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1
NAS ENTRELINHAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER1
IN DOMESTIC VIOLENCE AGAINST WOMEN LINES
RESUMO: O presente estudo resulta da análise dos episódios de violência doméstica
vivenciados por ex-assistidas da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques no Estado de
Sergipe, instituição que atende mulheres em situação de violência doméstica e que estão
sob ameaça de morte. A Casa-Abrigo está vinculada à Prefeitura Municipal de Aracaju,
enquadrada na Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de
Assistência Social, direcionada para casos em que há rompimento de vínculos afetivos,
risco social e/ou pessoal. Com o objetivo de publicar as entrelinhas da violência doméstica
é que foi proposto o referido trabalho, no sentido de analisar a subjetividade e identidade
que permeiam as mulheres que foram atendidas pela instituição.
PALAVRAS-CHAVE: Violência, Mulheres, Casa-Abrigo.
ABSTRACT: The present study results from the analysis of episodes of domestic violence
experienced by former assisted the Shelter Home Professor Nubia Marques in the state of
Sergipe, an institution that serves women in domestic violence situations and are under
threat of death. The Shelter Home is linked to the City of Aracaju, framed in the Special
Social Protection of high complexity of the Unified Social Assistance, directed to cases
where there is disruption of affective bonds, social risk and / or personnel. In order to
publish the lines of domestic violence is that such work has been proposed in order to
analyze the subjectivity and identity that permeate women who were served by the
institution.
KEYWORDS: Violence, Women, Shelter Home.
1
Este texto compõe, parcialmente, a produção do Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social pela
Universidade Federal de Sergipe 2010.2 (O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica
da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques), através de Estágio Curricular Obrigatório (2009 a 2010), na
Casa Abrigo Professora Núbia.
2
INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra a mulher tem tomado proporções cada vez maiores na
atual conjuntura, fato que fomenta a reflexão sobre esse fenômeno, não só como uma
violação dos direitos humanos, mas também como um evento que está arraigado nos
resquícios de uma cultura machista, na qual a mulher é vista como submissa, frágil e sem
direito à decisão.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a violência2
é definida como o uso
intencional da força física ou do poder, real ou ameaça, contra si próprio ou contra outra
pessoa, grupo ou comunidade, que resulte ou possibilite resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.
Apesar de inúmeras conquistas no campo do direito feminino, é recorrente em
noticiários e no próprio cotidiano, matérias que trazem em seu bojo a violência doméstica
contra a mulher, tornando algo que era “em quatro paredes” para o conhecimento geral, ou
seja, do âmbito privado para o público.
Em torno da violência doméstica há uma série de fatos que ocorrem no
relacionamento, mais conhecido como ciclos, que são constituídos por 3 fases: a
tensão/explosão- na qual ocorre os xingamentos e as agressões físicas, o arrependimento-
na qual o agressor pede desculpas e jura que nunca mais praticará o ato de violência e a
lua-de-mel- em que a vítima aceita as desculpas e possíveis presentes do agressor,
acreditando que as agressões psicológicas e físicas não acontecerão mais e que o mesmo
mudou diante de tanta gentileza3
.
Diante dos ciclos de violência, de forma velada inúmeras mulheres ainda suportam
várias formas de violência, não só a mais visível, que é a física, mas também a psicológica,
a patrimonial, a sexual e a moral, todas classificadas pela Lei 11.340/20064
.
De acordo com Minayo (2005), a violência é um fenômeno bastante complexo,
tendo em vista que para mensurar a causalidade e a problemática é demasiado controverso
porque envolvem a análise de valores e práticas culturais, como também fatores sócio-
históricos, econômicos e subjetivos.
Nesse sentido é pertinente dizer que a violência doméstica está ligada a questão de
gênero, aplicada pelo fato de ser mulher, em que as relações entre o homem e a mulher
2
Krug e col., 2002; Dahlberg e Krug, 2006.
3
PROTEÇÃO AS MULHERES, Violência Doméstica contra a mulher. De 01 novembro de 2011.
Disponível em http://mulheresprotegidas.blogspot.com.br/2011/11/violencia-domestica-contra-mulher.html.
Acesso em 27 abril de 2015.
4
Mais conhecida como Lei Maria da Penha, esta em homenagem a biofarmacêutica Maria da Penha Maia
Fernandes, que lutou para que seu agressor fosse condenado após tentativas de assassiná-la.
3
estão baseadas em quem manda e quem obedece, havendo nesse contexto uma correlação
de forças, em contraste um sentimento de amor-ódio entre pessoas com laços consaguíneos
ou afetivos.
Segundo Rocha,
Distingue-se, entre formas de violência doméstica, a violência conjugal.
Enquanto expressão da violência de gênero, as mulheres são a quase
totalidade das vítimas dessa forma de violência, caracterizada por
relações de dominação e de abuso de poder do cônjuge do sexo
masculino sobre o cônjuge do sexo feminino. A origem dessa violência
encontra-se na organização social de gênero, alicerçada na superioridade
masculina, em relações de desigualdade e hierarquia que se expressam,
no plano individual, na vivência cotidiana dos papéis sociais sexuados em
proveito dos homens5
.
Desse modo, vale destacar que a violência doméstica não está tão longe de nós, ela
faz parte do convívio de várias famílias, e não está restrita às camadas populares com
menor poder aquisitivo, já que sua prática independe de classe social e raça.
Diante dos recorrentes casos de violência doméstica, pode-se afirmar que constitui
um problema de saúde pública e econômico6
, onerando os cofres públicos, tendo em vista
que são acionados diversos serviços para dar suporte à mulher vítima como: Unidades
Básicas de Saúde e Hospitais, assim como requerimento de dispensa do trabalho para
recuperação, acionamento da delegacia, da Casa-Abrigo e da Justiça com processo para
execução das medidas protetivas de urgências7
e demais procedimentos.
Nessa linha de reflexão, é pertinente dizer que vários ganhos foram alcançados para
acolher a mulher em situação de violência, desde a promulgação da Constituição Federal
do Brasil de 1988 retratando em seu § 8º do artigo 226 mecanismos para coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar, a criação da Política de Gênero no Brasil com o I Plano
Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, encabeçando outros aparatos como: o
Programa Mulher, Viver sem Violência8
, Disque 180, a Lei Maria da Penha e mais
recentemente a Lei 8.305/20149
.
5
ROCHA, Lourdes de Maria Leitão Nunes. Casas-Abrigo no Brasil: no enfrentamento da violência de
gênero. São Paulo: Veras Editora, 2007. p.49.
6
Segundo DAHLBERG (2006), o custo da violência para o mundo se traduz em bilhões de dólares de
despesas anuais com cuidados de saúde.
7
São medidas cautelares que constam no Art. 22 de Lei 11.340/2006, voltadas para impor limitações ao
acusado em detrimento da ofendida.
8
Programa lançado em 13 de março de 2013, que consiste em integrar e ampliar os serviços públicos
existentes voltados às mulheres em situação de violência, mediante a articulação dos atendimentos
especializados no âmbito da saúde, da justiça, da segurança pública, da rede socioassistencial e da promoção
da autonomia financeira.
9
Altera o Código Penal Brasileiro na classificação de crime hediondo o assassinato motivado por razões de
gênero, menosprezo ou discriminação contra a mulher.
4
Já no campo estrutural através da rede de atendimento, com implementação de
serviços especializados, como: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
(DEAM‟s), Centros de Referências Especializados (com assistência social, psicológica e
jurídica), Casas-Abrigo, Defensorias Públicas, Varas Especiais. Destaca-se que os
primeiros direitos no campo de gênero foram conquistados paulatinamente, tendo início
com o movimento feminista na década de 1980.
Segundo Rocha (2007), os movimentos feministas explicitaram lacunas e omissões
das políticas com relação aos direitos humanos que não eram efetivados para as mulheres.
Foram solicitadas na década da redemocratização brasileira, nos meados de 1980, algumas
medidas que incluía a alteração do Código Penal, a criação de Conselhos Estaduais da
Condição Feminina, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, de Delegacias
Especializadas de Defesa da Mulher, de Centros de Atendimento Integral de abrigos para
as mulheres em situação de violência doméstica e de serviços específicos no Instituto
Médico Legal.
Como conquista do movimento em defesa dos direitos das mulheres, foi implantada
como rede de proteção a mulher em situação de violência e sob grave ameaça e risco de
morte, a primeira Casa-Abrigo no Brasil10
.
As Casas-Abrigos constituem locais seguros para o atendimento às
mulheres em situação de risco de vida iminente, em razão da violência
doméstica. Trata-se de um serviço de caráter sigiloso e temporário, onde
as usuárias poderão permanecer por um período determinado, após o qual
deverão reunir condições necessárias para retomar o curso de suas vidas.
(BRASIL, p. 55).
Para o atendimento de mulheres em situação de violência de Aracaju, existe a Casa-
Abrigo Professora Núbia Marques11
, com ações articuladas entre o Conselho Municipal
dos Direitos da Mulher e a Secretaria Municipal da Família e da Assistência Social12
,
enquadrada no Sistema Único de Assistência Social e na Tipificação dos Serviços
Socioassistenciais como um Serviço da Proteção Social Especial da Alta Complexidade,
direcionado para casos em que há rompimento de vínculos afetivos, risco social e/ou
10
Em São Paulo no ano de 1986 (Centro de Convivência para Mulheres)-Convida
11
Professora Núbia Marques foi poeta, ficcionista, membro da Academia Sergipana de Letras e Professora
do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe. Nasceu na cidade de Aracaju em
21.12.1927 e faleceu em 26.08.1999. Atuava nos estudos de comunidades, de mulheres trabalhadoras e da
igualdade de gênero. Foi exemplo de força através da realização de denúncias e organização de movimentos
pela Anistia em Sergipe na época da Ditadura Militar.
12
Mais informações sobre a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques, no Trabalho de Conclusão de Curso em
Serviço Social, O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora
Núbia Marques.
5
pessoal, denominado de “Serviço de Acolhimento Institucional para Mulheres em Situação
de Violência” (Resolução CNAS nº. 109, de 11 de novembro de 2009).
A Casa-Abrigo Professora Núbia Marques funciona em endereço sigiloso, em
concordância com as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento13
de Mulheres em Situação
de Risco e Violência, o sigilo é um pré-requisito para a implantação e existência do
serviço14
.
Entretanto, há uma série de dificuldades em âmbito nacional para a manutenção do
mesmo, uma delas consiste na necessidade inúmeras mudanças de endereço, acarretando
para o Estado15
o pagamento de aluguel de imóveis particulares que tenham estrutura para
abrigar no mínimo 20 mulheres16
, além da preocupação com o preparo de uma equipe
operacional e técnica17
capaz de administrar a não divulgação do endereço da instituição,
privando até mesmo os próprios familiares sobre o conhecimento do local de trabalho, uma
vez que existe muita curiosidade da população acerca da localização do abrigo18
.
É nesse universo de abrigamento que foram coletadas as informações que serão
analisadas a seguir, priorizando a fala das ex-assistidas e dos profissionais com o objetivo
de trazer à tona o que permeia nas entrelinhas da violência doméstica, no sentido de
analisar a subjetividade e identidade das mulheres que foram atendidas pela instituição, ou
seja, enfatizando não só a política pública direcionada a coibir e prevenir a violência
doméstica, mas em dar visibilidade a identidade e a subjetividade, abrindo ao público
como a mulher entende em seu íntimo os episódios de violência.
NAS ENTRELINHAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
Atualmente o Brasil atua no enfrentamento da violência doméstica por meio da
Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, entretanto, faz-se necessário o fomento
de mais trabalhos e pesquisas com espaço destinado à fala e experiência de vida de
mulheres em situação de violência ou que já passaram por essa violação, bem como de
13
Diz respeito à gama de possibilidades (serviços, programas, benefícios), de acolhimento provisório
destinado a mulheres em situação de violência (violência doméstica e familiar contra a mulher, tráfico de
mulheres, etc. ) que se encontrem sob ameaça e que necessitem de proteção em ambiente acolhedor e seguro.
(Diretrizes Nacionais para Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e Violência, 2011 p. 15)
14
(Diretrizes Nacionais para Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e Violência, 2011)
15
Em nível municipal, tendo em vista que o Estado não possui Casa-Abrigo para atender as mulheres em
situação de violência.
16
Muitos imóveis não possuem acessibilidade adequada.
17
Operacional: Coordenador, Agentes de limpeza, auxiliar administrativo, plantonistas e cuidadores.
Técnica: Assistente Social, Advogado e Psicólogo.
18
Para maior segurança também não há a divulgação do endereço para as próprias mulheres em situação de
violência.
6
profissionais que assistem esse público, no sentido de fomentar da transformação de um
trabalho vertical em horizontal, oportunizando o protagonismo das assistidas.
Diante do exposto, foi escolhida a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques19
como
campo de pesquisa, dando ênfase a análise da identidade e subjetividade das ex-assistidas
pela instituição. Segundo Souza (1994:17), “é o que, em princípio, nos diferencia dos
outros”.
A identidade, mais precisamente, a identificação do sujeito é atribuída ao conjunto
de qualidades de uma pessoa, o que permeia as suas características como: nome, sexo,
raça, bem como a identidade vinculada à escolha do indivíduo como: a ligação partidária, a
orientação sexual, o corte de cabelo, o modo de se vestir, dentre outros.
Constituindo em elementos que distinguem o indivíduo em um determinado local
ou grupo, no caso em pauta “as mulheres em situação de violência”, que foram assistidas
pela Casa-Abrigo Professora Núbia Marques, nomenclatura que as vincula com
características semelhantes, a um determinado grupo identificado pela experiência de
violência.
Na linha de pensamento de Cruz, a identidade é:
É um fenômeno social, estruturando-se em um contínuo processo de
identificação estabelecido através da rede de relações sociais, construídas
nas diferentes esferas do cotidiano- na fábrica, no sindicato, na casa, no
bairro, nos movimentos sociais-, enfim, nos diferentes lugares onde
homens e mulheres vivem sua experiência individual e coletiva. (CRUZ,
2005 p. 49).
Desse modo, a identidade está intrínseca em cada indivíduo ou grupo,
A identidade é, então, compreendida como construção de nós, do fazer de
cada coletividade: o trabalho, a cultura e as práticas políticas são
elementos formadores do indivíduo, enquanto pertencente a um grupo no
qual um se define e é definido pelos laços de sociabilidade. (CRUZ,
2005: Cit. 49)
No processo de construção da identidade pode-se afirmar que ela está
correlacionada à subjetividade20
, em virtude da capacidade humana em promover
adaptações ou até mesmo transformações, no sentido de abrir possibilidades para novas
identidades, assim constrói-se a subjetividade. Segundo Weedon apud Cruz,
19
Dando continuidade a análise iniciada no Capítulo IV do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado O
Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques.
20
De acordo com Abid (1999), a subjetividade refere-se à qualidade subjetiva (mental ou privada), de algo,
ou seja, refere-se a eventos, estados, processos e disposições mentais ou privadas que, por causa dessas
qualidades, só podem ser de, ou pertencer a, ou estar em um sujeito.
