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DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012 -

Prestes a completar a
maioridade, cerca de 5 mil
adolescentes que moram em
abrigos ainda não têm para
onde ir. Vivem sob a angústia
do "maior abandonado"

Quando
a vida
começa
aos 18
Fernando Poffo
fernando.poffo@folhauniversal.com.br

P

elo menos 5 mil adolescentes brasileiros
convivem com a perspectiva de sair do abrigo sem qualquer amparo legal
ao completarem a maioridade,
depois de passar a vida, ou parte dela, sob a tutela do Estado.
Atualmente, 41.166 pessoas,
entre bebês, crianças e jovens
estão abrigados. Alguns esperam a adoção, outros, a volta
para a família e muitos deles lidam com a incerteza de chegar
à maioridade e ter de se sustentar sozinho, já que legalmente o
Estado não tem qualquer obrigação de acolher adultos. “Geralmente se desvincula o jovem
da entidade e ele vai ter que se
virar por meios próprios. O que
se busca é que seja preparado”,
diz o presidente da Comissão
de Direito à Adoção da OAB-SP, Antônio Carlos Berlini.

Se dependesse exclusivamente dos projetos do governo,
Josenilton Ferreira dos Santos,
que está fora da estatística atualizada em julho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
não teria onde morar. Criado
em abrigo “desde as fraldas”,
como ele mesmo define, aos
20 anos e com a responsabilidade de criar o irmão um ano
mais novo e com deficiência
intelectual, Santos não está na
rua graças ao trabalho desenvolvido pelo abrigo em que
cresceu, mantido pela Liga
Solidária, organização social
sem fins lucrativos.
Desempregados, Santos e
o irmão vivem em um apartamento alugado pela Liga Solidária. Com eles mora um amigo do abrigo que, por ser maior
de 18 anos e estar trabalhando,
já colabora com as contas da
casa, dentro de um projeto que
pretende acelerar o processo de
autonomia dos jovens. “Nós

E agora?: Ao completar 18 anos, jovem abrigado se depara
com os obstáculos de um mundo ainda desconhecido

demetrio koch

12
especial

damos um apoio estratégico até
que eles tenham 100% de autonomia, sem um prazo predeterminado para que isso ocorra”,
explica o o coordenador dos
abrigos da Liga Solidária, Mariano Gaioski.
O valor do aluguel é pago
pela Liga e, gradativamente,
os rapazes vão assumindo tarifas públicas. As despesas com
objetos pessoais ficam com eles
desde os tempos do abrigo, segundo Gaioski

13
ae

- DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012

ADOÇÃO: Meninas de um centro de acolhimento de Téofilo Otoni (MG),
cidade que tem o maior número de meninos e meninas adotados por estrangeiros

MAIS DE 40 MIL
BEBÊS, CRIANÇAS E
JOVENS AGUARDAM
POR UM FUTURO
INCERTO DENTRO
DE UM ABRIGO
O trabalho de instituições
não governamentais é praticamente a única saída para
quem completa a maioridade
em abrigos. O governo trata
apenas como diretrizes para
os municípios, e não como
uma lei, a responsabilidade
pelo acolhimento de maiores
de idade por um período nas
chamadas repúblicas. No caso
de Josenílton, por exemplo, só
por estar desempregado ele já
não seria aceito em república
institucionalizada e cheia
de regras, isso porque é
de São Paulo, rara cidade que segue a recomendação federal e
conta com 37 vagas
em seis repúblicas.

“O trabalho dos abrigos é o
de acolher e promover a reaproximação dessas crianças com os
familiares. A república só vai
existir quando a gente falhar
completamente na proposta de
reintegrá-lo ou fazê-lo
ser integrado em
família substituta antes dos
18
anos”,
declara Valéria Brahim,
gerente
de
p ro g r a m a s
sociais
na
organização

ura
mo
dré
an

não governamental Terra dos
Homens, que trabalha no Rio
de Janeiro com crianças e adolescentes com direitos violados.
“Com filhos ou crianças de
abrigo deve-se ensinar a ser autônomo desde a infância, o ideal
é que o plano político pedagógico seja para a autonomia e não
para a tutela”, acrescenta.
Outra opção para quem
vive em abrigos é a adoção, o
que vai ficando mais difícil conforme a criança fica mais velha.
A orientação pública é que as
crianças fiquem no máximo
por 2 anos no abrigo e a cada 6
meses tenha a situação avaliada
por um juiz. Mas, se não houver
reaproximação com familiares
ou esses seguirem sem condições de acolhimento, o juiz autoriza que ela siga no abrigo.
Bem estruturados, os abrigos garantem a preservação

