1) Estudos mostram que a gentileza está diminuindo na sociedade e as pessoas estão mais armadas e menos dispostas a serem gentis.
2) Ser gentil traz benefícios como aumento da felicidade e do bem-estar, e está ligado a genes que liberam dopamina no cérebro.
3) A gentileza deve fazer parte do caráter de uma pessoa e não depende apenas de educação, podendo ser praticada mesmo em meio à rotina apressada dos tempos modernos.
2. enfoque franca | dezembro 201262|
|Comportamento
Por onde anda a gentileza?
Estudos mostram que essa atitude traz felicidade, mas poucos a colocam em prática
U
m dos maiores problemas
de quem enfrenta o trân-
sito em Franca no dia a
dia é o estresse. Além do engarra-
famento, as imprudências e o mau
comportamento de quem trafega
pelas ruas das cidades podem
tirar a concentração dos condu-
A psicóloga
Alessandra
acredita que as
pessoas estão
armadas e não
se permitem ser
gentis
tores de caminhões, automóveis,
motos e bicicletas e, também, dos
pedestres, causando acidentes que
poderiam ser evitados. Segundo
pesquisas, esses problemas acon-
tecem, muitas vezes, pela falta
da gentileza. Mas a escassez de
tal virtude não é só encontrada
no trânsito. No supermercado,
por exemplo: não seria mais fácil
você, estando com o carrinho
cheio, ceder a vez no caixa para
alguém com apenas um saquinho
de pães? Outra cena corriqueira:
uma gestante entra em um ônibus
lotado, cansada e, provavelmente,
não gostaria de ficar em pé. Uma
pessoa não poderia ceder o seu
lugar a ela? E aquela porta que
alguém poderia ter segurado para
você entrar no elevador?
É difícil ser gentil, mas mais
difícil ainda é conviver com a
falta de gentileza dos outros,
principalmente ao dar com uma
porta fechada na cara, ter a lataria
do carro amassada por um apres-
sadinho ou passar pela sensação
de ser invisível. Apesar de tudo
isso, a ideia de que ser gentil vale
à pena e traz benefícios tem sido
comprovada por diversos estudos.
Está diminuindo
Enfoque se surpreendeu ao
verificar que a gentileza anda em
desuso na sociedade. “A gentileza
está diminuindo. Posso contar
nos dedos quantas pessoas já vi
praticando essa virtude”, conta
o cobrador de ônibus Valdeir
Ferreira, 40 anos. Em mais de
um ano e meio de trabalho, indo
e vindo pelas ruas de Franca, ele
vivenciou situações inusitadas,
como a de uma senhora que teve
de pedir licença para um rapaz
ceder seu lugar a uma gestante.
“Mas acabou em confusão, pois
ele não queria ficar em pé. No
final das contas, outro passageiro
cedeu seu lugar”, lembra Valdeir,
cheio de histórias para contar.
Segundo a psicóloga Ales-
sandra de Faria e Sousa, casos
como este citado pelo cobrador
de ônibus são comuns porque
as pessoas estão muito armadas
e não se permitem mais serem
gentis. “Elas estão assim, e aí não
dão oportunidade em algumas si-
tuações de receber gentileza e ser
gentil, tendo um embrutecimento
involuntário e se colocando em
Maria
Conceição é
exemplo de
uma pessoa
gentil, e faz
dela algo
natural em seu
dia a dia
Gustavo César
Da redação
3. enfoque franca | dezembro 2012|63
O cobrador de
ônibus Valdeir
já presenciou
muitos casos
em que faltou
gentileza
Joyce diz que
as pessoas têm
pressa, por
isso estão mais
preocupadas
com suas
próprias
prioridades
posição defensiva frente ao mun-
do”, explica.
Vale à pena?