7
[...] a subjetividade nos permite reconhecer e tratar das formas pelas quais
os indivíduos dão sentido às suas experiências através do discurso,
incluindo seus entendimentos conscientes e inconscientes e as formas
culturais disponíveis, através das quais tal entendimento é reprimido ou
permitido. (WEEDON, 1975 apud CRUZ, 2005, p. 51).
Diante do que se propõe a pesquisa será analisada a subjetividade das mulheres em
questão, tendo em vista que esta ação refletirá na oportunidade da abertura de suas
experiências para o público21
, potencializando as suas falas e identificando possibilidades
de melhorias na execução política pública para as mulheres22
.
Para tanto, serão analisados dados qualitativos obtidos mediante 6 entrevistas
semiestruturadas23
, (com 2 profissionais e 4 ex-assistidas). As entrevistas foram realizadas
individualmente e com plena permissão de cada participante, executadas no CREAS São
João de Deus24
e outras no próprio domicílio das ex-assistidas. A investigação dos dados
foi baseada na pesquisa exploratória, que Segundo Gil,
[...] têm como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e
idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou
hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Habitualmente envolvem
levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e
estudos de caso. (GIL, 2006, p.43)
A pesquisa exploratória proporciona uma maior familiaridade com o problema,
com vistas a torná-lo mais visível, oportunizando a possível construção de hipóteses sobre
o alvo da pesquisa com a finalidade de afirmá-los ou refutá-los. Nesse sentido, para este
estudo, foram antecipadas algumas hipóteses:
 A violência doméstica está arraigada na cultura machista, na qual a mulher é
vista como submissa (sexo frágil);
 A maioria das mulheres em situação de violência não denuncia os casos por
medo ou por dependência econômica e/ou emocional;
 Há o pensamento que a mulher deve suportar os episódios de violência “até que
a morte os separe”;
 Existe o processo de naturalização da violência no qual a “vítima” acha que é
normal ser agredida, tendo em vista a ideia que é culpada pela situação.
21
Uma vez que o acesso as assistidas e ex-assistidas pela Casa-Abrigo é restrito, tendo em vista resguardar o
sigilo de suas identidades, bem como do endereço da instituição.
22
A pesquisa é de suma importância para o meio científico, pelo fato de trazer consigo indicadores de um
público restrito, devido o caráter sigiloso que permeia as Casas-Abrigo no Brasil.
23
Segundo Richardson (2007), a entrevista semiestruturada visa responder a alternativas pré-formuladas,
para obter do entrevistado o que ele considera mais relevante nos aspectos de determinado problema.
24
Os dados foram coletados no mês de maio de 2015.
8
Para dar prosseguimento ao estudo, no sentido de testificar as hipóteses, foram
desenvolvidos 11 questionamentos (profissionais) e 14 (ex-assistidas), como coleta de
dados, analisados rigorosamente preservando as falas originais das ex-assistidas,
mantendo o sigilo de seus nomes, criando-se nomes fictícios para identificá-las.
1.1- A identidade e subjetividade das mulheres em situação de violência doméstica
A coleta de dados das ex-assistidas foi bem minuciosa, tendo em vista que a
reconstrução dos episódios de violência foi de extrema dor para elas, principalmente pelo
sentimento de retorno ao passado, trazendo lembranças que deixaram marcas que o tempo
ajuda a amenizar, mas nunca a esquecer.
Foram escolhidas 4 ex-assistidas de forma intencional, através de contato telefônico
com as mesmas. A pequena mostra se deu pelo fato da dificuldade de encontrar tal público,
tendo em vista mudança de endereço e de contato telefônico. Quanto ao perfil das
entrevistadas segue abaixo a tabela demonstrativa.
Nome Idade Nº de
Filhos
Estado Civil Grau de Instrução Ocupação
Cláudia* 30 Anos 02 Solteira Ensino Médio
Incompleto
Do Lar
Paula** 33 Anos 02 Solteira Superior Completo Empresária
Verônica 39 Anos 02 Solteira Ensino Fundamental
Incompleto
Do Lar
Josefa 52 Anos 06 Divorciada Ensino Fundamental
Incompleto
Serviços
Gerais
*Cláudia é proveniente da cidade de Santos-SP, mas residia em Aracaju com o agressor há 6 anos. Foi
abrigada na Casa-Abrigo Professora Núbia Marques em 2009, junto com os dois filhos, logo depois
transferida para a cidade de origem após ter passagem custeada pela Prefeitura Municipal de Aracaju.
**Paula é do Rio de Janeiro, foi transferida da Casa-Abrigo do RJ para a Casa-Abrigo Professora Núbia
Marques em 2009, o abrigamento foi realizado apesar de a instituição ser municipal.
Para externar a identidade e subjetividade foram destacados alguns depoimentos:
Sobre o histórico de vida em meio à violência doméstica, as formas de violência que
sofreram e quem foi agressor e por quanto tempo foi vítima desta, algumas das ex-
assistidas apontaram que iniciaram a convivência ainda no período da adolescência e que
tudo no começo eram “flores”, mas com algum tempo de convivência as discussões foram
aumentando por conta de ciúmes do parceiro em não deixar a companheira praticar
atividades simples do cotidiano como: estudar, sair sozinha, fazer compras, se vestir de
acordo com o próprio gosto, dentre outros.
9
Com o passar do tempo, além das discussões, começaram os xingamentos, as
agressões psicológicas (ameaças) e por fim as agressões físicas. Quase todas passaram
pelas fases do ciclo de violência tensão/explosão- arrependimento- lua-de-mel- sempre
aceitando as desculpas do agressor em detrimento do um relacionamento feliz, mas depois
de algum tempo as agressões voltavam a acontecer, trazendo consigo muita dor, muito
medo, bem como receio em denunciar por motivo de ameaças, por gostar do parceiro, por
ter o pensamento que deveria “salvar o casamento” ou por não querer que o agressor fosse
preso, como podemos ver neste depoimento:
[...] Após quase 10 anos de sofrimento, apanhano com murros, tapas e
acusações [...] eu resolvi contar pra minha família, eles me ajudaram
porque naquele tempo eu não trabalhava e tinha seis fios pra criar, não
queria ver o pai deles preso, queria salvar meu casamento, mas não deu.
(Josefa, 52 anos e 6 filhos)
Além do sentimento de querer conviver “até que a morte os separe”, também há o
sentimento de vergonha, humilhação e medo, não só danos físicos, mas também
psicológicos que deixaram marcas invisíveis. O sentimento de tristeza em cada
entrevistada foi expresso pelas lágrimas nos olhos (segundo depoimentos), pelo
nervosismo em relatar tais agressões, bem como pelo alívio em ter superado o conflito
outrora vivenciado.
A gente se conheceu ainda quando eu era nova, logo engravidei e fomos
morar juntos. No início tudo era bom, mas depois tudo se transformou
quando nos mudamos de Santos para Aracaju. Ele saia direto e não me
dizia para onde ia, [...] a gente brigava sempre, [ele] me xingava [...].
Chegou o dia que ele me deu um murro do rosto e saiu me arrastando
pelos cabelos. [...] foi horrível, não sabia quem me acudisse [...] tinha
muita vergonha [...] passei 5 anos nessa tribulação. (Cláudia, 30 anos e 2
filhos)
Eu passei por todos os tipos de violência, praticada pelo meu ex-
companheiro durante 7 anos. Eu vivia presa [em casa]. Foram tantos
tapas na cara, pontapé, xingamentos na frente dos menino. [...] não podia
nem me ajeitar que ele [agressor] dizia que era pros machos e esfregava
minha cara no chão e depois segurando nos meus cabelos me levava até o
espelho para dizer que eu não prestava pra nada. [...] escondia meus
documentos e só podia sair se fosse com ele. Depois sempre pedia
desculpas e eu acreditava. (Verônica, 39 anos e 2 filhos)
[Comecei] a namorar com 13 anos e ele com 33 [...] não era agressivo,
ele mudou a história da minha família, éramos muito pobres, passávamos
fome e ele ajudou muito. [...] Namoramos por três meses [...] fomos
morar juntos. [No início] era flores direto, bilhetinhos, ligações [...], era o
casamento perfeito. [...] tive meu primeiro filho com 18 anos. As
agressões começaram quando [nosso] segundo filho nasceu. [...] Fui
vítima por 6 anos por não ter família „estruturada‟[...] tive medo de sair
10
de casa. Até que ficou insuportável. [...] agressões verbais [...] passaram a
violência física, ameaças e estupros. (Paula, 33 anos e 2 filhos)
O período de violência relatado nos depoimentos é bem extenso, mostrando a face
do medo, do sentimento de insegurança e da convicção de mudança do companheiro. É
notório que companheiros utilizavam a violência como forma de resolução dos conflitos
matrimoniais, uso da força e do constrangimento emocional e psicológico, cerceando o
direito de ir e vir, de se produzir e até de se sentir bem consigo mesmo.
Sobre o vínculo com o agressor, quase todas alegaram que não possuem mais
nenhum tipo de contato, com exceção de Josefa, por conta que o ex-companheiro visita os
filhos. Questionadas se já havia sentido culpa em detrimento das agressões, elas
expressaram suas representações: “Me sentia muito triste [...] pensava que eu era a
culpada em algumas situações porque minha mãe sempre dizia que era para eu ficar calada,
mas eu sempre quis enfrentar por não achar certo o que ele fazia”. (Verônica)
Na verdade eu sempre me achei culpada, porque ele sempre chegava em
casa colocando defeito em tudo [...], era um inferno, ainda mais quando
os meninos tava na hora. [...] sempre tentei agradar, mas não adiantava.
Me arrependi de abandonar a minha família pra vim morar em Aracaju.
(Cláudia)
Não dava nem tempo de pensar, não me sentia bem com tudo aquilo,
queria viver bem e não ser tão maltratada e humilhada. Não sabia o que
tinha mudado [...] ele era tão bom, mas começou a tomar cachaça, dormir
fora de casa e ter várias [mulheres]. (Josefa, 52 anos)
Muitas vezes, porque queria entender onde eu tinha errado, nunca fui
conivente com as agressões [...] sempre denunciei [...] fiz mais de 20
ocorrências, desde a primeira vez. [...] sempre nas DEAM‟s do Rio de
Janeiro, mas sempre ouvia a mesma coisa quando eu falava da profissão
dele. Eles perguntavam “O que você fez de errado?” “Ele não jogaria a
carreira fora por causa de você” [...]. Quantas vezes saí sem rumo das
DEAM‟s. (Paula, 33 anos).
Nos depoimentos as mulheres afirmaram que se sentiam culpadas por serem
agredidas. Este constitui em um fenômeno recorrente na violência doméstica, identificado
por Bordieu (2003), “como violência suave, invisível as suas próprias vítimas”, no qual a
vítima desconhece o processo de violência, mais precisamente não se acha vítima, pois se
reconhece como a causa das agressões.
No último depoimento, Paula afirma que além de se sentir culpada, também via que
seu caso estava sem solução, pois todas as vezes que tentava realizar o boletim de
ocorrência, sempre os atendentes indagavam que ela tinha realizado algo de errado em
11
detrimento do companheiro ser Policial Militar, que não corresponde aos parâmetros de
atendimento de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher - DEAM‟s.
Atualmente as Delegacias Especializadas possuem em seu quadro majoritariamente
mulheres, com a finalidade de evitar posturas de revitimização. Segundo Paula em outra
tentativa de fugir das agressões saiu sem rumo com os dois filhos até ser ajudada por um
agente penitenciário.
Após fugir com as crianças depois de um ataque de fúria dele, um agente
penitenciário me viu de madrugada no ponto de ônibus [...] parou o carro
e ofereceu ajuda e me levou a uma DEAM no Rio de Janeiro [...] eu já fui
descrente porque iam me chamar de doida [...] Aí um policial civil que
estava de plantão abriu a delegacia, me perguntou o que estava
acontecendo, [...] ligou para a delegada, foi a primeira vez que me senti
segura. (Paula, 33 anos)
No relato é notório uma série de vulnerabilidades sociais25
, fatores desencadeados
pela violência doméstica, agravada pela influência ocupacional do companheiro que
sempre a encontrava nos órgãos de proteção à mulher, e a ameaçava de tirar-lhes a guarda
dos filhos. “Sou oficial da PM, você não é nada [...] ou você volta ou perde os meninos”
(Paula reproduzindo a ameaça do companheiro).
Acrescentou também que em um dos atendimentos uma das equipes de um Centro
de Atendimento à Mulher do Estado do Rio de Janeiro26
, chegou a duvidar dela “Me
disseram que eu era compulsiva e com mania de perseguição e que meu o companheiro
como policial jamais ameaçaria dentro de um local vigiado”, “Ele era muito convincente
no que dizia, até eu comecei a duvidar se eu era doida”. (Paula)
A cultura machista ainda tem seus resquícios na atual sociedade, apesar de vários
avanços em leis, decretos e aparelhos especializados, ainda é recorrente uma pequena
parcela de cidadãos e profissionais que ainda culpabilizam a mulher em detrimento do
homem27
, mesmo que de forma velada, ou até mesmo sem perceber, visto que a cultura
machista está arraigada no processo de formação cultural do brasileiro. Principalmente
pelo viés da força, onde o homem tudo pode, e para a mulher só resta a função de ficar em
casa cuidando da prole e dos afazeres domésticos, uma visão arcaica sob os parâmetros do
homem patriarcalista, que alega uma série de justificativas- “em briga de marido e mulher
25
Situação de extrema fragilidade, que torna o indivíduo e/ou família expostos a riscos, apresentado pela
falta material ou através da privação de diversos direitos que são essenciais ao ser humano.
26
Ocultado o nome da instituição.
27
Importante ressaltar que com a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, o número de profissionais
especializados e capacitados torna-se cada vez maior, rompendo com a revitimização da mulher no processo
de registro de ocorrência e demais encaminhamentos.
12
não se mete a colher”, “as mulheres gostam de homens rudes”, “os homens não controlam
seus extintos”, “a mulher é que gosta de apanhar”, “a mulher é que não presta”.
Identificando a subjetividade entrelaçada em cada fala sobre como se sentiam
na época das agressões, relataram: “Me sentia muito triste, me achava feia, ficava muito
irritada porque tudo era um inferno, queria paz e um casamento feliz” (Cláudia).
Já em outra fala, destaca- “Ficava sempre angustiada, não sabia mais o que fazer,
me sentia impotente, uma pessoa sem objetivo nenhum” (Verônica).
Me sentia um nada, como se eu fosse um trapo, sem valor [...] uma
tristeza muito grande, não tenho nem palavras, [...] muito humilhada, não
dava nem pra lembrar quando ele tinha dito que gostava de mim[...] não
desejo a ninguém. (Josefa)
Eu me sentia um lixo, menor de todos os seres humanos, me achava
louca, achava que eu fantasiava, [...] quando eu vi a delegada e falei tudo
[...] cheguei a dizer que eu precisava de ajuda [...] que eu era maluca.
(Paula)
A tristeza é descrita como elemento presente em todas as falas, além da baixa
autoestima gerada pelos maus-tratos, sentimentos que a tornavam vulneráveis e que
atuavam como grilhões em seus cotidianos. A violência não é somente física, mas
psicológica, pois os agressores induziam as “vítimas” a acreditarem que não havia mais
solução, que estavam fadadas a viver no ambiente de violência, ou até mesmo que estão
descontroladas ou loucas.
