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Gestão Eficiente
da Merenda Escolar
Histórias gostosas de ler
    e boas de copiar


     Volume II
Gestão Eficiente da Merenda Escolar — Histórias gostosas de ler e boas de copiar – Volume II
é uma publicação distribuída gratuitamente pelos seus realizadores.

Realização
Ação Fome Zero
Rua Matias Aires, 402, 1.º andar, Consolação
CEP 01309-020 – São Paulo – SP
www.acaofomezero.org.br
www.premiomerenda.org.br

Autoria:
Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá escreveram as histórias das prefeituras premiadas em 2005
Rogerio Furtado escreveu as histórias das prefeituras premiadas em 2006
Fatima Menezes e Waldemar Zaidler colaboram com outros textos

Revisão Técnica
Fatima Menezes
Waldemar Zaidler

Revisão
Kátia Gouveia

Ilustrações
Mapas IDHM – Atlas do Desenvolvimento Humano – PNDU/ ONU – Brasil (2000)

Fotografias
Maria Eugênia Sá (págs. 9-17, 39, 41-51, 53-63, 65-74, 85, 87-93, 105, 107-115, 117-125, 127-134, 147, 149-159, 161-169)
Rogério Furtado (págs. 21-29, 31-38, 75, 77-83, 95, 97-102, 139-143)
João Fiorim (pág. 59 – foto de fundo, 160)
As demais fotos foram gentilmente cedidas pelas cidades
Foto da capa: Angelo Lorenzetti

Projeto e produção gráfica:
Planeta Terra Design (Waldemar Zaidler, William Haruo)

Impressão
Margraf Editora e Indústria Gráfica

Agradecimentos
A todos os envolvidos nas histórias que dispuseram tempo e esforços para fornecer dados,
dar depoimentos, abrir arquivos de forma a possibilitar a realização deste trabalho.

Tiragem: 5 mil exemplares
São Paulo, outubro de 2007

É permitida a reprodução parcial desde que citada a fonte.
Experiências bem-sucedidas das prefeituras vencedoras
das 2.ª e 3.ª edições do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar




                        OUTUBRO 2007
Introdução                         Outro dia, em uma conversa entre amigos em que eu contava sobre meu trabalho, percebi que

nenhum dos presentes sabia da existência do programa de merenda escolar das escolas públicas... A conversa, entremeada de casos que

conheci e de explicações sobre como funciona tal programa, acabou por despertar em todos eles uma enorme curiosidade e até uma

certa perplexidade, demonstrada na reflexão final: numa época em que julgamos ter acesso a todo tipo de informação, quanta coisa boa

e interessante acontece silenciosamente em nosso país...          Essa experiência pessoal me chamou a atenção para a opor­ u­
                                                                                                                          t

nidade do livro Histórias gostosas de ler e boas de copiar, que foi idealizado para divulgar as boas práticas de administração do progra­

ma de merenda escolar reveladas por meio da metodologia do prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar. Concluí que há um novo

público que merece conhecer este livro: aquele que não freqüentou o sistema público de ensino e que não tem a chance de saber, por

sua própria experiência, da importância estratégica, da complexidade de execução e da amplitude do programa.             No segundo

volume de Histórias gostosas de ler e boas de copiar você vai conhecer o percurso dos municípios premiados pela gestão do Programa

Nacional de Alimentação Escolar — PNAE em 2005 e 2006. Além de um referencial didático, este livro conta histórias de pessoas, grupos




4
e dirigen­ es que conseguiram intervir na realidade de suas cidades apenas executando de forma criativa, ética e honesta um pro­ ra­ a
         t                                                                                                                     g m

público de amplitude nacional.                Este livro reflete a adesão de várias empresas associadas ao programa que, com sua

contribuição, possibilitam o financiamento do projeto Gestão Eficiente da Merenda Escolar e comprovam que quando a iniciativa priva­

da apóia o desenvolvimento de uma boa política pública quem ganha é o país.                       Leia. Comova-se. Aprenda, se for o caso.

        Verifique que há um país silencioso acontecendo...



                                                                 Muito obrigada,


                                                                                                  Fatima Menezes


Em tempo: Se você, leitor, não encontrar neste volume a história de alguns municípios premiados nesses anos de 2005 e 2006, não se espante. Certamente
elas ajudaram a compor o primeiro volume do livro com o mesmo nome, pois já haviam sido premiadas anteriormente. Porque é assim: uma boa prática pode
ser levada adiante. Basta querer...




                                                                                                                                                    5
ÍNDICE

	      Pedra do Indaiá	       Diversidade e participação ........................................................................................ 9




	   Fernandes Pinheiro	       Criatividade: ponto final no marasmo ................................................................. 19




	              Jussara	       Grande distância, caminho curto ......................................................................... 29




	          Dois Irmãos	       Quem planta, colhe . ................................................................................................. 39




	           Concórdia	        Parcerias para enfrentar o novo . ........................................................................ 51




	               Araxá	        Vontade, investimento e resultados ...................................................................... 63




	                Patos	       Estratégia para reversão......................................................................................... 75
Apucarana	      Em tempo integral . ................................................................................................... 85




	      Castanhal	     Vaivém na cozinha..................................................................................................... 95




	        Criciúma	    Sem mágica ............................................................................................................... 105




	       Blumenau	     Fora do esquadro.................................................................................................... 115




	   Florianópolis	    Controle Social . ..................................................................................................... 125




	        Joinville	   Merenda forte ......................................................................................................... 137




	         Goiânia	    A merenda faz parte do sucesso .......................................................................... 147




	   Porto Alegre	     Dedicação profissional e humana . ..................................................................... 159
Diversidade




                                                          Pedra do indaiá (MG)
e participação
            Os conselhos de alimentação escolar
            podem causar inclusão social. De que jeito?
            Pedra do Indaiá é um bom exemplo disso.
Pedra do Indaiá (MG)
Índice de Desenvolvimento                                                    População	                                                 3.814
Humano Municipal, 2000
                                                                             Área da unidade territorial (km²)	                         349
Municípios do estado de Minas Gerais                                         Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 —
                                                                             Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004

  0,568 a 0,667   (171)
  0,668 a 0,707   (171)
                                                                             Maior IDHM do Estado	                                      0,841
  0,708 a 0,743   (175)                                                      Menor IDHM do Estado	                                      0,568
  0,744 a 0,770   (173)                                                      IDHM de Pedra do Inadiá	                                   0,755
  0,771 a 0,841   (163)                                                      Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.



                                                                             Número de escolas municipais
                                                                             (pré-escola e ensino fundamental)	                         6
                                                                             Receita municipal	                                         R$ 3.839.456,33
                                                                             Recursos transferidos pelo FNDE	                           R$ 13.827,60
                                                                             Complementação do município
                                                                             para compra de alimentos	                                  R$ 12.465,11
                              Experiência pre­ ia­ a na cate­ o­ ia
                                             m d            g r              Alunos atendidos	                                          511
                              Região Sudeste – 2005                          Refeições servidas	                                        100.200
                                                                             Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) —
                            A participação de representantes da terceira     dados referentes a 2004.
                           idade como conselheiros deu novo significado
                          ao Conselhos de Alimentação Escolar. Outro fator
                        de destaque é a diversificação de cardápios para
                      atender às necessidades individuais dos alunos.
                 É um município pequeno mas tem escolas rurais que são
       atendidas por um bom trabalho de distribuição dos alimentos.
       Oferece merenda orgânica adquirida de pequenos produtores locais.
D iversidade e participa ç ã o




Um cardápio
para cada turma



                                                                    Imagine preparar uma refeição diferente, variada e ade­
quada para cada aluno, levando em conta suas necessidades nutricionais, peso e altura, perfil de atividades físicas e hábi­
tos alimentares da família. Obviamente, isso é impossível numa rede pública com centenas de milhares de crianças. Mas
numa cidade pequena, com uma equipe comprometida e profissional, dá para chegar bem perto. Em Pedra do Indaiá,
município localizado no Triângulo Mineiro, existem sete cardápios diferentes para uma rede de apenas quatro escolas e
uma creche. Como uma das escolas oferece aulas em três turnos, cada turma possui sua própria lista de pratos a serem
servidos durante a semana e o cardápio muda periodicamente. Com menos de 5 mil habitantes, a cidade teve de buscar
uma nutricionista em outro município. O Conselho de Alimentação Escolar — CAE e o Setor de Merenda Escolar, contu­
do, são formados por gente genuinamente da terra, assim como alguns produtores locais que fornecem legumes, frutas e
verduras para as escolas. No CAE, aliás, vale destacar a forte atuação do grupo da terceira idade da cidade.
Até dez anos atrás, as refeições distribuídas aos alunos de Pedra do Indaiá não diferiam das oferecidas em outros milhares de
pequenos municípios pelo País afora. O próprio prefeito da cidade, Itamar José da Costa,