O objetivo é
reinserir no meio
familiar, social ou
apadrinhamento.
Quando não
acontece, incluimos
o garoto (a partir
dos 15 anos) em
programas sociais
e procuramos
inseri-lo no
mercado de trabalho
Erica Chaves, coordenadora da
Associação Irmão Sol, em Belo
Horizonte (MG)

dos direitos das crianças, mas
começam a encaminhar os adolescentes para a vida autônoma
quando ele já tem 15 ou 16
anos. Ou seja, em pouco mais
de 3 anos o adolescente precisa aprender a ser independente
justamente num período de incertezas, própria dessa fase da
vida. É nessa época que aprende tarefas domésticas, escolhe e
é encaminhado a cursos de qualificação profissional, tenta a inserção no mercado de trabalho
e, claro, continua estudando.
“Eu deixei o abrigo como
criança de classe média e mimada, bem longe da minha
realidade. Lá tinha de tudo e,
quando não tinha, iam atrás.
Até para a praia a gente ia
umas dez vezes por ano. Eu
digo que saí como um burguesinho babaca”, comenta
Carlos Henrique Francis-

De interno a educador
Carlos Eduardo Francisco, de 24 anos, foi para o abrigo com os
irmãos ainda na infância. Chegou a sair para ficar com a mãe, mas
teve de voltar quando a perdeu para o álcool. O pai ele não conhece,
mas diz não sentir qualquer rancor dele. Passou a maior parte da
vida com os irmãos gêmeos, Luís Henrique e Fred (28 anos), o caçula Robson (20), e as mulheres Paula (32) e Graziela (30). Depois de
conviver e ver alguns problemas na família, inclusive com drogas,
hoje é educador, faz faculdade de Serviço Social e vive com amigas
em uma república particular, onde as despesas são divididas.
especial

DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012 -

demetrio koch

14

Somente diretrizes
municipais e
estaduais são pouco
para aqueles que, de
repente, têm todas as
responsabilidades da
vida adulta nas mãos.
A autonomia não se
conquista com uma
data de aniversário
Nilson Defaveri, coordenador de
projetos do Instituto Dom Bosco

co, de 24 anos, que morou em
abrigo a maior parte da vida e
passou por muita dificuldade
quando teve de deixá-lo.
“Quem vive em lar de verdade não fica abalado por
qualquer falta de carinho, mas
a maioria do pessoal do abrigo
sofre de amor possessivo, tem
medo da rejeição e se casa na
primeira relação. Aí não sabe
lidar com a perda, a frustração.
Quando eu perdi meu casamento foi assim. A gente começa a questionar nossa existência. Eu vivi todos esses estágios:
leva à depressão, ao álcool, à
droga, você pensa em suicídio.
Muita gente fica pelo caminho.
Eu fui me isolar do mundo, mas
agora estou bem, faço análise
há 2 anos”, relatou o agora educador Carlos Francisco, citando
a dificuldade que enfrentou e

preocupado com o futuro dos
meninos que cuida, já que os vê
com mais regalias ainda, em razão das mudanças nas políticas
de assistência social, agora com
mais garantias para a defesa dos
direitos da criança.
Apesar de se considerar mimado e sem preparo ao deixar o
abrigo, Carlos lembra que tinha
afazeres a cumprir no período
em que foi criado por laristas –
hoje substituídos por educadores profissionais – e ainda tem
na bagagem diversos cursos de
qualificação profissional, como
eletricista, encanador, cozinheiro e cabeleireiro. Algo que não
vê ocorrer atualmente. “O educador faz tudo para os meninos,

que ficam sem vida própria e
não têm qualquer obrigação.”
O desafio para educadores,
sociólogos e psicólogos, especialmente para quem vai completar a maioridade e buscar
independência forçada, passa
pela tênue linha entre incentivar
a autonomia e respeitar os direitos das crianças – que jamais devem ser exploradas ou trabalhar
nos abrigos, apesar de demonstrarem o desejo de ajudar com
o trabalho no local que consideram ser sua casa. Por exemplo,
como o educador vai proibir a
criança de lavar um prato, se
esse for o desejo dela? Em uma
sociedade na qual jovens criados em lares tradicionais já têm

Número de
moradores
de abrigos
Dados do CNJ
mostram que a
maioria dos jovens
abrigados no País
tem entre 0
e 15 anos

Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

o estímulo
à autonomia
infantil esbarra
na defesa dos
direitos da
criança
dificuldade para sair de casa e
se tornar independente de fato,
como acelerar o processo de autonomia?
“Não há uma receita de sucesso que dê certo com todos.
Mas nunca perder de vista a
provisoriedade da permanência
no abrigo, até mesmo para que
não se produza comodismo, é
um bom começo”, indica Nilson Defaveri, coordenador de
projetos do Instituto Dom Bosco, que mantém abrigos para
crianças, adolescentes e também repúblicas para maiores de
idade em São Paulo.
Defaveri aponta os seguintes pilares para a autonomia
dos jovens: independência econômica, política e intelectual.
“Queremos jovens capazes de
pensar por si mesmos, a agir no
espaço público e a adquirir pelo
seu trabalho os bens e serviços
necessários à sobrevivência material”, afirma.
Além dos trabalhos dentro
dos abrigos, a participação da
comunidade para a inser-

A mãe não
tinha como
criá-lo
Josenílton Ferreira dos Santos, de 20
anos, não sabe exatamente com que idade chegou ao abrigo
e não tem qualquer
informação que possa levar ao paradeiro dos pais. Tudo
que sabe está em seu
histórico: tem mais
quatro irmãos, três
deles no exterior e
uma na Bahia.
É nesse mesmo
histórico que está a
informação sobre a
razão que o teria levado a morar em um
abrigo. Diz o documento que sua mãe
não tinha condições
de criar os filhos, nem
ele, nem os irmãos.
Santos conta que
já já se comunicou
com a irmã que mora
na Bahia e pediu ao
juiz um contato com
os outros irmãos,
mas ainda espera por
uma resposta.
especial

15
fotos: demetrio koch

- DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012

Orgulho por ter
uma família
Thiago Costa da Silva tem 29 anos
e cresceu com o irmão Felipe, um ano
mais novo. Ele não sabe nem nunca
demonstrou interesse em saber as
origens da família ou quem são seus
pais. Amparado em abrigo desde a
infância, aproveitou oportunidades
em cursos profissionalizantes, onde,
aos 14 anos, conheceu Adriana, com
quem se casou aos 23 anos. Depois de
passar por um tempo em uma espécie de república, com o irmão e amigos, casou-se e comprou um apartamento no Jardim Arpoador, zona
sul de São Paulo. Hoje, ele tem duas
filhas. “Quero o melhor para elas.
Todo o carinho e o afeto que não tive
jamais vão faltar para elas”, garante.

Como o jovem vai
sair para a vida logo
que completa 18
anos? Vai alugar
uma casa para morar
assim, sozinho? É
meio louco isso
Lídia Weber, coordenadora
do Núcleo de Análise de
Comportamento da Universidade
Federal do Paraná

ção desses jovens na sociedade
é fundamental. Diferentemente do que ocorria no passado,
quando o abrigo parecia uma
prisão, no modelo atual os internos saem para estudar, fazer
cursos e têm horário livre, apesar de dever satisfação. Ao sair
para um curso de marcenaria, o
então adolescente Thiago Costa da Silva, hoje com 29 anos,

 

Da vida
real para
o sucesso
na TV

Depois de morar na rua e passar por unidades da antiga Febem (Fundação Estadual para o
Bem Estar do Menor), Carlinhos Silva foi para
o abrigo aos 7 anos. Arteiro e brincalhão, fez
“tudo que é curso para ver se ficava mais calmo”. Hoje, aos 32 anos, acha que a experiência
foi superpositiva e não concorda com as regalias que vê atualmente para as crianças quando
visita o abrigo. Pai de Arthur Henrique, de 1 ano
e 2 meses, e separado da mulher, Carlinhos avisa que nunca vai desistir de ficar perto do filho.

conheceu Adriana Aragão, um
ano mais nova e aluna de confeitaria, com quem se casou e
formou família.
Além da abertura para os jovens se integrarem com a comunidade, os abrigos costumam
firmar parcerias com empresas
para empregar os internos. Os
adolescentes que aproveitam a
oportunidade podem alçar voos
inimagináveis, como o humorista Carlinhos Silva, conhecido
como “Mendigo”, que começou como office-boy na rádio
Jovem Pan e, além de já ser pai
e ter independência financeira,
construiu uma carreira de sucesso na televisão. Aos 32 anos,
ele integra a equipe do “Tudo É
Possível”, da TV Record.
Mas os casos de sucesso são
raros. O humorista, que teve de
sair do abrigo ainda menor de
idade, dá dicas para quem vive
em abrigos. “Não se acomode
com o que a lei te beneficia.
O negócio é estudar, estudar,
estudar, correr atrás e nunca
desistir, porque os sonhos são
sempre possíveis”, disse, lembrando saber bem que não é
brincadeira ter que morar na
rua – destino hoje reservado a
quem completa 18 anos.