Sobre a confiança na justiça, sobretudo na Lei Maria da Penha para resolver
os seus casos, elas apontaram:
Na verdade eu não conhecia a delegacia da mulher e nem a lei, sempre
me senti sozinha [...] não sabia a quem buscar [ajuda], me sentia presa.
Não tinha ninguém de minha família em Aracaju. Tinha medo [...] foi aí
que ficou insuportável [...]. Resolvi pedi ajuda na delegacia do bairro e
eles me levaram pra delegacia da mulher. (Cláudia)
Passei muitos anos sofrendo, não conhecia a lei, achava que a justiça não
ia fazer nada, [...] eles têm coisa mais importante para fazer, prender os
bandido. Tinha medo que ele me matasse ou que se vingasse dos meus
fios. Foi quando [ele] me espancou [...] quase morri, os vizinhos
chamaram a SAMU e fui levada para hospital e depois pra o IML.
(Verônica)
Já tinha ouvido falar da lei na televisão, por isso que depois de tanto levar
na cara e ser maltratada é que procurei denunciar. Mas pensava que não
ia se resolver [...] ele dizia que não era bandido para ser preso, foi aí que
fui parar na Casa-Abrigo e tudo foi resolvido na delegacia. (Josefa)
13
Segundo o depoimento de Paula, ela sofreu com a rede de proteção a mulher, por
seu companheiro ser bastante influente e convincente, dando sempre a entender que ela era
a culpada, motivo que a faz acreditar que alguns profissionais da área não confiavam no
depoimento dela, fato que fez com que a mesma se questionasse se estava mesmo louca.
Acrescenta foi atendida pela equipe de um dos órgãos de proteção à mulher que a
acolheu de forma diferente, que a delegada a encaminhou para fazer exame de corpo delito
e para a Casa-Abrigo do Estado do Rio de Janeiro, e que a mesma deu prosseguimento ao
caso comunicando o fato ao Ministério Público.
Entretanto, afirma que foi para a audiência sozinha, sem ninguém da equipe técnica
da Casa-Abrigo. Por isso diz que não acreditava na justiça e que a Lei Maria da Penha não
a ajudou, porque não depende somente da lei em si, mas da equipe que faz o atendimento:
Achavam que eu mentia [...] porque ele era muito simpático, educado,
tinha justificativa para tudo. [...] mas hoje sem violência [...] eu também
teria dúvidas, [...], ele era muito abusado, falava na minha cara que eu era
doida. A Lei Maria da Penha não ajuda, eu tive sorte, porque quem sofre
violência é muito massacrado, é visto como acomodado, [...] que se a
mulher sofre violência é por que quer. Mas na realidade, depende da
equipe que você encontra para te ajudar, porque não me sentia viva. [...].
(Paula)
Diante do fato apresentado por Paula, foi perguntado se nunca deu para ver as
marcas físicas das agressões, ela respondeu:
Ele sempre me bateu na cabeça, por conta do cabelo. [...] Mas uma delas
foi tão forte que afundou meu crânio [...]. As outras saiam rápido e por
ser negra não aparecia muito. O afundamento foi com o cabo da arma, um
38, não era a arma que usava em serviço. Na última agressão ele foi
preso, [...] foi a mais grave. Soube no dia da audiência que ele tinha sido
preso no dia seguinte a agressão, saiu no jornal e tudo. (Paula)
Sobre as medidas protetivas de urgências (Lei Maria da Penha) que obrigam o
agressor a manter distância da ofendida por alguns metros, responderam:
Não conhecia até fazer a denúncia [...], mas acho que é muito complicado
porque vai depender do agressor, se ele quiser agredir de novo? aí pode
ser tarde demais, não tem quem vigie essa distância. Não acho que dê
certo. (Claúdia)
Essa distância é muito difícil de ser respeitada, depois que sai da Casa-
Abrigo, já vi no jornal várias mulheres sendo morta, mesmo denunciando
o marido. [...] essa distância não dá segurança a ninguém, tem muito
homem ousado, não respeita nem a polícia. (Verônica)
14
Acho que se o agressor quiser espancar, ele vai de qualquer jeito. Só
Deus pra nos guardar, porque a polícia não vai ficar o tempo todo
guardando a gente. Só fiquei aliviada quando fui com meus filhos para a
Casa-Abrigo. (Josefa)
Não é eficaz, nunca foi respeitada [...] a polícia não está pronta para isso
[...] acha falta de serviço atender mulher com medida protetiva. Eu tinha.
[...] Uma vez ele [o agressor] invadiu a casa [...] os PMs disseram que ele
tinha direito de ver os filhos, riram várias vezes. [...] Nunca funcionou
medida protetiva. (Paula)
Segundo os depoimentos das ex-assistidas quase todas afirmaram que não
conheciam a Lei Maria da Penha, algo que precisa ser mais divulgado em meios mais
acessíveis para o público em questão, como: escola, unidades básicas de saúde, hospitais,
rádio e televisão.
Outro ponto importante seria a mobilização de centros comunitários e da
preparação da polícia comunitária, a fim de evitar condutas de preconceito e de mau
atendimento. As comunidades precisam ter a polícia e a justiça como aliada e não como
inimiga e reconhecer que a violência doméstica é um crime e que deve ser denunciado.
É consenso entre elas que as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor
a manter distância da ofendida, não ajudam no rompimento do ciclo de violência, tendo em
vista que depende do autor das agressões não infringi-las, porque a polícia não tem como
estar presente 24h.
Com relação ao impacto do histórico de violência doméstica em suas vidas,
apresentaram suas representações: “Apesar de todo sofrimento que passei, hoje aprendi
que devo me amar primeiro para poder amar alguém”. (Cláudia). “Pensei que nunca me
livraria daquele inferno, hoje sou uma nova mulher, apesar de não querer relacionamento
sério com ninguém”. (Verônica)
Aprendi que a mulher deve se dar valor e não ficar mendigando o amor
de ninguém, não vale a pena sofrer tanto. É um trauma para o resto da
vida, não gosto nem de lembrar, quantas noites passei sem dormir,
aguentando desaforo e humilhação [...] chega um momento que cansa.
(Josefa)
Hoje eu tenho crises de pânico, nunca mais me relacionei com ninguém.
[...] Mas teve uma coisa boa, eu tinha um amigo [fazia] faculdade de
direito [...] sempre conversei, ele tinha um irmão promotor de justiça.
Quando eu parei em Aracaju, sem nada, pedi socorro a ele [...] porque eu
não conseguiria nada [...] sem provar que eu era. [...]. Eu voltei [para o
Rio de Janeiro], consegui viver de novo. Terminei a faculdade em Direito
[...] fui trabalhar com um amigo da família dele em Minas Gerais.
(Paula)
15
O sentimento de superação está presente em todas as falas, apesar de um ainda
registrar as sequelas deixadas pelas agressões, entretanto todas puderam experimentar a
sensação de liberdade, tomando o rumo das suas vidas e alcançando objetivos que não
esperavam, a exemplo de Paula que depois de muita persistência em estudar, conseguiu
galgar aos poucos a realização de ser graduada em Direito.
Questionadas se os episódios de violência a tornaram mais apreensiva para
iniciar outro relacionamento amoroso. Apontaram que: “Já tive namorado, mas nada
tão sério”. (Cláudia). “Nem quero pensar em homem, quero viver minha vida livre”
(Verônica). “Já apareceu interessados, mas quero trabalhar e cuidar dos meus filhos”
(Josefa). “Nunca mais me relacionei com ninguém” (Paula).
Nas falas nota-se que algumas conseguiram se relacionar após dos episódios de
violência e outras não, abrindo-se um leque de possibilidades de interpretação, como: o
medo de sofrer novamente ou até mesmo por se sentir livres para fazer o que tinham
vontade e não podiam em detrimento do relacionamento, principalmente por
experimentarem a autonomia, a possibilidade de gerenciar suas próprias decisões.
Sobre a importância do apoio da família para o processo de superação de
violência, relataram: “A família é importante, só sofri tanto tempo porque não tinha
ninguém da minha família perto de mim, [...] quando moramos em Santos ele era um amor,
só foi pisar em Aracaju, que tudo começou” (Cláudia). “Minha família é do tempo antigo,
casou tem que viver para sempre, acho uma injustiça eles pensarem assim, fico triste”
(Verônica). “Depois que sai da Casa-Abrigo minha mãe sempre me ajuda, sem o apoio da
família não dá pra se levantar” (Josefa). “[...] Minha família não me ajudou [...] diziam
que se eu quisesse morrer, que morresse sozinha”. (Paula)
A família é base estrutural para o indivíduo, mas nem sempre é espaço de proteção
e cuidado, é também um espaço de contradição/conflito e de possível violação de direitos.
Pode-se perceber que a família foi importante no processo de superação de violência, mas
em dois casos não houve o mesmo resultado, uma pelo entendimento arcaico que a mulher
deve suportar tudo, inclusive ser vítima de violência, “até que a morte os separe”, em outro
caso a família se recusou a dar apoio, provavelmente por ter medo do agressor ou por não
querer se envolver no relacionamento marital.
A respeito da rede de proteção28
, se a mesma foi importante para a resolução
do caso de cada uma, apontaram: “Sem a delegacia eu não teria conseguido me livrar do
28
Formada por Centro de Atendimento Especializado da Assistência Social, Centro Regional de
Atendimento à Mulher, Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo, Núcleo de
Defensoria Pública, Varas Especializadas, Hospitais, dentre outros.
16
sofrimento” (Cláudia). “A Casa-Abrigo foi muito importante para mim, eu pude pensar na
minha vida e fazer planos, apesar de ficar muito nervosa quando pensava que ia sair e não
sabia o que me esperava”. (Verônica) “Abaixo de Deus, a equipe que me atendeu, sou
grata por tudo que fizeram por mim”. (Josefa)
A rede de proteção foi falha comigo, só a justiça em si e a amizade que
me ajudaram a levantar. No caso a delegada e a audiência final, através
do MP, e a minha chegada em Aracaju, porque fomos em todos os órgãos
e ninguém entendeu por que me mandaram sem nada, parece que
quiseram jogar a responsabilidade de um Estado para o outro para
encobrir um erro, mas sou muito grata a equipe daí [de Aracaju] Me
ensinaram a ser forte.(Paula)
Nos depoimentos as mulheres alegaram que a rede de proteção foi importante para
elas, destacaram a delegacia e a Casa-Abrigo. Com exceção de Paula que afirmou que só a
amizade e a justiça a ajudou, porque achou que não teve um bom atendimento em algumas
delegacias do Rio de Janeiro, precisou registrar 20 boletins de ocorrência para poder
chegar até o inquérito policial e audiência com juíza.
Acerca do que precisa melhorar na área da proteção à mulher em situação de
violência, disseram: Acho que deveriam ver uma forma de resolver mais rápido, porque
me senti presa na Casa-Abrigo, foi muito tempo para audiência, parecia que eu era a
bandida e ele solto por aí. (Cláudia). “Nada, fui muito bem acompanhada pela equipe da
delegacia e da Casa-Abrigo” (Verônica). “Que o tempo para prender o agressor fosse
menor, devia prender logo” (Josefa).
Eu acho que não deve julgar pelas aparências, se [a equipe] tiver dúvidas
se a mulher agredida está mentindo, a equipe tem que desvendar.
Ninguém consegue mentir 24 horas por dia. Acredito que existe
preconceito dentro da própria rede de atendimento. [...]. Eu fui meio que
julgada, porque meus filhos tinham escola particular, tinha empregada,
fazia faculdade. Não estava bom? Me tornei símbolo de egoísmo porque
eu iria tirar tudo dos meninos a troco de nada. (Paula)
Entre os depoimentos destaca-se a vontade de o agressor ser preso de imediato,
entretanto o fato só é possível em caso de flagrante, o que gera um desconforto para a
vítima. Outro aspecto é sobre o preconceito no acolhimento na rede de atendimento, no
caso em questão é perceptível que a fala expressa que a mulher deve estar satisfeita com a
parte financeira e não se sentir ofendida pelas agressões.
Questionadas sobre a participação em organização em prol ao combate da
violência contra a mulher todas afirmaram que nunca participaram de atividade
voltada para o fim, mas uma delas destacou:
17
Não [participa], tenho alunas bolsistas vítimas de violência no meu
cursinho, são futuras PFENS (Policiais Militares Femininas), [...] tento
fazer tudo que nunca fizeram por mim. Tenho amigos hoje promotores,
delegados, PMs, que várias vezes me ajudaram a socorrê-las de
madrugada [...] hoje estão bem, mas [as] pegamos quase mortas, [...], foi
a forma que encontrei para não enlouquecer [...] ninguém sabe [que sofri
violência]. Meu curso hoje tem nome, tenho vários alunos já formados
como PMs, [...] nas aulas eu falo muito sobre violência com eles, eu acho
que eu tenho que formar PMs mais humanos, considerando que a mulher
não é lixo, [...]. (Paula)
O histórico apresentado por Paula reflete sobre suas ações atuais, tendo em vista
que os episódios de violência a fez concluir o curso em Direito e a começar administrar um
Curso para formação de futuros policiais militares, na tentativa de fazê-los refletir sobre a
prática profissional sem violência e sem preconceito contra a mulher.
Indagadas a expressar sobre atual autoestima, apontaram: “Apesar de todo
medo que vivi, tenho uma vida normal, não gosto nem de lembrar da violência, é muito
ruim” (Cláudia).”Hoje estou livre, sou outra pessoa, sem ninguém me espancando, estou
feliz com os meus filhos, posso me arrumar como gosto” (Verônica). “Sou uma mulher
livre, quero ser feliz com os meus filhos, mas tenho medo de sofrer novamente” (Josefa)
Não me olho no espelho, tenho vergonha, [...] eu me sinto um nada.
Desde que voltei é a primeira vez que tô falando sobre o assunto, [...] as
palavras vão saindo errado, porque a lágrima vai correndo, [...] tem
muito tempo que não falo sobre isso, você meio que revive os deboches,
as frases. (Paula)
Dentre as falas é visível uma mistura de alívio pela autonomia e uma série de
sequelas emocionais que ainda persistem. Sobre as expectativas/projetos de vida e de
trabalho, representaram as seguintes falas: “Penso em cuidar dos meus filhos, estou
desempregada no momento, mas minha família me ajuda muito” (Cláudia). “Quero viver
o que nunca pude fazer, penso em ser livre de violência e que meus filhos sejam felizes”
(Verônica). “Minha vida mudou muito, hoje trabalho e sustento meus filhos, não dependo
mais de ninguém para comer e vestir, [...] quero ver meus filhos criados” (Josefa).
Tenho de continuar com meu curso, acompanhar minhas “filhas” [as
alunas] que me dão muito orgulho, minhas guerreiras, ver meus filhos
formados, e eu parar de ter medo de viver. Só espero que quem passar por
isso [...] [violência doméstica], consiga mudar de vida. Porque sequelas
existem [...] são graves. (Paula)
18
As depoentes têm como expectativa o desejo de cuidar da própria vida, viver o que
não podiam fazer, serem felizes, criar os filhos e trabalhar. Na fala de Josefa é nítido o
prazer em gerir a própria vida, de não depender de ninguém para custear os gastos
familiares. Já Paula agrega sua expectativa de vida somente no trabalho, na realização dos
filhos e das alunas em que ela busca força para esquecer os momentos de sofrimento com a
violência doméstica.
