três potências da sua alma”) à misericórdia e infinita liberalidade de Cristo. De resto, Medela defende que não tem mais poder que o de administrar a riqueza que o Senhor Jesus lhe terá prometido. Em resumo, na procuração são apresentadas as seguintes motivações para a instituição do coro no Senhor da Cruz:  A existência de uma capela com a milagrosa imagem do Senhor Bom Jesus, com uma cruz às costas, junto ao bairro onde Medela nasceu e cresceu.  Refere-se o miraculoso aparecimento de cruzes nos dias das festas da Invenção e da Exaltação da Santa Cruz, em Maio e em Setembro, e que quando tal é “vontade do Senhor” as cruzes de terra enegrecida reapareceriam noutras ocasiões.  Alheio a qualquer motivo de ordem “temporal”, o instituidor diz-se exclusivamente movido pela devoção ao Senhor da Cruz e pelo desejo de que Ele seja louvado e venerado no Seu templo, através do cântico quotidiano das horas canónicas. Na procuração, seguida de um extenso “extracto”, instituiu-se um coro de 7 capelães e definiram-se as suas atribuições:  Rezar as horas canónicas do ofício divino, incluindo o de Nossa Senhora e o dos fiéis defuntos.  Dizer os salmos penitenciais e graduais, seguindo as rubricas do Breviário Romano, em conformidade com o que se praticava na igreja colegiada de Barcelos.  Cantar a música do cantochão nas missas solenes e festivas, bem como nas celebradas nos dias dos Santos Apóstolos.  Todos os dias, “in perpetuum”, quer no turno da manhã quer no da tarde, deveria celebrar-se uma missa cantada, com responso, sufragando-lhe a alma e a do seu irmão José Coelho da Silva Medela. Porém, como ambos ainda eram vivos, este ofício cumprir-se-ia pela alma dos seus pais, Pascoal Rodrigues e Helena Ribeiro. O legatário dera já instruções aos seus procuradores para entregarem à mesa da irmandade o legado para a instituição deste coro permanente de 7 capelães, no valor de
  • 5. 16.000 cruzados (6.400$00). Todavia, a partir da escritura de 30 de Dezembro de 1728, mais 4.000 cruzados (1.600$00) serão entregues para aumentar o grupo de capelães, passando para 9 elementos e 2 meninos do coro. Uma terceira escritura foi assinada em 7 de Março de 1730, a fim de se corrigirem algumas condições com as quais o instituidor não concordava e que, segundo diz, tinham sido abusivamente introduzidas no documento dos finais de 1728. Tratou-se de um legado sem dúvida controverso, com algumas ilusões e muita desilusão e dores de cabeça para o legatário. Apesar de desiludido, em 26 de Janeiro de 1743, será assinada uma escritura de aceitação de um novo legado, no valor de 20.000 cruzados, depois do instituidor ver garantida a constituição de um padrão de juros no Almoxarifado de Barcelos, reservando para si três partes do seu rendimento e entregando à mesa da irmandade apenas um quarto, como adiante se verificará. Entretanto, nos finais da década de 1720, Inácio da Silva Medela ordenou ao seu principal procurador que apetrechasse o coro com o mobiliário e materiais indispensáveis: o cadeiral, a estante, os livros e o órgão. Um pequeno apontamento inscrito nas despesas de 1725-1726, permite-nos pensar que logo após a assinatura da primeira escritura de aceitação do legado, o coro entrou em Cadeiral do coro, uma obra do mestre entalhador Miguel Coelho executada em 1730.
  • 6. funcionamento, ainda que em precárias condições. Nos primeiros anos deve ter funcionado na capela-mor, até que o espaço coral se apetrechasse e alindasse. De acordo com o documento, os “novos capelães” celebraram nesta data uma missa pela alma de José da Silva Medela, irmão do instituidor que falecera, tendo-se gasto 330 réis pelo “aluguer da cadeira e pano e mais ornamentos” para o ofício fúnebre3 . De seguida surgem os nomes dos primeiros capelães do coro: Manuel Ribeiro Belo, António da Costa de Azevedo, Custódio Alvares Tinoco (abade de Arcozelo), Francisco Lopes Marques, António Pinheiro, António Pinheiro Lopes e Gabriel da Costa4 . Como vimos, dos rendimentos do capital mutuado pagar-se-iam as propinas ou ordenados dos capelães – “as quantias que se consignarem a cada um”, acrescentando de imediato que, caso os rendimentos não bastassem diminuir-se-ia no salário dos capelães/sacerdotes e, em sentido inverso, o que sobejasse destinava-se a ornatos e paramentos da sacristia. O dinheiro das faltas injustificadas ao serviço (as que fossem acima de 60 dias/ano, excluindo as motivadas por doenças) seria igualmente aplicado na sacristia e no “aumento do coro”, concordantes com a boa administração da mesa e dentro das condições estabelecidas. Fundamental era que a mesa administrasse bem esta capelania, “pondo e dispondo na forma mais conveniente, para aumento do coro, e segurança dos rendimentos”. Foi desejo expresso pelo instituidor que o coro fosse instituído o mais depressa possível para, ainda em vida, tomar conhecimento de que o Bom Jesus da Cruz de Barcelos era louvado no Seu templo e para que os seus parentes “tenham o gosto de que eu me lembrei dos aumentos da minha pátria”. E, como vimos, o coro entrou de imediato em funcionamento. Esclarecem os documentos que o instituidor prescreveu um vasto conjunto de condições para tentar garantir a perfeição do coro do Senhor da Cruz:  Os 7 capelães a admitir seriam, dentro do possível, destros no canto de órgão, porém, no caso de tal não ser possível, teriam de dominar o cantochão, isto é, possuírem bons dotes na cantoria mais comum. Mas, infalivelmente, o vigário ou 3 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 98. 4 Idem, fls. 98-98v.
  • 7. presidente do coro (nomeado pela mesa) tinha de ser destro no canto de órgão, para examinar os “beneficiados” das cadeiras que fossem vagando.  Na admissão dos capelães dever-se-iam escolher os melhores dentre os “sacerdotes de missa, e de exemplar virtude”, cumprindo-se assim com “a justiça distributiva” e ao mesmo tempo serviriam de “emulação para todos os sacerdotes procurarem o serem perfeitos”.  No concurso aos lugares vagos, os candidatos fariam petição à mesa que, para os admitir, havia de mandá-los examinar pelo vigário ou presidente do coro. Como foi dito, dava-se prioridade aos familiares do instituidor (esclarecendo-se que tem um irmão casado em Aveiro e outros parentes em Ponte de Lima e em Braga), que no entanto deveriam reunir as qualidades exigíveis ao perfeito desempenho do cargo. Exceptuando-se os eventuais candidatos familiares, os restantes deveriam ser naturais de Barcelos. E, uma vez aceitos, deveriam os capelães assinar um termo de aceitação a registar em livro próprio, onde se obrigassem ao cumprimento de todas as atribuições definidas.  Quanto às faltas injustificadas, ser-lhes-iam descontadas no vencimento, designado por propinas. Como atrás se disse, o capital decorrente destas faltas seria investido nos espaços da sacristia e do coro.  No caso de algum capelão vir a ser “remisso nas suas obrigações, ou prevarique o seu modo de viver com algum escândalo público”, será expulso pela mesa que há-de recorrer ao voto secreto (utilizando-se favas pretas e brancas), para que o capelão “não perca a sua opinião” face a quem determinou a sua expulsão ou continuidade.  Porque se pretende um processo de todo legal, devia fazer-se petição ao arcebispo primaz de Braga para que este prelado aprovasse esta instituição – “com cuja bênção se possa perpetuar esta obra, e granjear por ela os favores do dito senhor em tomar conhecimento todos os anos nas suas visitas do cumprimento das coisas aqui dispostas para maior perfeição, que se deve observar no coro”.  Neste documento de 1724 já se prevê o recrutamento de “moços” do coro, devendo a irmandade escolher “os mais perfeitos rapazes”, preferindo sempre os seus parentes. Deveria ainda nomear-se um mestre para rapazes, a fim de se lhes ensinar o latim.  Quanto ao canto coral, e a exemplo do que se praticava noutros coros, também