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Quando a vida começa aos 18: o desafio de jovens que vivem em abrigos ao completarem a maioridade

  • 1. e special DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012 - Prestes a completar a maioridade, cerca de 5 mil adolescentes que moram em abrigos ainda não têm para onde ir. Vivem sob a angústia do "maior abandonado" Quando a vida começa aos 18 Fernando Poffo fernando.poffo@folhauniversal.com.br P elo menos 5 mil adolescentes brasileiros convivem com a perspectiva de sair do abrigo sem qualquer amparo legal ao completarem a maioridade, depois de passar a vida, ou parte dela, sob a tutela do Estado. Atualmente, 41.166 pessoas, entre bebês, crianças e jovens estão abrigados. Alguns esperam a adoção, outros, a volta para a família e muitos deles lidam com a incerteza de chegar à maioridade e ter de se sustentar sozinho, já que legalmente o Estado não tem qualquer obrigação de acolher adultos. “Geralmente se desvincula o jovem da entidade e ele vai ter que se virar por meios próprios. O que se busca é que seja preparado”, diz o presidente da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP, Antônio Carlos Berlini. Se dependesse exclusivamente dos projetos do governo, Josenilton Ferreira dos Santos, que está fora da estatística atualizada em julho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não teria onde morar. Criado em abrigo “desde as fraldas”, como ele mesmo define, aos 20 anos e com a responsabilidade de criar o irmão um ano mais novo e com deficiência intelectual, Santos não está na rua graças ao trabalho desenvolvido pelo abrigo em que cresceu, mantido pela Liga Solidária, organização social sem fins lucrativos. Desempregados, Santos e o irmão vivem em um apartamento alugado pela Liga Solidária. Com eles mora um amigo do abrigo que, por ser maior de 18 anos e estar trabalhando, já colabora com as contas da casa, dentro de um projeto que pretende acelerar o processo de autonomia dos jovens. “Nós E agora?: Ao completar 18 anos, jovem abrigado se depara com os obstáculos de um mundo ainda desconhecido demetrio koch 12
  • 2. especial damos um apoio estratégico até que eles tenham 100% de autonomia, sem um prazo predeterminado para que isso ocorra”, explica o o coordenador dos abrigos da Liga Solidária, Mariano Gaioski. O valor do aluguel é pago pela Liga e, gradativamente, os rapazes vão assumindo tarifas públicas. As despesas com objetos pessoais ficam com eles desde os tempos do abrigo, segundo Gaioski 13 ae - DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012 ADOÇÃO: Meninas de um centro de acolhimento de Téofilo Otoni (MG), cidade que tem o maior número de meninos e meninas adotados por estrangeiros MAIS DE 40 MIL BEBÊS, CRIANÇAS E JOVENS AGUARDAM POR UM FUTURO INCERTO DENTRO DE UM ABRIGO O trabalho de instituições não governamentais é praticamente a única saída para quem completa a maioridade em abrigos. O governo trata apenas como diretrizes para os municípios, e não como uma lei, a responsabilidade pelo acolhimento de maiores de idade por um período nas chamadas repúblicas. No caso de Josenílton, por exemplo, só por estar desempregado ele já não seria aceito em república institucionalizada e cheia de regras, isso porque é de São Paulo, rara cidade que segue a recomendação federal e conta com 37 vagas em seis repúblicas. “O trabalho dos abrigos é o de acolher e promover a reaproximação dessas crianças com os familiares. A república só vai existir quando a gente falhar completamente na proposta de reintegrá-lo ou fazê-lo ser integrado em família substituta antes dos 18 anos”, declara Valéria Brahim, gerente de p ro g r a m a s sociais na organização ura mo dré an não governamental Terra dos Homens, que trabalha no Rio de Janeiro com crianças e adolescentes com direitos violados. “Com filhos ou crianças de abrigo deve-se ensinar a ser autônomo desde a infância, o ideal é que o plano político pedagógico seja para a autonomia e não para a tutela”, acrescenta. Outra opção para quem vive em abrigos é a adoção, o que vai ficando mais difícil conforme a criança fica mais velha. A orientação pública é que as crianças fiquem no máximo por 2 anos no abrigo e a cada 6 meses tenha a situação avaliada por um juiz. Mas, se não houver reaproximação