                                                                                                         morou até os sete
anos na zona rural do município e lembra bem o quão pouco apetitosos eram os pratos de mingau ou arroz industrializa­
do da merenda escolar da rede pública nos anos 1980. “Não tem nem comparação com o que se serve hoje, tanto que eu
mesmo raramente comia na escola”, diz. Tudo começou a mudar quando ele ainda era chefe de gabinete do prefeito ante­
rior, no final dos anos 1990. Na época, a administração conseguiu aumentar o volume e melhorar um pouco a qualidade

                                                                                                                           11
Pedra do indaiá




da merenda. Mas ainda faltava uma gestão mais profissional, já que a alimentação estava a cargo diretamente da secretária
de Educação, Maria José Benito da Silva Oliveira, que contava então apenas com uma auxiliar.
O primeiro passo na profissionalização foi a criação do Setor de Merenda Escolar e a contratação de uma coordenadora
es­ ecífica para a função. A escolhida foi a professora Solange Tavares Silva Lemos,
  p




                                                                                                          com 18 anos de ex­ e­
                                                                                                                           p
riência em sala de aula e nenhum conhecimento prévio em administração pública. “No início deu muito medo, foram um
cho­­
   que a quantidade de papel e o tamanho da burocracia. O que me ajudou muito foi um livrinho editado pela FNDE chama­
do É Hora da Merenda. Mas eu lia tudo o que caía nas minhas mãos e repassava as informações ao CAE para que os conse­hei­
                                                                                                                    l
r
­ os também aprendessem mais e ganhassem poder”, recorda. Com a mudança de governo para o primeiro mandato do atual
prefeito em 2001, toda a responsabilidade pela alimentação das 531 crianças atendidas recaiu sobre suas costas. “Nós não tí­ ha­
                                                                                                                           n
mos uma nutricionista, nem um CAE atuante. As hortas eram fracas e não havia contato com os produtores locais. A pauta de
alimentos era formada basicamente por arroz, batata, pão e molho. Verduras eram muito poucas e as frutas não faziam parte
da lista de compras. Eu queria mudar tudo aquilo, mostrar a todos que as crianças mereciam uma alimentação melhor. E aos
poucos fomos criando as mudanças”, diz Solange.
                                                    Nutricionista uma
                                                    vez por semana                                 Depois do Setor de Merenda
Es­ olar, a segunda grande vitória foi a contratação da nutricionista Giselle Cristina Teixeira.
  c




                                                                                                           Moradora da vizi­
nha Divinópolis, Giselle trabalha de terça a sexta em uma clínica psiquiátrica. Com as segundas-feiras livres, ela fechou um
acordo com a Prefeitura de Pedra do Indaiá para prestar seus serviços primeiro quinzenalmente e agora uma vez por semana.
Para ela, é incrível um município desse tamanho com uma preocupação tão grande em contratar um profissional de nutrição
para melhorar a qualidade da alimentação escolar. “E ainda mais admirável é, num país varrido pela corrupção e pelo desvio de
verbas de programas sociais, encontrar pessoas honestas, responsáveis com o dinheiro público e dispostas a criar instâncias de
fiscalização que realmente funcionem como o CAE. Isso me deixou muito entusiasmada para trabalhar aqui”, explica Giselle.
Ela considera a merenda escolar oferecida antes de 2002 não como “terrível”, apenas “monótona”, devido principalmente à
12
D iversidade e participa ç ã o




falta de variedade na pauta de produtos. “Mas é importante lembrar que o alimento não é só o
valor nutricional. A merenda escolar é uma oportunida­ e única de a criança ter um espaço
                                                     d                                                   A experiência
                                                                                                   com os alimentos que a
para começar a valorizar o que ela come e por que ela come. Não adianta nada ter um pra­
                                                                                                criança traz de sua casa e da
to colorido e com os alimentos adequados, se não trabalhar o que a criança tem em casa.        herança cultural de sua família
                                                                                               não pode ser desconsiderada na
Pode ser bonito e nutritivo, mas ela recusa. Tem que fazer esse vínculo entre o almoço
                                                                                             escola. Para oferecer novos sabores
no refeitório e o jantar em casa, uma experiência próxima de sua vida comum. A escola        é conveniente partir da experiência
                                                                                             que a criança conhece e introduzir
tem que cumprir o seu papel de oferecer educação para a vida. E não é só matemática e
                                                                                               aos poucos alimentos diferentes.
português. É aprender a se relacionar, a se comportar à mesa, a pedir, a se socializar…”,    Contextualizar o novo alimento em
                                                                                               atividades escolares ou nas hor­
analisa. “E nesse processo, claro, temos que inserir também os pais, para ter um reforço e
                                                                                                 tas desperta a curiosidade e
uma continuidade do trabalho em casa.” É exatamente para deixar a merenda o mais pró­                incentiva o consumo.
ximo possível da realidade e da necessidade dos alunos que Giselle monta um cardápio dife­
rente para cada turma. Assim, a escola rural da comunidade de Betânia, onde a po­­ lação é mais
                                                                                pu­
carente, recebe uma lista de pratos mais reforçados e em maior quantidade. Na de Mata dos Lemos, onde es­ udam nove
                                                                                                        t
crianças, é fundamental servir um café da manhã antes das aulas e mais o almoço. Nas escolas do Lambari e do Centro de
Indaiá, comidas como sopa de macarrão simplesmente não são aceitas. E quem estuda à tarde recebe um lanche mais leve.
Outra importante atividade que vem sendo realizada com a ajuda da nutricionista é a avaliação antropométrica dos alunos
da re­ e pública para verificar possíveis problemas de saúde. A primeira aferição ocorreu em 2004 e vem se repetindo desde
     d
então. Os casos verificados de baixo peso, que poderiam indicar subnutrição, foram poucos. Preocupante foi um início de
aparecimento de crianças com sobrepeso e obesidade. “Infelizmente é para isso que estamos caminhando. Por isso, a par­
tir de 2007 teremos vários grupos de trabalho em nutrição dentro das escolas, especialmente um de controle de peso, com
medições mensais, palestras, etc. Nesse grupo, as crianças poderão discutir suas dificuldades e comentar as melhoras de
cada um. E vamos contar também com a ajuda dos pais auxiliando em casa”, diz Giselle. “Afinal, se mudar o hábito ali­
                                  remos uma redução de peso, mas com uma alimentação saudável, o que corrige todos
mentar de um, muda o de todos. Que­­
os problemas, seja de pouco peso, so­ repeso ou outros. Sempre de uma forma que não discrimine, com muito cuidado para
                                    b
não reforçar estigmas e preconceitos.”
                                         CAE na
                                         melhor idade                           O “pulo do gato” do Setor de Merenda Esco­
lar, no entanto, foi a reformulação do CAE. Entre 2004 e 2005 o conselho passou a se reunir com maior freqüência, de uma
média de oito reuniões por ano para 15 encontros anuais. Os representantes dos professores passaram a ser eleitos nos
                                                                                                                          13
Pedra do indaiá




                            conselhos de classe, e os dos pais em reuniões nas escolas. O prefeito nomeou o representante do
      Os conselhei­            Poder Executivo e a Câmara Municipal indicou os nomes do Legislativo. Faltava a sociedade
   ros de alimentação            civil. Um dos poucos grupos organizados na cidade era o Grupo da Melhor Idade Bem Viver,
escolar devem trabalhar
em parceria com a nutri­          com cerca de 80 membros. “Ligamos para Brasília, para perguntar se podíamos convidar o
 cionista, os secretários         pessoal da terceira idade para participar do CAE, e eles acharam uma grande idéia”, conta
 de governo e o prefeito.
  Com um trabalho de              Solange. “Assim estaríamos estimulando atividades e resgatando a auto-estima. Fizemos o
   equipe harmonioso             convite, explicamos o que era o CAE, como funcionava, quais eram as funções dos conse­
    quem ganha são
        os alunos.              lheiros e eles também adoraram.” Em poucos dias foram indicados dois representantes da
                              sociedade civil, um efetivo e um suplente.
                        Funcionário da prefeitura aposentado por invalidez aos 60 anos e atualmente com 65,
  Braulio Esteves Rodrigues




