2. Projeto Convergência
ÍNDICE
1. APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................1
2. PREVIDÊNCIA SOCIAL - A PROTEÇÃO QUE DESPROTEGE ...................................................5
2.1 Como e porque se chegou a essa situação?...................................................6
Mitos e Crenças .............................................................................................................7
2.2 Principais sintomas e causas de desajustes...................................................9
2.2.1 Elevado gasto previdenciário relativamente à composição etária da
população............................................................................................................................9
Baixa idade de concessão .........................................................................................10
Longo tempo de fruição ..............................................................................................10
2.2.2 Rapidez do crescimento da despesa com benefícios previdenciários ...11
2.2.3 Financiamento da despesa e elevação da carga tributária ......................12
Elevação das contribuições sociais sobre faturamento e lucro ...........................13
Elevação das contribuições sociais sobre folha de pagamentos.........................15
Conseqüências.............................................................................................................16
Inflação ..........................................................................................................................16
Superávit da seguridade e inexistência de déficit na Previdência.......................17
2.2.4 Iniqüidades do sistema previdenciário .........................................................17
a) Aposentadoria por idade.....................................................................................18
b) Aposentadorias rurais .........................................................................................19
c) Aposentadoria por tempo de contribuição - Desequilíbrios no fator
previdenciário ...............................................................................................................19
d) Pensões.................................................................................................................20
e) Benefícios por incapacidade ..............................................................................21
f) Componente assistencial nos benefícios previdenciários.............................22
g) Desestímulo à contribuição: “competição predatória” entre previdência e
assistência ....................................................................................................................23
h) Regras específicas para servidores públicos..................................................23
2.2.5 Mudanças demográficas.................................................................................24
3. MODELO PROPOSTO ..........................................................................................................27
3.1 Separação entre Assistência e Previdência...................................................28
3.2 Previdência: Separação entre benefícios de risco e programáveis ........28
3.2.1 Benefícios de Risco.................................................................................................29
I
3. Projeto Convergência
a) pensão por morte ..................................................................................................29
b) aposentadoria por invalidez ...............................................................................31
3.2.2 Benefícios Programáveis........................................................................................32
3.3 Inexistência de piso e de teto para os benefícios ........................................35
3.4 Assistência Social .................................................................................................36
a) Renda do Idoso ......................................................................................................36
b) Complementação do benefício previdenciário pela Renda do Idoso .....37
c) Benefício de Prestação Continuada ao Portador de Deficiência .............38
d) Isenção de contribuições sobre a Renda do Idoso - Estimativa dos
impactos fiscais .................................................................................................................39
3.5 Regras de Transição.............................................................................................39
a) Aposentadoria por Tempo de Contribuição...................................................40
b) Aposentadoria por Idade .....................................................................................41
c) Aposentadoria rural ..............................................................................................41
4. SIMULAÇÕES ......................................................................................................................42
5. SUMÁRIO EXECUTIVO E ESTRATÉGIA RECOMENDADA .......................................................51
ANEXO 1...................................................................................................................................54
II
4. Projeto Convergência
1. APRESENTAÇÃO
Da observação do crescimento das despesas correntes da União nos últimos
vinte anos percebe-se que um dos componentes mais expansionistas correspondeu ao
gasto com aposentadorias, pensões e auxílios do Regime Geral de Previdência Social -
RGPS e com a folha dos servidores, que inclui o seu regime próprio de previdência
(Gráfico 1).
Gráfico 1. Despesas financeiras e não financeiras da União 1991-2005
350
Bilhões
300
250
Benefícios Previdenciários - INSS
200
150
Pessoal e
Encargos
100
50
Demais Despesas
0
1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005
Fonte: STN Despesas por grupo.
No que respeita especificamente ao RGPS, os gastos representavam 2,5% do
PIB em 1988, atingiram 5,0% do PIB em 1994 e aproximam-se de 8,0% do PIB
atualmente, escalando cerca de 0,38 ponto de percentagem do PIB ao ano nos últimos
anos, conforme mostra o gráfico abaixo. Adicionados os gastos com assistência social
ao idoso (LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social e RMV – Renda Mensal Vitalícia),
temos 8,0% do PIB.
Gráfico 2. INSS: Arrecadação e Despesas com Benefícios Previdenciários
9
8,01
8
S
OA
oL
u ind
7 incl 7,5
sas
Des pe
as
6,10 pes
Des
6 5,60
Receitas
5
4,31
4
3
2,6
2
1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004
Fonte: MPS, AEPS - 2004; Resultados do RGPS (vários números).
1
5. Projeto Convergência
Se agregarmos aos gastos do RGPS os benefícios de aposentadorias e pensões
da União, Estados e Municípios (Gráfico 3) a despesa total de previdência alcança cerca
de 12% do PIB (Tabela 1).
Gráfico 3. Despesas previdenciárias com servidores públicos (RPPS) – 1988 a 2005 (% PIB)
2,6
2,1
1,6
Estados e Municípios
1,1
União
0,6
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: MPS. Não existem informações relativas a Estados e Municípios anteriores a 1995.
Tabela 1. Despesas previdenciárias – RGPS e setor público
2001 2002 2003 2004 2005
INSS
Despesas (R$ bi) 75,30 88,00 107,10 125,80 146,00
Despesas (%PIB) 6,3% 6,5% 6,9% 7,1% 7,5%
SETOR PÚBLICO (União, Estados e Municípios)
Despesas (R$ bi) 56,30 66,10 72,10 79,30 85,30
Despesas (%PIB) 4,7% 5,0% 4,6% 4,5% 4,4%
TOTAL
Despesas (R$ bi) 131,60 154,10 179,20 205,10 231,30
Despesas (%PIB) 11,0% 11,5% 11,5% 11,6% 11,9%
Fonte: Livro Branco da Previdência Social 2002 – Site MPAS. Resultados do RGPS/MPS –
diversos números (Municípios a partir de 2002: valores estimados)
Comparando o percentual do PIB gasto com benefícios previdenciários com o
percentual da população idosa na PIA no Brasil e em outros países (Gráfico 4), salta aos
olhos a situação desproporcional do Brasil. O volume de gastos previdenciários sobre o
PIB (12%) é superior à média dos países desenvolvidos, cuja população idosa tem um
peso relativo muito maior (entre 15% e 25% da população), enquanto que no Brasil, país
mais jovem, a população com idade acima de 60 anos alcança apenas 8,8% do total. A
situação brasileira é claramente anômala, sendo a única economia em que o gasto
previdenciário/PIB supera (e de forma significativa) o peso da população
idosa/população total.
Esse gráfico mostra ainda que o Brasil está cada vez mais se afastando da média
mundial, de maneira diferente de países como Itália e Bélgica, que tiveram grande
envelhecimento com pequeno acréscimo da despesa como proporção do PIB, ou
Alemanha, França e Áustria, cujo envelhecimento foi acompanhado de aumento
proporcional na despesa. Uma única notória exceção – além do Brasil - foi o Reino
Unido, que passou a despender maior fração do PIB sem mudança significativa no
envelhecimento.
2
6. Projeto Convergência
Gráfico 4. Gastos com seguridade social na população acima de 65 anos em relação à PEA e ao PIB
16
Áus 05 It 05
Gr 05
Áus 90
It 90 Al 05
14 Fra 05
P Baixos 05
Brasil R Un 05
Pol 90
12
2005
Fr 90 Din 05
2002
Bél 05
Bél 90
2000 Alem 90
Esp 05
10 Sui 90
1997 P Baixos 90
R Un 90
1995
8
Pt 90
6 Ir 90
1990 Chile 90
Jp 90
Ar 90
Isr 90 Can 90
4 Austrália 90
C Rica 90
China 90
2
Bol 90
Co 90
0
5 10 15 20 25 30
Fonte:www.worbank.org % da População acima de 65 em relação a pop entre 15 e 64 anos
www.oecd.org
Fontes: OECD, IBGE, WORLDBANK
3
7. Projeto Convergência
As causas desta situação são comentadas em detalhes adiante. Por ora,
destaca-se que a despesa previdenciária no Brasil está em patamares elevadíssimos,
seja face o PIB, seja em comparação a outros países, e, se não forem tomadas medidas
adequadas, seguirão em trajetória de forte crescimento.