  • 8. aqui a missa seria cantada nas festividades solenes (com as vésperas igualmente cantadas), nomeadamente nas festas evocativas do Cristo Senhor Nosso, da Nossa Senhora e dos Santos Apóstolos. Mas, atenção senhores capelães!... Toda esta cantoria era para cumprir “debaixo do mesmo salário, que se lhes consignar”. Sendo este aspecto – o canto nas solenidades festivas – peculiar da igreja matriz de Barcelos, caso o seu pároco se viesse a opor ao referido cântico “se implorará indulto do ilustríssimo senhor arcebispo, ou de Roma, para que os mesmos capelães, que rezam no coro possam cantar as ditas missas, sem que o pároco da freguesia lhe possa impedir, nem tenha jus para as cantar”.  Numa tentativa de evitar a confusão e os conflitos (tem conhecimento dos muitos candidatos aos apetecidos lugares de capelães), Inácio da Silva Medela nomeou para as capelanias, seguindo os critérios da formação e das virtudes conhecidas, os seguintes elementos: Manuel da Costa Lopes, Manuel da Costa Leitão, Luís de Barros, Manuel Ribeiro Belo, Manuel Pinheiro, Domingos Lopes Garcia e João Gomes de Matos. (Porém, o elenco dos capelães acima referidos demonstra que, exceptuando Manuel Ribeiro Belo, que será o presidente, nenhum destes sacerdotes exerceu as funções no coro, pelo menos em 1725-1726).  Na eventualidade de existirem dúvidas no “particular da reza, missa, e mais cerimónias”, os capelães seguiriam as orientações da mesa, mas se algum viesse a “repugnar”, ou seja, não acatasse as orientações dadas, seria substituído no cargo, aspecto que deveria constar nos termos assinados pelos capelães aquando da sua admissão ao serviço, isto para evitar dúvidas e eventuais pleitos, “como tem acontecido em outros coros”. Num livro relativo ao legado do coro do Bom Jesus de Barcelos, escrito em 1730, afirma-se que o coro foi instituído em 1728 – mas tratou-se da sua ampliação, de 7 para 9 capelães – e que o vencimento dos juros costumava ocorrer a 6 de Julho de cada ano5 . 5 “Livro do recibo, e despesa na administração do legado do coro do Bom Jesus, que instituiu Inácio da Silva Medella. E para se não confundir este, com os mais legados, houveram por bem mandar fazer este
  • 9. Nesta data, como o quadro a seguir elucida, o valor do legado havia já crescido para mais de 9.000$00, andando as despesas anuais com a sua administração na ordem dos 452$00. VALOR E DESPESAS DO LEGADO DO CORO – 17306 Valor global do legado – 9.040.000 réis Despesa anual Totais Capelães (nove) 40.000 (x9) 360.000 Meninos (dois) 10.000 (x2) 20.000 Cera durante os ofícios 20.000 20.000 Sacristia 40.000 40.000 “Propinas” dos coristas 1.200 1.200 Duas missas semanais 10.800 10.800 Total da despesa anual 452.000 No documento é referenciada uma escritura de 1729, feita no notário de José António Vilas Boas, em que os capelães concordaram receber os juros do devedor Pedro Lopes Calheiros, relativos a 5:600$000 réis, verba emprestada do “capital dos primeiros 7 capelães”. Por outra escritura feita no mesmo notário, em 7 de Março de 1730, os capelães aceitaram receber do mesmo devedor os juros referentes ao capital de 1.600$000 réis, atribuído aos restantes 2 capelães, na sequência da renovação do legado do coro7 em finais de 1728. códice, só para o que pertencer a este legado […]. Em mesa do ano de MDCCLXXXII. Na curiosidade, e bom zelo desta venerável mesa, se permitem o pobre trabalho deste título a João José Pinheiro da Cunha” – AISC, Tratado do legado do coro do Bom Jesus de Barcelos 1730, fl. 2. 6 AISC, Tratado do legado do coro do Bom Jesus de Barcelos 1730. 7 Idem, fl.4.
  • 10. Os capelães ao serviço do coro, embora comprometidos com o cumprimento escrupuloso dos ofícios divinos pelos quais eram pagos em conformidade com o estipulado nos documentos (procuração do instituidor, escrituras de aceitação do legado, termos de aceitação e obrigação aquando do seu recrutamento, estatutos da irmandade e regulamento do coro), acabaram por se revelar um grupo contestatário e reivindicativo, nomeadamente no que respeita ao destino do capital resultante da aplicação do regime de faltas ao serviço. Com efeito, logo em 8 de Janeiro de 1730 os capelães reuniram e propuseram ao padre Manuel Ribeiro Belo (presidente do coro durante longos anos) que se procedesse às contas “das porções de cada um” e se contabilizassem as faltas dadas ao serviço do coro para que, uma vez cobrados os juros “do dinheiro deste legado” se adjudicasse a cada um deles “o que lhe tocasse líquido”. Decidem também, por unanimidade, que “neste primeiro ano [do renovado coro] se não fizesse ponto das faltas e que a cada um se entregasse a sua porção por inteiro”, contrariando assim uma das cláusulas estabelecidas pelo instituidor. O plenário dos capelães concordou ainda que se descontasse ao herdeiro do capelão Luís de Barros o tempo vencido até ao óbito deste, ocorrido a 27 de Junho de 1729, termo que foi assinado pelos nove capelães. Finalmente, apresentaram as contas “vencidas ao dia cinco de Janeiro” de 17308 , ou seja, no final do primeiro ano do funcionamento do coro constituído por 9 capelães. Embora o coro do Senhor da Cruz tenha iniciado as suas funções, primeiro em 1725 com 7 capelães e, posteriormente, em 6 de Janeiro de 1729 com 9 capelães, a verdade é que o espaço que lhe estava reservado teve de ser aprimorado, de acordo com a dignidade do templo, a vontade da mesa da irmandade e o dinheiro de Inácio da Silva Medela. 8 Com outra caligrafia, foi registado posteriormente na margem esquerda o seguinte: “É prática, que a Santa Sé Romana condenou” – AISC, Livro das porções dos capelães do coro 1730, fl. 2. Pormenores do cadeiral existente no coro do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, da autoria do mestre entalhador barcelense Miguel Coelho, 1730.
  • 11. Na verdade, apenas em 1730-1731 os labores artísticos e musicais chegaram ao espaço coral. Depois do revestimento azulejar dos panos de parede vazias, sem aparelho granítico, construiu-se o órgão de tubos e a sua caixa em talha dourada. E o cadeiral. As obras do cadeiral e do órgão ______________________________________________________________________ Dezenas de documentos existentes no arquivo da real irmandade dão vida a todo o processo da instituição e instalação do coro no templo do Senhor da Cruz. Como se referiu no Capítulo II, nos inícios da década de 1720 procedia-se ainda a obras de acabamentos em vários espaços da igreja, incluindo naquele que fora destinado ao funcionamento do coro. Recorde-se que nas despesas de 1721, Bento da Costa recebeu 445 réis relacionados com o transporte da pedra para lajear o espaço coral, faltando ainda colocar-lhe as portas e o soalho, bem como outras obras de carpintaria e de talha, nomeadamente a estante e o cadeiral para os capelães poderem oficiar com alguma comodidade. Faltava ainda o revestimento das paredes, obras que decorreram nos finais dos anos 20 e nos inícios de 1730. Pormenores da parede fundeira do coro, podendo observar-se o revestimento azulejar onde, mais uma vez, pontificam cenas associadas a temática da Paixão de Cristo. Pequenos e grandes, os anjos participam na mostra de instrumentos do martírio, enquadrados pela arquitectura da abóbada e rodeados de elementos da natureza, numa exuberância decorativa tão característica do período barroco.
  • 12. Aliás, nos anos 40 decorrerão ainda algumas obras de carpintaria no antecoro. Nas contas de 1741, o mestre carpinteiro João da Silva recebeu do tesoureiro Manuel de Miranda 8.000 réis por ter feito um “sobrado no antecoro” (despesa que incluía os barrotes, as tábuas de castanho e os pregos que o mestre havia fornecido); recebeu 1.200 por um tapamento para o mesmo sobrado, uma porta, barrotes de castanho e tábuas de pinho, dobradiças e pregos; por duas caixas grandes para o mesmo espaço junto ao coro, com seus assentos, dobradiças e pregos, recebeu ainda 4.300 réis9 . Coube ao mestre Calisto de Barros Pereira, de Cambezes (Monção), conceber o órgão de tubos “ibérico”, um mestre ligado à organaria galega que terá sido contratado em 1730 pelo juiz de fora e juiz da irmandade, o Dr. Matias de Melo e Lima10 . 9 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 234. 10 FONSECA, Manuel dos Santos – Os órgãos de tubos no concelho de Barcelos, in Actas do Congresso “Barcelos Terra Condal”, Vol. II, pp. 48-49. Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67. Órgão de tubos ibérico, executado pelo mestre Calisto de Barros Pereira, segundo encomenda de 1730. No mesmo ano, encomendou-se ao mestre entalhador Miguel Coelho o entalhe da caixa, obra que realizou em 1731.