                                             sempre achou que não veio ao mundo para “pesar na terra que nem pedra”. Para
  ele, enquanto Deus permitir, a vida é sinônimo de trabalho. “Quando eu me aposentei, eu pensei comigo que tinha que
  procurar alguma coisa pra fazer. Eu tomando meu remédio, tô bem. E vendo as pessoas em volta trabalhando, tudo bem,
  fico melhor ainda. Eu estudei ainda um pouco no tempo da palmatória. Mas agora tenho cinco netos e uma filha na esco­
  la pública e acho que devo ajudar no que puder. Por isso, quando houve o convite de trabalhar com a merenda eu achei
  que tinha que mergulhar de cabeça nesse negócio. Eu não tenho hora, estou disponível dia e noite pro que precisar. Para
  mim é uma honra trabalhar no CAE. É o que eu tenho mais prazer na vida. Eu ajudo nas hortas, nas escolas, o que tiver
  de fazer. Participo das reuniões, visito as escolas. Antes a gente fazia só bailes, forró, coral, missas, uma ginasticazinha…
  A ginástica me ajudava na coluna, mas a enxada ajuda mais.”
  Com o grupo da melhor idade no CAE, as escolas não só ganharam conselheiros atuantes e totalmente disponíveis como
  também suas reivindicações passaram a ter maior credibilidade e a serem atendidas com mais agilidade. Um caso típico
  é o da Escola Municipal Cachoeira do Lambari, uma unidade rural com 48 alunos. Apesar de bem representada — a
  diretora Delieny Rodrigues da Silva foi presidente do CAE e outra professora, Carmem Aparecida Ribeiro, também faz
  parte do conselho junto com uma mãe —, a escola pedia já há algum tempo a construção de um refeitório e um fogão
  novo porque o velho, a lenha, estava quebrado. Com o novo CAE, bastou um ofício enviado ao prefeito pela presiden­



  14
D iversidade e participa ç ã o




ta do conselho, Célia das Dores Silva (representante dos professores, mas também membro
                                                                                                    O trabalho
do Bem Viver), para que a reforma fosse agilizada. De quebra, a escola ganhou ainda uma
                                                                                                  do CAE deve ser
cozinha também reformada e mais adequada. “O pessoal da melhor idade tem um res­            conhecido pelos cidadãos.
                                                                                           Os conselheiros devem ouvir
peito maior da sociedade e do poder público”, atesta Solange. “Sua atuação no conse­
                                                                                           os pais de alunos, os profes­
lho é tão importante que eles foram os que mais vibraram com a vitória de Pedra do            sores, as merendeiras,
                                                                                           os gestores. Também devem
Indaiá no prêmio “Gestão Eficiente da Merenda Escolar”, afinal são eles os principais
                                                                                              organizar as propostas
atores desse processo.”
                          Mingau de                                                            e levá-las à Câmara
                                                                                                 de Vereadores e à
                                                                                                    prefeitura.

                          maritaca                 Já que estamos falando da escola Cachoeira
do Lambari, vale a pena conhecer o depoimento de Maria do Carmo Borges, merendeira há oito anos nessa unidade. Ela
conta que quando entrou para trabalhar na rede pública, a merenda ainda era formada por arroz, almôndegas enlatadas
e “mingau de maritaca”. “A gente chamava assim porque parecia aquela comida de dar pra passarinho. E as crianças não
gostavam. A gente jogava muita comida fora. Hoje eles comem tudo. O que mais pedem é pão com molho e arroz com
frango.” A outra merendeira da escola, Wanda Maria da Costa, também atesta a qualidade das refeições, bem aceitas
pelas crianças, e a diminuição do des­
perdício. Com bem menos tempo de
função, ela ainda não passou por
ne­ hum treinamento específico, mas
  n
nem por isso deixou de receber as
orientações básicas sobre higiene pes­
soal e dos alimentos e utensílios.
“Gostaria de fazer um curso de culiná­
ria para aprender novas receitas por­
que saber nunca é demais.” Na reali­
dade, o Setor de Merenda Escolar
reú­ e as merendeiras a cada dois
   n
meses para atividades de auto-estima,
orientações, palestras, comemoração
                                                                                              todos na fila para a merenda

                                                                                                                       15
Pedra do indaiá




de aniversários, etc. Mas como a Cachoeira do Lambari fica muito longe e as reuniões são feitas em dias que não há
aulas, fica difícil para Wanda participar.
Desde a entrada da nutricionista, em 2002, o Setor de Merenda Escolar passou a pegar no pé das merendeiras estipulando
regras rígidas de limpeza, higiene e comportamento em serviço. “Às vezes a gente se torna até chata por fazer exigências
como touca, unhas cortadas, uniforme”, diz Solange. “O maior problema foi quando proibimos a entrada de outras pes­
soas na cozinha durante a manipulação dos alimentos”, complementa Giselle. “Quando falamos que os professores
tinham de entrar na fila junto com os alunos, fazer o prato e sentar à mesa com eles, sem uma comida diferente, sem o
cafezinho, eles queriam nos matar, mas são educadores e têm que dar o exemplo.” Para quem aceitou as novas regras,
contudo, também houve um bom retorno em valorização das merendeiras. “Elas são as estrelas da alimentação escolar,
por isso quando pediram uma camiseta com o logotipo do Setor de Merenda Escolar, por exemplo, tivemos que providen­
ciar sem chiar…”, brinca Solange.
Segundo ela, o problema do transporte das merendeiras para os cursos e capacitações deve estar resolvido ainda em
2007 com a aquisição de um carro para o setor já prometido pelo prefeito. “O que é gasto com o Setor de Merenda
Escolar é um investimento que vale a pena. Estou muito satisfeito com os resultados, não só nas crianças, mas também
com os prêmios que estão dando visibilidade para um município pequeno como o nosso”, afirma o prefeito. “É muito
gratificante ser exemplo para outras cidades. Mas, para isso, temos uma grande preocupação com a cobrança dos impos­
tos. A arrecadação é pequena, mas o município também é pequeno e precisamos disso para investir em educação.” Uma
alternativa para aumentar a arrecadação, estimular a economia do município e ainda melhorar a qualidade e variedade
dos produtos oferecidos na merenda escolar é a aquisição de frutras e verduras diretamente dos produtores da região.
Pedra do Indaiá tem um programa com esse objetivo desde 1997, mas só com a criação do Setor de Merenda é que se
fechou o ciclo com a alimentação escolar. Até recentemente o município adquiria produtos de cinco fornecedores, mas,
com as fortes chuvas ocorridas no final de 2006, três deles perderam a safra e só voltarão a entregar os alimentos pro­
vavelmente na metade de 2007.
                                    Nota fiscal
                                    avulsa             “No futuro esperamos envolver mais produtores e diversificar a
oferta. Os que vieram e começaram a fornecer viram que é interessante. Afinal, ganham em volume e têm um dinheiro
garantido todo mês que é muito importante para quem está na roça”, afirma o prefeito. “Compramos por um preço menor
e com melhor qualidade do que se fôssemos trazer de fora e ainda geramos renda e ICMS. Quando começamos a comprar


16
D iversidade e participa ç ã o




do produtor, outros fornecedores de fora do município diziam que não podia. Mas nós usamos
uma nota avulsa, comprovamos que compramos com menor preço e portanto estamos tra­                          As hortas
                                                                                                      escolares propiciam o
balhando de forma legal. Tanto que outros municípios da região estão seguindo pelo                 uso de alimentos naturais
mesmo caminho. Pelo menos seis cidades nos procuraram diretamente para saber como                e saudáveis na merenda esco­
                                                                                                    lar, diminuem o custo de
fazer. Estamos usando o bom senso. Tenho certeza de que não vamos ser questionados              aquisição de alimentos e possi­
judicialmente por isso. De qualquer forma, usamos o dinheiro da contrapartida do muni­         bilitam um trabalho multidisci­
                                                                                                plinar de educação alimentar.
cípio, que é em geral um valor semelhante ao repassado pelo FNDE.”                                De quebra, as sobras podem
A aquisição direta realizada por Pedra do Indaiá é inovadora, principalmente porque os           ser utilizadas pelos horteiros
                                                                                                       e pela comunidade.
produtores não estão organizados em associações ou cooperativas com registro de pessoa
jurídica. Como não ultrapassa R$ 8 mil por ano, não precisa passar por concorrência públi­
ca, só por um processo licitatório mais simples. Mesmo assim, Solange ligou diversas vezes para
o FNDE perguntando sobre possíveis procedimentos e problemas até estar totalmente segura sobre o
método de compra. “Acabei ficando ‘íntima’ da pessoa que responde por Minas Gerais no FNDE”, brinca. “E com isso
descobri que o produtor precisa apresentar a escritura do terreno, o cartão do produtor rural, mais os documentos pes­
soais como identidade, CPF, etc. para conseguir a nota fiscal avulsa emitida pela Administração Fazendária do estado.
Ela vem com carimbo, nome e CPF do produtor e com isso ele pode responder à carta-convite da licitação da prefeitura.
No começo ficaram com medo, mas eu assumi a responsabilidade. O interessante foi que até o pessoal dos armazéns
que vendem pra gente aceitaram isso, porque eles compram os produtos in natura da Ceasa e não conseguem competir
em preço com o pequeno produtor local.”
Os principais fornecedores desse tipo hoje são o casal Maria Aparecida dos Santos