Enfrentar o desafio da reestruturação do atual modelo previdenciário é, pois, um
passo essencial para a recuperação da capacidade fiscal do Estado, viabilizando a
recuperação do investimento e da poupança pública, a redução da taxa de juros, a
redução progressiva da carga tributária e o estímulo à concretização de um ciclo
duradouro de investimentos privados.
Neste trabalho, após a apresentação das principais falhas e suas causas que
existem em nosso sistema previdenciário (Tópico 2), será apresentada uma proposta
para sua reforma (Tópico 3), as simulações de seus impactos (Tópico 4), as minutas de
textos legais para sua implementação (Tópico 5) e, ao final, um sumário executivo da
proposta e a estratégia recomendada (Tópico 6).
4
8. Projeto Convergência
2. PREVIDÊNCIA SOCIAL - A PROTEÇÃO QUE DESPROTEGE
A Previdência Social brasileira está entre as que oferecem cobertura social para o
mais amplo leque de situações: idade avançada, tempo de contribuição, trabalho sob
condições prejudiciais à saúde, acidente de trabalho, doença, invalidez, morte,
maternidade, reclusão, entre outras. Nessa proteção, misturam-se critérios
previdenciários e assistenciais, materializados em sistemas generosos de direitos, sem a
necessária vinculação a deveres de contribuir.
Em conseqüência, as despesas com pagamentos de benefícios vêm crescendo à
velocidade sem precedentes, enquanto as receitas próprias apenas acompanham o
crescimento do PIB (Gráficos 1 e 2). Isso tem aspectos muito positivos, mas também
aspectos preocupantes.
De um lado, o grande volume de pagamentos retira da pobreza e da miséria uma
fração importante da população, fazendo com que pobreza e miséria sejam fenômenos
prevalecentes mais entre jovens do que entre idosos (Gráfico 5). De outro lado, o
crescimento inusitado das despesas impõe severas conseqüências para os orçamentos
públicos, a carga tributária, as possibilidades de investimento e as perspectivas de
crescimento econômico.
Gráfico 5 - % Pobreza Conforme Idade
80
70
60
% Pobres
50
40
30
20
10
0
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
Idade
Sem Transferências Com Transferências
Fonte: PNAD – 2004. SPE/MF.
Os gastos crescentes forçam o Governo a retirar da sociedade frações
crescentes da renda, simplesmente para transferi-las a indivíduos, em muitos casos
como subsídios a aposentadorias para as quais não houve a necessária contribuição. A
questão é identificar se esse subsídio é desejável ou não. Em muitos casos, como
corretamente apontado por estudiosos, esse subsídio não atinge as pessoas mais
necessitadas.
Chegou-se a uma situação esquizofrênica, em que o sistema previdenciário
oferece cobertura para um dos mais amplos leques de situações e, ao mesmo tempo, é
dos que mais excluem, porque a alta carga de contribuições é um poderoso incentivo ao
não registro de empregados e um impeditivo à participação no sistema das pessoas com
baixa renda.
5
9. Projeto Convergência
Trata-se de um caso de superproteção que desprotege – de um lado, os
beneficiados saem da pobreza e miséria, mas, de outro, condena-se toda a sociedade
ao baixo crescimento, ao desemprego e aos baixos salários.
2.1 Como e porque se chegou a essa situação?
No caminho da universalização da Previdência, iniciado com a fusão dos
Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs no Instituto Nacional de Previdência
Social - INPS nos anos 60, o desenho dos regimes previdenciários foi sendo construído
sem respeito às regras atuariais. Assim, prometeu benefícios maiores do que poderia
pagar. O resultado foi se manifestando ao longo do tempo na forma de recorrentes
déficits de caixa que eram resolvidos por aumentos das contribuições e pelo efeito
corrosivo da inflação sobre os valores reais dos benefícios.
A Constituição de 1998 foi o ponto alto no caminho da universalização da
Previdência. Os constitucionalistas de 1988 optaram por adotar o conceito amplo de
Seguridade Social, prevalecente nos países europeus do wellfare state, e dessa forma
construir uma rede de proteção social à sua semelhança.
Seguridade Social foi definida como um conjunto integrado de ações de Saúde,
Previdência e Assistência Social, a serem financiadas por contribuições sobre o
faturamento, o lucro líquido e a folha de salarial (Gráfico 6). Assim, o Estado estaria
instituindo uma rede de proteção social inclusiva para todos os brasileiros, a ser
financiada concorrentemente pelas fontes citadas. A diversidade de fontes de
financiamento era uma tentativa de aliviar a carga contributiva das empresas menores e
mais intensivas em mão de obra, deslocando parte substantiva para o faturamento e o
lucro. Entendia-se, à época, que com o encolhimento da folha como proporção do PIB
haveria crescentes dificuldades de financiamento à Previdência.
Gráfico 6 – Seguridade Social – Ações e Financiamento
EC Nº 20
FOLHA
exclusiva para B
FATURAMENTO LUCRO LÍQUIDO
CPMF
FINANCIAMENTO
Junto com a adoção desse conceito foi também: 1) ampliado o leque de
benefícios concedidos; 2) abrandadas as regras de elegibilidade; 3) fixado valor mínimo
dos benefícios da Previdência e da Assistência Social em um salário mínimo; e 4)
majorados os benefícios previdenciários rurais; entre outras.
6
10. Projeto Convergência
A conseqüência nas despesas foi imediata, pois se iniciou uma escalada sem
precedentes na carga tributária e, especificamente, nas contribuições sociais. Por isso,
ainda em 1990, enquanto no Congresso tramitavam os projetos de lei de custeio e
benefícios do Regime Geral, no Executivo preparava-se um primeiro projeto de reforma
da Previdência.
No entanto, a percepção vigente ainda era de que não havia desequilíbrio
financeiro ou atuarial. O equívoco dessa percepção foi se tornando claro à medida que
variava a composição dos benefícios do INSS: em cinco anos, entre 1993 e 1998,
dobrou o número de Aposentadorias por Tempo de Serviço mantidas pelo INSS e a
idade média, na data da concessão, caiu cinco anos. Aposentavam-se pessoas com
idade média de 48,8 anos, e dezenas de milhares com menos de 45 anos de idade.
Os sintomas indicativos de sérios desajustes nos desenhos e formas de operação
dos regimes previdenciários estão:
1) no elevado peso das despesas previdenciárias nos orçamentários públicos;
2) nas elevadas despesas previdenciárias como proporção do PIB relativamente
a países com populações muito mais idosas;
3) na extraordinária rapidez do aumento do gasto como proporção do PIB;
4) nas elevadas alíquotas de contribuição previdenciária sobre salários, entre as
maiores do mundo, e das demais contribuições à seguridade social; e
5) na insuficiência crescente de arrecadação para o custeio dos benefícios
próprios dos regimes.
As forças que impulsionam esses sintomas estão relacionadas: 1) às regras de
elegibilidade e formação do valor dos benefícios; 2) à existência de um componente
assistencial e de subsídios em diversos tipos de benefícios (valor mínimo do benefício
equivalente ao salário mínimo e forma de definição do valor de alguns tipos de
benefícios); e 3) às transformações demográficas em curso (queda da fecundidade e
aumento da esperança de sobrevida).
No entanto, antes de prosseguir com a avaliação desses sintomas e de suas
forças motoras, é preciso dissipar crenças profundamente arraigadas no imaginário
popular que pretensamente explicam os sintomas apontados.
Mitos e Crenças
Segundo esse imaginário, todos os problemas da Previdência estão enraizados
nas deficiências de gestão, entre elas: 1) a falta de controles e a leniência de critérios no
reconhecimento de direitos a benefícios por incapacidade; 2) a tolerância a fraudes, que
teriam assumido proporções alarmantes; 3) a sonegação e a cobrança morosa das
volumosas dívidas previdenciárias, produto da proteção administrativa a grandes e
apadrinhadas empresas; e 4) a renúncia de contribuições para a filantropia, as micro e
pequenas empresas e as exportações de produtos primários.
Deficiências de gestão também se refletiriam na baixa qualidade do atendimento
e nas filas intermináveis, que deterioram a imagem pública da Previdência e afastam
contribuintes.