  • 13. A sua execução e instalação ocorreram pouco depois porquanto, nas contas de Março de 1731 a Dezembro de 1734, foram registadas várias despesas, uma de 7.663 réis, relacionada com o “aluguer da casa do organista por onze meses e meio que nela assistiu” e outra, de 524 réis, pelo acrescentamento dos ferros que se consertaram para segurar o órgão, pelo chumbo, pregos e salário ao carpinteiro António de Azevedo. Nessa altura, gastaram-se também 400 réis com um pedreiro que assentou umas pedras na torre dos sinos “para impedir cair água no coro”11 . Miguel Coelho foi o artista escolhido para entalhar a caixa do órgão, de acordo com a encomenda de 1730, uma obra que executou em 1731. Também em 1730 terá sido contratado o enxambrador bracarense José dos Reis para fabricar as grades e a estante, feitas em pau-preto, com aplicações de metal12 , artista a quem a irmandade pagou 55.200 réis pelo andor da Procissão dos Passos, conforme se pode ler nas contas atrás referidas13 . Faltava dourar e pintar o órgão. Antes, porém, da sua caixa ser dourada e pintada, encontrámos o mestre carpinteiro João da Silva a consertar-lhe os foles (1746-1748), talvez do muito uso e do pouco cuido. A caixa do órgão será dourada e pintada em 1750, uma obra do pintor barcelense António Vieira cujo contrato foi assinado a 10 de Agosto deste ano, pelo preço de 90.000 réis. (De referir que dois ou três anos antes, o mestre António Vieira tinha recebido 6.400 réis pela “encarnação da imagem do Senhor”, uma imagem feita em pasta, e mais 1.400, pela “encarnação do Senhor dos Passos”)14 . Pelo contrato de 1750 (assinado pelo artista e por duas testemunhas, os barcelenses Manuel da Costa Silva e Francisco Xavier da Mota), a obra da pintura e douramento da caixa do órgão deveria executar-se “com a perfeição que deve ser e a contento da mesa” e estar pronta no dia de Natal do mesmo ano. Os andaimes da obra ficaram por conta da mesa da irmandade. 11 AISC, Livros das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 162v, 165v e 171v. 12 Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67. 13 AISC, Livros das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 158v. 14 Idem, fls. 300 e 302.
  • 14. Para que não subsistissem dúvidas, o mestre dourador e pintor comprometia-se a dourar toda a caixa do referido órgão, incluindo as grades “tanto da parte fronteira como de trás”, enquanto os meninos que o coroam eram para pintar e estofar “com seus rubis e foscos onde a obra o pedir”. No caso de alguma destas condições não ser respeitada, seriam descontados 6.400 réis ao valor estipulado no contrato15 . Deve tudo ter corrido bem. Estavam o órgão e a sua caixa finalmente completos. O canto de órgão e o cantochão ecoavam no templo, abrilhantados pela policromia e pelo oiro reluzente. Por volta de 1746-1748 tinham vindo os livros do cantochão que custaram 11.100 réis, despesa a que temos de juntar outras para que a obra se completasse: 1.120 réis pelo transporte das pautas musicais, de Coimbra para Barcelos; 360 para quem as foi levar a Braga para encadernar e depois buscá-las; pelo trabalho da encadernação 6.400; pelas chapas e pregos utilizados na referida encadernação 7.500, por se abrir e esmaltar as chapas 1.200 e pelo chumbo para se fazer o molde delas 100 réis16 . Preciso era proteger o órgão das chuvas que, tocadas pelo vento, invadiam o interior do templo. Segundo as contas rubricadas a 21 de Dezembro de 1738, tinha-se pago 1.400 réis ao mestre carpinteiro João da Silva por, entre outros aspectos, colocar um alçapão em castanho “que cobre o boqueirão que está no fim das escadas da torre”, feito para se evitar a infiltração das águas que, sobretudo no Inverno, invadiam o coro e a sua abóbada “quando os grande ventos com chuvas metem água na mesma torre”17 . Mas a humidade que invadia de forma impiedosa o espaço coral, atingindo o novíssimo órgão, não entrava apenas pela torre sineira. Tocada pelo vento, ela entrava directamente no templo pela porta principal dele. 15 AISC, Caixa 1, Contrato do douramento da caixa do órgão. 16 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 303. 17 Idem, fl. 204. Pormenor do órgão sob a abóbada, junto ao coro do templo do Senhor da Cruz.
  • 15. E tardou a resolução do problema. Com esse tardar, como sempre acontece, e nós somos testemunhas do descuido e abandono a que historicamente inúmeras obras patrimoniais são deixadas, ocasionam-se danos irreparáveis. Apenas a 13 de Maio de 1783, por se encontrar o órgão desafinado – “causa de lhe cair água da chuva, pela abóbada do mesmo templo no Inverno” –, o tesoureiro foi mandatado pelos “senhores da mesa” para chamar o competente organeiro para proceder ao seu arranjo e afinação18 . Finalmente, na reunião de 11 de Novembro de 1787, a mesa da irmandade determinou a construção de um guarda-vento “atendendo ao grave prejuízo que os ventos e chuvas causam a este templo, e seu órgão, pela porta principal dele”19 . Nesta circunstância, encarregou-se o tesoureiro de mandar fazer o risco desse resguardo de madeira, com a parte superior envidraçada, a fim de se contratar quem melhor realizasse a obra e, obviamente, dentro do melhor preço. De notar que, nesta ocasião, conforme se pode ler na acta, o tesoureiro ficou ainda incumbido de mandar entalhar dois tocheiros iguais aos que se encontravam na capela do Santíssimo Sacramento da igreja colegiada de Barcelos20 . Conforme a pesquisa de Manual Fonseca, volvidos 100 anos após o seu assentamento, o órgão do Senhor da Cruz sofreu um profundo restauro, da autoria de João Evangelista, um homem de possível origem galega. Cerca de 1870 a maioria dos seus tubos internos e alguns da frontaria terão sido retirados e substituídos por tubos de folha da Flandres, que enfim “foram balindo como puderam” até se calarem cerca de 192321 . 18 AISC, Livro de actas da segunda metade do século XVIII, fl. 39. 19 Idem, fl. 49. 20 Idem, Ibidem. 21 FONSECA, Manuel dos Santos, ob. cit., p. 49. Guarda-vento, visto do interior.
  • 16. Calaram-se os tubos velhos, mas o mestre barcelense deu-lhes voz!... Restaurou o órgão, restituiu-se o brilho à talha dourada da sua caixa, deu-se colorido aos meninos que o enfeitam. De facto, na década de 1990, sendo então provedor da real irmandade o Dr. Vasco de Faria, o órgão do Senhor da Cruz foi sujeito a um profundo restauro sob a responsabilidade do mestre Manuel Fonseca, que nos explica tratar-se este órgão de tubos do “tipo ibérico”, diferenciando-se do instrumento inglês, francês, alemão, italiano e Países Baixos. Na pesquisa que elaborou, Fonseca cita especialistas como M. A. Vente e W. Kok e o seu tratado “Spanish Baroque Organ”, bem como o padre Manuel Valença e a sua obra “O Órgão na História e na Arte”, estudiosos que consideram como paradigmas do chamado órgão ibérico o de Toledo, o do Escorial e o da Sé de Braga22 . Aqui e agora, interessa-nos o do Senhor Bom Jesus de Barcelos, um órgão magnífico, quer pelas sonoridades que dos seus tubos ecoam, quais ecos dum passado glorioso revividos, quer pela talha de excelente qualidade que o envolve, o enfeita e o torna mais belo, mais festivo, setecentista. O órgão de tubos do Senhor da Cruz patenteia plasticidade formal, imagética e lumínica, ondulação e movimento, policromia e oiro, para além dos acordes melodiosos de primeira plana, suaves e profundos sons clássicos e barrocos arrancados aos seus elegantes tubos, graças à mestria de exímios mestres, tudo ali harmoniosamente reunido… Numa excelente obra de arte! 22 Idem, pp. 43-56.