1.2- A visão dos profissionais sobre a violência doméstica
As entrevistas com as 2 profissionais (assistentes sociais), foram realizadas após
aprovação da Gerência da Proteção Social Especial da Secretaria Municipal da Família e
da Assistência Social de Aracaju. Os questionamentos e respostas serão apresentados de
forma direta e indireta destacando os pontos mais cruciais para a pesquisa.
De acordo com a análise das falas foi perceptível que as profissionais entendem a
violência doméstica como algo complexo, que envolve vários fatores.
“[...] tal temática é complexa, envolve diversos fatores sociais,
econômicos e culturais. Pelas consequências que [...] provoca deveria
alcançar maior visibilidade na elaboração de programas e projetos
governamentais, requer também o envolvimento com a sociedade civil”.
(Assistente Social 1)
Bem como relaciona a questão da desigualdade entre os gêneros, assim como diz a
(Assistente Social 2),
A violência contra a mulher está relacionada com as questões de
desigualdade entre os gêneros, a qual por elementos socioculturais impera
a figura da autoridade masculina, e dessa forma, o homem acredita ter o
direito de posse a respeito da mulher.
A contribuição da Casa-Abrigo sobre a visão das profissionais é uma medida de
proteção e de emergência que atua na efetivação da Lei Maria da Penha, garantindo à
mulher e aos filhos a integridade física, reforçando o impedimento de nova agressão, tendo
em vista proteger a vítima do agressor em caso de denúncia, bem como impede da
ofendida de entregar o boletim de ocorrência. Sobretudo em oportunizar a orientação dos
profissionais, uma vez que apresentam baixa autoestima. Entretanto, se faz necessário
destacar a seguinte fala:
19
[...] [o] apoio resume-se muitas [...] vezes ao “abrigamento” da mulher
sem sequer elaborar uma intenção de acompanhamento pós-
desligamento, ou mesmo o encaminhamento para as unidades de proteção
social de média complexidade, a saber, os CREAS‟s. (Assistente Social
1)
Sobre os pontos que precisam melhorar destacaram que seria a articulação com a
rede socioassistencial e sistema de garantia de direitos em prol do fortalecimento das
ações, bem como no período de abrigamento em realizar atividades para que as famílias
não permaneçam em inatividade, tendo em vista que só podem ter acesso externo em
algumas situações.
Outro aspecto que chama a atenção para a melhoria está relacionado ao respeito às
normas de segurança já citadas nesse estudo:
[...] aqui no município de Aracaju/SE, é em relação às normas de
segurança. Devendo ser preservado o sigilo do endereço, por questões de
segurança, nem sempre tais normas são respeitadas. Isso porque, o
endereço tem sido facilmente identificável, seja pelas usuárias ou por
funcionários que não compreendem exatamente como resguardar
informações sobre a localização do Abrigo. (Assistente Social 1)
Já a sobre a Lei Maria da Penha, se a mesma tem facilitado o trabalho com as
mulheres assistidas, as profissionais afirmaram que sim. “[...] efetiva uma proteção social a
mulher vítima de modo a direcionar ações que visem garantir a integridade desta mulher,
porém falta muito para efetivar em sua plenitude o que diz a legislação” (Assistente Social
2). É também mencionada a preocupação de como a violência deve ser enfrentada,
“[...] É inegável que a regulamentação de um dispositivo legal corrobore
para o alcance de fins de garantias de direitos, ainda que não sejam
efetivadas a contento. Porém, aponta um caminho para a maneira como a
violência doméstica deve ser encarada, isto é, como crime. (Assistente
Social 1).
Sobre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (Artigo 22 da Lei
Maria da Penha), se são suficientes para a garantia da segurança da vítima, afirmaram
categoricamente que não. Interpretando a fala das profissionais destaca-se que o agressor já
transgride a lei quando atua com violência doméstica, e é muito difícil que o mesmo possa
respeitar tal determinação, assim também pela própria lacuna sobre a manutenção
distância, sobretudo em cidades pequenas, sendo inevitável o encontro com o agressor,
assim necessitam de maior rigor em sua monitoração, evitando reincidência da violência
doméstica.
20
Acerca das formas de violência as profissionais apontaram consensualmente que
são iniciadas pela violência psicológica até chegar à violência física. Segundo a fala de
uma das profissionais a violência psicológica é a forma de maior dificuldade para ser
identificada, tendo em vista a exposição da subjetividade da mulher. Há o destaque
também, mais em menor proporção, da moral e patrimonial. Indagadas sobre o estado das
mulheres assistidas, se as mesmas apresentam muitos ferimentos ou uso de medicamentos
psicoativos, apontaram que,
Nos casos que encaminhei para a Casa-Abrigo, posso dizer que a maioria
chega[vam] com sinais de violência física. Acredito que, é no momento
de maior tensão que a mulher decide pela denúncia como uma questão de
sobrevivência. O uso de remédios psicoativos é menos recorrente, pelos
menos declaradamente. (Assistente Social 1).
Atualmente, o serviço do CREAS não é mais porta de entrada das
mulheres para a Casa-Abrigo, então não sei dizer como se encontra o
estado das mulheres que são encaminhadas para lá, o que podemos dizer
é que antes, as mulheres apresentavam muitos ferimentos por conta das
agressões sofridas. (Assistente Social 2).
Sobre o maior entrave no período de abrigamento destaca-se diversos fatores como:
a falta de estrutura institucional, a falta de uma melhor articulação com as outras políticas
setoriais, apontando que se faz necessário para o empoderamento da mulher, a efetivação
de fato as medidas de proteção que constam no artigo 22 da Lei Maria da Penha, bem
como o período em que a mulher fica abrigada, uma vez que quando o tempo é estendido
gera um sentimento de clausura nas assistidas.
As dificuldades no exercício profissional na Casa-Abrigo consistem em “Não ter
equipe técnica lá que referencie o acompanhamento das mulheres vítimas, o espaço físico
da Casa, a fragilidade da rede socioassistencial, etc”. (Assistente Social 2).
Outra profissional destaca,
Meu local de atuação profissional é o CREAS São João de Deus, o que
posso dizer é que atualmente sinto uma fragilização de encaminhamentos
entre a Casa-Abrigo e o CREAS. Ou mesmo de uma articulação entre
esses dois equipamentos da assistência social. (Assistente Social 1).
O impacto dos casos de violência doméstica nos profissionais segundo as falas está
direcionado ao âmbito psicológico, tendo em vista que em uma das falas cita que,
“[...] não estamos imunes aos sentimentos, tristezas e decepções
humanas. É quando, geralmente ocorre o adoecimento do profissional.
Não existindo em nossa Secretaria um programa que cuide do cuidador”.
(Assistente Social 1).
21
Os profissionais não possuem acompanhamento psicológico para evitar situações
que possam interferir na atuação laboral, apesar de as profissionais estarem cientes que tal
ação é importante para o fortalecimento da equipe e do serviço (como se destaca na fala
da Assistente Social 2), entretanto é apontado pela (Assistente Social 1) “[...] que nem
existe indícios de uma proposta voltada para esse acompanhamento. Ao contrário, estamos
em constante pressão para atender uma demanda maior do que a capacidade técnica
prever”.
Como sugestão, as profissionais apontaram: “o fortalecimento entre as políticas
públicas, a capacitação contínua para as equipes, estruturar o serviço [de acolhimento
institucional] e demais unidades”. (Assistente Social 2).
Bem como a destaca a outra profissional,
“[...] socialização de informações pertinentes aos direitos das usuárias.
Sem esquecer, da implantação de um programa para agressores, pois
diante dos casos atendidos não visualizamos como solução para os casos
de violência doméstica apenas o rompimento de um relacionamento, ou
seja, a mulher agredida rompe com seu companheiro, mas esse mesmo
companheiro irá relacionar-se com outra mulher e provavelmente fará
uma nova vítima. (Assistente Social 1).
De acordo com a análise das falas destaca-se para melhoria do atendimento: a
elaboração de um planejamento familiar para as assistidas e seus filhos no período de
abrigamento, bem como no encaminhamento para além desse período, fazendo uma
melhor articulação entre as políticas setoriais, composta pela assistência social, saúde,
educação e demais políticas, acrescentando o Sistema de Garantias de Direito e de todo
aparato garantido pela Lei Maria da Penha, a maior divulgação de informações para a
sociedade civil sobre os direitos das mulheres e a criação de um programa socioeducativo
para os agressores, no sentido de não reincidir no crime, o que propõe uma ação para além
da punitiva.
Outro ponto bastante preocupante reside na estrutura da Casa-Abrigo no tocante a
oferecer a prestação de um serviço de qualidade e na manutenção do sigilo de endereço, já
que foi apontado que alguns profissionais e assistidas ainda não têm compreendido tal
exigência, acarretando na vulnerabilidade do local.
No tocante à porta da entrada para o Serviço de Alta Complexidade, foi ressaltado
que os casos de violência doméstica não estão sendo articulado com o CREAS São João de
Deus, o que acaba dificultando o processo de acompanhamento da vítima e fragilizando o
serviço.
22
Acerca do processo de trabalho é salutar destacar que os profissionais que lidam
com a problemática da violência doméstica necessitam de acompanhamento psicológico
para dar suporte emocional, uma vez que cada história ocasiona diversos vieses e que
muitas vezes podem “adoecer” o profissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência doméstica não é recente, ela perdura há muito tempo e independe de
classe social e raça, está envolta no processo cultural da sociedade, camuflada em vários
espaços, em reações veladas ou exacerbadas.
O seu estudo está no rol dos assuntos mais pesquisados na atualidade,
principalmente após as Políticas Públicas para as Mulheres geradas como forma de
enfrentamento dos casos apresentados pela rede de proteção e de institutos que analisam
indicadores. Apesar da violência está arraigada no bojo cultural, a humanidade não deve
aceitá-la como algo natural, como imperceptível ou inevitável a convivência marital e
interpessoal.
A prática de ações violentas gera custos para o Estado, a fim de remediar os casos,
por isso é identificada como problema de saúde pública no Brasil, custo que não está
somente ligado ao econômico, mas também a dor e sofrimento das vítimas, valor esse que
não pode ser calculado.
Diante da pesquisa proposta pode-se perceber que a mulher nunca foi um sexo
frágil, e sim vitimizada pela sociedade, a qual dava plenos poderes aos homens e tinha
como cultura separar as funções masculinas das femininas, o que ainda acontece de forma
ferrenha em algumas famílias, instituições religiosas e de ensino, como também no âmbito
profissional, ditando a ocupação para cada gênero. O que realmente faltou para a mulher
foi a oportunidade de mostrar em meio público as suas habilidades e as suas convicções.
As hipóteses geradas no início do estudo foram atestadas pelas vivências das
depoentes, uma vez que foi perceptível que os ex-companheiros agiam em consonância
com a cultura machista, tendo-as como submissas, devendo estar sob os mandos e
desmandos deles. No que diz respeito à denúncia, além do medo e dependência econômica,
houve o registro nas falas que remete ao descrédito na justiça, uma vez que o processo de
violência aprisiona até o pensamento da vítima, visto que são induzidas pelos agressores a
não pedir ajuda.
23
Já sobre o pensamento que o casamento deve ser eterno, houve relatos que
atestaram essa situação, seja pelo emocional ou pensamento arcaico familiar. Acerca da
naturalização as ex-assistidas foram bem pontuais em suas falas, uma vez que se culpavam
em detrimento das ocorrências agressivas dos companheiros.
Analisando a identidade e subjetividade das ex-assistidas foi visível que o processo
de violência atingiu diretamente na autoestima das mesmas, situação que corrobora para a
fragilização e permanência no ciclo de violência, além da dependência econômica,
emocional e o medo, há o controle de ideias, cerceamento de direitos (até o de ir e vir).
Diante da complexidade do fenômeno é salutar investir na área de prevenção da
violência doméstica, uma vez que a mesma pode ser evitada e suas consequências
reduzidas com os mecanismos de proteção e com recursos humanos em qualificação
contínua, favorecendo um bom serviço de acolhimento as mulheres vítimas (como está
previsto no Art. 8º parágrafo VII da Lei 11.340/2006), bem como na construção de mais
delegacias especializadas, tendo em vista que em Sergipe só existem cinco, distribuídas
em: Aracaju, Itabaiana, Lagarto, Estância e em Nossa Senhora do Socorro29
.
Outro aspecto que merece destaque é o número de Casas-Abrigo, no Brasil são 77
instituições30
. Entretanto se faz necessário que os municípios possuam suporte para o
atendimento, visto que em Sergipe, somente Aracaju disponibiliza o serviço.
É importante ressaltar que a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques vem
acolhendo, em último caso, o público que não é proveniente da cidade, gerando um ônus
econômico para Aracaju. Entendendo que há municípios que não dispõem de recursos
financeiros para arcar com a estrutura de uma Casa-Abrigo, há a possibilidade de
firmamento de consórcio público quando existe objetivo de interesse comum31
, podendo
gerar a pactuação de serviço regional.
Para melhorar o suporte as mulheres em situação de violência doméstica há a
necessidade de fortalecer a prevenção como versa o Art. 8º parágrafo V da Lei
11.340/2006, com a realização de campanhas educativas de prevenção voltadas ao público
escolar e a sociedade em geral.
Promover uma maior atenção nas medidas protetivas de urgência da Lei Maria da
Penha, que obrigam o agressor, principalmente no que tange ao Art. 22 parágrafo III
29
Dados extraídos do site da Secretaria de enfrentamento à violência contra a mulher.
30
(Cit., 30)
31
De acordo com os parâmetros da Lei 11.107 de 6 de abril de 2005, regulamentada pelo decreto 6.017 de 17
de janeiro de 2007
24
alíneas “a”,”b” e “c”. Assim como fortalecer as ações de educação e reabilitação para os
agressores que estão previstas no Art. 35 parágrafo V da mesma lei.
Por fim oportunizar o acesso das ofendidas aos benefícios eventuais previstos na
Lei 8.742/1993, que prevê provisão suplementar e provisória prestadas aos cidadãos em
virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade
pública, tendo em vista que integram o Sistema Único de Assistência Social e a situação de
violência doméstica constitui no rompimento de vínculos, de presença de violência e
ameaça e risco de morte.
Nessa linha de reflexão as ações em prol ao combate a violência doméstica serão
aprimoradas e fortalecidas, sob o viés do fomento à autonomia feminina em contrário as
ações de preconceito, de cerceamento de direitos e exclusão social, evitando a proliferação
da ”praga” chamada violência doméstica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABID, José Antônio Damásio. Empirismo Radical e Subjetividade. In: Psicologia: Teoria e
Pesquisa. Brasília, Jan-Abr 1999, Vol. 15 n. 1, pp. 055-063
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em 12 abril de 2015.