Ainda compõe o quadro de explicações fáceis a elevada informalidade no
mercado de trabalho e o baixo dinamismo econômico.
Todos esses pontos são verdadeiros e têm algum peso nas despesas ou na
arrecadação. Os números citados são impressionantes: um quinto dos benefícios,
segundo afirmações de autoridades públicas, seriam fraudados (cerca de R$25 bilhões);
as renúncias somariam mais de R$12 bilhões; a sonegação estaria entre um quinto e um
7
11. Projeto Convergência
quarto da arrecadação (entre R$20 e R$25 bilhões); a dívida das empresas para com a
Previdência somaria mais de R$ 200 bilhões; a despesa com auxílio-doença triplicou em
cinco anos, chegando a R$12 bilhões.
Além de ter alto apelo popular, essa visão tem conseqüências políticas
devastadoras, pois fomenta o sentimento de que todos os problemas da Previdência
poderiam ser resolvidos de forma suave, por meio de uma gestão comprometida e
competente, sem necessidade de reformas.
Essa visão precisa ser contestada. A superação das deficiências de gestão
melhora o balanço entre receitas e despesas, mas está longe de resolver os graves
desequilíbrios estruturais e as iniqüidades existentes.
Primeiro, a extensão das fraudes não é conhecida. A expectativa inicial de 20%
de benefícios fraudados está agora, depois do recenseamento, muito mais modesta.
Espera-se que ao final do recenseamento se tenha uma resposta clara para essa
questão e se dissipem expectativas exageradas de contenção de despesas por essa
medida.
Segundo, estimativas de sonegação com base nos dados da RAIS de fato
apontam índices entre um quinto e um quarto da arrecadação. A eliminação da
sonegação produziria uma arrecadação adicional entre duas e três dezenas de bilhões
de reais. Mas, na prática, essa sonegação é identificada anualmente pela ação fiscal,
restando como sonegação não identificada e não notificada um montante reduzido e não
conhecido.
Terceiro, o elevado estoque de dívida é precisamente resultado da ação fiscal.
Note-se, no entanto, que nem todo o valor notificado é líquido e certo, pelo menos
perante o Judiciário. A parcela já admitida pelo devedor é servida em pagamento
parcelado; uma outra parcela continua sub judice; outra parcela pertence a empresas
falidas, que nem sequer honraram seus débitos trabalhistas privilegiados; e o restante,
em volume muito menor do que o estoque total, é o montante exigível que não está
sendo pago. Além do mais, trata-se de um estoque finito que se aproveita uma única
vez.
Quarto, o baixo ritmo de crescimento econômico reduz as oportunidades de
emprego formal e de aumento dos salários e da arrecadação, e eleva a razão
despesa/PIB, pois o ritmo de crescimento das aquisições de direitos previdenciários
depende do crescimento do emprego de décadas passadas. O desafio é como fazer o
PIB crescer mais rapidamente e de forma sustentada sem ajustes prévios nas despesas
públicas, e, portanto, na previdência, visto que a carga tributária e a baixa qualidade da
despesa (transferências a pessoas) são responsáveis pelo baixo crescimento.
Quinto, o potencial arrecadador com redução da informalidade, atualmente da
ordem de 53% da PEA ocupada, é significativo. Facilmente se mostra que caso metade
dos informais contribuísse para a Previdência como autônomos, a arrecadação corrente
aumentaria e seria suficiente para cobrir as despesas correntes, ou seja, os desajustes
financeiros seriam resolvidos com formalização e crescimento econômico. No entanto,
falta ao argumento a explicação para tamanha informalidade. Se esta se dever, como
apontam os indícios, à alta carga contributiva sobre a folha, fica a pergunta de como
reduzir a informalidade e acelerar o crescimento econômico sem redução das alíquotas e
sem ajustes prévios nas despesas públicas e na Previdência. Além disso, ao aumentar a
base de contribuintes da previdência, aumentarão futuramente os benefícios a serem
concedidos. Se não houver uma adequada equivalência entre as contribuições
recolhidas e os benefícios a serem concedidos, a situação previdenciária se agravará
ainda mais.
Os desajustes na Previdência têm raízes mais profundas do que simples
deficiências de gestão. É dever dos gestores fazer gestões eficientes, mas eliminados
8
12. Projeto Convergência
todos os efeitos da má gestão ainda restam importantes desajustes estruturais e
iniqüidades que continuarão a aumentar as despesas previdenciárias como proporção do
PIB.
2.2 Principais sintomas e causas de desajustes
2.2.1 Elevado gasto previdenciário relativamente à composição etária da população
Em 2005, o Brasil gastou R$231 bilhões, equivalentes a 12% do PIB, no
pagamento de 24 milhões de benefícios previdenciários de todos os regimes, sendo 21
milhões no Regime Geral e 3 milhões nos Regimes Próprios. Esse número equivale a
13% da população (Tabela 2). Nesse mesmo ano havia no país 17 milhões de idosos
(pessoas com 60 ou mais anos de idade) equivalentes a 8,9% da população. Como se
vê, o número de benefícios supera em muito o de idosos, indicando que os beneficiários
têm relativamente baixas idades (Tabela 2).
Tabela 2. Brasil: Previdência Social em 2005
Despesas R$ 231 bilhões 12% PIB
Nº benefícios 24 milhões 13% população
Idosos (60+) 17 milhões 8,9% população
Idosos (65+) 11 milhões 6,1% população
O Brasil gasta uma proporção exagerada do seu PIB (12%) com benefícios
previdenciários, comparável com a de países com população significativamente mais
idosa, como Reino Unido, Dinamarca e Suécia, e maior do que a do Japão, Espanha,
Bélgica, todos os quais têm uma proporção de idosos (maiores de 65 anos) acima de
15% e até 19% da população, comparados com menos de 6% no Brasil (Gráfico 7).
Gráfico 7 Despesas com benefícios previdenciários (%PIB) e % de idosos (65+ anos).
20
18
16
14
12
10
8
6
4
US
Japão
Italia
Alemanha
Grécia
Bélgica
Suecia
Áustria
França
Reino Unido
Suiça
Luxemburgo
Portugal
Brasil
Espanha
Dinamarca
População acima 65 anos (%) Gastos Previdenciários (% PIB)
Fonte: OECD - 2005
9
13. Projeto Convergência
Outra forma de se comparar situações entre países está no Gráfico 4
apresentado anteriormente, que ilustra o desproporcionalmente alto gasto previdenciário
no Brasil em relação à baixa razão de dependência de idosos (relação do número de
maiores de 65 anos para o de pessoas em idade ativa, de 15 a 64 anos de idade). O
Brasil é um ponto fora da curva de proporcionalidade e está se afastando dela
rapidamente.
As causas dessa desproporção são as baixas idades em que os benefícios são
concedidos e o longo tempo de duração desses.
Baixa idade de concessão
A idade média dos beneficiários é baixa especialmente por causa da
Aposentadoria por Tempo de Contribuição, que independe de idade e vem sendo
concedida, em média, aos 52 anos para as mulheres e aos 56 para os homens – idades
inusitadamente baixas para padrões internacionais. Ainda explicam essa baixa idade as
aposentadorias rurais, aos 55 anos para as mulheres e aos 60 para os homens - idades
também baixas para padrões internacionais. Além disso, no caso do serviço público as
idades mínimas são 48 anos para mulheres e 53 para homens, na regra de transição, e
55 e 60 anos na regra permanente, em ambos os casos idades muito inferiores aos
padrões mundiais.
As aposentadorias urbanas por idade são concedidas aos 60 anos para as
mulheres e aos 65 para os homens. Embora essas idades sejam compatíveis com as
observadas em países da OECD, o tempo de contribuição exigido é muito curto (12,5
anos, em 2006, aumentando seis meses por ano até alcançar 15 anos em 2011) e o
valor desproporcionalmente alto, o que gera outras distorções que serão comentadas
adiante.
Ou seja, somente os limites etários da aposentadoria por idade do RGPS estão
razoavelmente dentro de padrões internacionais. Mas isto será por pouco tempo.