  • 17. Num exemplar casamento com a pureza de linhas arquitectónicas, com as 8 pinturas do eixo central sob a cúpula feitas pelo pintor barcelense Manuel Luís Pereira, com a festa azulejar das paredes e a talha de primeira grandeza dos altares e do arco-cruzeiro, o órgão de tubos do Senhor Bom Jesus da Cruz contribui para a qualificação deste templo como um dos melhores ex-líbris de Barcelos. Doações do instituidor do coro do Senhor da Cruz ______________________________________________________________________ O livro das receitas e despesas e as cartas enviadas do Brasil ao juiz da irmandade atestam de forma inequívoca, por um lado, uma corrente quase constante de dádivas ao Senhor da Cruz e, por outro, o desenvolvimento de conflitos de algum melindre, relacionados com a dinâmica do coro e com os interesses materiais a ele associados. Antes de mais, parece-nos apropriado divulgar as doações feitas à Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, directa ou indirectamente relacionadas com a instituição do coro por este barcelense, um rico homem de negócios «brasileiro» que viveu cerca de meio século na Rua Direita, do Rio de Janeiro. (Em 1706 Medela já se encontrava no Brasil, data em que enviou uma esmola de 100.000 réis para as obras do novo templo. O seu falecimento terá ocorrido no Rio de Janeiro, em 1747). Inácio da Silva Medela foi, sem margem para dúvidas, o mais importante benfeitor do Senhor da Cruz e da sua irmandade. Será oportuno recordarmos que, para além de ter saído do seu bolso o mais expressivo donativo individual para as obras da actual igreja, Medela deu instruções ao seu procurador vimaranense, Joaquim da Costa Silva, para proceder ao pagamento anual do azeite para as lâmpadas do Bom Jesus de Barcelos. Embora o primeiro donativo para
  • 18. este fim date de Fevereiro de 1723, no valor de 32.400 réis, a sua entrada no cofre da irmandade verificou-se a 3 de Maio, dia da Invenção da Santa Cruz 23 . A partir desta data, anualmente, o procurador entregava ou fazia entregar à mesa da irmandade a quantia de 16.000 réis destinada ao azeite que ardia para iluminar o templo. Como se pode aferir pela leitura dos documentos, a esmola chegava a Barcelos geralmente em Maio, embora o mês de Fevereiro fosse a baliza anual desta esmola. É de crer que o fazia na qualidade de juiz da irmandade, cargo honorífico para que foi entretanto nomeado, talvez no intuito, perdoe-se o juízo, do alargamento do caudal que provinha do Rio de Janeiro. Também se deve a Inácio da Silva Medela a pequena e bela escultura da Senhora da Piedade, que se encontra no retábulo do altar-mor, esculpida num toro de cedro enviado do Brasil, conforme a leitura dum excerto duma carta de 30 de Junho de 1730 claramente nos elucida. Em um navio da cidade do Porto que desta vai com escala por Pernambuco tenho carregado um toro de pau cedro para vossas mercês me fazerem mercê deste mandarem fazer uma imagem de Nossa Senhora da Piedade do tamanho que virem se pode acomodar no altar-mor sobre a banqueta, pois desde rapaz tenho a devoção com esta Senhora por haver em casa de meus pais um painel desta imagem – o qual quando me vi com a defunta minha mãe na cidade de Lisboa no ano de 1698, lhe perguntei por ele e me disse o tinha deixado às filhas de Jerónimo do Vale nessa vila – assim que peço a vossas mercês tomem por serviço da mesma Senhora este trabalho, mandando-a fazer com toda a perfeição que for possível, como também ajustar com os reverendos capelães rezar-lhe a sua ladainha nos sábados de manhã, ou de tarde, como melhor lhes parecer24 . 23 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 2. 24 AISC, Caixa 2, Carta III de Inácio da silva Medela.
  • 19. Numa carta que escrevera em 1727 ao juiz da irmandade, Dr. Manuel de Andrade e Almada, Inácio Medela dá-lhe conta do envio da madeira para as grades do templo do Senhor da Cruz. A madeira, jacarandá, terá sido despachada da Baía, cidade donde deu ordens a outro seu procurador, António Jorge Martins, que “comprasse e remetesse nos navios do Porto o pau de jacarandá para as grades do Bom Jesus que vossa mercê me pediu, pois nesta [cidade do Rio de Janeiro] nunca põem navio à carga para a cidade do Porto, por cuja causa mandei ao dito comprasse também um feixe de açúcar, e remetesse para vossa mercê o qual lhe oferece o meu amor”25 . Pela mesma missiva Medela dá a notícia de que um diadema em ouro atravessaria as águas do Atlântico, destinado ao Bom Jesus de Barcelos, levada pelo tenente-coronel Manuel Nunes Ferreira, que no entanto deveria refazer-se em Lisboa, atendendo ao defeito detectado no seu fabrico. Nesta ocasião vai o nosso patrício e famoso tenente-coronel Manuel Nunes Ferreira e leva uma diadema de ouro para o nosso Bom Jesus de Barcelos a qual mandou fazer nesta cidade do Rio de Janeiro, e a leva em sua companhia, que pelo defeito com que lhe saiu vai de acordo a mandá-la fazer outra vez em Lisboa que há-de permitir o mesmo Bom Jesus levá-lo a salvamento à dita cidade a donde lhe escreverá vossa mercê e o reverendo cónego meu primo dando-lhe as boas vindas, e tudo o mais que é necessário a um tenente-coronel solteiro moço e rico26 . 25 AISC, Caixa 2, Carta II de Inácio da Silva Medela. 26 Idem, Ibidem. Pormenor da imagem do Senhor Bom Jesus da Cruz, com o seu resplendor feito de metais preciosos.
  • 20. Em 1730 pagou-se 120 réis a um carreteiro que trouxe do Porto “o caixote do ornamento de damasco carmesim”27 . Mas as despesas registadas pelo tesoureiro entre Janeiro de 1730 e Março de 1731 são bem expressivas dos gastos que corriam por conta deste juiz e instituidor do coro do Senhor da Cruz. DESPESAS EFECTUADAS POR CONTA DE INÁCIO DA SILVA MEDELA, ENQUANTO “JUIZ E LEGATÁRIO DO CORO” – 1730-173128 Descrição da despesa Montante (em réis) Por 8 dobradiças para as cadeiras do coro. 400 Metade dos gastos da Procissão dos Passos, de 1730. 8.110 A quem levou uma carta ao organista, em Abril de 1730, para a “disposição do órgão”. 600 A quem levou uma carta ao procurador de Inácio da Silva Medela, Joaquim da Costa Silva, de Guimarães. 400 A quem foi a Braga levar os apontamentos do órgão a Manuel de Matos. 360 Pelo papel “imperial” para fazer a conta do órgão. 100 Metade das despesas com a Festa das Cruzes de 1730. 18.650 Pela ceia que se deu aos mordomos no dia da Festa das Cruzes. 970 Despesa com a escritura para a execução do órgão. 400 A quem foi buscar o organista para se ratificar o contrato do órgão e entregar-lhe o dinheiro para “os materiais dele”. 800 Para os ferros “que hão de segurar as cadeiras do coro”. 240 Metade das despesas com a Procissão dos Passos de 1731. 6.190 Total 37.220 A custódia de prata foi também feita graças ao precioso metal enviada por Medela. Pelas contas de Março de 1731 a Dezembro de 1734, podemos verificar que a irmandade ainda não dispunha desta alfaia litúrgica fundamental, pois gastou-se 100 réis 27 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 141v. 28 Idem, fl. 142.
  • 21. com o homem que foi a Gilmonde, e depois a Remelhe, buscar a custódia para as Endoenças29 . Porém, antes de Dezembro de 1734, o problema deveria estar resolvido, graças ao benemérito instituidor do coro. Despendeu [o tesoureiro] a prata que mandou Inácio da Silva Medela de esmola para esta irmandade para dela se fazer a custódia, cuja prata importou todo o peso de vinte e cinco marcos duas onças e seis oitavas, e importou o peso da prata da custódia vinte e cinco marcos duas onças e quatro oitavas e sobejaram da dita prata depois de feita a custódia duas oitavas que importaram duzentos réis. Despendeu com o mestre António Ferreira velho pelo feitio da custódia setenta mil réis, com o douramento da esfera e luneta da mesma custódia despendeu cinco mil e duzentos réis, e das buchas e ferros da mesma custódia despendeu trezentos e sessenta réis [perfazendo 81.160 réis]30 . Somos ainda informados pela mesma fonte que se gastaram 25.729 réis, “por conta do juiz Inácio da Silva Medela pelo que lhe tocou de gastos à sua parte nos Passos e festa de Maio de 1734”31 . 29 Idem, fl. 164v. 30 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 168-168v. 31 Idem, fl. 170v. Custódia de prata, com a esfera e a luneta douradas, uma obra do mestre ourives António Ferreira, cerca de 1734.