BRASIL, Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e
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Nas entrelinhas da violência doméstica contra a mulher

  • 1. 1 NAS ENTRELINHAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER1 IN DOMESTIC VIOLENCE AGAINST WOMEN LINES RESUMO: O presente estudo resulta da análise dos episódios de violência doméstica vivenciados por ex-assistidas da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques no Estado de Sergipe, instituição que atende mulheres em situação de violência doméstica e que estão sob ameaça de morte. A Casa-Abrigo está vinculada à Prefeitura Municipal de Aracaju, enquadrada na Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de Assistência Social, direcionada para casos em que há rompimento de vínculos afetivos, risco social e/ou pessoal. Com o objetivo de publicar as entrelinhas da violência doméstica é que foi proposto o referido trabalho, no sentido de analisar a subjetividade e identidade que permeiam as mulheres que foram atendidas pela instituição. PALAVRAS-CHAVE: Violência, Mulheres, Casa-Abrigo. ABSTRACT: The present study results from the analysis of episodes of domestic violence experienced by former assisted the Shelter Home Professor Nubia Marques in the state of Sergipe, an institution that serves women in domestic violence situations and are under threat of death. The Shelter Home is linked to the City of Aracaju, framed in the Special Social Protection of high complexity of the Unified Social Assistance, directed to cases where there is disruption of affective bonds, social risk and / or personnel. In order to publish the lines of domestic violence is that such work has been proposed in order to analyze the subjectivity and identity that permeate women who were served by the institution. KEYWORDS: Violence, Women, Shelter Home. 1 Este texto compõe, parcialmente, a produção do Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe 2010.2 (O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques), através de Estágio Curricular Obrigatório (2009 a 2010), na Casa Abrigo Professora Núbia.
  • 2. 2 INTRODUÇÃO A violência doméstica contra a mulher tem tomado proporções cada vez maiores na atual conjuntura, fato que fomenta a reflexão sobre esse fenômeno, não só como uma violação dos direitos humanos, mas também como um evento que está arraigado nos resquícios de uma cultura machista, na qual a mulher é vista como submissa, frágil e sem direito à decisão. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a violência2 é definida como o uso intencional da força física ou do poder, real ou ameaça, contra si próprio ou contra outra pessoa, grupo ou comunidade, que resulte ou possibilite resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. Apesar de inúmeras conquistas no campo do direito feminino, é recorrente em noticiários e no próprio cotidiano, matérias que trazem em seu bojo a violência doméstica contra a mulher, tornando algo que era “em quatro paredes” para o conhecimento geral, ou seja, do âmbito privado para o público. Em torno da violência doméstica há uma série de fatos que ocorrem no relacionamento, mais conhecido como ciclos, que são constituídos por 3 fases: a tensão/explosão- na qual ocorre os xingamentos e as agressões físicas, o arrependimento- na qual o agressor pede desculpas e jura que nunca mais praticará o ato de violência e a lua-de-mel- em que a vítima aceita as desculpas e possíveis presentes do agressor, acreditando que as agressões psicológicas e físicas não acontecerão mais e que o mesmo mudou diante de tanta gentileza3 . Diante dos ciclos de violência, de forma velada inúmeras mulheres ainda suportam várias formas de violência, não só a mais visível, que é a física, mas também a psicológica, a patrimonial, a sexual e a moral, todas classificadas pela Lei 11.340/20064 . De acordo com Minayo (2005), a violência é um fenômeno bastante complexo, tendo em vista que para mensurar a causalidade e a problemática é demasiado controverso porque envolvem a análise de valores e práticas culturais, como também fatores sócio- históricos, econômicos e subjetivos. Nesse sentido é pertinente dizer que a violência doméstica está ligada a questão de gênero, aplicada pelo fato de ser mulher, em que as relações entre o homem e a mulher 2 Krug e col., 2002; Dahlberg e Krug, 2006. 3 PROTEÇÃO AS MULHERES, Violência Doméstica contra a mulher. De 01 novembro de 2011. Disponível em http://mulheresprotegidas.blogspot.com.br/2011/11/violencia-domestica-contra-mulher.html. Acesso em 27 abril de 2015. 4 Mais conhecida como Lei Maria da Penha, esta em homenagem a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou para que seu agressor fosse condenado após tentativas de assassiná-la.
  • 3. 3 estão baseadas em quem manda e quem obedece, havendo nesse contexto uma correlação de forças, em contraste um sentimento de amor-ódio entre pessoas com laços consaguíneos ou afetivos. Segundo Rocha, Distingue-se, entre formas de violência doméstica, a violência conjugal. Enquanto expressão da violência de gênero, as mulheres são a quase totalidade das vítimas dessa forma de violência, caracterizada por relações de dominação e de abuso de poder do cônjuge do sexo masculino sobre o cônjuge do sexo feminino. A origem dessa violência encontra-se na organização social de gênero, alicerçada na superioridade masculina, em relações de desigualdade e hierarquia que se expressam, no plano individual, na vivência cotidiana dos papéis sociais sexuados em proveito dos homens5 . Desse modo, vale destacar que a violência doméstica não está tão longe de nós, ela faz parte do convívio de várias famílias, e não está restrita às camadas populares com menor poder aquisitivo, já que sua prática independe de classe social e raça. Diante dos recorrentes casos de violência doméstica, pode-se afirmar que constitui um problema de saúde pública e econômico6 , onerando os cofres públicos, tendo em vista que são acionados diversos serviços para dar suporte à mulher vítima como: Unidades Básicas de Saúde e Hospitais, assim como requerimento de dispensa do trabalho para recuperação, acionamento da delegacia, da Casa-Abrigo e da Justiça com processo para execução das medidas protetivas de urgências7 e demais procedimentos. Nessa linha de reflexão, é pertinente dizer que vários ganhos foram alcançados para acolher a mulher em situação de violência, desde a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988 retratando em seu § 8º do artigo 226 mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, a criação da Política de Gênero no Brasil com o I Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, encabeçando outros aparatos como: o Programa Mulher, Viver sem Violência8 , Disque 180, a Lei Maria da Penha e mais recentemente a Lei 8.305/20149 . 5 ROCHA, Lourdes de Maria Leitão Nunes. Casas-Abrigo no Brasil: no enfrentamento da violência de gênero. São Paulo: Veras Editora, 2007. p.49. 6 Segundo DAHLBERG (2006), o custo da violência para o mundo se traduz em bilhões de dólares de despesas anuais com cuidados de saúde. 7 São medidas cautelares que constam no Art. 22 de Lei 11.340/2006, voltadas para impor limitações ao acusado em detrimento da ofendida. 8 Programa lançado em 13 de março de 2013, que consiste em integrar e ampliar os serviços públicos existentes voltados às mulheres em situação de violência, mediante a articulação dos atendimentos especializados no âmbito da saúde, da justiça, da segurança pública, da rede socioassistencial e da promoção da autonomia financeira. 9 Altera o Código Penal Brasileiro na classificação de crime hediondo o assassinato motivado por razões de gênero, menosprezo ou discriminação contra a mulher.
  • 4. 4 Já no campo estrutural através da rede de atendimento, com implementação de serviços especializados, como: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM‟s), Centros de Referências Especializados (com assistência social, psicológica e jurídica), Casas-Abrigo, Defensorias Públicas, Varas Especiais. Destaca-se que os primeiros direitos no campo de gênero foram conquistados paulatinamente, tendo início com o movimento feminista na década de 1980. Segundo Rocha (2007), os movimentos feministas explicitaram lacunas e omissões das políticas com relação aos direitos humanos que não eram efetivados para as mulheres. Foram solicitadas na década da redemocratização brasileira, nos meados de 1980, algumas medidas que incluía a alteração do Código Penal, a criação de Conselhos Estaduais da Condição Feminina, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, de Delegacias Especializadas de Defesa da Mulher, de Centros de Atendimento Integral de abrigos para as mulheres em situação de violência doméstica e de serviços específicos no Instituto Médico Legal. Como conquista do movimento em defesa dos direitos das mulheres, foi implantada como rede de proteção a mulher em situação de violência e sob grave ameaça e risco de morte, a primeira Casa-Abrigo no Brasil10 . As Casas-Abrigos constituem locais seguros para o atendimento às mulheres em situação de risco de vida iminente, em razão da violência doméstica. Trata-se de um serviço de caráter sigiloso e temporário, onde as usuárias poderão permanecer por um período determinado, após o qual deverão reunir condições necessárias para retomar o curso de suas vidas. (BRASIL, p. 55). Para o atendimento de mulheres em situação de violência de Aracaju, existe a Casa- Abrigo Professora Núbia Marques11 , com ações articuladas entre o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e a Secretaria Municipal da Família e da Assistência Social12 , enquadrada no Sistema Único de Assistência Social e na Tipificação dos Serviços Socioassistenciais como um Serviço da Proteção Social Especial da Alta Complexidade, direcionado para casos em que há rompimento de vínculos afetivos, risco social e/ou 10 Em São Paulo no ano de 1986 (Centro de Convivência para Mulheres)-Convida 11 Professora Núbia Marques foi poeta, ficcionista, membro da Academia Sergipana de Letras e Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe. Nasceu na cidade de Aracaju em 21.12.1927 e faleceu em 26.08.1999. Atuava nos estudos de comunidades, de mulheres trabalhadoras e da igualdade de gênero. Foi exemplo de força através da realização de denúncias e organização de movimentos pela Anistia em Sergipe na época da Ditadura Militar. 12 Mais informações sobre a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques, no Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social, O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques.
  • 5. 5 pessoal, denominado de “Serviço de Acolhimento Institucional para Mulheres em Situação de Violência” (Resolução CNAS nº. 109, de 11 de novembro de 2009). A Casa-Abrigo Professora Núbia Marques funciona em endereço sigiloso, em concordância com as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento13 de Mulheres em Situação de Risco e Violência, o sigilo é um pré-requisito para a implantação e existência do serviço14 . Entretanto, há uma série de dificuldades em âmbito nacional para a manutenção do mesmo, uma delas consiste na necessidade inúmeras mudanças de endereço, acarretando para o Estado15 o pagamento de aluguel de imóveis particulares que tenham estrutura para abrigar no mínimo 20 mulheres16 , além da preocupação com o preparo de uma equipe operacional e técnica17 capaz de administrar a não divulgação do endereço da instituição, privando até mesmo os próprios familiares sobre o conhecimento do local de trabalho, uma vez que existe muita curiosidade da população acerca da localização do abrigo18 . É nesse universo de abrigamento que foram coletadas as informações que serão analisadas a seguir, priorizando a fala das ex-assistidas e dos profissionais com o objetivo de trazer à tona o que permeia nas entrelinhas da violência doméstica, no sentido de analisar a subjetividade e identidade das mulheres que foram atendidas pela instituição, ou seja, enfatizando não só a política pública direcionada a coibir e prevenir a violência doméstica, mas em dar visibilidade a identidade e a subjetividade, abrindo ao público como a mulher entende em seu íntimo os episódios de violência. NAS ENTRELINHAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER Atualmente o Brasil atua no enfrentamento da violência doméstica por meio da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, entretanto, faz-se necessário o fomento de mais trabalhos e pesquisas com espaço destinado à fala e experiência de vida de mulheres em situação de violência ou que já passaram por essa violação, bem como de 13 Diz respeito à gama de possibilidades (serviços, programas, benefícios), de acolhimento provisório destinado a mulheres em situação de violência (violência doméstica e familiar contra a mulher, tráfico de mulheres, etc. ) que se encontrem sob ameaça e que necessitem de proteção em ambiente acolhedor e seguro. (Diretrizes Nacionais para Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e Violência, 2011 p. 15) 14 (Diretrizes Nacionais para Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e Violência, 2011) 15 Em nível municipal, tendo em vista que o Estado não possui Casa-Abrigo para atender as mulheres em situação de violência. 16 Muitos imóveis não possuem acessibilidade adequada. 17 Operacional: Coordenador, Agentes de limpeza, auxiliar administrativo, plantonistas e cuidadores. Técnica: Assistente Social, Advogado e Psicólogo. 18 Para maior segurança também não há a divulgação do endereço para as próprias mulheres em situação de violência.
  • 6. 6 profissionais que assistem esse público, no sentido de fomentar da transformação de um trabalho vertical em horizontal, oportunizando o protagonismo das assistidas. Diante do exposto, foi escolhida a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques19 como campo de pesquisa, dando ênfase a análise da identidade e subjetividade das ex-assistidas pela instituição. Segundo Souza (1994:17), “é o que, em princípio, nos diferencia dos outros”. A identidade, mais precisamente, a identificação do sujeito é atribuída ao conjunto de qualidades de uma pessoa, o que permeia as suas características como: nome, sexo, raça, bem como a identidade vinculada à escolha do indivíduo como: a ligação partidária, a orientação sexual, o corte de cabelo, o modo de se vestir, dentre outros. Constituindo em elementos que distinguem o indivíduo em um determinado local ou grupo, no caso em pauta “as mulheres em situação de violência”, que foram assistidas pela Casa-Abrigo Professora Núbia Marques, nomenclatura que as vincula com características semelhantes, a um determinado grupo identificado pela experiência de violência. Na linha de pensamento de Cruz, a identidade é: É um fenômeno social, estruturando-se em um contínuo processo de identificação estabelecido através da rede de relações sociais, construídas nas diferentes esferas do cotidiano- na fábrica, no sindicato, na casa, no bairro, nos movimentos sociais-, enfim, nos diferentes lugares onde homens e mulheres vivem sua experiência individual e coletiva. (CRUZ, 2005 p. 49). Desse modo, a identidade está intrínseca em cada indivíduo ou grupo, A identidade é, então, compreendida como construção de nós, do fazer de cada coletividade: o trabalho, a cultura e as práticas políticas são elementos formadores do indivíduo, enquanto pertencente a um grupo no qual um se define e é definido pelos laços de sociabilidade. (CRUZ, 2005: Cit. 49) No processo de construção da identidade pode-se afirmar que ela está correlacionada à subjetividade20 , em virtude da capacidade humana em promover adaptações ou até mesmo transformações, no sentido de abrir possibilidades para novas identidades, assim constrói-se a subjetividade. Segundo Weedon apud Cruz, 19 Dando continuidade a análise iniciada no Capítulo IV do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques. 20 De acordo com Abid (1999), a subjetividade refere-se à qualidade subjetiva (mental ou privada), de algo, ou seja, refere-se a eventos, estados, processos e disposições mentais ou privadas que, por causa dessas qualidades, só podem ser de, ou pertencer a, ou estar em um sujeito.