Diversos países vêm propondo o aumento das idades mínimas de aposentadoria: na
Comunidade Européia, a idade das mulheres será igualada a dos homens; a idade de 67
anos já é adotada em países como a Islândia, a Noruega, a Dinamarca e os Estados
Unidos para nascidos a partir de 1960. O Governo do Reino Unido propôs a elevação da
idade para 66 anos em 2024, para 67 em 2034 e para 68 em 2044. Elevação similar vem
sendo cogitada em outros países.
Longo tempo de fruição
A estrutura etária da população brasileira vem mudando significativamente ao
longo das últimas décadas. A esperança de vida do brasileiro aos 60 anos de idade
aumentou mais de 4 anos entre 1980 e 2002, devendo aumentar mais 4 anos nos
próximos 20 anos. Seu impacto na duração das aposentadorias superou 20% em duas
décadas e superará 40% em quatro décadas. Isso agrava ainda mais a situação,
fazendo com que o tempo de duração dos benefícios fique cada vez maior.
Em razão das baixas idades de concessão e do expressivo aumento da
longevidade, os tempos de fruição são longos, com tendência ao crescimento. A duração
média das aposentadorias no Brasil, de mais de 20 anos, supera a da OCDE e, com o
inexorável aumento da expectativa de vida do brasileiro para os próximos anos, tenderá
a aumentar ainda mais, agravando a situação previdenciária do país.
10
14. Projeto Convergência
2.2.2 Rapidez do crescimento da despesa com benefícios previdenciários
Como mencionado ao início deste trabalho, as despesas previdenciárias
correspondem a uma parcela significativa do gasto público brasileiro. O Gráfico 1 mostra
que cerca de um terço da despesa federal é direcionada ao pagamento de benefícios
previdenciários do INSS, e outra parcela significativa ao pagamento de despesas de
pessoal e encargos da União, incluído aí o regime próprio de previdência dos servidores
públicos federais.
Além de ser muito elevada, a despesa com benefícios previdenciários cresce
muito rapidamente. No INSS cresceu a taxas estonteantes nos últimos 18 anos,
passando de 2,6% do PIB em 1988 para 7,5% em 2005, prevendo-se para 2006 um
gasto total de R$ 165 bilhões, equivalentes a 7,8% do PIB (Gráfico 2).
No serviço público o crescimento acelerado ocorreu logo após a instituição do
Regime Jurídico Único - RJU ao final de 1990. Com o RJU, centenas de milhares de
empregados públicos da União se converteram em estatutários e puderam se aposentar
imediatamente com remuneração integral. Em poucos anos o número de aposentados e
instituidores de pensão superou o de servidores em atividade, uma situação anômala em
relação a qualquer país do mundo (Gráfico 8).
Gráfico 8 Nº de servidores ativos e de inativos e instituidores de pensão da União*
1050
Milhares
1000
950
900
850
800
750
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Ativos Aposen+Inst_Pensão
Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal nº 116 – Ministério do Planejamento.
Nos Estados, que tinham regimes próprios de previdência há muitos anos, a
despesa cresceu no início do plano Real por causa dos elevados reajustes salariais
nominais no período de baixa inflação. Nas Prefeituras, a despesa, ainda modesta até
meados dos anos 1990, cresceu rapidamente a partir dessa época porque esses entes
da federação passaram a constituir regimes próprios, deixando de contribuir para o
INSS. Esse movimento, particularmente intenso a partir do início dos anos 90, foi a forma
encontrada de economizar despesas no curto prazo.
Entre as vantagens imediatas da instituição de regime próprio está o fim do
recolhimento da contribuição patronal de 20% sobre a folha para o INSS, a
disponibilidade dos recursos das contribuições dos servidores recolhidas aos próprios
tesouros e a expectativa do recebimento de volumosos recursos da compensação
previdenciária, até então não regulamentada. O incentivo imediato à constituição de
11
15. Projeto Convergência
regime próprio era de fato muito alto. Mas em pouco tempo os servidores foram se
aposentando e o conseqüente crescimento das despesas acarreta dificuldades
financeiras crescentes para esses entes de federação.
O Gráfico 9 mostra o percentual do PIB gasto com benefícios previdenciários a
servidores públicos no Brasil e em outros países, mais um dado que demonstra que esse
gasto no Brasil se situa em patamares significativamente mais elevados que nos países
membros da OECD. Em 2002, estas despesas alcançaram 4,9% do PIB.
Gráfico 9 Despesas previdenciárias com servidores públicos – países selecionados
5,0
4,0
( % do PIB )
3,0
2,0
1,0
0,0
Brasil França Portugal Alemanha Japão Espanha
Fonte: OECD
As reformas empreendidas em 1998 e 2003 reduziram o ritmo de crescimento
das novas aposentadorias e das despesas, porém as regras de elegibilidade e cálculo do
valor dos benefícios ainda contém desequilíbrios e permitem que servidores jovens se
aposentem com proventos equivalentes à última remuneração, sem que as contribuições
vertidas tenham sido suficiente para tanto.
2.2.3 Financiamento da despesa e elevação da carga tributária
No começo de um sistema previdenciário há poucos beneficiários e muitos
contribuintes; as alíquotas de contribuição são modestas; os benefícios tendem a ser
generosos; os recursos arrecadados em excesso às despesas correntes encontram
aplicações sociais importantes, mas distintas do pagamento de benefícios do sistema.
À medida que o sistema amadurece, altera-se a proporção de contribuintes por
beneficiário (mesmo sem alterações demográficas importantes). O excesso de
arrecadação se reduz até desaparecer e se converter em insuficiência em relação às
despesas.
Não bastasse essa tendência natural, a Constituição de 1988 promoveu um
aumento significativo nas despesas previdenciárias, em decorrência de fatores
apontados anteriormente, e que, não obstante reformas já realizadas, ainda não foi
possível conter.
O financiamento das despesas crescentes acarretou aumentos recorrentes de
carga tributária (Gráfico 10), quer na forma de tributos, de contribuições sociais ou na
12
16. Projeto Convergência
forma específica de contribuição sobre a folha de salários, que se situam entre as mais
altas do mundo. (Gráfico 11)
Gráfico 10 Carga Tributária Bruta – 1947 a 2005
40%
37,37%
38%
36%
34%
32%
30%
28%
26%
24%
25,21%
22%
20%
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Secretaria da Receita Federal.
Gráfico 11 Carga Tributária Bruta – Países Selecionados
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
CORÉIA SUL
DINAM.
HOL.
FRAN.
ESP.
MÉX.
EUA
ALEM.
ARG.
JAP.
BRASIL
Fonte: World Bank
Elevação das contribuições sociais sobre faturamento e lucro
No período analisado (pós 1990), o aumento da carga tributária foi decorrente,
em grande parte, do aumento das contribuições sociais: as receitas fiscais da União
mantiveram certa estabilidade, enquanto as contribuições sociais aumentaram
significativamente (Gráfico 12A). A receita das Contribuições Sociais passou de 8% do
PIB no biênio 1991-92 para 14,5% do PIB em 2005. Respondem por esse aumento a
criação da CPMF em 1996 e os sucessivos aumentos da COFINS (Gráfico 12B). Além
da necessidade de financiar as despesas em franca expansão, as receitas obtidas com
contribuições sociais não estão sujeitas à repartição com Estados e Municípios.
13
17. Projeto Convergência
Gráficos 12A e 12B Receitas da Seguridade e receitas da COFINS, CSLL e CPMF – 1990-2005
(% PIB)
16
14
12
10
(% PIB)
8
6
4
2
0
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Orçamento Fiscal Orçamento Seguridade
8
7
6
5
(% PIB)
4
3
2
1
0
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Cofins CSLL CPMF
Fonte: SRF/MF.
Enquanto aumentava a carga tributária na forma de contribuições sociais, o
Orçamento Fiscal ficava estagnado e a necessidade de produzir superávits primários
forçava o Governo a deixar desatendidas diversas de suas obrigações, acarretando piora
na qualidade dos serviços prestados, redução dos investimentos públicos, emergência
de gargalos na infra-estrutura, em suma, a inibição do crescimento econômico.
Na tentativa de conter o crescimento das despesas não obrigatórias da
Seguridade e ampliar as receitas que poderiam ser discricionariamente alocadas, foi
criado, em 1993, o Fundo Social de Emergência, convertido em Fundo de Estabilidade
Fiscal e depois na Desvinculação de Receitas da União.