  • 22. Desilusão e conflitos em torno do coro do Senhor da Cruz ________________________________________________________________________ Apesar da vasta benfeitoria do instituidor do coro do templo do Senhor da Cruz (que funcionou com mais ou menos regularidade desde 1725 até 1923) as cartas que Inácio da Silva Medela enviou do Rio de Janeiro põem em evidência a existência de conflitos, primeiro relacionados com as pretensões de amigos e familiares e logo a seguir com os pedidos e/ou exigências dos capelães. A mesa da irmandade, responsável pela administração do coro, parece não ter pulso (na sua opinião) junto dos capelães, que Medela cada vez mais interpreta como interesseiros. Chega mesmo a comparar as instituições de fiéis brasileiras com as da sua terra natal, para enaltecer aquelas e criticar estas. Do lamento e da mágoa vertidos a tinta no papel das cartas que vai escrevendo, do desapontamento e da consciência dos interesses pouco espirituais dos capelães do coro, o conflito foi-se alimentando, e aparentemente resolvendo, sob o fino verniz da hipocrisia. Naquela que julgamos ser a primeira carta enviada do Rio de Janeiro, de 8 de Julho de 172632 , Medela dirige-se ao Dr. Manuel de Andrade e Almada (juiz da irmandade durante longos anos), mostrando-se condoído com os “debates” que este vem travando com o seu amigo Manuel Correia Rebelo e com o seu primo, o cónego Manuel de Faria de Eça, expressando a opinião de que “o demónio perdeu a graça de Deus”, mas não está destituído da necessária “indústria para com ela trabalhar” visando perturbar todo o trabalho em Seu louvor. Diz desconhecer as razões do amigo e do primo perante “uma coisa que eu fiz para todos, enquanto o mundo for mundo, que nela lhe dou a preferência a todos os meus parentes; porém estes pelo serem não querem esperar como eu esperei e trabalhei, e andei”, sem qualquer ajuda de parentes. Depreende-se que o juiz lhe sugerira a colação dos capelães, ou que estes a reclamavam – o que implicaria obediência exclusiva à autoridade eclesiástica, situação que não fora prevista nem desejada –, já que Inácio Medela contesta tal possibilidade, defendendo o vínculo dos capelães ao juiz e à mesa da irmandade. 32 AISC, Caixa 2, Carta I de Inácio da Silva Medela. As cartas e mais documentação relativa ao coro foram trasladadas para o Livro da instituição do coro da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.
  • 23. Sustenta que, “como vossa mercê me faz juiz, digo que a serem colados, é em prejuízo da Irmandade do Bom Jesus, porque não ficam a ela subordinados, e pode qualquer dos beneficiados então ser desatento ao juiz e mais irmãos se quiser” sem que estes tenham poderes para “botá-lo fora”. Com razão diz vossa mercê que todo o meu projecto, e de quem me aconselhou foi sujeitar os clérigos à mesa da Irmandade do Bom Jesus, para por si os poder expulsar, por que regulei isto por um contrato, recíproco, de que os clérigos rezassem no coro as horas canónicas e a mesa lhe pagasse a sua côngrua, e como as naturezas dos clérigos são diferentes se pode algum demariar com os irmãos da mesa, ou juiz, e acho posto em razão que a mesa o expulse, pois não pode dar-lhe outro castigo, o que serve de freio para o conservarem com cautela, o que não será sendo colados. Nesta cidade há dois legados semelhantes, um na Misericórdia e outro na matriz da Candelária que assim se observa, nem a nenhuma luz em sombra pode parecer justo, que o clérigo se possa despedir cada vez que quiser, e quem lhe paga o não possa despedir não o servindo bem, e se no principio da instituição se não prevenir estes obstáculos, sucedem bulhas, e demandas, de que eu quero fugir neste legado, e se uns não quiserem aceitar nesta forma haverão outros que aceitem33 . Noutra passagem da missiva acusa a recepção das cartas de 8 e de 15 de Março, tendo ficado radiante pela “alegria que vossas mercês tiveram nessa vila, e o estrondo com que se rompeu a notícia desta minha instituição”, acrescentando que deu instruções ao seu procurador para tratar do financiamento do cadeiral e do órgão para o coro. Nesta data, 8 de Julho de 1726, mais informa Inácio Medela que é sua intenção alargar o coro de 7 para 9 capelães e 2 meninos; que os elementos do coro deverão funcionar na capela-mor enquanto se não pudesse rezar no espaço a ele destinado; que nomeava para os novos capelães aos padres António Barbosa (de Góios) e Filipe Correia, filho de Manuel Correia Rebelo (na ausência deste dever-se-ia nomear o padre Manuel de Matos); e para meninos do coro indicava os “dois netos de meu tio Martim Rodrigues o cirurgião e na falta destes a outros quaisquer que hajam capazes por sanguinidade”. Nomeava ainda o padre Leitão como o sacristão do templo. 33 AISC, Caixa 2, Carta I de Inácio da Silva Medela.
  • 24. Numa carta de 19 de Agosto de 172734 , concorda com a proposta do juiz de se pagarem 10.000 réis anuais a cada um dos meninos do coro, mas quanto à insistência e/ou reivindicação dos capelães no sentido de serem colados e não nomeados pela mesa segundo as prescrições do instituidor, este é peremptório: Tomara eu fazer-lhes boa renda, que colados e dignidades isso não está na minha mão, e ainda que estivera não havia de deixar de dar a regalia aos irmãos da mesa na forma que eu tenho explicado no extracto, porque o que pode suceder por acaso haver irmãos que entrem nessa mesa, e queiram correr com os meus parentes, o que tal não posso presumir, e caso que assim seja não é esse o obstáculo que me há de fazer revogar o dar a primazia à dita irmandade, porque tenho de fé que os meus parentes sendo corridos dos irmãos da mesa, hão de ser favorecidos pelo mesmo Bom Jesus. Perante as dificuldades da colocação do capital do legado a juros numa instituição do Estado, e para fazer face às despesas do coro, o juiz da irmandade apresentou uma sugestão que não agradou ao instituidor: “vejo a dificuldade que vossa mercê mostra em se não poder pôr este dinheiro em juro real, dizendo-me posso eu buscar sujeito no Porto ou em Lisboa que supra com os quatrocentos mil réis do ordenado para o dito coro, obrigando eu a este sujeito as minhas propriedades visto não ter herdeiros, ao que se me oferece dizer a vossa mercê que não tem lugar por muitas razões […] fundadas na razão da experiência que o tempo me tem mostrado”, sugerindo que busque a mesa influências junto do rei e da câmara da vila para a colocação do dinheiro a juros no Almoxarifado de Barcelos. Entretanto, é de parecer que, enquanto não for possível colocar o dinheiro a “juro real”, poderia o mesmo dar-se a juros a pessoa “abonada e cristã, para que vá rendendo algum juro”; para isso, sugere que se contactem os capitães Joaquim da Costa Silva, Tomás Rodrigues de Brito e Manuel Gonçalves Neves, bem como o abade da Castanheira, até porque, estando o capital “na forma que tem estado até aqui nenhum propósito tem”. Uma vez resolvido este problema, e em jeito de promessa (que aliás cumprirá sem delongas) “se andará com os aprestos do órgão, cadeiras e livros, e o mais necessário 34 Idem, Carta II de Inácio da Silva Medela.
  • 25. pois poderá o dito dinheiro ter rendido os juros para os ornamentos que estão feitos”, no valor de 150.000 réis “e escusara eu de os desembolsar em cima de se perder os juros que se podia lucrar”. Na mesma carta, porém, regozija-se com o envio da petição ao rei, para que fossem aceites os 20.000 cruzados a juro real, no Almoxarifado de Barcelos, sabendo que o monarca já a tinha encaminhado para o seu Secretario de Estado. Inácio Medela renova a recomendação das influências das personalidades atrás referidas “para que se empenhem em buscar o meio de se pedir ao dito secretario alcance de sua majestade esta mercê porque só ele é que o pode fazer”. Todavia, enquanto se não conseguisse o almejado depósito a juro real, insistir-se junto daqueles influentes capitães no empréstimo ”aos seus amigos pessoas fidedignas e abonadas que tomem este dinheiro a juro […] pois são pessoas que nos hão de tirar as barbas de vergonha”35 . Com uma carta de 30 de Junho de 1730, dirigida ao juiz e mais irmãos da mesa, Inácio Medela remete “a procuração bastante em que confirmo os estatutos acrescentados”, ou seja, rectifica algumas prescrições que, de forma abusiva, tinham sido introduzidas na segunda escritura de instituição do coro, aquando da passagem de 7 para 9 capelães e que iam ao encontro dos interesses destes. Como atrás se referiu, foi nesta carta que noticiou o envio da madeira para a escultura da Senhora da Piedade, que deveria colocar- se sobre a banqueta, mas que foi parar à pilastra do retábulo-mor, lado do Evangelho. (Recorde-se que em 1730, a parte superior da parede fundeira do coro já deveria estar forrada a azulejo azul e branco, uma obra do mestre João Neto, de Lisboa). Mais informa que deu instruções ao procurador de Guimarães para entregar à mesa da irmandade a quantia necessária, “do seu juro”, para se pagar a um sacerdote organista “que só sirva de tocar o órgão e não de rezar, mais do que os nove que tenho 35 Idem, Ibidem.