  • 7. 7 [...] a subjetividade nos permite reconhecer e tratar das formas pelas quais os indivíduos dão sentido às suas experiências através do discurso, incluindo seus entendimentos conscientes e inconscientes e as formas culturais disponíveis, através das quais tal entendimento é reprimido ou permitido. (WEEDON, 1975 apud CRUZ, 2005, p. 51). Diante do que se propõe a pesquisa será analisada a subjetividade das mulheres em questão, tendo em vista que esta ação refletirá na oportunidade da abertura de suas experiências para o público21 , potencializando as suas falas e identificando possibilidades de melhorias na execução política pública para as mulheres22 . Para tanto, serão analisados dados qualitativos obtidos mediante 6 entrevistas semiestruturadas23 , (com 2 profissionais e 4 ex-assistidas). As entrevistas foram realizadas individualmente e com plena permissão de cada participante, executadas no CREAS São João de Deus24 e outras no próprio domicílio das ex-assistidas. A investigação dos dados foi baseada na pesquisa exploratória, que Segundo Gil, [...] têm como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso. (GIL, 2006, p.43) A pesquisa exploratória proporciona uma maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais visível, oportunizando a possível construção de hipóteses sobre o alvo da pesquisa com a finalidade de afirmá-los ou refutá-los. Nesse sentido, para este estudo, foram antecipadas algumas hipóteses:  A violência doméstica está arraigada na cultura machista, na qual a mulher é vista como submissa (sexo frágil);  A maioria das mulheres em situação de violência não denuncia os casos por medo ou por dependência econômica e/ou emocional;  Há o pensamento que a mulher deve suportar os episódios de violência “até que a morte os separe”;  Existe o processo de naturalização da violência no qual a “vítima” acha que é normal ser agredida, tendo em vista a ideia que é culpada pela situação. 21 Uma vez que o acesso as assistidas e ex-assistidas pela Casa-Abrigo é restrito, tendo em vista resguardar o sigilo de suas identidades, bem como do endereço da instituição. 22 A pesquisa é de suma importância para o meio científico, pelo fato de trazer consigo indicadores de um público restrito, devido o caráter sigiloso que permeia as Casas-Abrigo no Brasil. 23 Segundo Richardson (2007), a entrevista semiestruturada visa responder a alternativas pré-formuladas, para obter do entrevistado o que ele considera mais relevante nos aspectos de determinado problema. 24 Os dados foram coletados no mês de maio de 2015.
  • 8. 8 Para dar prosseguimento ao estudo, no sentido de testificar as hipóteses, foram desenvolvidos 11 questionamentos (profissionais) e 14 (ex-assistidas), como coleta de dados, analisados rigorosamente preservando as falas originais das ex-assistidas, mantendo o sigilo de seus nomes, criando-se nomes fictícios para identificá-las. 1.1- A identidade e subjetividade das mulheres em situação de violência doméstica A coleta de dados das ex-assistidas foi bem minuciosa, tendo em vista que a reconstrução dos episódios de violência foi de extrema dor para elas, principalmente pelo sentimento de retorno ao passado, trazendo lembranças que deixaram marcas que o tempo ajuda a amenizar, mas nunca a esquecer. Foram escolhidas 4 ex-assistidas de forma intencional, através de contato telefônico com as mesmas. A pequena mostra se deu pelo fato da dificuldade de encontrar tal público, tendo em vista mudança de endereço e de contato telefônico. Quanto ao perfil das entrevistadas segue abaixo a tabela demonstrativa. Nome Idade Nº de Filhos Estado Civil Grau de Instrução Ocupação Cláudia* 30 Anos 02 Solteira Ensino Médio Incompleto Do Lar Paula** 33 Anos 02 Solteira Superior Completo Empresária Verônica 39 Anos 02 Solteira Ensino Fundamental Incompleto Do Lar Josefa 52 Anos 06 Divorciada Ensino Fundamental Incompleto Serviços Gerais *Cláudia é proveniente da cidade de Santos-SP, mas residia em Aracaju com o agressor há 6 anos. Foi abrigada na Casa-Abrigo Professora Núbia Marques em 2009, junto com os dois filhos, logo depois transferida para a cidade de origem após ter passagem custeada pela Prefeitura Municipal de Aracaju. **Paula é do Rio de Janeiro, foi transferida da Casa-Abrigo do RJ para a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques em 2009, o abrigamento foi realizado apesar de a instituição ser municipal. Para externar a identidade e subjetividade foram destacados alguns depoimentos: Sobre o histórico de vida em meio à violência doméstica, as formas de violência que sofreram e quem foi agressor e por quanto tempo foi vítima desta, algumas das ex- assistidas apontaram que iniciaram a convivência ainda no período da adolescência e que tudo no começo eram “flores”, mas com algum tempo de convivência as discussões foram aumentando por conta de ciúmes do parceiro em não deixar a companheira praticar atividades simples do cotidiano como: estudar, sair sozinha, fazer compras, se vestir de acordo com o próprio gosto, dentre outros.
  • 9. 9 Com o passar do tempo, além das discussões, começaram os xingamentos, as agressões psicológicas (ameaças) e por fim as agressões físicas. Quase todas passaram pelas fases do ciclo de violência tensão/explosão- arrependimento- lua-de-mel- sempre aceitando as desculpas do agressor em detrimento do um relacionamento feliz, mas depois de algum tempo as agressões voltavam a acontecer, trazendo consigo muita dor, muito medo, bem como receio em denunciar por motivo de ameaças, por gostar do parceiro, por ter o pensamento que deveria “salvar o casamento” ou por não querer que o agressor fosse preso, como podemos ver neste depoimento: [...] Após quase 10 anos de sofrimento, apanhano com murros, tapas e acusações [...] eu resolvi contar pra minha família, eles me ajudaram porque naquele tempo eu não trabalhava e tinha seis fios pra criar, não queria ver o pai deles preso, queria salvar meu casamento, mas não deu. (Josefa, 52 anos e 6 filhos) Além do sentimento de querer conviver “até que a morte os separe”, também há o sentimento de vergonha, humilhação e medo, não só danos físicos, mas também psicológicos que deixaram marcas invisíveis. O sentimento de tristeza em cada entrevistada foi expresso pelas lágrimas nos olhos (segundo depoimentos), pelo nervosismo em relatar tais agressões, bem como pelo alívio em ter superado o conflito outrora vivenciado. A gente se conheceu ainda quando eu era nova, logo engravidei e fomos morar juntos. No início tudo era bom, mas depois tudo se transformou quando nos mudamos de Santos para Aracaju. Ele saia direto e não me dizia para onde ia, [...] a gente brigava sempre, [ele] me xingava [...]. Chegou o dia que ele me deu um murro do rosto e saiu me arrastando pelos cabelos. [...] foi horrível, não sabia quem me acudisse [...] tinha muita vergonha [...] passei 5 anos nessa tribulação. (Cláudia, 30 anos e 2 filhos) Eu passei por todos os tipos de violência, praticada pelo meu ex- companheiro durante 7 anos. Eu vivia presa [em casa]. Foram tantos tapas na cara, pontapé, xingamentos na frente dos menino. [...] não podia nem me ajeitar que ele [agressor] dizia que era pros machos e esfregava minha cara no chão e depois segurando nos meus cabelos me levava até o espelho para dizer que eu não prestava pra nada. [...] escondia meus documentos e só podia sair se fosse com ele. Depois sempre pedia desculpas e eu acreditava. (Verônica, 39 anos e 2 filhos) [Comecei] a namorar com 13 anos e ele com 33 [...] não era agressivo, ele mudou a história da minha família, éramos muito pobres, passávamos fome e ele ajudou muito. [...] Namoramos por três meses [...] fomos morar juntos. [No início] era flores direto, bilhetinhos, ligações [...], era o casamento perfeito. [...] tive meu primeiro filho com 18 anos. As agressões começaram quando [nosso] segundo filho nasceu. [...] Fui vítima por 6 anos por não ter família „estruturada‟[...] tive medo de sair
  • 10. 10 de casa. Até que ficou insuportável. [...] agressões verbais [...] passaram a violência física, ameaças e estupros. (Paula, 33 anos e 2 filhos) O período de violência relatado nos depoimentos é bem extenso, mostrando a face do medo, do sentimento de insegurança e da convicção de mudança do companheiro. É notório que companheiros utilizavam a violência como forma de resolução dos conflitos matrimoniais, uso da força e do constrangimento emocional e psicológico, cerceando o direito de ir e vir, de se produzir e até de se sentir bem consigo mesmo. Sobre o vínculo com o agressor, quase todas alegaram que não possuem mais nenhum tipo de contato, com exceção de Josefa, por conta que o ex-companheiro visita os filhos. Questionadas se já havia sentido culpa em detrimento das agressões, elas expressaram suas representações: “Me sentia muito triste [...] pensava que eu era a culpada em algumas situações porque minha mãe sempre dizia que era para eu ficar calada, mas eu sempre quis enfrentar por não achar certo o que ele fazia”. (Verônica) Na verdade eu sempre me achei culpada, porque ele sempre chegava em casa colocando defeito em tudo [...], era um inferno, ainda mais quando os meninos tava na hora. [...] sempre tentei agradar, mas não adiantava. Me arrependi de abandonar a minha família pra vim morar em Aracaju. (Cláudia) Não dava nem tempo de pensar, não me sentia bem com tudo aquilo, queria viver bem e não ser tão maltratada e humilhada. Não sabia o que tinha mudado [...] ele era tão bom, mas começou a tomar cachaça, dormir fora de casa e ter várias [mulheres]. (Josefa, 52 anos) Muitas vezes, porque queria entender onde eu tinha errado, nunca fui conivente com as agressões [...] sempre denunciei [...] fiz mais de 20 ocorrências, desde a primeira vez. [...] sempre nas DEAM‟s do Rio de Janeiro, mas sempre ouvia a mesma coisa quando eu falava da profissão dele. Eles perguntavam “O que você fez de errado?” “Ele não jogaria a carreira fora por causa de você” [...]. Quantas vezes saí sem rumo das DEAM‟s. (Paula, 33 anos). Nos depoimentos as mulheres afirmaram que se sentiam culpadas por serem agredidas. Este constitui em um fenômeno recorrente na violência doméstica, identificado por Bordieu (2003), “como violência suave, invisível as suas próprias vítimas”, no qual a vítima desconhece o processo de violência, mais precisamente não se acha vítima, pois se reconhece como a causa das agressões. No último depoimento, Paula afirma que além de se sentir culpada, também via que seu caso estava sem solução, pois todas as vezes que tentava realizar o boletim de ocorrência, sempre os atendentes indagavam que ela tinha realizado algo de errado em
  • 11. 11 detrimento do companheiro ser Policial Militar, que não corresponde aos parâmetros de atendimento de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher - DEAM‟s. Atualmente as Delegacias Especializadas possuem em seu quadro majoritariamente mulheres, com a finalidade de evitar posturas de revitimização. Segundo Paula em outra tentativa de fugir das agressões saiu sem rumo com os dois filhos até ser ajudada por um agente penitenciário. Após fugir com as crianças depois de um ataque de fúria dele, um agente penitenciário me viu de madrugada no ponto de ônibus [...] parou o carro e ofereceu ajuda e me levou a uma DEAM no Rio de Janeiro [...] eu já fui descrente porque iam me chamar de doida [...] Aí um policial civil que estava de plantão abriu a delegacia, me perguntou o que estava acontecendo, [...] ligou para a delegada, foi a primeira vez que me senti segura. (Paula, 33 anos) No relato é notório uma série de vulnerabilidades sociais25 , fatores desencadeados pela violência doméstica, agravada pela influência ocupacional do companheiro que sempre a encontrava nos órgãos de proteção à mulher, e a ameaçava de tirar-lhes a guarda dos filhos. “Sou oficial da PM, você não é nada [...] ou você volta ou perde os meninos” (Paula reproduzindo a ameaça do companheiro). Acrescentou também que em um dos atendimentos uma das equipes de um Centro de Atendimento à Mulher do Estado do Rio de Janeiro26 , chegou a duvidar dela “Me disseram que eu era compulsiva e com mania de perseguição e que meu o companheiro como policial jamais ameaçaria dentro de um local vigiado”, “Ele era muito convincente no que dizia, até eu comecei a duvidar se eu era doida”. (Paula) A cultura machista ainda tem seus resquícios na atual sociedade, apesar de vários avanços em leis, decretos e aparelhos especializados, ainda é recorrente uma pequena parcela de cidadãos e profissionais que ainda culpabilizam a mulher em detrimento do homem27 , mesmo que de forma velada, ou até mesmo sem perceber, visto que a cultura machista está arraigada no processo de formação cultural do brasileiro. Principalmente pelo viés da força, onde o homem tudo pode, e para a mulher só resta a função de ficar em casa cuidando da prole e dos afazeres domésticos, uma visão arcaica sob os parâmetros do homem patriarcalista, que alega uma série de justificativas- “em briga de marido e mulher 25 Situação de extrema fragilidade, que torna o indivíduo e/ou família expostos a riscos, apresentado pela falta material ou através da privação de diversos direitos que são essenciais ao ser humano. 26 Ocultado o nome da instituição. 27 Importante ressaltar que com a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, o número de profissionais especializados e capacitados torna-se cada vez maior, rompendo com a revitimização da mulher no processo de registro de ocorrência e demais encaminhamentos.