No entanto, o crescimento continuado das despesas da Previdência está
encolhendo a margem de folga do Orçamento da Seguridade. Em 2005, o Tesouro
Nacional retornou ao orçamento da Seguridade parcela expressiva dos recursos
desvinculados. Em pouco tempo a DRU perderá sentido, pois não haverá mais recursos
na Seguridade que possam ser desvinculados e transferidos para o Orçamento Fiscal.
14
18. Projeto Convergência
Elevação das contribuições sociais sobre folha de pagamentos
Além da elevada carga contributiva sobre receita e faturamento, os encargos
incidentes sobre folha de pagamentos foram gradativamente elevados ao longo do
tempo, até atingir os patamares em que hoje se encontram. As crises de financiamento
que emergiam eram resolvidas pelo aumento das alíquotas de contribuição, que
passaram de pouco mais de 3% para segurados e empregadores nos primórdios do
sistema na década de 1930, para até 11% para o segurado, com teto de contribuição, e
20% para o empregador, sem teto (Decreto-Lei Nº 2.318, de 20/12/1986). A essas
alíquotas deve-se ainda acrescentar a do Seguro Acidente de Trabalho e a do adicional
por exposição a agentes nocivos prejudiciais à saúde e integridade física e mental do
trabalhador (Gráfico 13).
Gráfico 13 Alíquotas de contribuição da empresas: 1938 – 2006.
%
25
20
15
10
5
0
10/38
10/43
10/48
10/53
10/58
10/63
10/68
10/73
10/78
10/83
10/88
10/93
10/98
10/03
OBS: Após a linha vertical em 01/1987, o empregador passa a contribuir percentualmente sem teto
Fontes: Oliveira et alli (1994), SISLEX.
Somente as contribuições atualmente vigentes para o INSS, o FGTS1 e o Sistema
2
S variam entre 40% e mais de 52% do salário direto líquido do empregado (Tabela 3).
Tamanha carga contributiva encarece o emprego e estimula a informalidade. É também
excludente, pois o emprego sem registro, além de ilegal, não conta com os direitos da
legislação trabalhista. Sabe-se que o trabalhador, na demissão, reivindica esses direitos
na Justiça, provocando uma extraordinário volume de demandas na Justiça do Trabalho,
componente importante do chamado “custo Brasil”.
1
O FGTS é um custo para o empregador, porém será, futuramente, apropriado pelo empregado.
2
SENAI, SESI, SENAC, SESC, Sebrae, Salário Educação, etc.
15
19. Projeto Convergência
Tabela 3. Contribuições sobre a Folha para o INSS, sistema “S” e FGTS
Salário Bruto 350 1.050 2.801 5.000 10.000
Contribuição INSS - Segurado 27 91 308 308 308
(7,65%, 8,65% ou 11%)
Salário Líquido 323 959 2.493 4.692 9.692
FGTS (8%) 28 84 224 400 800
Valor apropriado pelo trabalhador* 351 1.043 2.717 5.092 10.492
Contribuição INSS - Empresa (20%) 70 210 560 1.000 2.000
SAT (2%) 7 21 56 100 200
Sistema “S” (5,8%) 20 61 162 290 580
Total Encargos (não exclui FGTS) 124 383 1.087 1.698 3.088
Total Encargos /Salário líquido 38,4% 39,9% 43,6% 36,2% 31,9%
Total Encargos + FGTS /Salário líquido 43,5% 44,5% 46,8% 42,0% 38,9%
Total Encargos / Valor Aposentadoria ** 35,5% 36,5% 38,8% 60,6% 110,3%
* Salário Líquido + FGTS
** Considerando que o salário de contribuição médio = salário bruto e fator previdenciário = 1.
Conseqüências
As conseqüências da elevada carga tributária são: o estrangulamento da
capacidade fiscal e financeira do Estado; o endividamento público; os altos juros; a
redução da competitividade dos produtos brasileiros; o desestímulo à modernização, à
produtividade e ao crescimento da empresa; a depressão dos investimentos públicos,
especialmente em infra-estrutura; e por conseqüência também dos investimentos
privados. O resultado é o crescimento medíocre do PIB, do emprego, dos salários e da
arrecadação previdenciária, não obstante as alíquotas campeãs mundiais.
Prejudicial não é só o fato de a carga tributária ser elevada e estar em constante
elevação, mas também a forma como o Governo utiliza os recursos arrecadados.
Em 2005, a despesa não financeira total da União foi de R$ 348 bilhões, 18,1%
do PIB, dos quais as transferências a indivíduos somaram R$ 265 bilhões, 13,7% do
PIB. Ao devolver 76% da arrecadação na forma de transferências, o Governo estimula,
no setor privado, o consumo em prejuízo do investimento. E o próprio Governo fica sem
recursos para investir, criando incertezas quanto à disponibilidade futura de necessária
infra-estrutura para suportar o crescimento da atividade econômica.
Inflação
Outra forma, não diretamente visível, mas de utilização intensa durante décadas,
de financiar a recorrente insuficiência de arrecadação em relação à despesa foi a
inflação, que corroia o valor real dos benefícios.3 A contrapartida da perda de valor real
por parte dos beneficiários era a receita financeira da Previdência.
Os dois mecanismos tradicionais de ajuste atingiram todos os limites: a carga de
contribuições sobre a folha já se equipara às maiores do mundo e sua majoração
produzirá mais informalidade e provavelmente menor arrecadação; e ninguém deseja a
volta da inflação para corroer o valor dos benefícios.
Isso deixa claro que o desequilíbrio no Regime Geral se origina pelo crescimento
extraordinariamente rápido da despesa, frente a uma receita, gerada por altas alíquotas
de contribuição, que cresceu à mesma taxa do PIB.
3
A periodicidade da correção foi sendo encurtada com a aceleração da inflação, chagando a ser mensal
com a inflação mensal de dois dígitos. Com inflação chegando a mais de 45% ao mês, o valor real do
benefício pago no décimo quinto dia do mês havia caído mais de 20%.
16
20. Projeto Convergência
Superávit da seguridade e inexistência de déficit na Previdência
Neste trabalho foram apontados como sintomas de desajustes na Previdência os
elevados gastos em relação aos orçamentos públicos e como percentual do PIB
relativamente ao de países com populações mais idosas. Entre eles não foi colocado o
déficit do INSS, por não ser relevante para os argumentos apresentados.
A própria existência de déficit é insistentemente negada sob o argumento de que
as receitas da seguridade, antes da desvinculação, superam as despesas. Isso ocorreu
até o momento. No entanto, é preciso observar que nesse balanço não são incluídas as
receitas e despesas do plano de seguridade dos servidores públicos por entender-se que
seriam de responsabilidade do Tesouro e não da Seguridade. Mesmo aceitando esse
argumento, o fato é que a manutenção do superávit da Seguridade frente ao crescimento
das despesas do INSS requereu um enorme crescimento da carga de contribuições,
como mostrado acima.
O efeito foi aumentar a carga tributária bruta, que chegou a 38% do PIB,
colocando o Brasil como o País com maior carga entre as nações em desenvolvimento
(Gráfico 10). E ainda assim o Brasil continua imerso em severos problemas fiscais, a
despeito do superávit primário, conseguido pela contenção da oferta dos serviços de
responsabilidade da União e pela limitação dos investimentos públicos.
2.2.4 Iniqüidades do sistema previdenciário
Foram apontados diversos indicadores de desajustes no sistema previdenciário
brasileiro: o país gasta parcela exagerada de seu PIB (e da arrecadação governamental)
com pagamento de benefícios; as diversas esferas de governo comprometem parcelas
significativas de sua arrecadação com os benefícios previdenciários de seus servidores;
esses gastos são desproporcionalmente altos em relação ao percentual de idosos na
população, especialmente quando comparado com o que gastam outros países; estes
gastos vêm crescendo rapidamente e de forma contínua; para financiá-los, a carga
tributária vem aumentando assustadoramente nos últimos anos, seja na forma de
encargos sobre folha, seja sobre o faturamento e lucro, com todas as mazelas
decorrentes desse aumento.