  • 26. determinado”. Este sacerdote/organista a contratar funcionaria como uma espécie de preceptor, que ensinaria latim a dois coristas, “até construírem” e leitura a dois rapazes; uma vez dominada a leitura, os novos moços passariam à escrita, devendo então o organista ensinar os “quatro, dois a latim, e dois a ler, ou todos os quatro a latim, e estes devem ser filhos daquelas minhas parentas ou parentes que mais necessitem, e os rapazes sejam capazes para tal ocupação”. Para além de professor de português e latim, o organista do Senhor da Cruz ficaria obrigado a celebrar uma missa semanal, à segunda-feira, pelas Almas do Purgatório36 . Em 6 de Agosto de 1731, Medela dirige-se aos “senhores da mesa” acusando a recepção da carta de 29 de Janeiro e reagindo às resistências da rectificação das condições introduzidas na segunda escritura. Embora os irmãos, na sua carta, “digam que esta matéria não pode já receber alteração pela força de contracto que se fez com os capelães é sem dúvida que o tal contracto foi celebrado muito contra minha mente e vontade”. Mais diz que os capelães, por aquele novo contracto ser tão favorável, “o abraçaram e aceitaram logo sem mais fundamento que a minha simples carta […]. E assim entendo que vossas mercês como administradores deste legado devem com os termos mais políticos e corteses persuadir aos ditos capelães queiram ceder da sua opinião fazendo que a missa quotidiana fique nos sete primeiros, e que os dois acrescidos digam as duas missas semanárias uma à sexta-feira outra ao sábado na forma das minhas tenções de sorte que todas as semanas se digam nove missas, e se eles assim o não quiserem, também entendo que vossas mercês têm jus e acção para os compelir e obrigar, ou expulsá-los e meter outros, e quando assim se não faça usarei eu então do meu direito e justiça”37 . Visivelmente irritado com a postura dos capelães e a possível cumplicidade da mesa da irmandade, Inácio da Silva Medela retrocede na criação do cargo de organista e preceptor dos rapazes do coro, mostrando-se “desenganado e desvanecido por entender que é desnecessário visto que um dos capelães tem a tal obrigação e vista também a nova forma da aceitação do legado”. O caudal do Rio de Janeiro não estancará, mas parece iniciar-se a descida do leito! Em tom deveras agastado, de quem pretende lembrar as benfeitorias realizadas, Medela continua a sua extensa carta do estio de 1731, que aqui reproduzimos pela pertinência 36 Idem, Carta III de Inácio da Silva Medela. 37 Idem, Ibidem.
  • 27. que lhe encontramos. É quase um quadro resumo das dádivas ao templo do Senhor da Cruz, nos escassos 6 anos de funcionamento do coro. E se além do legado mandei dar três ornamentos ricos, varias peças de prata, grades para o coro, cera, propinas, e coristas, e não reparei no prejuízo e dano que recebi na demora de vinte e cinco mil cruzados, que no espaço de três ou quatro anos estiveram empatados sem lucrar coisa alguma, e no fim deles achei só catorze bem se deixa ver que tudo foi inspiração do Senhor Bom Jesus, e nem pela demasia, e superfluidade de se darem dois mil cruzados, por um órgão, que pela planta e preço entendo que será maior que o templo, fico desanimado, antes tenho por certo que o dito Senhor me recompensará tudo na salvação da minha alma, e não nos bens temporais, porque eu sem nada nasci e sem nada hei-de morrer. Sobre a diminuição dos 60 dias do estatuto [folgas dos capelães] ao que vossas mercês só me deferem com a repugnância dos capelães que repugnam tudo o que é dar-me gosto, se oferece dizer a vossas mercês que o senhor patriarca de Lisboa não confirmou mais que 40 dias de estatuto aos capelães do coro que meu irmão instituiu na dita cidade e paroquial de Nossa Senhora da Conceição da Rua Nova como a vossas mercês mandarei a cópia, se for necessário, e que a esta imitação se podia lá também diminuir os ditos 60 dias e reduzir a 40 – Deus guarde a vossas mercês muitos anos. De vossas mercês. Muito seu venerador. Inácio da Silva Medela38 . Em 30 de Novembro de 1732, Inácio Medela escreveu de novo para o Senhor da Cruz, desta vez dirigindo-se ao presidente do coro, Manuel Ribeiro Belo. A tensão parece ter diminuído, esperando que esteja agora tudo “sossegado”. Informa que deu ordens ao procurador Joaquim da Costa Silva para gastar o necessário para “se acabar de ordenar” o seu primo padre Francisco Coelho; e que este, logo que seja ordenado sacerdote, assista ao coro e reze como os capelães e diga uma missa semanal à terça-feira pelas Almas do Purgatório “ao qual hei-de eu pagar enquanto não houver lugar para entrar no mesmo coro”. Esclarece que o dito primo estará sob “debaixo do domínio do presidente dele e este seja vossa mercê, lhe encomendo já, desde agora a sua boa educação e 38 Idem, Carta IV de Inácio da Silva Medela.
  • 28. doutrina”. Também manda acrescentar mais um capelão, o primo Manuel Alves Medela, pedindo-lhe “como meu procurador ajustar isto, e a sanar alguma dificuldade que se ofereça com a mesa”. De seguida, solicita ao presidente do coro que elabore uma descrição detalhada das obrigações inerentes ao legado instituído – “em clareza e assento todas as obrigações, assim antecedentes, como as modernas” – nomeadamente: o valor principal doado para a instituição do coro; o rendimento anual dos juros e respectivas aplicações; o número de capelães, seus ordenados e suas obrigações; o montante destinado às missas semanais e o “cómodo ou giro com que são ditas”; o donativo para o rendimento da cera; a mesada que “agora” dá para o jantar dos presos; a quantia que se destina à celebração das 3 missas do Natal e “que quero que todos os capelães digam”; em suma um relatório pormenorizado, incluindo “tudo o que dei fora da obrigação por uma vez somente”, documento que será feito “com aquela individuação, e miudeza que a vossa mercê lhe parecer precisa para notícia e perpetuidade”39 . Na carta de 30 de Maio de 1735, queixa-se a Manuel Ribeiro Belo das “moléstias causadas pelos contratempos que nesta cidade tem havido”, desde prisões à confiscação de bens, que “até eu tirei carta de seguro, por crime que me quiseram imputar de dinheiro que emprestei a um sujeito” envolvido num problema relacionado com o sequestro de um navio “por lhe acharem ouro em pó”. Dá-lhe conta de que ordenou ao seu primo e procurador Valentim da Silva Coelho, via procuração endereçada na frota anterior, que entregasse a Manuel Maciel Ferreira 400.000 réis a juros de 5%, com hipoteca dos seus bens de raiz. No que respeita ao seu defunto primo, Manuel Rodrigues Medela, ordena que se desobriguem os seus fiadores e que a hipoteca existente se circunscreva aos bens de raiz do dito primo; caso este tenha “faltado”, manda cobrar todos os anos 4.800 réis para o jantar dos presos no Dia de Réis, passando-se “quitação por inteiro” e o resto dos juros será para “sustentação de seu filho do estudo”40 . Na correspondência de 25 de Janeiro de 1739, dirigida aos “senhores reverendos capelães do Senhor Bom Jesus da Cruz”, informa-os que está convalescente de uma grave doença que teve em Outubro último. Os capelães tinham-lhe dado conta de que as missas de Natal e a esmola dos presos da cadeia haviam sido aceites pela mesa da irmandade, mas que faltava fazer-se a escritura 39 Idem, Carta V de Inácio da Silva Medela. 40 Idem, Carta VI de Inácio da Silva Medela.