  • 12. 12 não se mete a colher”, “as mulheres gostam de homens rudes”, “os homens não controlam seus extintos”, “a mulher é que gosta de apanhar”, “a mulher é que não presta”. Identificando a subjetividade entrelaçada em cada fala sobre como se sentiam na época das agressões, relataram: “Me sentia muito triste, me achava feia, ficava muito irritada porque tudo era um inferno, queria paz e um casamento feliz” (Cláudia). Já em outra fala, destaca- “Ficava sempre angustiada, não sabia mais o que fazer, me sentia impotente, uma pessoa sem objetivo nenhum” (Verônica). Me sentia um nada, como se eu fosse um trapo, sem valor [...] uma tristeza muito grande, não tenho nem palavras, [...] muito humilhada, não dava nem pra lembrar quando ele tinha dito que gostava de mim[...] não desejo a ninguém. (Josefa) Eu me sentia um lixo, menor de todos os seres humanos, me achava louca, achava que eu fantasiava, [...] quando eu vi a delegada e falei tudo [...] cheguei a dizer que eu precisava de ajuda [...] que eu era maluca. (Paula) A tristeza é descrita como elemento presente em todas as falas, além da baixa autoestima gerada pelos maus-tratos, sentimentos que a tornavam vulneráveis e que atuavam como grilhões em seus cotidianos. A violência não é somente física, mas psicológica, pois os agressores induziam as “vítimas” a acreditarem que não havia mais solução, que estavam fadadas a viver no ambiente de violência, ou até mesmo que estão descontroladas ou loucas. Sobre a confiança na justiça, sobretudo na Lei Maria da Penha para resolver os seus casos, elas apontaram: Na verdade eu não conhecia a delegacia da mulher e nem a lei, sempre me senti sozinha [...] não sabia a quem buscar [ajuda], me sentia presa. Não tinha ninguém de minha família em Aracaju. Tinha medo [...] foi aí que ficou insuportável [...]. Resolvi pedi ajuda na delegacia do bairro e eles me levaram pra delegacia da mulher. (Cláudia) Passei muitos anos sofrendo, não conhecia a lei, achava que a justiça não ia fazer nada, [...] eles têm coisa mais importante para fazer, prender os bandido. Tinha medo que ele me matasse ou que se vingasse dos meus fios. Foi quando [ele] me espancou [...] quase morri, os vizinhos chamaram a SAMU e fui levada para hospital e depois pra o IML. (Verônica) Já tinha ouvido falar da lei na televisão, por isso que depois de tanto levar na cara e ser maltratada é que procurei denunciar. Mas pensava que não ia se resolver [...] ele dizia que não era bandido para ser preso, foi aí que fui parar na Casa-Abrigo e tudo foi resolvido na delegacia. (Josefa)
  • 13. 13 Segundo o depoimento de Paula, ela sofreu com a rede de proteção a mulher, por seu companheiro ser bastante influente e convincente, dando sempre a entender que ela era a culpada, motivo que a faz acreditar que alguns profissionais da área não confiavam no depoimento dela, fato que fez com que a mesma se questionasse se estava mesmo louca. Acrescenta foi atendida pela equipe de um dos órgãos de proteção à mulher que a acolheu de forma diferente, que a delegada a encaminhou para fazer exame de corpo delito e para a Casa-Abrigo do Estado do Rio de Janeiro, e que a mesma deu prosseguimento ao caso comunicando o fato ao Ministério Público. Entretanto, afirma que foi para a audiência sozinha, sem ninguém da equipe técnica da Casa-Abrigo. Por isso diz que não acreditava na justiça e que a Lei Maria da Penha não a ajudou, porque não depende somente da lei em si, mas da equipe que faz o atendimento: Achavam que eu mentia [...] porque ele era muito simpático, educado, tinha justificativa para tudo. [...] mas hoje sem violência [...] eu também teria dúvidas, [...], ele era muito abusado, falava na minha cara que eu era doida. A Lei Maria da Penha não ajuda, eu tive sorte, porque quem sofre violência é muito massacrado, é visto como acomodado, [...] que se a mulher sofre violência é por que quer. Mas na realidade, depende da equipe que você encontra para te ajudar, porque não me sentia viva. [...]. (Paula) Diante do fato apresentado por Paula, foi perguntado se nunca deu para ver as marcas físicas das agressões, ela respondeu: Ele sempre me bateu na cabeça, por conta do cabelo. [...] Mas uma delas foi tão forte que afundou meu crânio [...]. As outras saiam rápido e por ser negra não aparecia muito. O afundamento foi com o cabo da arma, um 38, não era a arma que usava em serviço. Na última agressão ele foi preso, [...] foi a mais grave. Soube no dia da audiência que ele tinha sido preso no dia seguinte a agressão, saiu no jornal e tudo. (Paula) Sobre as medidas protetivas de urgências (Lei Maria da Penha) que obrigam o agressor a manter distância da ofendida por alguns metros, responderam: Não conhecia até fazer a denúncia [...], mas acho que é muito complicado porque vai depender do agressor, se ele quiser agredir de novo? aí pode ser tarde demais, não tem quem vigie essa distância. Não acho que dê certo. (Claúdia) Essa distância é muito difícil de ser respeitada, depois que sai da Casa- Abrigo, já vi no jornal várias mulheres sendo morta, mesmo denunciando o marido. [...] essa distância não dá segurança a ninguém, tem muito homem ousado, não respeita nem a polícia. (Verônica)
  • 14. 14 Acho que se o agressor quiser espancar, ele vai de qualquer jeito. Só Deus pra nos guardar, porque a polícia não vai ficar o tempo todo guardando a gente. Só fiquei aliviada quando fui com meus filhos para a Casa-Abrigo. (Josefa) Não é eficaz, nunca foi respeitada [...] a polícia não está pronta para isso [...] acha falta de serviço atender mulher com medida protetiva. Eu tinha. [...] Uma vez ele [o agressor] invadiu a casa [...] os PMs disseram que ele tinha direito de ver os filhos, riram várias vezes. [...] Nunca funcionou medida protetiva. (Paula) Segundo os depoimentos das ex-assistidas quase todas afirmaram que não conheciam a Lei Maria da Penha, algo que precisa ser mais divulgado em meios mais acessíveis para o público em questão, como: escola, unidades básicas de saúde, hospitais, rádio e televisão. Outro ponto importante seria a mobilização de centros comunitários e da preparação da polícia comunitária, a fim de evitar condutas de preconceito e de mau atendimento. As comunidades precisam ter a polícia e a justiça como aliada e não como inimiga e reconhecer que a violência doméstica é um crime e que deve ser denunciado. É consenso entre elas que as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor a manter distância da ofendida, não ajudam no rompimento do ciclo de violência, tendo em vista que depende do autor das agressões não infringi-las, porque a polícia não tem como estar presente 24h. Com relação ao impacto do histórico de violência doméstica em suas vidas, apresentaram suas representações: “Apesar de todo sofrimento que passei, hoje aprendi que devo me amar primeiro para poder amar alguém”. (Cláudia). “Pensei que nunca me livraria daquele inferno, hoje sou uma nova mulher, apesar de não querer relacionamento sério com ninguém”. (Verônica) Aprendi que a mulher deve se dar valor e não ficar mendigando o amor de ninguém, não vale a pena sofrer tanto. É um trauma para o resto da vida, não gosto nem de lembrar, quantas noites passei sem dormir, aguentando desaforo e humilhação [...] chega um momento que cansa. (Josefa) Hoje eu tenho crises de pânico, nunca mais me relacionei com ninguém. [...] Mas teve uma coisa boa, eu tinha um amigo [fazia] faculdade de direito [...] sempre conversei, ele tinha um irmão promotor de justiça. Quando eu parei em Aracaju, sem nada, pedi socorro a ele [...] porque eu não conseguiria nada [...] sem provar que eu era. [...]. Eu voltei [para o Rio de Janeiro], consegui viver de novo. Terminei a faculdade em Direito [...] fui trabalhar com um amigo da família dele em Minas Gerais. (Paula)
  • 15. 15 O sentimento de superação está presente em todas as falas, apesar de um ainda registrar as sequelas deixadas pelas agressões, entretanto todas puderam experimentar a sensação de liberdade, tomando o rumo das suas vidas e alcançando objetivos que não esperavam, a exemplo de Paula que depois de muita persistência em estudar, conseguiu galgar aos poucos a realização de ser graduada em Direito. Questionadas se os episódios de violência a tornaram mais apreensiva para iniciar outro relacionamento amoroso. Apontaram que: “Já tive namorado, mas nada tão sério”. (Cláudia). “Nem quero pensar em homem, quero viver minha vida livre” (Verônica). “Já apareceu interessados, mas quero trabalhar e cuidar dos meus filhos” (Josefa). “Nunca mais me relacionei com ninguém” (Paula). Nas falas nota-se que algumas conseguiram se relacionar após dos episódios de violência e outras não, abrindo-se um leque de possibilidades de interpretação, como: o medo de sofrer novamente ou até mesmo por se sentir livres para fazer o que tinham vontade e não podiam em detrimento do relacionamento, principalmente por experimentarem a autonomia, a possibilidade de gerenciar suas próprias decisões. Sobre a importância do apoio da família para o processo de superação de violência, relataram: “A família é importante, só sofri tanto tempo porque não tinha ninguém da minha família perto de mim, [...] quando moramos em Santos ele era um amor, só foi pisar em Aracaju, que tudo começou” (Cláudia). “Minha família é do tempo antigo, casou tem que viver para sempre, acho uma injustiça eles pensarem assim, fico triste” (Verônica). “Depois que sai da Casa-Abrigo minha mãe sempre me ajuda, sem o apoio da família não dá pra se levantar” (Josefa). “[...] Minha família não me ajudou [...] diziam que se eu quisesse morrer, que morresse sozinha”. (Paula) A família é base estrutural para o indivíduo, mas nem sempre é espaço de proteção e cuidado, é também um espaço de contradição/conflito e de possível violação de direitos. Pode-se perceber que a família foi importante no processo de superação de violência, mas em dois casos não houve o mesmo resultado, uma pelo entendimento arcaico que a mulher deve suportar tudo, inclusive ser vítima de violência, “até que a morte os separe”, em outro caso a família se recusou a dar apoio, provavelmente por ter medo do agressor ou por não querer se envolver no relacionamento marital. A respeito da rede de proteção28 , se a mesma foi importante para a resolução do caso de cada uma, apontaram: “Sem a delegacia eu não teria conseguido me livrar do 28 Formada por Centro de Atendimento Especializado da Assistência Social, Centro Regional de Atendimento à Mulher, Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo, Núcleo de Defensoria Pública, Varas Especializadas, Hospitais, dentre outros.
  • 16. 16 sofrimento” (Cláudia). “A Casa-Abrigo foi muito importante para mim, eu pude pensar na minha vida e fazer planos, apesar de ficar muito nervosa quando pensava que ia sair e não sabia o que me esperava”. (Verônica) “Abaixo de Deus, a equipe que me atendeu, sou grata por tudo que fizeram por mim”. (Josefa) A rede de proteção foi falha comigo, só a justiça em si e a amizade que me ajudaram a levantar. No caso a delegada e a audiência final, através do MP, e a minha chegada em Aracaju, porque fomos em todos os órgãos e ninguém entendeu por que me mandaram sem nada, parece que quiseram jogar a responsabilidade de um Estado para o outro para encobrir um erro, mas sou muito grata a equipe daí [de Aracaju] Me ensinaram a ser forte.(Paula) Nos depoimentos as mulheres alegaram que a rede de proteção foi importante para elas, destacaram a delegacia e a Casa-Abrigo. Com exceção de Paula que afirmou que só a amizade e a justiça a ajudou, porque achou que não teve um bom atendimento em algumas delegacias do Rio de Janeiro, precisou registrar 20 boletins de ocorrência para poder chegar até o inquérito policial e audiência com juíza. Acerca do que precisa melhorar na área da proteção à mulher em situação de violência, disseram: Acho que deveriam ver uma forma de resolver mais rápido, porque me senti presa na Casa-Abrigo, foi muito tempo para audiência, parecia que eu era a bandida e ele solto por aí. (Cláudia). “Nada, fui muito bem acompanhada pela equipe da delegacia e da Casa-Abrigo” (Verônica). “Que o tempo para prender o agressor fosse menor, devia prender logo” (Josefa). Eu acho que não deve julgar pelas aparências, se [a equipe] tiver dúvidas se a mulher agredida está mentindo, a equipe tem que desvendar. Ninguém consegue mentir 24 horas por dia. Acredito que existe preconceito dentro da própria rede de atendimento. [...]. Eu fui meio que julgada, porque meus filhos tinham escola particular, tinha empregada, fazia faculdade. Não estava bom? Me tornei símbolo de egoísmo porque eu iria tirar tudo dos meninos a troco de nada. (Paula) Entre os depoimentos destaca-se a vontade de o agressor ser preso de imediato, entretanto o fato só é possível em caso de flagrante, o que gera um desconforto para a vítima. Outro aspecto é sobre o preconceito no acolhimento na rede de atendimento, no caso em questão é perceptível que a fala expressa que a mulher deve estar satisfeita com a parte financeira e não se sentir ofendida pelas agressões. Questionadas sobre a participação em organização em prol ao combate da violência contra a mulher todas afirmaram que nunca participaram de atividade voltada para o fim, mas uma delas destacou:
  • 17. 17 Não [participa], tenho alunas bolsistas vítimas de violência no meu cursinho, são futuras PFENS (Policiais Militares Femininas), [...] tento fazer tudo que nunca fizeram por mim. Tenho amigos hoje promotores, delegados, PMs, que várias vezes me ajudaram a socorrê-las de madrugada [...] hoje estão bem, mas [as] pegamos quase mortas, [...], foi a forma que encontrei para não enlouquecer [...] ninguém sabe [que sofri violência]. Meu curso hoje tem nome, tenho vários alunos já formados como PMs, [...] nas aulas eu falo muito sobre violência com eles, eu acho que eu tenho que formar PMs mais humanos, considerando que a mulher não é lixo, [...]. (Paula) O histórico apresentado por Paula reflete sobre suas ações atuais, tendo em vista que os episódios de violência a fez concluir o curso em Direito e a começar administrar um Curso para formação de futuros policiais militares, na tentativa de fazê-los refletir sobre a prática profissional sem violência e sem preconceito contra a mulher. Indagadas a expressar sobre atual autoestima, apontaram: “Apesar de todo medo que vivi, tenho uma vida normal, não gosto nem de lembrar da violência, é muito ruim” (Cláudia).”Hoje estou livre, sou outra pessoa, sem ninguém me espancando, estou feliz com os meus filhos, posso me arrumar como gosto” (Verônica). “Sou uma mulher livre, quero ser feliz com os meus filhos, mas tenho medo de sofrer novamente” (Josefa) Não me olho no espelho, tenho vergonha, [...] eu me sinto um nada. Desde que voltei é a primeira vez que tô falando sobre o assunto, [...] as palavras vão saindo errado, porque a lágrima vai correndo, [...] tem muito tempo que não falo sobre isso, você meio que revive os deboches, as frases. (Paula) Dentre as falas é visível uma mistura de alívio pela autonomia e uma série de sequelas emocionais que ainda persistem. Sobre as expectativas/projetos de vida e de trabalho, representaram as seguintes falas: “Penso em cuidar dos meus filhos, estou desempregada no momento, mas minha família me ajuda muito” (Cláudia). “Quero viver o que nunca pude fazer, penso em ser livre de violência e que meus filhos sejam felizes” (Verônica). “Minha vida mudou muito, hoje trabalho e sustento meus filhos, não dependo mais de ninguém para comer e vestir, [...] quero ver meus filhos criados” (Josefa). Tenho de continuar com meu curso, acompanhar minhas “filhas” [as alunas] que me dão muito orgulho, minhas guerreiras, ver meus filhos formados, e eu parar de ter medo de viver. Só espero que quem passar por isso [...] [violência doméstica], consiga mudar de vida. Porque sequelas existem [...] são graves. (Paula)
  • 18. 18 As depoentes têm como expectativa o desejo de cuidar da própria vida, viver o que não podiam fazer, serem felizes, criar os filhos e trabalhar. Na fala de Josefa é nítido o prazer em gerir a própria vida, de não depender de ninguém para custear os gastos familiares. Já Paula agrega sua expectativa de vida somente no trabalho, na realização dos filhos e das alunas em que ela busca força para esquecer os momentos de sofrimento com a violência doméstica. 1.2- A visão dos profissionais sobre a violência doméstica As entrevistas com as 2 profissionais (assistentes sociais), foram realizadas após aprovação da Gerência da Proteção Social Especial da Secretaria Municipal da Família e da Assistência Social de Aracaju. Os questionamentos e respostas serão apresentados de forma direta e indireta destacando os pontos mais cruciais para a pesquisa. De acordo com a análise das falas foi perceptível que as profissionais entendem a violência doméstica como algo complexo, que envolve vários fatores. “[...] tal temática é complexa, envolve diversos fatores sociais, econômicos e culturais. Pelas consequências que [...] provoca deveria alcançar maior visibilidade na elaboração de programas e projetos governamentais, requer também o envolvimento com a sociedade civil”. (Assistente Social 1) Bem como relaciona a questão da desigualdade entre os gêneros, assim como diz a (Assistente Social 2), A violência contra a mulher está relacionada com as questões de desigualdade entre os gêneros, a qual por elementos socioculturais impera a figura da autoridade masculina, e dessa forma, o homem acredita ter o direito de posse a respeito da mulher. A contribuição da Casa-Abrigo sobre a visão das profissionais é uma medida de proteção e de emergência que atua na efetivação da Lei Maria da Penha, garantindo à mulher e aos filhos a integridade física, reforçando o impedimento de nova agressão, tendo em vista proteger a vítima do agressor em caso de denúncia, bem como impede da ofendida de entregar o boletim de ocorrência. Sobretudo em oportunizar a orientação dos profissionais, uma vez que apresentam baixa autoestima. Entretanto, se faz necessário destacar a seguinte fala:
  • 19. 19 [...] [o] apoio resume-se muitas [...] vezes ao “abrigamento” da mulher sem sequer elaborar uma intenção de acompanhamento pós- desligamento, ou mesmo o encaminhamento para as unidades de proteção social de média complexidade, a saber, os CREAS‟s. (Assistente Social 1) Sobre os pontos que precisam melhorar destacaram que seria a articulação com a rede socioassistencial e sistema de garantia de direitos em prol do fortalecimento das ações, bem como no período de abrigamento em realizar atividades para que as famílias não permaneçam em inatividade, tendo em vista que só podem ter acesso externo em algumas situações. Outro aspecto que chama a atenção para a melhoria está relacionado ao respeito às normas de segurança já citadas nesse estudo: [...] aqui no município de Aracaju/SE, é em relação às normas de segurança. Devendo ser preservado o sigilo do endereço, por questões de segurança, nem sempre tais normas são respeitadas. Isso porque, o endereço tem sido facilmente identificável, seja pelas usuárias ou por funcionários que não compreendem exatamente como resguardar informações sobre a localização do Abrigo. (Assistente Social 1) Já a sobre a Lei Maria da Penha, se a mesma tem facilitado o trabalho com as mulheres assistidas, as profissionais afirmaram que sim. “[...] efetiva uma proteção social a mulher vítima de modo a direcionar ações que visem garantir a integridade desta mulher, porém falta muito para efetivar em sua plenitude o que diz a legislação” (Assistente Social 2). É também mencionada a preocupação de como a violência deve ser enfrentada, “[...] É inegável que a regulamentação de um dispositivo legal corrobore para o alcance de fins de garantias de direitos, ainda que não sejam efetivadas a contento. Porém, aponta um caminho para a maneira como a violência doméstica deve ser encarada, isto é, como crime. (Assistente Social 1). Sobre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (Artigo 22 da Lei Maria da Penha), se são suficientes para a garantia da segurança da vítima, afirmaram categoricamente que não. Interpretando a fala das profissionais destaca-se que o agressor já transgride a lei quando atua com violência doméstica, e é muito difícil que o mesmo possa respeitar tal determinação, assim também pela própria lacuna sobre a manutenção distância, sobretudo em cidades pequenas, sendo inevitável o encontro com o agressor, assim necessitam de maior rigor em sua monitoração, evitando reincidência da violência doméstica.