Mas, afinal, vale à pena ser
gentil? Para a ciência, a resposta
é sim. Em um estudo da Univer-
sidade da Califórnia, a psicóloga
Sonja Lyubomirsky pediu aos par-
ticipantes que praticassem ações
gentis durante 10 semanas. Todos
registraram aumento na felicida-
de durante a pesquisa. Os que
praticaram ações variadas, como
se oferecer para ajudar a lavar a
louça, fazer elogios ou segurar a
porta aberta para um estranho
passar, registraram níveis mais
altos e prolongados de felicidade,
em comparação com quem repe-
tiu sempre a mesma atitude com
diferentes pessoas. Isto porque,
segundo a psicóloga, gentileza e
boa vontade estão relacionadas à
felicidade. As pessoas que tentam
ser mais gentis no dia a dia ten-
dem a experimentar mais emo-
ções positivas e se tornam mais
alegres. O mecanismo que explica
essa relação foi mais esclarecido
por um estudo da Universidade
Hebraica, em Israel, de 2005. A
gentileza está ligada ao gene que
libera a dopamina, neurotrans-
missor que proporciona bem estar.
Para os entrevistados, um dos
fatores que dificultam a prática
da gentileza é a rotina, ou seja, as
pessoas seriam pressionadas por
ideias equivocadas e empurradas
a ter sempre mais, a cumprir
prazos sem respeitar os demais, a
atingir metas que, muitas vezes,
não fazem parte de suas missões e
daquilo que acreditam, tornando-
-as, assim, mais e mais insensíveis.
E a partir dessa insensibilidade,
elas agiriam e se relacionariam
com as pessoas - mesmo com
as que amam – de forma menos
gentil, mais apressada, e mais
automatizada, sem nem se da-
rem conta disso. Mas a psicóloga
Alessandra vai contra essa ideia
de que a rotina con-temporânea
não dá alicerce para a prática da
gentileza. “Se tem uma coisa que
a contemporaneidade não pode
tirar é a ação de ser gentil. Sei que
a correria dos tempos modernos
pode acelerar o pensamento, mas
não o ato de gentileza”, ressalta.
O que é gentileza?
“Gentileza gera gentileza”.
Essa expressão ficou popular
no Brasil após ser gravada nas
pilastras dos viadutos do Rio de
Janeiro, nos anos 1980 e 1990,
pelo andarilho José Datrino,
conhecido como o Profeta Gen-
tileza. E vai direto ao ponto: ela
forma uma corrente do bem. A
frase que o profeta popular pintou
nas paredes é muito verdadeira,
mas o oposto também ocorre: a
falta de gentileza gera falta de
gentileza.
A operadora de caixa Joyce
Carolina Barretos, 26 anos, con-
corda com isso e completa: “todo
mundo gosta de prioridade, todo
mundo tem pressa, mas ninguém
é gentil”, diz Joyce que, na sua
função, todos os dias presencia
situações em que a cordialidade
poderia ser aplicada. “Mas isso
não acontece”, enfatiza.
Para a psicóloga, gentileza
é um modo de agir, um jeito de
ser, uma maneira de enxergar o
mundo. Portanto, ser gentil é um
atributo muito mais sofisticado
e profundo que ser educado ou
meramente cumprir regras de
etiqueta. A pessoa gentil se dife-
rencia até mesmo em momentos
4. enfoque franca | dezembro 201264|
Uma das
atitudes mais
difíceis de se
ver é a gentileza
dentro dos
ônibus urbanos
delicados e difíceis como discor-
dâncias ou demissão. A rotina
pode modificar muitas coisas,
mas o caráter de uma pessoa não
muda. Alessandra vai além ao
afirmar que, diferentemente do
que muita gente pensa, ser gentil
não é igual a ser bobo e dizer
sempre “sim”. “Pelo contrário, é
reconhecer seus próprios limites
e os limites do outro. É saber se
colocar, falar com autenticidade,
sem ser parcial ou hipócrita. É
possível dizer ‘não’ sem magoar
as pessoas, desde que seja usada
a gentileza verdadeira”, salienta
a psicóloga.