  • 29. deste legado. Porém, diz Medela, “nem creio se fará pois vejo pelo aviso que tive do meu procurador em que me diz que os senhores da mesa querem se lhe dê seiscentos mil réis – uma disparidade […] porque a eu querer fazer as missas de Natal nesta cidade me tomam o dinheiro a seis e quatro por cento […] quanto ao vinho e cera e hóstias me pedem quatrocentos mil réis, o que parece supérfluo”. Avisa-os de que enviara uma proposta, via frota da Baía, para ser apresentada à mesa pelo padre Manuel da Silva Ferreira. Vai no entanto informando que os “bens mais líquidos” os deixará à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, mas quer que fique claro, para que a todo o tempo se saiba “o muito que desejei aumentar à minha pátria, e que pela parte dela nunca quiseram aceitar”41. No dia 30 de Janeiro, talvez do mesmo ano, escreveu a Manuel Ribeiro Belo, falando- lhe da doença de Outubro, da qual diz ter escapado por milagre. Queixa-se que a Irmandade de Nossa Senhora da Graça lhe pede a dívida de que é fiador de Manuel Maciel Ferreira, que “diz que a tem paga – Deus me dê paciência”, comenta. Também nesta carta, Silva Medela mostra-se muito desiludido sobre o que a mesa pretende dele e que já enviou uma proposta ao seu procurador. Informa que logo que escapou da doença “dispus dos meus bens os mais líquidos com a Santa Casa da Misericórdia desta cidade do Rio de Janeiro como Deus me ajudou e foi servido, porque os irmãos das Santas Casas e das irmandades que no Brasil trabalham para elas desinteressados o que esses senhores não fazem nem querem fazer”42 . Na nova carta ao padre Manuel Ribeiro Belo, escrita em 15 de Setembro de 1742 pelo septuagenário instituidor do coro do Senhor da Cruz (Inácio da Silva Medela fez 70 anos em Agosto), informa-o que designou como procurador o seu sobrinho de Esposende, Dr. João Ferreira Linhares a quem enviou uma procuração com todos os poderes para revogar e/ou acrescentar bens à sua instituição. Recomenda-lhe que se não pague aos capelães mais do que estava fixado; que do primeiro rendimento se dessem às suas sobrinhas 200.000 réis e que das suas três partes se fizesse uma “memória perpétua” para pagar as missas do Natal aos 9 capelães e o jantar aos presos no Dia dos Reis; refere também a procuração para se cobrarem aos capelães os 500.000 réis que lhes foram pagos indevidamente, pois logo que tomou 41 Idem, Carta VII de Inácio da Silva Medela. 42 Idem, Carta VIII de Inácio da Silva Medela.
  • 30. conhecimento do recebimento indevido discordou; e depois de se pagarem os 200.000 réis, só deixará vitalícios, o dinheiro para as missas do Natal e para “o jantar dos presos”; o resto do rendimento será para uma das parentes “mais chegadas” que venham a entrar no Recolhimento do Menino Deus de Barcelos – com sanguinidade paterna ou materna – e o restante será para repartir pelas outras parentes mais chegadas cujos nomes já forneceu ao seu procurador. Em resposta à carta que recebera de Manuel Ribeiro Belo, de 8 de Março, nota que este lhe pedia um “lugar para o Recolhimento”, pedido que Medela lhe recusa “por ser contra a minha instituição”43 . No dia 20 de Novembro do mesmo ano, Inácio Medela voltou a escrever a Manuel Ribeiro Belo, ainda e sempre na qualidade de presidente do coro. Desta vez, entre múltiplos outros aspectos, pô-lo ao corrente do que fizera: “mandei um extracto a meu sobrinho João Ferreira Linhares de 20 mil cruzados, no caso que possa alcançar juro real para o Almoxarifado dessa vila oferecendo à mesa a quarta parte” do rendimento proveniente do tão almejado padrão de juros. Três partes do rendimento reservara para si, a fim de os poder distribuir à sua “disposição”, esperando uma resposta por parte da mesa da irmandade, se aceitava ou não o novo legado nestas condições44 . Refira-se que, entretanto, uma escritura de aceitação de novo legado foi assinada a 26 de Janeiro de 1743, sendo assinada pelo juiz da irmandade, Dr. Manuel de Andrade e Almada, pelo tesoureiro Manuel de Miranda, pelo escrivão Manuel Ribeiro Belo e mais irmãos da mesa. Como representante do legatário, assinou o seu sobrinho e procurador, Dr. João Ferreira Linhares, residente em Esposende. A escritura foi feita na nota do tabelião Baltazar de Faria. Na carta que escreveu em 10 de Setembro de 1743 ao presidente do coro e escrivão da mesa, Inácio Medela mostra satisfação pelo que fora feito com “a minha instituição e contrato com a santa e veneranda irmandade […] que queira ele tenha efeito o padrão que pretendo alcançar de sua majestade que Deus guarde, pois nisso tenho trabalhado e gasto dinheiro”, pensando remediar os familiares mais próximos, ainda que se lamente da “ingratidão de todos os meus parentes”45 . 43 Idem, Carta IX de Inácio da Silva Medela. 44 Idem, Carta X de Inácio da Silva Medela. 45 Idem, Carta XI de Inácio da Silva Medela.
  • 31. Na última carta que lhe conhecemos, datada de 5 de Agosto de 1745, Inácio da Silva Medela dirigiu-se de novo ao juiz e aos irmãos da mesa, acusando ter recebido o exemplar da “escritura da aceitação de vossas mercês do padrão real” que lhes havia sido entregue pelo seu sobrinho e procurador Ferreira Linhares. Dos rendimentos do primeiro ano (que diz terem vencido em Abril de 1745) manda se fizesse a distribuição da sua parte pelos parentes que enuncia, advertindo-os que “o rendimento deste padrão é em primeiro lugar parra dele se pagar todos os anos 30$000 réis àquela minha parenta que estiver recolhida [no Recolhimento do Menino Deus], e caso que depois de recolhida passe para freira, não se lhe pagará o dito legado e ficará para outra que entrar”. A distribuição que mandou fazer, relativa ao primeiro vencimento (Abril de 1745), foi a seguinte:  Para uma parenta que casara com um ferreiro – 100.000 réis;  Para uma filha bastarda do seu primo Manuel da Fonseca Coelho, casada na freguesia de Sanfins – 50.000 réis;  Para a filha do seu “primo irmão” casada com Francisco de Almada – 50.000 réis;  Para a filha de Manuel Rodrigues Marques, recolhida no Recolhimento do Menino Jesus – 30.000 réis;  Para a filha do seu primo, Rosa Clara, “caso que estivesse recolhida assim como ela me pediu que me certificou se recolhia” – 30.000 réis Um outro documento de 1745 (dois anos antes da morte do instituidor do coro), mostra que a mesa da Irmandade do Senhor da Cruz recebeu 270.000 réis da sua parte dos juros do padrão real que finalmente se conseguira aplicar no Almoxarifado de Barcelos. Como se pode verificar, o dito “padrão” foi criado a 1 de Abril de 1744 e os juros, segundo este documento, ter-se-iam vencido em 31 de Dezembro do mesmo ano (e não em Abril de 45), pelo que este primeiro rendimento reportava-se a nove meses. Recebeu do almoxarife desta vila três quartéis do juro do padrão real, que Inácio da Silva Medella do Rio de Janeiro doou a esta irmandade, cujos três quartéis são os primeiros, que se venceram no ano de 1744 desde o primeiro de Abril do dito ano até o último de Dezembro dele, e importaram duzentos e setenta mil réis, porém sobre o mesmo tesoureiro só carrega a quarta parte da dita quantia que são sessenta e sete mil réis, porque as
  • 32. outras três partes despendeu já com as pensões as quais o mesmo Inácio da Silva Medela as mandou distribuir que são as que constam de uma escritura de paga e quitação que o mesmo tesoureiro tem das tais pessoas continuada da nota de Pascoal da Costa desta vila em 28 de Outubro do presente ano de 1745 – 67.00046 . Retomando a carta de 5 de Agosto de 1745, Inácio Medela informa desde já que o rendimento do segundo ano se destinará a outras suas parentes “que queiram entrar” no Recolhimento do Menino Deus, tantas da parte do pai como da parte da mãe, repartindo sempre pelas “mais chegadas”, como ficou registado na escritura do legado e que foram “nomeadas na árvore” genealógica; assim como também nada legará das suas três partes à “descendência de Manuel Maciel Ferreira sem que primeiro pague 400$000 réis que lhe emprestei a juros o qual em cima de me não pagar me pôs uma demanda”. Noutra passagem da carta dizia que enviava “o rol das parentas que nomeio para entrarem no Recolhimento as que quiserem, não querendo umas, outras, e não tenho dúvida entrem as que quiserem filhas de meu primo Valentim da Silva”. Ainda agastado no que respeita ao comportamento dos capelães e da mesa da irmandade (que não tinha mão neles), afirma que “na minha instituição que fiz do coro dessa igreja fiz a vossas mercês senhores para regerem os capelães […] e botá-los fora e meter outros cada vez que quiserem; e pelo que a experiência me tem mostrado, e tendo experimentado, eles ditos capelães me parece governam a vossas mercês, o que é contra todo o direito da minha instituição, porque escrevendo-me o presidente do coro insinuando-me mandasse pagar aos capelães as missas do Natal do padrão que pretendia para a dita irmandade eu o fiz assim como se vê da instituição, e agora me dizem que ele é o pior de todos, e cabeça de não quererem entregar os 500$000 réis”47 . Em 1750, três anos após o falecimento de Inácio da Silva Medela, o seu sobrinho e padre Manuel Pereira Medela atestou a autenticidade da sua correspondência, que foi trasladada para o livro onde se compilou a documentação da instituição do coro, no qual nos apoiamos. Diz o padre Manuel Pereira Medela que reconhece a “letra do sinal acima, ser feito pela própria mão de meu tio Inácio da Silva Medela, que tanta glória haja, por ter dele 46 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 271. 47 AISC, Caixa 2, Carta XII de Inácio da Silva Medela.