                                                                                                                  e Julio
Aparecido dos Santos. Proprietários de um sítio de cinco alqueires quase dentro da área urbana de Pedra do Indaiá, eles
plantam quiabo, couve, pepino, abóbora, inhame, batata-doce, tomate cereja e milho verde para vender nas ruas da cidade.
Por isso já conheciam Solange e acreditaram nela quando ouviram a proposta de vender seus produtos para a merenda esco­
lar. “Teve uma burocraciazinha. Leva algum tempo pra receber. Mas como sou aposentado, um dinheiro a mais sempre ajuda,
e hoje a venda para a prefeitura representa um terço da minha renda total. Cerca de R$ 200 por mês”, calcula Julio. “É bom



                                                                                                                         17
Pedra do indaiá




fornecer pra merenda, porque a verdura é pura, só usa adubo orgânico. Eu não trabalho com agrotóxico e produzo cenoura,
beterraba, alface, repolho e mandioca para as escolas.” Com o tempo a parceria e a confiança mútua cresceram. Hoje a Emater
entrega ao produtor bandejas e substrato para as mudas. Ele, por sua vez, já recebeu três turmas de dez alunos sorteados para
uma visita ao sítio com a chance de aprender a lidar com as verduras diretamente com quem conhece o assunto a fundo.
Julio, aliás, foi um dos juízes do concurso “A Melhor Horta Escolar”, que no final premiou todas as quatro escolas do muni­
cípio. A idéia é estimular alunos e pais a desenvolver hortas comunitárias que serviriam tanto para complementar a merenda
como para diversificar os produtos nas mesas das famílias.




18
Criatividade:




                                             Fernandes Pinheiro (PR)
 ponto final
no marasmo



Fernandes Pinheiro ilustra que em questão
de merenda, tamanho não é documento.
O pequeno município faz um trabalho grande
de educação alimentar.
Fernandes Pinheiro (PR)
Índice de Desenvolvimento                                                       População	                                                6.368
Humano Municipal, 2000
                                                                                Área da unidade territorial (km²)	                        407
Municípios do estado do Paraná                                                  Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha
                                                                                municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004

  0,620 a 0,707   (85)
  0,708 a 0,732   (82)
                                                                                Maior IDHM do Estado	                                     0,620
  0,733 a 0,751   (79)                                                          Menor IDHM do Estado	                                     0,856
  0,752 a 0,774   (81)                                                          IDHM de Apucarana	                                        0,711
  0,775 a 0,856   (72)                                                          Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.



                                                                                Número de escolas municipais
                                                                                (pré-escola e ensino fundamental)	                        7
                                                                                Receita municipal	                                        R$ 7.907.965,13
                                 Experiência pre­ ia­ a na cate­ o­ ia
                                                m d            g r              Recursos transferidos pelo FNDE	                          R$ 31.361,40
                                  Desenvolvimento Local – 2006                  Complementação do município
                                                                                para compra de alimentos	                                 R$ 19.614,25
                           Entre as receitas regionais incluídas no cardápio    Alunos atendidos	                                         1.043
                           está o virado feito com feijão, farinha de milho e
                                                                                Refeições servidas	                                       188.600
                          temperos. Para a compra da merenda, o município
                                                                                Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados
                        utilizou o Programa de Aquisição de Alimentos do        referentes a 2005.
                     Governo Federal, que beneficiou oito produtores rurais
                 da região. A prefeitura auxilia os agricultores familiares.
       As merendeiras participaram de cursos que abordam ética profissional,
       noções sobre nutrição e alimentação, reaproveitamento de alimentos,
       armazenamento e higiene.
       Os alunos também receberam educação nutricional por meio
       de peças de teatro.
C riatividade : ponto final no marasmo




METAMORFOSE
ESSENCIAL



                                                    Em certo dia de maio de 2007, por volta de 10h, Eleandro da Rocha, de
sete anos de idade, comemorava sua cota diária de satisfação. Como desconhece luxos, tudo se resumiu a andar de ônibus
e depois saborear a merenda na escola rural que freqüenta, no município paranaense de Fernandes Pinheiro. Para a foto­
grafia na sala de aula, o menino indicou com três dedos quantas vezes havia se servido na refeição matinal. Na outra mão
segurava uma folha de papel, com o desenho de um boneco que enfeitara. Um retrato de suas viagens exploratórias ao
território das cores e formas. Embora titubeantes, é de esperar que essas incursões também lhe sejam prazerosas. Isso impor­
ta: do mundo, Eleandro com certeza já acumulou o quinhão suficiente de impressões amargas.
Até 2006, caminhava sozinho cerca de 40 minutos para tomar o ônibus escolar. Outras contrariedades ainda presentes no seu
co­ idiano não devem ser comentadas. Até certo ponto são perceptíveis em sua fisionomia e nas roupas. Agora Eleandro mora
  t
com avós, a cinco quilômetros da escola, e a condução passa quase na porta. A situação melhorou um pouco, mas para trás
fi­­ ram a mãe e cinco irmãos — um é recém-nascido —, mergulhados na realidade sombria das famílias carentes. Ao comer à
  ca­
von­ ade na escola, pelo menos Eleandro afasta o espectro da fome. E talvez possa sonhar com coisas próprias de sua ida­ e.
   t                                                                                                                   d
Quanto à alimentação, é possível que crianças que o antecederam nas escolas de Fernandes Pinheiro tenham sofrido priva­
ções mais agudas. No município, a merenda escolar foi mesquinha durante anos. Dos tempos em que a cidade era distrito de
Teixeira Soares, até bem depois da emancipação, ocorrida em 1998. Eliane Marcele Mendes,




                                                                                                           funcionária    da
pre­­
   feitura, conta que suportou a mesmice de uma dieta exclusiva de sopas industrializadas no período escolar. Mas nem

                                                                                                                              21
F e r nan d e s P i nhe i r o




mesmo aqueles caldos pouco consistentes marcavam presença todos os dias. Diante disso, os alunos também não eram lá
tão assíduos... Outras pessoas confirmam essas informações. Uma delas é Marlei Viegandt de Meira, atual secretária de
Educação, com 20 anos de magistério.
Marlei




                                acrescenta que eram comuns as promoções nas escolas para garantir a merenda. Como a população
não é rica, esse recurso só podia ser utilizado com alguma parcimônia. A rotina era quebrada quando as crianças traziam
legumes e verduras de casa, para engrossar as sopas. Agora Eliane Mendes ajuda a preparar a merenda na escola onde estu­
dou — a Floresval Ferreira — para 400 alunos, a maior do município. Ela atesta que a alimentação escolar passou por
metamorfose essencial, como resultado de uma política responsável inaugurada em janeiro de 2005. O professor Francisco
Carlos Zittel, veterano que dirige essa unidade de ensino, assina embaixo.
Ele diz que os elogios à qualidade da merenda são recorrentes, partindo de pais e alunos. “Desde que a alimentação escolar
deixou de ser errática, as crianças passaram a se alimentar com prazer. Muitas delas precisam comer na escola, enchendo
o prato várias vezes. A merenda é farta o bastante para isso. A primeira coisa que muitos alunos fazem ao chegar é consul­
tar o cardápio, afixado em um mural.”
A professora Noeli Filus de Meira orgulha-se de ter comandado o processo até março de 2007, como secretária de Educação
no período. Noeli, que hoje leciona na Escola Costa e Silva, onde está matriculado o pequeno Eleandro da Rocha, abando­
nou os estudos aos 15 anos de idade. Morava longe e não havia como se deslocar até a escola. Casada, com dois filhos
pequenos, voltou a estudar. Cursou magistério e pedagogia. Quando recebeu o convite para assumir a Secretaria de
Educação, não tinha experiência administrativa.
No entanto, conhecia bem as falhas da estrutura sob o seu comando. Soube montar uma equipe competente e deu conta
do recado. Para começar, eliminou as deficiências do transporte escolar. A prefeitura comprou dois ônibus e criou onze
linhas para servir os estudantes. Assim conseguiu conter a evasão dos alunos, principalmente as faltas nos dias chuvosos.
Durante a gestão de Noeli, o município capacitou professores e merendeiras. Hoje ela se dedica a uma turma de Educação
Infantil. Experimenta a merenda com as crianças e as incentiva a comer: “Vejam como está gostosa!”.
Para muitos alunos da rede pública esse tipo de incentivo é desnecessário: algo em torno de 15% da população escolar recebe
aulas de reforço, com direito a refeições suplementares. A maioria desses estudantes costuma manter olhos e ouvidos atentos
nas salas de aula. Os professores sabem que tal fome de saber também está relacionada com a cozinha. É de lá que o olfato