Os genes da gentileza
Você já deve ter conhecido
alguém que teve uma péssima
educação, ou pais grossos ou abu-
sivos, e mesmo assim é um amor
de pessoa. A resposta está aqui:
uma nova pesquisa descobriu que
pelo menos parte da razão pela
qual algumas pessoas são gentis
e generosas é que os seus genes as
incentivam nessa direção.
O estudo foi feito por psicó-
logos da Universidade de Buffalo
e da Universidade da Califórnia,
nos Estados Unidos. Os pesqui-
sadores observaram o compor-
tamento dos participantes do
estudo que têm versões de genes
receptores de dois hormônios –
ocitocina e vasopressina - que
outras pesquisas associaram coma
gentileza. Esses hormônios, se-
gundo os estudos, podem tornar
as pessoas melhores, pelo menos
em relacionamentos íntimos. A
ocitocina, “hormônio do amor”,
promove o comportamento ma-
terno, por exemplo, e no laborató-
rio, indivíduos expostos a ela de-
5. enfoque franca | dezembro 2012|65
fica uma reflexão: será que a vida
precisa ser uma guerra? Ou pode
ser mais suave, tranquila? Essa
é uma decisão que cabe a cada
um, afinal de contas, a gentileza
é uma opção, uma atitude que se
adota e faz diferença na vida de
quem a pratica e de quem a rece-
be. Que tal então colocá-la em
uso, mesmo através de pequenas
atitudes como um simples “bom
dia”, “com licença”, “obrigada”
ou “por favor”? Imagine só como
seria o mundo se todos fossem um
pouquinho mais gentis. e
Alessandra de Faria e Sousa,
psicóloga
CRP: 06/53698-7
Telefones: 9999-0381 e 8142-8039
No foco
As filas são
sempre
estressantes,
com pessoas
impacientes e
quase sempre
sem gentileza
monstraram maior sociabilidade.
Esta pesquisa foi uma tentati-
va de aplicar as descobertas ante-
riores de comportamentos sociais
em uma escala maior, para saber
se essas substâncias provocam nas
pessoas outras formas de compor-
tamento pró-social: vontade de
doar para caridade, por exemplo,
ou participar de esforços cívicos
como o pagamento de impostos,
relatar crimes, doar sangue, entre
outros. “A gentileza e o altruísmo
estão intimamente ligados, fazem
parte da pessoa. Ou ela é gentil ou
não, ou é altruísta ou demagoga.
É algo natural e interno do ser
humano, dois pontos positivos
do caráter”, completa a psicóloga
Alessandra.
Profissional e saúde
Até as empresas têm prefe-
rido cada vez mais profissionais
dispostos a solucionar problemas,
favorecendo as conciliações, o
que comprova que a gentileza
abre portas. E para completar,
ser gentil também faz bem à
saúde. Estudos constatam que as
pessoas solidárias têm menos pro-
babilidade de sofrer de doenças
crônicas, e seu sistema imunoló-
gico tende a ser mais forte. Uma
explicação para isso é que talvez
essa qualidade ajude as emoções,
causando impacto positivo sobre
o bem estar.
Exemplo de que há, ainda,
uma luz no fim do túnel é a
doméstica Maria Concei-
ção Santusse Batista, 63
anos. Ela é gentil com todos,
independente de sexo ou idade.
“Por exemplo, quando vejo que
alguém está em caso de urgência
em um hospital no qual eu estou
na fila, eu cedo meu lugar. Uma
pena é que as outras pessoas se
incomodem com o meu ato”, con-
ta. E em toda sua vida, Maria foi
assim. “Antigamente, as pessoas
eram mais gentis. Hoje, praticam
o mínimo possível. Além disso,
um simples bom dia é um ato
gentil e pode deixar as pessoas
mais felizes”, pondera Maria.
Isto é confirmado pela psicóloga.
“A gentileza favorece o bom
convívio social, pessoal
e é claro, o profissional.
Ser gentil vai possibilitar
relacionamentos mais sau-
dáveis, seguros e verdadei-
ros”, enfatiza Alessandra.
Diante de tudo isso,