com familiares ou esses seguirem sem condições de acolhimento, o juiz autoriza que ela siga no abrigo. Bem estruturados, os abrigos garantem a preservação O objetivo é reinserir no meio familiar, social ou apadrinhamento. Quando não acontece, incluimos o garoto (a partir dos 15 anos) em programas sociais e procuramos inseri-lo no mercado de trabalho Erica Chaves, coordenadora da Associação Irmão Sol, em Belo Horizonte (MG) dos direitos das crianças, mas começam a encaminhar os adolescentes para a vida autônoma quando ele já tem 15 ou 16 anos. Ou seja, em pouco mais de 3 anos o adolescente precisa aprender a ser independente justamente num período de incertezas, própria dessa fase da vida. É nessa época que aprende tarefas domésticas, escolhe e é encaminhado a cursos de qualificação profissional, tenta a inserção no mercado de trabalho e, claro, continua estudando. “Eu deixei o abrigo como criança de classe média e mimada, bem longe da minha realidade. Lá tinha de tudo e, quando não tinha, iam atrás. Até para a praia a gente ia umas dez vezes por ano. Eu digo que saí como um burguesinho babaca”, comenta Carlos Henrique Francis- De interno a educador Carlos Eduardo Francisco, de 24 anos, foi para o abrigo com os irmãos ainda na infância. Chegou a sair para ficar com a mãe, mas teve de voltar quando a perdeu para o álcool. O pai ele não conhece, mas diz não sentir qualquer rancor dele. Passou a maior parte da vida com os irmãos gêmeos, Luís Henrique e Fred (28 anos), o caçula Robson (20), e as mulheres Paula (32) e Graziela (30). Depois de conviver e ver alguns problemas na família, inclusive com drogas, hoje é educador, faz faculdade de Serviço Social e vive com amigas em uma república particular, onde as despesas são divididas.
  • 3. especial DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012 - demetrio koch 14 Somente diretrizes municipais e estaduais são pouco para aqueles que, de repente, têm todas as responsabilidades da vida adulta nas mãos. A autonomia não se conquista com uma data de aniversário Nilson Defaveri, coordenador de projetos do Instituto Dom Bosco co, de 24 anos, que morou em abrigo a maior parte da vida e passou por muita dificuldade quando teve de deixá-lo. “Quem vive em lar de verdade não fica abalado por qualquer falta de carinho, mas a maioria do pessoal do abrigo sofre de amor possessivo, tem medo da rejeição e se casa na primeira relação. Aí não sabe lidar com a perda, a frustração. Quando eu perdi meu casamento foi assim. A gente começa a questionar nossa existência. Eu vivi todos esses estágios: leva à depressão, ao álcool, à droga, você pensa em suicídio. Muita gente fica pelo caminho. Eu fui me isolar do mundo, mas agora estou bem, faço análise há 2 anos”, relatou o agora educador Carlos Francisco, citando a dificuldade que enfrentou e preocupado com o futuro dos meninos que cuida, já que os vê com mais regalias ainda, em razão das mudanças nas políticas de assistência social, agora com mais garantias para a defesa dos direitos da criança. Apesar de se considerar mimado e sem preparo ao deixar o abrigo, Carlos lembra que tinha afazeres a cumprir no período em que foi criado por laristas – hoje substituídos por educadores profissionais – e ainda tem na bagagem diversos cursos de qualificação profissional, como eletricista, encanador, cozinheiro e cabeleireiro. Algo que não vê ocorrer atualmente. “O educador faz tudo para os meninos, que ficam sem vida própria e não têm qualquer obrigação.” O desafio para educadores, sociólogos e psicólogos, especialmente para quem vai completar a maioridade e buscar independência forçada, passa pela tênue linha entre incentivar a autonomia e respeitar os direitos das crianças – que jamais devem ser exploradas ou trabalhar nos abrigos, apesar de demonstrarem o desejo de ajudar com o trabalho no local que consideram ser sua casa. Por exemplo, como o educador vai proibir a criança de lavar um prato, se esse for o desejo dela? Em uma sociedade na qual jovens criados em lares tradicionais já têm Número de moradores de abrigos Dados do CNJ mostram que a maioria dos jovens abrigados no País tem entre 0 e 15 anos Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o estímulo à autonomia infantil esbarra na defesa dos direitos da criança dificuldade