22
C riatividade : ponto final no marasmo




da meninada costuma captar notícias estimulantes. A qualidade dessas mensagens se deve ao trabalho da nutricionista
Mauricila de Campos França. “A presença dela é uma benção”, diz Noeli.
                                                                           HORA DE
                                                                           REFORMAR                    Mauricila se formou
em Curitiba, em 2001. Depois veio para a Santa Casa do município vizinho de Irati, onde trabalhou por quase quatro anos.
Além de cuidar da nutrição clínica, administrava a cozinha do hospital. Mas sempre esteve interessada em atuar em esco­
las. “Minha intenção era trabalhar com crianças que, em princípio, formam uma comunidade sadia. Assim eu teria a pos­
sibilidade de contribuir para a formação de cidadãos com hábitos alimentares adequados desde a infância.” A nutricionis­
ta chegou em março de 2005 para organizar e coordenar a merenda.
Por vários anos, o sistema de alimentação escolar fora coordenado por um professor ou por um funcionário da Secretaria
de Educação. O cargo não exigia muito do responsável. Por ser bastante singela, restrita às sopas industrializadas, a meren­
da também não dava muito trabalho às cozinheiras. Para sacudir o marasmo, Mauricila




                                                                                                      foi conhecer todas as
escolas, e logo providenciou um primeiro encontro com as merendeiras. O objetivo era ensinar alguns conceitos básicos,
sem os quais seria impossível estruturar o serviço. Não foi difícil. O município tem apenas cinco escolas, onde trabalham
25 pessoas contratadas para as tarefas de apoio.
Todas elas passavam pelas cozinhas, em sistema de rodízio. O arranjo funcionava, mas não com a suavidade desejada.
Algumas das funcionárias não morrem de amores por panelas e fogões, algo que transparece na comida que preparam. A saída
foi escolher as que têm veia culinária e deixá-las ocupar o posto de forma permanente. Maria Poposky é uma dessas cozinhei­
ras fixas. Trabalhou 12 anos na creche municipal. Depois de passar pela Secretaria de Saúde, agora está definitivamente na
Escola Floresval Ferreira, onde tem Jussara Aparecida Lerner




                                                                            e Eliane Mendes como ajudantes eventuais.
O rodízio vai continuar para as auxiliares, que poderão substituir as merendeiras titulares em caso de necessidade. Assim,
as cozinhas jamais ficarão desguarnecidas e as substitutas no mínimo terão uma boa idéia de como preparar os alimentos,


                                                                                                                          23
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na quantidade certa. Instruções para trabalhar de forma correta estão disponíveis no Manual do Manipulador de Alimentos,
que tem duas versões. Uma para a creche e outra para as escolas. Os conteúdos são semelhantes, diferindo apenas na parte
que trata do preparo de mamadeiras e alimentos para os bebês. Os treinamentos têm sido contínuos. O último aconteceu
no começo de 2007, quando Maria Poposky




                                                           e suas colegas fizeram o curso do Cozinha Brasil, programa
patrocinado pelo Serviço Social da Indústria — Sesi.
Mauricila tem reunido o pessoal duas vezes por ano, durante as férias de janeiro e julho. Os encontros de julho se destinam
a resolver assuntos pendentes e à reapresentação de conhecimentos e práticas que as merendeiras ainda não conseguiram
absorver a contento. São oportunidades para o repasse de muitos conceitos, com ênfase nas questões de higiene. Quando
começou, Mauricila temia sofrer restrições na montagem dos cardápios em vista do custo de alguns itens. O temor era
infundado: “Para minha surpresa, minha atenção nunca foi chamada por causa disso. Os gestores municipais me apoia­
ram. Eles também querem qualidade”, diz a nutricionista.
As experiências com o cardápio também são contínuas. Em maio, os alunos da rede pública experimentaram granola. Para
muitos esse foi o primeiro contato com essa rica mistura de cereais, frutas secas e outros ingredientes. Contudo, Mauricila
observa que todas as medidas possíveis são tomadas para evitar desperdícios. O reaproveitamento de alimentos é uma
constante, e um capítulo importante dos treinamentos. Como medida de economia, o cardápio muda todos os meses, para
permitir a compra de produtos de época, a preços mais baixos. Principalmente frutas e hortícolas.
As verduras são fornecidas por agricultores locais, em quantidade suficiente para o abastecimento das escolas. As frutas,
nem sempre. É o caso da banana, que o município não produz. À variação da cesta de alimentos corresponde um grande
número de pratos, bem ao gosto da criançada. Comida regional: viradinho de feijão com chá de hortelã, arroz com carne
moída e salada orgânica, polenta com músculo, nhoque de batata com carne moída, macarrão com frango e salada, etc. A
lista dos lanches doces também revela grande número de opções: bolo de cenoura com limonada, sagu (feito na escola)
com suco de maracujá, mingau de aveia com banana, arroz-doce com sementes de abóbora, canjica com amendoim e assim
por diante. Sempre que possível, os alimentos são naturais, com frutas e verduras para completar a dieta.
As sopas industrializadas não desertaram da merenda. Mas agora só aparecem uma vez por mês, ao lado de pudins e bebi­
das lácteas. A despeito da variedade do cardápio, a logística impede que produtos perecíveis sejam consumidos nos dois
primeiros dias da semana. Supermercados de Irati, cidade mais próxima, vêm ganhando as licitações para o fornecimento


24
C riatividade : ponto final no marasmo




dos gêneros alimentícios. E eles recebem produtos frescos na segunda-feira. A Secretaria de Educação de Fernandes Pinheiro
manda buscá-los no mesmo dia e, à tarde, a coordenadoria da merenda divide os suprimentos para a distribuição, realiza­
da no dia seguinte. É difícil encontrar alimentos passados. A nutricionista fez marcação cerrada no início, inclusive sobre
os produtores de hortaliças.
A carne vem resfriada, em caixas térmicas, já dividida em pacotes para cada escola, e é congelada antes de seguir para o
consumo. Além de músculo bovino, que é um corte mais barato, a merenda utiliza carne moída e frango. No princípio, a
prefeitura comprava frangos inteiros. Depois mudou para coxas e sobrecoxas, ao constatar que havia algum desperdício.
Embora a merenda passasse por transformação radical no decorrer de 2005, as escolas continuaram a sofrer o desconforto
provocado pela falta de utensílios. Não havia panelas, talheres e pratos em quantidade suficiente.
Mas a prática de dois turnos para o lanche acabou de vez em 2006, com a compra do material que faltava. Hoje as
escolas podem se dar ao luxo de ter alguma sobra de utensílios básicos em estoque. As próprias cozinhas passam por
reformas, que já foram concluídas na Escola Floresval Ferreira, para a satisfação de Maria Poposky. Ela, que gosta de
exibir seus talentos em cozinha impecável, havia herdado uma estrutura precária: “Antes não dava para exigir limpeza”.
Das cozinhas restantes, duas ganharão apenas azulejos nas paredes, pois estão em bom estado. As demais serão inteira­
mente reconstruídas até 2008.
                                EDUCAÇÃO
                                À MESA                Em 2006, as crianças de Fernandes Pinheiro receberam visitas do “Zé
Tomatão”. O personagem acompanhou sua criadora, a nutricionista Mauricila França, numa turnê educativa pelas escolas.
Mauricila falou sobre a tradicional “pirâmide dos alimentos”, explicando a importância das funções de cada conjunto de
produtos como fontes de carboidratos, vitaminas, proteínas, etc. Entre outras atividades, “Zé Tomatão” respondia pergun­
tas, enquanto mostrava os alimentos dispostos sobre mesinhas. O retorno do personagem estava previsto para o final do
primeiro semestre de 2007.
Nesse novo ciclo de palestras e brincadeiras, a fantasia seria vestida por Regina Pereira Zanlourensi,