Dissipados os mitos que envolvem a questão, as razões dessa situação anômala
em que o país se encontra podem ser encontradas nos erros de arquitetura do sistema,
materializados em critérios de elegibilidade e formação do valor dos benefícios nos
sistemas previdenciários que fazem com que os beneficiários recebam, na forma de
benefícios de aposentadoria, pensão ou outros, valores significativamente superiores ao
que suas contribuições atuarialmente justificariam.
As principais falhas do sistema serão detalhadas a seguir, e englobam:
(a) aposentadorias por idade com curtos tempos de contribuição;
(b) aposentadorias rurais em baixas idades e contribuições insuficientes;
(c) aposentadorias por tempo de contribuição, sem idade mínima, e valor
definido pela fórmula do fator previdenciário, que contém desequilíbrios;
(d) concessões de pensão vitalícia, em valor igual ao da aposentadoria do
falecido, a pessoas jovens sem dependentes e capazes para o trabalho;
(e) claras vantagens na obtenção de benefícios por incapacidade;
(f) existência de benefícios previdenciários com elevado componente
assistencial, sem uma clara distinção dos limites e condições do benefício
previdenciário e do assistencial;
17
21. Projeto Convergência
(g) desestímulo à contribuição, especialmente junto ao trabalhador de menor
renda, pois ele poderá, na mesma idade em que terá acesso ao benefício
previdenciário, obter o benefício assistencial não contributivo, de valor
mínimo equivalente ao do previdenciário;
(h) regras específicas para servidores públicos, que permitem aposentadorias
em baixas idades e contribuições insuficientes.
Não bastassem essas falhas intrínsecas, fatores externos ao desenho do sistema
previdenciário também colaboram para que cheguemos a essa situação. O principal
deles, que será comentado em tópico específico, é a transição demográfica pela qual
passa o país, com o significativo aumento da esperança de vida e a brusca queda de
fecundidade, o que fará com que, em pouco tempo, o percentual de idosos na população
supere em muito o atual, agravando ainda mais a delicada situação de nosso sistema
previdenciário.
a) Aposentadoria por idade
É concedida aos 60/65 anos, mulheres/homens, desde que o segurado tenha
pelo menos 12,5 anos de contribuição em 2006, sendo que esse período aumenta seis
meses por ano até alcançar 15 anos em 2011.
O curto período contributivo faz com que as contribuições sejam insuficientes
para financiar o fluxo de fruição do benefício. O desequilíbrio é significativo: para uma
taxa de juros e de desconto de 6% ao ano, o homem aposentado aos 65 anos de idade
com 15 anos de contribuição terá financiado, em média, 60% do valor presente de sua
aposentadoria e a mulher, aposentada aos 60 anos de idade, terá financiado 49%. Esse
percentual de autofinanciamento aumenta com mais tempo de contribuição e diminui
para taxas de juros e desconto menores (Quadro 1).
Quadro 1. INSS – Aposentadorias por idade - Razão do Valor Presente das Contribuições e do
fluxo da aposentadoria. (%)
Juros % Tempo Contribuição 15 20 25 30
6,0 H: VPC / VPB (%) 59,8 88,1 122,7 165,1
M: VPC / VPB (%) 49,1 72,4 100,8 135,6
4,5 H: VPC / VPB (%) 48,9 68,9 91,6 117,4
M: VPC / VPB (%) 38,8 54,7 72,7 93,2
3,0 H: VPC / VPB (%) 39,8 53,8 68,5 83,9
M: VPC / VPB (%) 30,4 41,1 52,3 64,1
H: Homens M: Mulheres
VPC: Valor presente das contribuições VPB: Valos presente dos benefícios
VPC calculado com alíquota de 24%, para salário inicial de R$ 500,00, crescendo à taxa real
de 1% ao ano. VPB calculado para esperanças de sobrevida por gênero da Tábua IBGE-
2004: 23/16, Mulheres/Homens aos 60/65 anos de idade
Além disso, como existe o piso de um salário mínimo para qualquer benefício
previdenciário, a situação se agrava ainda mais. Isto levanta duas espécies de questões:
(i) como as contribuições são insuficientes e há o piso, não há transparência sobre qual
a parcela dos proventos que é decorrente da contribuição previdenciária e qual é
benefício assistencial; e (ii) como a idade para os homens terem acesso a este benefício
contributivo é igual a idade em que têm acesso ao benefício assistencial (LOAS), ambos
com o mesmo valor mínimo, há um claro desestímulo à contribuição previdenciária,
18
22. Projeto Convergência
principalmente por trabalhadores de renda próxima ao piso. Estas duas conseqüências
serão detalhadas adiante.
b) Aposentadorias rurais
Trabalhadores rurais se aposentam aos 55/60 anos de idade, mulheres/homens,
respectivamente. Essas idades são cinco anos inferiores às que prevalecem para as
aposentadorias urbanas por idade, embora a esperança de vida média por região na
área rural não seja menor do que na urbana e não haja indícios de que o trabalho rural
seja mais penoso do que muitos urbanos. O benefício tem valor igual ao salário mínimo
e, com o falecimento do aposentado, transfere-se integralmente ao cônjuge sobrevivente
ou filhos menores (se houver).
Para acesso ao benefício, o indivíduo deve comprovar que é trabalhador rural,
sem necessidade de comprovar recolhimento de contribuições ou vínculo empregatício.
Isso, aliado a idade mais baixa para obtenção do benefício, tem o efeito perverso de
estimular fraudes, com trabalhadores do meio urbano buscando aposentadorias rurais.
As contribuições efetivamente vertidas são modestas. Nos últimos anos a
arrecadação rural cobriu 13% da despesa com benefícios rurais.
Um balanço de valores presentes revela que as mulheres recebem de
aposentadoria quatro vezes mais do que suas contribuições e os homens 2,7 vezes
(calculadas com base em contribuição de 13% sobre um salário mínimo a partir dos 16
anos de idade e taxa de juros/desconto de 4% ao ano). Se as idades mínimas fossem
elevadas para 65 anos, mulheres e homens ainda assim receberiam um valor presente
total duas vezes superior às suas contribuições.
c) Aposentadoria por tempo de contribuição - Desequilíbrios no fator previdenciário
A aposentadoria por tempo de contribuição independe de idade e, partir da Lei nº
9.876/99, seu valor passou a ser definido pela média dos 80% maiores salários de
contribuição desde julho de 1994 multiplicada pelo fator previdenciário. Este é função da
idade, do tempo de contribuição, da alíquota de contribuição e da esperança de
sobrevida para a idade na data da aposentadoria, segundo a fórmula abaixo:
Y × Tc × α ⎡ Id + Tc × α ⎤
B= ⎢1 + ⎥
Es ⎣ 100 ⎦
B = Valor do benefício de aposentadoria
Y = Média dos 80% maiores salários de contribuição de julho de 1994 em diante,
corrigidos por índice de preços
TC = Tempo de contribuição (adicionado de 5 anos, no caso de mulheres e professores,
ou 10 anos, no caso de professoras)
Id = Idade na aposentadoria
Es = Esperança de sobrevida na aposentadoria, calculada pelo IBGE
α = 0,31 (ou 31%, soma das alíquotas patronal 20% e do segurado 11%)
Esta fórmula simula um regime capitalizado e define o valor da aposentadoria de
forma a igualar os valores presentes das contribuições e benefícios para uma taxa de
juros/desconto definida implicitamente, variando entre 2% e 5% ao ano. O fator estimula
os segurados a postergarem a data de aposentadoria em troca de um benefício corrente
maior.
19
23. Projeto Convergência
A adoção do fator foi equivocadamente entendida como tendo eliminado os
desequilíbrios atuariais embutidos na arquitetura do RGPS. Embora a fórmula seja muito
superior à que existia antes4, ela também está atuarialmente desequilibrada pelas
seguintes razões:
1. considera que toda a contribuição previdenciária (31%) é direcionada à
aposentadoria, deixando sem financiamento os benefícios de risco;
2. considera a alíquota de 31%, que, não é a efetivamente aplicável à todas as
faixas de renda: até a metade do teto (R$1.400,91), o segurado contribui com
8% ou 9%, que, somado ao 20% da quota patronal, resulta em 28% ou 29%;
somente aqueles com remuneração acima de R$1.400,91 é que contribuem
com 11%, resultando em alíquota total de 31%;
3. considera que mulheres, professores e professoras contribuíram por 35 anos,
quando em realidade os primeiros contribuíram por apenas 30 e as
professoras por apenas 25 anos;
4. considera a expectativa de sobrevida para toda a população brasileira (que
inclui pessoas sem acesso a serviços de saneamento e saúde), que tende a
ser menor que a expectativa de vida do grupo segurado da previdência; e
5. é aplicada, compulsoriamente, somente às aposentadorias por tempo de
contribuição do Regime Geral da Previdência Social - RGPS.