para sair de casa e se tornar independente de fato, como acelerar o processo de autonomia? “Não há uma receita de sucesso que dê certo com todos. Mas nunca perder de vista a provisoriedade da permanência no abrigo, até mesmo para que não se produza comodismo, é um bom começo”, indica Nilson Defaveri, coordenador de projetos do Instituto Dom Bosco, que mantém abrigos para crianças, adolescentes e também repúblicas para maiores de idade em São Paulo. Defaveri aponta os seguintes pilares para a autonomia dos jovens: independência econômica, política e intelectual. “Queremos jovens capazes de pensar por si mesmos, a agir no espaço público e a adquirir pelo seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material”, afirma. Além dos trabalhos dentro dos abrigos, a participação da comunidade para a inser- A mãe não tinha como criá-lo Josenílton Ferreira dos Santos, de 20 anos, não sabe exatamente com que idade chegou ao abrigo e não tem qualquer informação que possa levar ao paradeiro dos pais. Tudo que sabe está em seu histórico: tem mais quatro irmãos, três deles no exterior e uma na Bahia. É nesse mesmo histórico que está a informação sobre a razão que o teria levado a morar em um abrigo. Diz o documento que sua mãe não tinha condições de criar os filhos, nem ele, nem os irmãos. Santos conta que já já se comunicou com a irmã que mora na Bahia e pediu ao juiz um contato com os outros irmãos, mas ainda espera por uma resposta.
  • 4. especial 15 fotos: demetrio koch - DOMINGO, 23 DE SETEMBRO DE 2012 Orgulho por ter uma família Thiago Costa da Silva tem 29 anos e cresceu com o irmão Felipe, um ano mais novo. Ele não sabe nem nunca demonstrou interesse em saber as origens da família ou quem são seus pais. Amparado em abrigo desde a infância, aproveitou oportunidades em cursos profissionalizantes, onde, aos 14 anos, conheceu Adriana, com quem se casou aos 23 anos. Depois de passar por um tempo em uma espécie de república, com o irmão e amigos, casou-se e comprou um apartamento no Jardim Arpoador, zona sul de São Paulo. Hoje, ele tem duas filhas. “Quero o melhor para elas. Todo o carinho e o afeto que não tive jamais vão faltar para elas”, garante. Como o jovem vai sair para a vida logo que completa 18 anos? Vai alugar uma casa para morar assim, sozinho? É meio louco isso Lídia Weber, coordenadora do Núcleo de Análise de Comportamento da Universidade Federal do Paraná ção desses jovens na sociedade é fundamental. Diferentemente do que ocorria no passado, quando o abrigo parecia uma prisão, no modelo atual os internos saem para estudar, fazer cursos e têm horário livre, apesar de dever satisfação. Ao sair para um curso de marcenaria, o então adolescente Thiago Costa da Silva, hoje com 29 anos,   Da vida real para o sucesso na TV Depois de morar na rua e passar por unidades da antiga Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), Carlinhos Silva foi para o abrigo aos 7 anos. Arteiro e brincalhão, fez “tudo que é curso para ver se ficava mais calmo”. Hoje, aos 32 anos, acha que a experiência foi superpositiva e não concorda com as regalias que vê atualmente para as crianças quando visita o abrigo. Pai de Arthur Henrique, de 1 ano e 2 meses, e separado da mulher, Carlinhos avisa que nunca vai desistir de ficar perto do filho. conheceu Adriana Aragão, um ano mais nova e aluna de confeitaria, com quem se casou e formou família. Além da abertura para os jovens se integrarem com a comunidade, os abrigos costumam firmar parcerias com empresas para empregar os internos. Os adolescentes que aproveitam a oportunidade podem alçar voos inimagináveis, como o humorista Carlinhos Silva, conhecido como “Mendigo”, que começou como office-boy na rádio Jovem Pan e, além de já ser pai e ter independência financeira, construiu uma carreira de sucesso na televisão. Aos 32 anos, ele integra a equipe do “Tudo É Possível”, da TV Record. Mas os casos de sucesso são raros. O humorista, que teve de sair do abrigo ainda menor de idade, dá dicas para quem vive em abrigos. “Não se acomode com o que a lei te beneficia. O negócio é estudar, estudar, estudar, correr atrás e nunca desistir, porque os sonhos são sempre possíveis”, disse, lembrando saber bem que não é brincadeira ter que morar na rua – destino hoje reservado a quem completa 18 anos.