                                                                                                                  diretora do
Centro de Educação Infantil Tia Aurora. Regina, é claro, apresenta boas credenciais para assumir o papel, pois tem 70 crianças
sob sua responsabilidade. É também presidenta do Conselho de Alimentação Escolar — CAE, cargo ocupado pela professora


                                                                                                                            25
F e r nan d e s P i nhe i r o




Islea Farias em 2005/2006. Nas gestões anteriores, o CAE só fazia figuração, pois as atas das reuniões provam que os antigos
conselheiros se encontravam formalmente apenas uma ou duas vezes por ano, conta Islea. E a merenda era o que se viu.
Islea,




                         que hoje é vice-presidente do CAE, avalia a experiência dos conselheiros como muito positiva a partir de
2005. “Todos estávamos conscientes de nossas responsabilidades. Visitamos as escolas com freqüência, examinando cozi­
nhas e despensas. Também acompanhamos as licitações e verificamos se os cardápios incluíam os alimentos comprados.
E enviamos críticas e sugestões à coordenadoria da merenda.” A comunicação era imediata: para ouvir Islea e os demais
conselheiros, Mauricila compareceu a todas as reuniões do CAE. Além de coordenar a merenda e inspecionar regularmente
as escolas, ela orienta alguns cidadãos que precisam de dieta especial, segundo um acordo que fez com a prefeitura.
Na rede pública de ensino, o pessoal já está habituado a seguir suas recomendações. O primeiro a tomar uma iniciativa
importante foi o professor Jeferson Alves Pires, que organizou uma horta com alunos da Escola Rural Costa e Silva, em
2006. Havia um terreno disponível ao lado. Jeferson preparou o solo com as crianças, depois fez vários canteiros em forma
de triângulo, retângulos e outras figuras geométricas. E ali plantou cenouras, com adubação orgânica. O experimento foi
explorado ao máximo como recurso didático em aulas de diversas disciplinas, principalmente de ciências e matemática.
Serviu também para comentários sobre questões ambientais.
E terminou em bolo, feito em sala de aula, acompanhado de explicações sobre a necessidade de higiene na cozinha: os
pequenos mestres-cucas usavam toucas enquanto preparavam a receita. Todos os que estavam na escola comeram ao
menos um pedaço. O professor Jeferson parece ter notável aptidão para o ensino de crianças, particularmente as do meio
rural. Ele também veio de lá: é filho caçula de agricultores, e o único dos irmãos a estudar. Como ele diz, a caminhada em
busca dos diplomas foi um tanto penosa, mas valeu a pena. Com apenas nove anos de idade, saiu para morar com tios que
não conhecia, em Irati. Tinha saudades da família, mas ficou com os parentes até completar 18 anos e conquistar o título
de técnico em contabilidade.
Com esse diploma, na época era possível ingressar no magistério. Formado, Jeferson




                                                                                                         fez concurso e ganhou
o cargo de professor. Após a capacitação necessária, foi designado para a mesma escola em que cursou o segundo ano (antiga


26
C riatividade : ponto final no marasmo




primeira série) do Ensino Fundamental. A sala onde estudou lhe serviu de residência por dez longos anos, até que pudesse
comprar sua própria casa. Nesse período, além de dar aulas, fez graduação e pós-graduação em pedagogia. O tempo e a prá­
tica ajudaram o professor a desenvolver um talento insuspeitado até certa altura: o de escrever, com rapidez, ótimas peças
infantis sobre temas abordados em aula. Jeferson também cuida do cenário e da montagem. Um sucesso. As crianças se diver­
tem aprendendo. No meio delas, naturalmente, o menino Eleandro da Rocha.
                                                                              À FRENTE,
                                                                              SEMPRE              Uma horta escolar não
prosperou em Fernandes Pinheiro. A que era cultivada pelo pessoal da escola de Bituva dos Machados, uma comunidade
rural do Distrito de Angaí, o mais distante da sede do município. Os pequenos plantios realizados na escola se tornaram
supérfluos: a prefeitura agora compra os hortícolas de agricultores que utilizam métodos orgânicos, informa o diretor da
escola, Carlinhos Moreira de Jesus.




                                                   A iniciativa de organizar a compra direta desses produtos foi do ex-se­
cretário de Agricultura, o técnico florestal Clóvis Medeiros.
Entre os fornecedores, 25 ao todo, está o casal Ione e Sebastião Góes, com a filha Gilda, que vivem em uma chácara de 4
hectares, nas proximidades. Ali a família planta para consumo próprio e para a merenda. Os cultivos mais importantes são
os de milho, feijão, mandioca, abóbora, cebola, amendoim e diversas hortaliças, inclusive temperos. A introdução de boa
variedade de hortícolas na merenda tem dois efeitos óbvios: melhora a qualidade da alimentação das crianças e proporcio­
na renda aos produtores familiares.
O primeiro passo foi convencer uma parcela considerável dos alunos de que as verduras são fundamentais, daí os esforços
na esfera da educação nutricional. Nesse ponto, Fernandes Pinheiro tem colhido bons resultados. No princípio, crianças
foram flagradas jogando verduras do prato no lixo. Hoje já não desprezam esses alimentos. Às vezes são contrariadas. Bom
exemplo foi o que aconteceu com os morangos, consumidos na forma de pudins, ou servidos com mingau, pratos muito
bem recebidos em 2006. A coordenação da merenda resolveu eliminar essa fruta do cardápio, a pedido dos produtores de
hortaliças orgânicas. Os pastéis de carne moída fritos também saíram de linha. Dessa vez para atender as cozinheiras: dão
muito trabalho para fazer. A volta dos morangos e dos pastéis, contudo, não está descartada. Para isso, o cultivo da fruta
terá de ser orgânico, e os pastéis, assados — nada que signifique um grande obstáculo.


                                                                                                                        27
F e r nan d e s P i nhe i r o




Também não será difícil avançar com a merenda, agora que está bem estruturada. De acordo com a Secretaria de Educação,
é possível que mais ou menos a metade das famílias do município não possa dar café da manhã para os filhos em idade
escolar. Não se trata apenas de falta de recursos. Às vezes, por causa das grandes distâncias, certo número de crianças pre­
cisa sair muito cedo de casa para alcançar as escolas. Seja porque não têm apetite, ou por falta de tempo, acabam sem o
desjejum. Diante disso, a Secretaria de Educação formulou um projeto para oferecer lanches antes das aulas. Nem que seja
apenas um chá com biscoitos.
A idéia já foi apresentada ao prefeito, Nei Rene Schuck. Para fornecer o lanche adicional aos mais de 900 alunos do muni­
cípio, a despesa não seria grande. O pessoal da secretaria está otimista: a prefeitura tem sido generosa — além de mudar a
merenda, já deu uniforme para a criançada e para as cozinheiras, que antes nem tinham toucas para trabalhar. De toda
forma, alguns projetos já estão garantidos: a retomada do programa de hortas escolares para fins didáticos; a mudança da
coordenadoria da merenda para novo prédio, onde haverá espaço mais adequado para a guarda de alimentos e utensílios;
e a compra de um veículo exclusivo para o serviço de alimentação escolar.




28
Grande distância,




                                                  Jussara (GO)
caminho curto
A merenda escolar pode ser um bom pretexto
para desenvolver a região. Os recursos federais
podem ser aplicados na aquisição de alimentos
produzidos localmente. Com isso o dinheiro
circula entre os pequenos agricultores que,
além de fornecerem alimentos mais frescos
aos alunos, podem desenvolver sua produção.
Como fazer isso?
Jussara (GO)
Índice de Desenvolvimento                                                       População	                                                 20.034
Humano Municipal, 2000
                                                                                Área da unidade territorial (km²)	                         4.092
Municípios do estado de Goiás                                                   Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 —
                                                                                Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004

  0,600 a 0,710   (48)
  0,711 a 0,729   (49)
                                                                                Maior IDHM do Estado	                                      0,600
  0,730 a 0,742   (49)                                                          Menor IDHM do Estado	                                      0,834
  0,743 a 0,761   (47)                                                          IDHM de Jussara	                                           0,740
  0,762 a 0,834   (49)                                                          Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.