Por essas razões, quem se aposenta com a aplicação do fator recebe mais do
que o justificado por suas contribuições.
d) Pensões
O segurado, aposentado ou não, que falece deixa ao cônjuge sobrevivente uma
pensão vitalícia de valor igual à aposentadoria em fruição ou a que teria direito na data
do falecimento. O benefício é compartilhado com filhos até a idade de 21 anos ou
inválidos (sem limite de idade), ou com outros familiares dependentes (pais e irmãos).
A proteção oferecida é ampla e assegura o benefício vitalício para cônjuge jovem,
sem filhos, sem familiares economicamente dependentes, capaz para o trabalho e
efetivamente engajado no mercado de trabalho.
E, como o valor da pensão equivale a 100% da renda do falecido, a renda familiar
per capita fica maior após o falecimento.5 Trata-se de regra que não encontra qualquer
amparo econômico ou mesmo assistencial. Com a perda de um membro do núcleo
familiar, determinadas despesas simplesmente se extinguem, enquanto outras mantém-
se inalteradas. Natural - e plenamente justificável - é que somente parcela da renda do
falecido continue ingressando.
Além de ser excessivamente generosa, as regras vigentes para a pensão
estimulam fraudes, casamentos com grandes diferenças etárias entre cônjuges ou
adoção de descendentes recém nascidos com o intuito principal de transmitir-lhes a
pensão.
Não se trata aqui de analisar a pensão sob o ponto de vista assistencial. É que
cobertura previdenciária tão ampla tem custos que precisam ser cobertos pelas
4
Média dos últimos 36 salários de contribuição.
5
Note-se que, na contramão das reformas previdenciárias realizadas, o critério de definição do valor da
pensão foi alterado recentemente, resultando em regra mais benevolente que a antes existente. Até o
advento da Lei nº 9.032/95, o valor da pensão era constituído de uma parcela, relativa à família, de 80%
(oitenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou à que teria direito, se estivesse
aposentado na data do seu falecimento, mais tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma
aposentadoria quantos forem os seus dependentes, até o máximo de 2 (duas).
20
24. Projeto Convergência
contribuições. As coberturas para sobreviventes precisam ser redefinidas, a fim de
garantir uma renda adequada aos sobreviventes que dela realmente necessitem e
incentivar que voltem ou entrem no mercado de trabalho. Como conseqüência, a
alíquota para financiamento do benefício de risco poderá ser menor.
A análise do tratamento que é dado a este benefício em outros países pode
ajudar a definir e sustentar a proposta de mudança. No Anexo 1 é apresentada uma
análise detalhada das regras gerais de elegibilidade e definição do valor de benefícios
aos dependentes sobreviventes do falecido em alguns países que possuem sistemas de
seguridade social reconhecidos como oferecedores de adequada proteção.6
Podemos afirmar que, de todos os países analisados, nenhum tem o benefício de
pensão tão generoso quanto o Brasil. Todos têm regras significativamente mais restritas
que a brasileira, tanto para habilitação ao benefício, quanto para cálculo do valor,
duração do benefício e possibilidade de acumulação com outros benefícios.
A pensão ou é tratada como um benefício temporário, concedido até que o
sobrevivente tenha condições de ingressar no mercado de trabalho, ou como um
benefício ao sobrevivente idoso ou inválido de baixa renda. É comum o estabelecimento
de limite etário mínimo para que o cônjuge tenha acesso a um benefício vitalício - a
idade da aposentadoria ou próxima a esta e, em alguns casos, permite-se que se
antecipe em cerca de 10 ou 15 anos o recebimento da pensão, situação em que o
pensionista receberá um valor mais baixo.
E há sempre a preocupação em proteger os filhos menores (adotando-se como
regra a idade de 18 anos), garantindo-lhes renda por um período determinado ou até
atingir a maioridade.
O valor do benefício, salvo raríssimas exceções, é sempre inferior ao valor que o
segurado recebia em vida - em grande parte dos casos, significativamente inferior. Além
disso, o valor da pensão é calibrado em razão do valor que o pensionista recebe de
outras fontes (aposentadoria, trabalho ou outros auxílios), de forma a não conceder
benefícios àqueles que já dispõem de renda própria para seu sustento.
Existem, ainda, diversas regras voltadas a evitar fraudes e à racionalizar a
concessão do benefício.
Verifica-se que o caso brasileiro é único no mundo. Melhorias nesse benefício
podem e devem ser feitas com vistas a garantir uma adequada proteção aos
dependentes do(a) falecido(a), com benefícios razoáveis, que dêem o suporte adequado
àqueles que estão em situação frágil e estimulem os demais a se inserir no mercado de
trabalho. E, como conseqüência, o custo deste beneficio será mais baixo.
e) Benefícios por incapacidade
O Regime Geral cobre as situações de incapacidade temporária ou permanente
para o trabalho. O requisito é ter cumprido carência de até 12 meses e ter a situação de
incapacidade atestada por perito profissional.
Nos anos recentes, talvez como alternativa para situações de desemprego ou
para os mais restritivos requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição,
observou-se um enorme crescimento das concessões desses tipos de benefícios, sem
que se tenha observado crescimento equivalente na prevalência de doenças.
6
Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Noruega, Reino
Unido, Suécia, Suíça.
21
25. Projeto Convergência
Este movimento pode estar sendo impulsionado por uma maior tolerância no
atestado de incapacidade emitido pelo perito, ou por deficiências de gestão e greves que
atrasam o cancelamento dos benefícios concedidos.
Porém, uma das causas que gera uma demanda elevada por este benefício é a
forma de determinação de seu valor. Atualmente, equivale a 100% da média dos 80%
maiores salários de contribuição do segurado, de julho de 1994 em diante. Não há
aplicação do fator previdenciário. Isso faz com que o valor do benefício por invalidez seja
superior ao da aposentadoria por tempo de contribuição, em grande parte dos casos,
principalmente em se tratando de segurados jovens. O benefício é também superior ao
da aposentadoria por idade, para todos os que tenham menos de 30 anos de
contribuição.
Com a tendência à postergação das idades de aposentadoria, uma conseqüência
será o aumento do número de aposentadorias por invalidez, pois existirão trabalhadores
mais idosos no mercado de trabalho e aumentará a duração dos períodos de atividade.
O que o sistema previdenciário não deve possuir são regras que incentivem o
trabalhador a se aposentar por invalidez e que o desestimulem a buscar sua reabilitação
e reingresso no mercado.
f) Componente assistencial nos benefícios previdenciários
Qualquer sistema previdenciário tem por pressuposto básico a contribuição
necessária e suficiente para a obtenção de um benefício. Benefícios para os quais não
houve contribuição são parte da assistência social e seguem princípios - materializados
em critérios de elegibilidade, valor, duração e reajuste - distintos dos previdenciários.
No entanto, o que vemos no sistema previdenciário brasileiro é que diversos
benefícios previdenciários são, em realidade, uma composição de previdência e
assistência, sem que se tenha a necessária transparência entre os limites de cada
componente do benefício.
Ao se garantir que nenhum benefício será inferior ao salário mínimo, tem-se o
primeiro componente assistencial da previdência. Se as contribuições vertidas pelo
segurado durante seu período contributivo resultaram em benefício, calculado pelas
benevolentes regras atuais, inferior ao salário mínimo, o segurado fará jus a benefício
neste valor. Ou seja, uma parcela de seu benefício será resultante das contribuições
realizadas - e, portanto, previdenciária - enquanto outra será um subsídio assistencial
concedido pelo Estado. Ambas, porém, são tratadas como se fossem previdenciárias.