  • 20. 20 Acerca das formas de violência as profissionais apontaram consensualmente que são iniciadas pela violência psicológica até chegar à violência física. Segundo a fala de uma das profissionais a violência psicológica é a forma de maior dificuldade para ser identificada, tendo em vista a exposição da subjetividade da mulher. Há o destaque também, mais em menor proporção, da moral e patrimonial. Indagadas sobre o estado das mulheres assistidas, se as mesmas apresentam muitos ferimentos ou uso de medicamentos psicoativos, apontaram que, Nos casos que encaminhei para a Casa-Abrigo, posso dizer que a maioria chega[vam] com sinais de violência física. Acredito que, é no momento de maior tensão que a mulher decide pela denúncia como uma questão de sobrevivência. O uso de remédios psicoativos é menos recorrente, pelos menos declaradamente. (Assistente Social 1). Atualmente, o serviço do CREAS não é mais porta de entrada das mulheres para a Casa-Abrigo, então não sei dizer como se encontra o estado das mulheres que são encaminhadas para lá, o que podemos dizer é que antes, as mulheres apresentavam muitos ferimentos por conta das agressões sofridas. (Assistente Social 2). Sobre o maior entrave no período de abrigamento destaca-se diversos fatores como: a falta de estrutura institucional, a falta de uma melhor articulação com as outras políticas setoriais, apontando que se faz necessário para o empoderamento da mulher, a efetivação de fato as medidas de proteção que constam no artigo 22 da Lei Maria da Penha, bem como o período em que a mulher fica abrigada, uma vez que quando o tempo é estendido gera um sentimento de clausura nas assistidas. As dificuldades no exercício profissional na Casa-Abrigo consistem em “Não ter equipe técnica lá que referencie o acompanhamento das mulheres vítimas, o espaço físico da Casa, a fragilidade da rede socioassistencial, etc”. (Assistente Social 2). Outra profissional destaca, Meu local de atuação profissional é o CREAS São João de Deus, o que posso dizer é que atualmente sinto uma fragilização de encaminhamentos entre a Casa-Abrigo e o CREAS. Ou mesmo de uma articulação entre esses dois equipamentos da assistência social. (Assistente Social 1). O impacto dos casos de violência doméstica nos profissionais segundo as falas está direcionado ao âmbito psicológico, tendo em vista que em uma das falas cita que, “[...] não estamos imunes aos sentimentos, tristezas e decepções humanas. É quando, geralmente ocorre o adoecimento do profissional. Não existindo em nossa Secretaria um programa que cuide do cuidador”. (Assistente Social 1).
  • 21. 21 Os profissionais não possuem acompanhamento psicológico para evitar situações que possam interferir na atuação laboral, apesar de as profissionais estarem cientes que tal ação é importante para o fortalecimento da equipe e do serviço (como se destaca na fala da Assistente Social 2), entretanto é apontado pela (Assistente Social 1) “[...] que nem existe indícios de uma proposta voltada para esse acompanhamento. Ao contrário, estamos em constante pressão para atender uma demanda maior do que a capacidade técnica prever”. Como sugestão, as profissionais apontaram: “o fortalecimento entre as políticas públicas, a capacitação contínua para as equipes, estruturar o serviço [de acolhimento institucional] e demais unidades”. (Assistente Social 2). Bem como a destaca a outra profissional, “[...] socialização de informações pertinentes aos direitos das usuárias. Sem esquecer, da implantação de um programa para agressores, pois diante dos casos atendidos não visualizamos como solução para os casos de violência doméstica apenas o rompimento de um relacionamento, ou seja, a mulher agredida rompe com seu companheiro, mas esse mesmo companheiro irá relacionar-se com outra mulher e provavelmente fará uma nova vítima. (Assistente Social 1). De acordo com a análise das falas destaca-se para melhoria do atendimento: a elaboração de um planejamento familiar para as assistidas e seus filhos no período de abrigamento, bem como no encaminhamento para além desse período, fazendo uma melhor articulação entre as políticas setoriais, composta pela assistência social, saúde, educação e demais políticas, acrescentando o Sistema de Garantias de Direito e de todo aparato garantido pela Lei Maria da Penha, a maior divulgação de informações para a sociedade civil sobre os direitos das mulheres e a criação de um programa socioeducativo para os agressores, no sentido de não reincidir no crime, o que propõe uma ação para além da punitiva. Outro ponto bastante preocupante reside na estrutura da Casa-Abrigo no tocante a oferecer a prestação de um serviço de qualidade e na manutenção do sigilo de endereço, já que foi apontado que alguns profissionais e assistidas ainda não têm compreendido tal exigência, acarretando na vulnerabilidade do local. No tocante à porta da entrada para o Serviço de Alta Complexidade, foi ressaltado que os casos de violência doméstica não estão sendo articulado com o CREAS São João de Deus, o que acaba dificultando o processo de acompanhamento da vítima e fragilizando o serviço.
  • 22. 22 Acerca do processo de trabalho é salutar destacar que os profissionais que lidam com a problemática da violência doméstica necessitam de acompanhamento psicológico para dar suporte emocional, uma vez que cada história ocasiona diversos vieses e que muitas vezes podem “adoecer” o profissional. CONSIDERAÇÕES FINAIS A violência doméstica não é recente, ela perdura há muito tempo e independe de classe social e raça, está envolta no processo cultural da sociedade, camuflada em vários espaços, em reações veladas ou exacerbadas. O seu estudo está no rol dos assuntos mais pesquisados na atualidade, principalmente após as Políticas Públicas para as Mulheres geradas como forma de enfrentamento dos casos apresentados pela rede de proteção e de institutos que analisam indicadores. Apesar da violência está arraigada no bojo cultural, a humanidade não deve aceitá-la como algo natural, como imperceptível ou inevitável a convivência marital e interpessoal. A prática de ações violentas gera custos para o Estado, a fim de remediar os casos, por isso é identificada como problema de saúde pública no Brasil, custo que não está somente ligado ao econômico, mas também a dor e sofrimento das vítimas, valor esse que não pode ser calculado. Diante da pesquisa proposta pode-se perceber que a mulher nunca foi um sexo frágil, e sim vitimizada pela sociedade, a qual dava plenos poderes aos homens e tinha como cultura separar as funções masculinas das femininas, o que ainda acontece de forma ferrenha em algumas famílias, instituições religiosas e de ensino, como também no âmbito profissional, ditando a ocupação para cada gênero. O que realmente faltou para a mulher foi a oportunidade de mostrar em meio público as suas habilidades e as suas convicções. As hipóteses geradas no início do estudo foram atestadas pelas vivências das depoentes, uma vez que foi perceptível que os ex-companheiros agiam em consonância com a cultura machista, tendo-as como submissas, devendo estar sob os mandos e desmandos deles. No que diz respeito à denúncia, além do medo e dependência econômica, houve o registro nas falas que remete ao descrédito na justiça, uma vez que o processo de violência aprisiona até o pensamento da vítima, visto que são induzidas pelos agressores a não pedir ajuda.
  • 23. 23 Já sobre o pensamento que o casamento deve ser eterno, houve relatos que atestaram essa situação, seja pelo emocional ou pensamento arcaico familiar. Acerca da naturalização as ex-assistidas foram bem pontuais em suas falas, uma vez que se culpavam em detrimento das ocorrências agressivas dos companheiros. Analisando a identidade e subjetividade das ex-assistidas foi visível que o processo de violência atingiu diretamente na autoestima das mesmas, situação que corrobora para a fragilização e permanência no ciclo de violência, além da dependência econômica, emocional e o medo, há o controle de ideias, cerceamento de direitos (até o de ir e vir). Diante da complexidade do fenômeno é salutar investir na área de prevenção da violência doméstica, uma vez que a mesma pode ser evitada e suas consequências reduzidas com os mecanismos de proteção e com recursos humanos em qualificação contínua, favorecendo um bom serviço de acolhimento as mulheres vítimas (como está previsto no Art. 8º parágrafo VII da Lei 11.340/2006), bem como na construção de mais delegacias especializadas, tendo em vista que em Sergipe só existem cinco, distribuídas em: Aracaju, Itabaiana, Lagarto, Estância e em Nossa Senhora do Socorro29 . Outro aspecto que merece destaque é o número de Casas-Abrigo, no Brasil são 77 instituições30 . Entretanto se faz necessário que os municípios possuam suporte para o atendimento, visto que em Sergipe, somente Aracaju disponibiliza o serviço. É importante ressaltar que a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques vem acolhendo, em último caso, o público que não é proveniente da cidade, gerando um ônus econômico para Aracaju. Entendendo que há municípios que não dispõem de recursos financeiros para arcar com a estrutura de uma Casa-Abrigo, há a possibilidade de firmamento de consórcio público quando existe objetivo de interesse comum31 , podendo gerar a pactuação de serviço regional. Para melhorar o suporte as mulheres em situação de violência doméstica há a necessidade de fortalecer a prevenção como versa o Art. 8º parágrafo V da Lei 11.340/2006, com a realização de campanhas educativas de prevenção voltadas ao público escolar e a sociedade em geral. Promover uma maior atenção nas medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, que obrigam o agressor, principalmente no que tange ao Art. 22 parágrafo III 29 Dados extraídos do site da Secretaria de enfrentamento à violência contra a mulher. 30 (Cit., 30) 31 De acordo com os parâmetros da Lei 11.107 de 6 de abril de 2005, regulamentada pelo decreto 6.017 de 17 de janeiro de 2007
  • 24. 24 alíneas “a”,”b” e “c”. Assim como fortalecer as ações de educação e reabilitação para os agressores que estão previstas no Art. 35 parágrafo V da mesma lei. Por fim oportunizar o acesso das ofendidas aos benefícios eventuais previstos na Lei 8.742/1993, que prevê provisão suplementar e provisória prestadas aos cidadãos em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública, tendo em vista que integram o Sistema Único de Assistência Social e a situação de violência doméstica constitui no rompimento de vínculos, de presença de violência e ameaça e risco de morte. Nessa linha de reflexão as ações em prol ao combate a violência doméstica serão aprimoradas e fortalecidas, sob o viés do fomento à autonomia feminina em contrário as ações de preconceito, de cerceamento de direitos e exclusão social, evitando a proliferação da ”praga” chamada violência doméstica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABID, José Antônio Damásio. Empirismo Radical e Subjetividade. In: Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, Jan-Abr 1999, Vol. 15 n. 1, pp. 055-063 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em 12 abril de 2015. BRASIL, Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e Violência. Secretaria de Políticas para as Mulheres / Presidência da República (SPM/PR). Brasília, 2011. BRASIL, Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Dispõe de Mecanismos para Coibir a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 25 abril de 2015. BRASIL, Protocolo de Orientações e Estratégias para Implementação das Casas-Abrigo Disponível em: http://www.ptpr.org.br/.../Termo%20Referencia%20Casa%20Abrigo%202005.pdf. p. 55 Acesso em 12 abril de 2015. BRASIL, Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica. In: Secretaria de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Disponível em: https://sistema3.planalto.gov.br//spmu/atendimento/atendimento_mulher.php?uf=TD. Acesso em 13 set. 2015.
  • 25. 25 BRASIL. Resolução nº 109 de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília: Conselho Nacional de Assistência Social, 2009. CRUZ, Maria Helena Santana. A construção da identidade de gênero. In: Trabalho, Gênero, Cidadania: [Tradição e Modernidade]. São Cristóvão/SE, 2005. p. 48-51 DAHLBERG, Linda L. and KRUG, Etienne G..Violência: um problema global de saúde pública.Ciênc. saúde coletiva [online]. 2006, vol.11, suppl., pp. 1163-1178. ISSN 1413- 8123. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000500007. Acesso em 27 abril de 2015. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. KRUG, E. G. et al. World report on violence and health. Geneve: World Health Organization, 2002. MINAYO, M. C. de S. Violência: um problema para saúde dos brasileiros. In: BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília, DF, 2005. p. 9-41. OLIVEIRA, Monique Elen Rodrigues de Araújo Oliveira. O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa Abrigo Professora Núbia Marques. São Cristóvão/SE, 2010. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas/ Roberto Jarry Richardson; coloboradores José Augusto de Souza Peres et al.- 3. ed.-7. Reimpr.- São Paulo: Atlas, 2007. ROCHA, Lourdes de Maria Leitão Nunes. Casas-Abrigo: no enfrentamento da violência de gênero. São Paulo: Veras Editora, 2007. SOUZA, O. Fantasia de Brasil. São Paulo: Escuta, 1994.