                                                                                Número de escolas municipais
                                                                                (pré-escola e ensino fundamental)	                         21
                                                                                Receita municipal	                                         R$ 15.391.522,25
                                Experiência premiada                            Recursos transferidos pelo FNDE	                           R$ 53.386,20
                                na categoria Região Centro-Oeste – 2006         Complementação do município
                                                                                para compra de alimentos	                                  R$ 48.525,43
                             O município utilizou o Programa de Aquisição       Alunos atendidos	                                          1.706
                            de Alimentos, do Governo Federal, para comprar
                                                                                Refeições servidas	                                        312.200
                           frutas, frango, ovos, carne bovina, mel, polvilho
                                                                                Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) —
                         e queijo; o que beneficiou 67 pequenos produtores      dados referentes a 2005.
                       rurais. A merenda contou, ainda, com produtos adquiri-
                   dos no Horto Municipal. A prefeitura também desenvolveu
       o projeto “Polpa de Fruta”, por meio do qual as escolas receberam
       doações de frutas da estação, utilizadas na preparação de sucos.
       O esforço financeiro da prefeitura foi de cerca de 90% dos recursos
       federais transferidos para a merenda.
G rande dist â ncia , caminho curto




CREDIBILIDADE
RESGATADA



                                                                           Ao que parece, o Brasil é o único país que tem
nome de árvore. E Jussara, em Goiás, é o único município brasileiro que tem nome de miss. Em homenagem à goiana
Jussara Marques de Amorim, vencedora de um concurso nacional de beleza realizado em 1949. Um retrato da moça não
demorou a chegar ao então povoado de Água Limpa, que pertencia a Goiás, antiga capital do estado. A fotografia acabou
entronizada na parede de um boteco. O barzinho rural ocupava ponto estratégico na confluência de algumas estradas que
levavam a diversas fazendas. Ali a peonada das vizinhanças costumava se reunir todos os dias, ao final da tarde, obede­
cendo a uma convocação geral: “Está na hora de ver a nossa Jussara”.
Na era do rádio, eleição de miss nesta Terra de Santa Cruz tinha gosto de Copa do Mundo. Assim, não demorou a se formar
uma comissão para transformar a devoção geral a Jussara Marques em algo substantivo. Requerimento à Câmara de Goiás
resultou na mudança do nome de Água Limpa, em 1950. Jussara se tornaria independente em 1958. Quem conta a histó­
ria é Joaquim Alves de Castro Neto,




                                                    prefeito da cidade desde 2001. Porém, Castro Neto avisa que não há
como provar que tudo tenha acontecido dessa forma. Não tem importância. De tão saborosa, fica valendo essa versão.
Jussara se desenvolveu em grande parte graças ao afluxo de migrantes nordestinos. Cidade interiorana, mantém a tradição
de contar boas histórias. Uma delas é a da merenda escolar, que deu um salto de qualidade nos últimos tempos. O marco
da virada foi 2001. Antes, a situação era um tanto difícil. Principalmente porque a verba federal para a alimentação esco­


                                                                                                                        31
Jussara




lar tinha valor per capita muito baixo, como é do conhecimento geral. Com o tempo, as várias correções dessa “tabela”
aumentaram a disponibilidade de recursos, junto com a contrapartida da municipalidade.
Os administradores que assumiram a prefeitura no primeiro ano do milênio decidiram investir na educação de forma
consistente, com o apoio da comunidade. Até a geografia do município exige tal ajuda, pois Jussara tem grande extensão
territorial. Esparramadas, algumas das escolas rurais estão distantes da sede do município. Assim, fazendeiros ou seus fun­
cionários, e mesmo os professores, acabam transportando os produtos para a alimentação escolar. A natureza também
colabora. Na área rural pode-se complementar a merenda com peixes apanhados nos rios, e o cerrado, generoso, produz
frutas em quantidade.
Melhorar a merenda exigiu dedicação e persistência, conta Darlene Souza e Silva Cardoso,




                                                                                                            secretária de
Educação. Darlene veio da Bahia há duas décadas. Antes de assumir o cargo estudou pedagogia, especializando-se em ges­
tão educacional, e lecionou durante vários anos em escolas estaduais. A situação em sua área era bastante complicada no
início do milênio. Desacreditada, a rede municipal atendia apenas 780 alunos. As escolas pediam reformas urgentes.
Nessas circunstâncias, o professorado, desmotivado, andava cabisbaixo. Segundo Darlene, alguns mestres hoje admitem
que ficavam um tanto envergonhados por darem aulas na rede municipal.
Em poucos anos, o quadro geral mudou. Jussara fechou 2006 com cerca de 1.900 alunos nas escolas municipais. O aumen­
to de 144% em relação a 2001 superou em muito o incremento populacional registrado no período, que se deu a uma taxa
média comedida. Também não havia muitas crianças fora das escolas ao iniciar-se o século 21. O número de alunos
aumentou exponencialmente porque a rede pública recuperou a credibilidade, comemora a secretária. E sem dúvida sub­
traiu alunos da rede estadual e até das escolas particulares, das quais há cinco na cidade.
Para que isso fosse possível, houve investimentos em infra-estrutura e na qualificação dos professores. Surgiram novas
escolas e as demais passaram por reformas e ampliações. Antes, os professores só tinham o magistério. Por meio de con­
vênios com a Universidade do Estado de Goiás, a prefeitura patrocinou a formação de todos eles, que somam pouco mais
de uma centena. Hoje a metade tem curso superior, e os demais são também pós-graduados. Nesse período, a educação
por vezes absorveu mais de 25% das verbas municipais, chegando a abocanhar até 29% do total.
No que diz respeito à merenda, Jussara investiu na construção ou reforma de cozinhas, que agora estão totalmente equi­
padas com geladeiras, congeladores, fornos e fogões. A oferta de material básico como panelas, vasilhames diversos, mesas

32
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para refeitórios e outros utensílios aumentou na escala adequada. E as pouco mais de 40 merendeiras vêm passando por
diversos cursos, sendo muito dedicadas — o que resulta em alto grau de aproveitamento, diz a secretária, que aproveita
para elogiar as ações do Conselho de Alimentação Escolar.
O CAE está muito próximo da merenda. Isso porque é presidido pela professora Irene Lúcia Marques.




                                                                                                                       Formada
em História, Irene lecionou durante dois anos, mas depois foi para a Secretaria de Educação cuidar da alimentação escolar,
como gerente, em meados dos anos 1990. Ali continua até hoje, tendo sido eleita presidenta do CAE como representante
dos professores. Ocupou a vice-presidência na chapa anterior, liderada por Irmã Maria Elina Bustus, religiosa católica que
dirigia uma creche na cidade.
Irene informa que, embora não seja uma exigência legal, a gerência da merenda faz quatro prestações de contas por ano ao
conselho. Os conselheiros, dois a dois, visitam regularmente as escolas e apresentam relatórios detalhados sobre o que vêem.
No total, são 12 escolas e cinco creches. Nem sempre a tarefa é fácil, pois as escolas rurais são distantes. Uma delas fica a mais
de 100 quilômetros de Jussara, nas proximidades do município de Britânia.
                                                                                 FARINHA
                                                                                 DE BARU                 Um passo importante
da atual administração foi chamar o nutricionista André Luiz de Castro de volta para casa. Nascido em Jussara,
André




                     deixou a cidade para estudar em Goiânia. Depois ficou anos num restaurante industrial, em Barra do
Garças (MT). Em 2002, ao receber o convite da prefeitura para trabalhar com a merenda, fez as malas sem demora. O
emprego anterior era bom, mas ele queria ficar perto da família e dos amigos. O nutricionista chegou em boa hora, diz a
pedagoga Selma Pinheiro, uma das gerentes da merenda. Na época ela cuidava da alimentação em uma das escolas.
“O governo goiano mandava alguns cardápios prontos, o que deixava a desejar, já que o pessoal especializado em nutrição
estava em Goiânia, distribuindo as mesmas sugestões para todo o estado. Fazíamos tudo meio a olho, não sabíamos calcular as
quantidades per capita”, conta Selma. Em contrapartida, já havia certo padrão de organização nas cozinhas, onde as merendei­
ras usavam uniformes e tinham nível razoável de conhecimentos. Foi sobre essa base que André começou a trabalhar.