  • 33. recebido muitas cartas sendo vivo, e me corresponder com ele naquele tempo; e por tudo passar na verdade passei este que assino. Barcelos 24 de Outubro de 1750 anos. O padre Manuel Pereira Medela”48 . Por sua vez, José António de Vilas Boas faz o reconhecimento da assinatura de Manuel Pereira Medela, a 1 de Novembro do mesmo ano: “reconheço ser a letra do reconhecimento retro e supra e seu sinal do padre Manuel Pereira Medela por ser o próprio […]. José António de Vilas Boas tabelião proprietário o escrevi”49 . Como fizemos notar, desde o início do seu funcionamento que um certo descontentamento relacionado com os aspectos materiais afectou as relações entre o instituidor, a mesa da irmandade e os capelães do coro. Do Rio de Janeiro, Inácio Medela escreveu pelo menos 12 cartas, nas quais foi exprimindo o seu descontentamento e a sua mágoa face aos abusos e às pretensões materialistas dos capelães. Após a morte do instituidor, em 1747, alguns problemas continuaram, chegando a mesa da irmandade a fazer uma escritura de reclamação a 1 de Julho de 1753, relativa às “cláusulas celebradas na segunda escritura de aceitação do legado”, que havia sido feita em 30 de Dezembro de 172950 . 48 AISC, Livro da instituição do coro da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, fl. 49v. 49 Idem, Ibidem. 50 Idem, Ibidem. Imagem de Santo Inácio de Loiola, talvez de meados do século XVIII. Trata-se de um bela escultura barroca que, segundo um inventário, ocupava o seu lugar na estante do coro. Para além de funcionar como invocação do fundador da Companhia de Jesus, ela pode ter constituído uma homenagem póstuma a Inácio Medela.
  • 34. Destino do coro do templo do Senhor da Cruz ______________________________________________________________________ Desde a sua instituição em 1725 até ao seu aparente encerramento em 1923, o coro do Senhor da Cruz conheceu uma história certamente não linear, de altos e baixos, de maior e de menor cumprimento das cláusulas estipuladas nos documentos que o legitimaram. Tratava-se de uma instituição dotada de sete capelães (15 de Março de 1725), ampliada para nove (30 de Dezembro de 1728) e de dois rapazes que coadjuvavam, com as virtudes e os defeitos inerentes aos seres humanos que sentem, pensam, reclamam, trabalham, amam e lutam. Ainda que nos espantem as intrigas e as faltas do pessoal religioso, o certo é que a relaxação foi-se impondo, sobretudo a partir de meados do século XVIII: entradas tardias ao serviço, incumprimento de horários e dos ofícios por parte de vários capelães, ausências inaceitáveis, interesses instalados, querelas e intrigas, tudo à sombra do Bom Jesus da Cruz. Deficiente funcionamento do coro, em suma. Ao longo do século XIX a situação deve ter-se complicado. A mesa eleita a 14 de Setembro de 1866, reunida no dia 13 de Outubro e constando-se-lhe que “o coro tinha caído em grande desleixo”, deixando de cantar em certas ocasiões, inclusive em dias de missa cantada; que alguns capelães não se apresentavam ao serviço ou chegavam atrasados, chegando o coro a funcionar com apenas dois dos nove capelães e alterando-se o próprio horário de funcionamento. Assim, decidiu-se escrever uma carta ao presidente do coro comunicando-lhe que a mesa não tolerará tais comportamentos “e que fará despedir os capelães que não frequentarem o coro como devem”51 . Em 5 de Outubro de 1910 caiu a Monarquia e implantou-se a República em Portugal. A Igreja, a exemplo do que tinha acontecido com a instauração do liberalismo monárquico que triunfou em 1834, foi fortemente afectada nos seus interesses e privilégios. Mas não foi a revolução do 5 de Outubro que liquidou o coro do Senhor da Cruz. Uma certidão do orçamento ordinário de 24 de Fevereiro de 1911, para além de fazer referência às despesas com as festividades previstas – 85.000 réis com os sermões da 51 AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 9.
  • 35. Quaresma, 170.000 réis com a festa da Invenção da Santa Cruz (vulgo Festa das Cruzes), 4.500 réis com a solenidade da Exaltação da Santa Cruz, em 14 de Setembro –, menciona também a despesa global prevista para a administração do coro, a saber: 381.200 réis, destinados aos salários “dos capelães e meninos do coro que rezam no templo, diariamente, de manhã e de tarde” o ofício divino e o responso pela alma de Inácio da Silva Medela e seu irmão José Coelho da Silva “e quintas-feiras é pela intenção dos mesmos, salvo se na semana houver algum dia santificado, que prefere à quinta-feira”52 . Mas os tempos eram de crise financeira, para lá da crise das consciências que, decerto, feriram de morte o velho coro. A modernidade do século XX fez o resto. Numa comunicação que terá sido enviada ao arcebispo de Braga (documento não datado mas que é posterior a 1929), a mesa da irmandade sintetizou a situação difícil então vivida justificando-se, assim, o incumprimento dos legados – que haviam sido reduzidos em 11 de Março de 1889 e em 29 de Setembro de 1896 – devido à “natural redução de rendimentos em consequência da desvalorização da moeda”. Informava-se o prelado que o capital da irmandade rendia cerca de 1.900$00, resultantes de 43.000$00 de “inscrições do governo português”, de duas escrituras de mútuo de 4.100$00 e de um depósito na C.G.D. de pouco mais de 10.000$00. Não sabe ao certo a actual mesa o que as mesas administrativas anteriores cumpriram; mas por informações que forneceu o antigo capelão desta irmandade e actual pároco em Abade de Neiva, que deixou o lugar de capelão em 1923, parece que foi desde este ano que deixou de se cumprir algumas das obrigações, nomeadamente o coro, que deixou de existir desde então, e possivelmente uma das missas aos Domingos, a das 11, e a missa diária chamada do coro53 . A mesa, que tomara posse a 1 de Julho de 1929, mantinha a missa das 9 em todos os Domingos e Dias Santos, bem como em todas as Sextas-feiras do ano, absorvendo-lhe a quase totalidade dos meios financeiros de que dispunha. 52 AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Certidão de orçamento ordinário de 1911. 53 Idem, Comunicação ao arcebispo de Braga.
  • 36. Têm-se realizado os 7 sermões nos Domingos da Quaresma, as nove missas da novena nas vésperas do Natal, as festividades da Invenção e da Exaltação da Santa Cruz e de Nossa Senhora das Dores – mas tudo por conta de esmolas Graças ainda às esmolas realizavam-se outras despesas, relacionadas com a beneficência pública, a aquisição de cera, pequenas reparações no templo e o pagamento ao servo, que garantia a abertura diária durante todo o ano, desde a manhã ao pôr-do- sol54 . Do velho coro resta-nos a sua memória escrita, arquitectónica e artística. Dispomos do seu belo órgão, devidamente restaurado, e do cadeiral a pedir o mesmo... 54 Idem, Ibidem.