Não é dada a transparência necessária, ao segurado, à sociedade e ao Estado, de
quanto significa cada parcela.
O impacto dos aumentos reais concedidos ao salário mínimo no benefício
previdenciário também podem ser considerados valores assistenciais, pois não houve,
na época laborativa, contribuição do segurado que justifique tais aumentos.
Outra forte componente assistencial são as aposentadorias rurais. Conforme
mencionado acima, as contribuições arrecadadas sobre a comercialização da produção
correspondem a cerca de 13% da despesa previdenciária. O benefício, concedido 5 anos
antes do urbano e em valor mínimo igual ao salário mínimo embute significativa parcela
assistencial.
Não se trata de acabar com esses benefícios assistenciais, mas de segregá-los
da previdência e dar-lhes um tratamento adequado.
Implementar essa distinção significa dizer que não deve haver benefício
previdenciário sem a necessária contribuição. Isto é, a arquitetura dos sistemas não
deve admitir subsídios cruzados ex-ante (durante a fase de contribuição).
22
26. Projeto Convergência
É importante destacar que nosso sistema previdenciário permite que aconteça
uma situação completamente oposta e contraditória com as apresentadas acima. A falta
de critérios atuariais no desenho dos regimes previdenciários é parcialmente
compensada com critérios arbitrários na forma de requisitos de carência e preservação
da qualidade de segurado. Isso faz com que pessoas contribuam sem nunca receber
nada em troca na forma de benefícios previdenciários. Por exemplo, isso acontece
sempre que o contribuinte perde a qualidade de segurado e não tem mais condições de
cumprir um terço da carência (cinco anos de contribuição) para readquiri-la.
Temos, portanto, de um lado uma situação em que o segurado recebe mais do
que suas contribuições previdenciárias justificam e, de outro, aquele que contribuiu e não
obteve direito a nenhum benefício previdenciário.
A conclusão é que, para ser justo, o sistema previdenciário deve ser estruturado
de forma que toda e qualquer contribuição gere a direito um benefício, de valor definido
atuarialmente. O valor, caso resulte muito baixo, pode ser suplementado pela assistência
social, que segue princípios e regras próprias.
g) Desestímulo à contribuição: “competição predatória” entre previdência e assistência
O sistema previdenciário vigente prevê que o segurado homem, trabalhador
urbano, pode pleitear aposentadoria por idade aos 65 anos, desde que tenha contribuído
por ao menos 12,5 anos em 2006 (aumentando esse tempo até chegar a 15 anos, em
2011).
No entanto, nessa mesma idade, ele poderá pleitear o benefício assistencial ao
idoso, desde que não tenha meios de prover sua subsistência ou tê-la provida por sua
família. Considera-se incluído nesse critério quando a renda familiar per capita for inferior
a 1/4 salário mínimo. Esse teste de renda é declaratório e qualquer verificação que se
tente realizar é difícil e de elevado custo. O valor desse benefício é igual ao valor mínimo
do benefício previdenciário.
Isso gera uma perversa competição entre os dois benefícios: segurados que tem
renda próxima ao piso de benefícios não têm estímulo algum para contribuir. Muito pelo
contrário, têm um desestímulo.
h) Regras específicas para servidores públicos
Os servidores públicos têm regras específicas para aposentadoria. Para aqueles
que ingressaram no serviço público após 15.12.1998, há exigência de idade mínima de
60/55 anos (H/M), e o benefício é equivalente à média dos salários de contribuição (80%
do período contributivo) sem a aplicação do fator previdenciário. No entanto, para todos
os servidores que ingressaram no serviço público até 31.12.2003, existe a possibilidade
de se aposentarem com proventos equivalentes à última remuneração e, em muitos
casos, em idades inferiores às idades mínimas. Servidores que ingressaram antes de
15.12.1998 podem se aposentar a partir dos 48/53 anos (M/H), com os proventos
calculados pela média, sem a aplicação do fator previdenciário, mas com a aplicação de
uma redução de 5% por cada ano antecipado.
Nesses regimes próprios de previdência o desequilíbrio na concepção do sistema
é ainda maior que o do Regime Geral. Somente taxas de juros a partir de 5% ao ano
seriam capazes de equilibrar os valores presentes das contribuições e benefícios para os
homens e somente acima de 6% para as mulheres (Tabela 4).
23
27. Projeto Convergência
Tabela 4. Comparação dos valores presentes para os servidores públicos civis -
Razão do Valor Presente das Contribuições e do fluxo da aposentadoria. (%)
Valor da Aposentadoria Juros % % financiamento do benefício
6,00 H: VPC / VPB (%) 141,3
Homem R$ 4.191,00 M: VPC / VPB (%) 93,2
5,00 H: VPC / VPB (%) 108,8
M: VPC / VPB (%) 72,5
4,00 H: VPC / VPB (%) 84,0
Mulher R$ 3.759,00 M: VPC / VPB (%) 56,4
3,00 H: VPC / VPB (%) 65,2
M: VPC / VPB (%) 43,9
VPC = Valores Presentes das Contribuições; VPB = Valor Presente dos Benefícios;
alíquota de contribuição para a aposentadoria: 24%; entrada no serviço público aos 25
anos de idade; aposentadoria de valor igual à última remuneração aos 60/55 anos de
idade; tempo de contribuição no serviço público: 35/30; Salário inicial R$ 2.000,00
crescendo a 2,2% ao ano; Esperança de sobrevida do IBGE-2004, por sexo.
2.2.5 Mudanças demográficas
A estrutura etária da população vem mudando em todo o mundo e,
acentuadamente, no Brasil, produto do aumento da esperança de vida e da queda da
taxa de fecundidade (Gráficos 14A e 14B). Com isso, cai a proporção de crianças
(menores de 15 anos) e aumenta a de idosos.
Gráficos 14A - Esperança de vida ao nascer 1980-2050 e
14B - taxa de fecundidade total 1960-2050.
85
7
6
75
5
4
65
3
2
55
1
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
2020
2025
2030
2035
2040
2045
2050
1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050
Fonte: IBGE 2004.
No entanto, o Brasil ainda está na chamada “fase de ouro” da transição
demográfica. Durante essa fase, cai a proporção de jovens (até 14 anos) e aumenta a de
idosos, mas a proporção daqueles em idade ativa continuará crescendo por mais algum
tempo (vinte anos, se idosa for a pessoa com 65 anos ou mais, ou dez anos, se idosa for
a pessoa com 60 anos ou mais). Há que se aproveitar este momento em que o
crescimento populacional ainda está nessa fase para se promover os ajustes
necessários ao sistema previdenciário pois, passada essa fase, a proporção de pessoas
em idade ativa começará a cair enquanto a de idosos continuará crescendo, o que
dificultará e tornará cada vez mais custosa a implantação das reformas necessárias.
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28. Projeto Convergência
Gráfico 15 Estrutura etária da população: 1980-2050 (Idosos = acima 65 anos)
100%
80%
60%
40%
20%
0%
1980
1984
1988
1992
1996
2000
2004
2008
2012
2016
2020
2024
2028
2032
2036
2040
2044
2048
15 a 64 0 a 14 >+65 15 a 59 0 a 14* >60
Tabela 5. Estrutura etária da população: 1990-2050
Ano 1990 2005 2020 2035 2050
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
0-14 51,8 35,3% 51,4 27,9% 52,7 24,1% 49,7 20,3% 46,3 17,8%
15-59 84,9 57,9% 116,5 63,2% 138 63,0% 149,5 60,9% 149,4 57,5%
60-64 3,5 2,4% 5 2,7% 9,2 4,2% 12,2 5,0% 15,2 5,9%
65-69 2,5 1,7% 4,1 2,2% 6,9 3,1% 10,9 4,4% 14,6 5,6%
70+ 3,9 2,7% 7,1 3,9% 12,2 5,6% 23 9,4% 34,3 13,2%
Total 146,6 100% 184,2 100% 219,1 100% 245,3 100% 259,8 100%
Fonte: IBGE 2004.
A profunda mudança na estrutura etária da população é claramente ilustrada
pelas pirâmides populacionais. A base da pirâmide está encolhendo há quinze anos e
deixará de ter qualquer semelhança com uma pirâmide nos próximos quinze anos
(Gráfico 16).
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