                                                                                                                                33
Jussara




                                                               Agora que as dificuldades ficaram para trás, Jussara tem
                                                               cinco creches e duas escolas que oferecem três refeições por
                                                               dia. Uma delas é a escola agrícola municipal. A outra fica no
                                                               setor urbano, atendendo crianças carentes de um bairro
                                                               periférico. A prefeitura construiu essa unidade para receber
                                                               de 250 a 300 estudantes do Ensino Fundamental.
                                                               André de Castro renova os cardápios de dois em dois meses.
                                                               A sazonalidade da oferta dos produtos alimentícios define
                                                               as mudanças. “Procuramos bons preços, sempre levando
                                                               em conta a aceitabilidade”, diz o nutricionista. Merecem
                                                               destaque as preparações que incluem produtos regionais,
                                                               entre eles a farinha de baru, usada com freqüência. O baru,
árvore típica da região Centro-oeste, produz frutos em abundância. Da semente, torrada e triturada, obtém-se a farinha de
alto teor calórico: são 500 quilocalorias por 100 gramas. Além disso, a semente contém muitas proteínas e minerais, como
o potássio e o magnésio.
Como o fruto pode ser estocado por vários anos, tem-se oferta constante de uma farinha com gosto semelhante ao do
amendoim, usada em bolos, canjicas, nas vitaminas de frutas e na feitura de preparações salgadas. As farofas são um bom
exemplo. A merenda também consome o pequi — tradicional na culinária goiana — mel, leite e seus derivados. Para faci­
litar a vida das responsáveis pela alimentação em cada escola, a secretaria oferece dez cardápios por bimestre. A responsá­
vel pela merenda escolhe cinco, de acordo com a realidade do estabelecimento.
Os sucos naturais de frutas predominam nos meses mais quentes: acerola, manga, goiaba, caju, maracujá, limão... A comu­
nidade se envolve com a merenda, fazendo doações. Afinal, os beneficiados serão seus próprios filhos. O projeto de apro­
veitamento das frutas de época foi desenvolvido há tempos, para evitar desperdícios. E vem apresentando bons resultados.
Nas refeições quentes há diversos pratos, como a galinhada, feita de carne de frango com arroz e legumes (ou pequi). A
merenda também serve carne suína e bovina.
Para as compras, realizadas no mercado local, a Secretaria de Educação faz pesquisas de preços em diversos estabeleci­
mentos antes da montagem bimestral dos cardápios. A compra é feita pelas gerentes de merenda das escolas, também
responsáveis pela qualidade, recepção e guarda dos alimentos. Dessa forma, elimina-se a necessidade de um depósito



34
G rande dist â ncia , caminho curto




central. A rotina é diferente no caso das escolas rurais, que são abastecidas com o suficiente para dois meses. “A gente
depende do apoio dos donos das fazendas, e segue um calendário que seja conveniente para eles também”, diz
Selma Pinheiro.




                                 O comprador retira um vale na prefeitura e leva os produtos. As carnes seguem resfriadas,
em embalagens apropriadas. Depois ficam nos congeladores. O cardápio é diferenciado, porque a população do campo
tem suas próprias opções — é o caso do peixe.
Enquanto reorganizava a merenda, o município de Jussara desenvolveu um programa de avaliação nutricional dos alunos
da rede pública, por iniciativa de André de Castro. A primeira coleta de dados — peso, altura e idade — foi realizada em
2003, para descobrir alunos com necessidade de dieta especial. Esse levantamento levou à adoção de período integral e
alimentação farta para as crianças do bairro Nova Jussara.
                                                             ESCOLA
                                                             NOTA 10                 Jussara surgiu e cresceu por obra de
brasileiros vindos de diversos estados. Até o prefeito, Joaquim de Castro, é forasteiro. Ele teve a sorte de nascer e viver em
Goiás, a antiga capital do estado, a tempo de prestar serviços de datilografia para uma velhinha extraordinária, confeiteira
de doces e de poemas. Na ocasião, começo dos anos 1970, Cora Coralina ainda não havia espalhado seu encanto pelo país,
e ainda não sabia usar a máquina de escrever que comprara. Joaquim passou manuscritos a limpo durante um mês. Entrado
na adolescência, com a cabeça nas nuvens, não prestava atenção no conteúdo dos escritos, que então não lhe diziam
muito. Esqueceu-se até de cobrar pelo serviço. Ao menos aproveitou os doces de Cora Coralina, que ela dizia serem melho­
res que seus poemas. E guardou uma boa história para contar aos netos.
Joaquim também se orgulha do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, e diz que a prefeitura se esforça para progredir
ainda mais nesse campo. A próxima iniciativa será a implantação de uma cozinha comunitária para oferecer cursos às
merendeiras — inclusive as da rede estadual — e às donas-de-casa. A idéia é melhorar o padrão nutricional de toda a comu­
nidade. Há projetos em curso em outras áreas. Um deles para organizar a produção local de carne. “Estamos trabalhando
com as cadeias produtivas de bovinos, suínos e aves para aperfeiçoá-las. A criação de animais é um dos pontos fortes da
região. Com mais oito municípios, temos o apoio do Sebrae e do governo estadual.” Nesse contexto, a escola agrícola de
Jussara sempre terá um papel importante.



                                                                                                                            35
Jussara




A escola merece destaque não apenas por causa de seus vínculos com a merenda escolar, da qual é fornecedora, mas tam­
bém por se tratar do melhor exemplo de recuperação do ensino público municipal. O professor Luiz Mário Lopes Cardoso,
pós-graduado em matemática e estatística, assumiu a direção em 2001. A escola atravessava uma fase difícil, com apenas
37 alunos matriculados. Como se trata de instituição muito importante para navegar sem rumo, Luiz agarrou o timão com
energia para colocá-la na rota original. Fundada em 1991, a unidade se destinava a filhos de produtores rurais. Além das
disciplinas básicas do Ensino Fundamental, sempre ofereceu aulas sobre técnicas agrícolas e práticas de zootecnia, com o
objetivo de formar mão-de-obra qualificada e fixá-la no campo.
A primeira tarefa do novo diretor e sua equipe foi repensar o papel da escola, para adequá-la às condições da produção
agropecuária atual, seguindo os parâmetros da educação moderna. Hoje a escola tem 160 alunos, que fizeram teste voca­
cional, cursando do 6.º ao 9.º ano, em período integral. O diretor comenta: “No início aqui só ingressavam filhos de pro­
dutores rurais, mas como a qualidade do ensino melhorou muito, passamos a aceitar alunos que vivem na cidade. A
procura é muito grande”.
Em Jussara, as preocupações com o ambiente levaram à formatação de bons projetos. A escola agrícola produz grande
quantidade de mudas de diversas espécies nativas para distribuição gratuita. Entre elas seringueiras, baru, aroeira, ipê e
uma acácia que dá flor o ano inteiro, excelente para a apicultura. Antes as pessoas pegavam as mudas e as plantavam de
forma aleatória, ou as doavam a terceiros. Então surgiu um projeto de arborização da área urbana – algo que interessa a
todos, pois a região é muito quente. Os alunos plantam sementes, cuidam das mudas e depois as levam para casas de
moradores que se cadastram para participar do projeto.
                                                              O professor Luiz Mário explica que a iniciativa tem grande
                                                              valor educativo e desdobra-se em três vertentes. “Primeiro,
                                                              o ensino passa a ter melhor qualidade. Com a prática, o
                                                              aluno aprende conceitos de matemática, geografia e portu­
                                                              guês, pois escreve textos de maneira prazerosa, narrando
                                                              suas experiências. Depois, descobre que a questão ambien­
                                                              tal é muito complexa, que não se resolve por meio de pales­
                                                              tras dadas uma vez por ano. Da produção da semente ao
                                                              plantio da muda, o aluno toma consciência do quanto o
                                                              processo pode ser demorado, até ver a árvore crescida.”
                                                              Em outra vertente há a questão da auto-estima. “Geralmente

36
G rande dist â ncia , caminho curto




trabalhamos com meninos de poucos recursos financeiros. Cada um se vê apenas como mais um indivíduo, e não como cida­
dão que pode ser útil à comunidade. O projeto, de grande aceitação, elevou a auto-estima de todos. Já plantamos perto de 2 mil
mudas na cidade. Para participar, o morador assina um termo de compromisso, obrigando-se a cuidar da muda. Os estudantes
voltam sempre para fazer avaliações. E dão uma cutucada no dono da casa se ele não estiver seguindo as recomendações.”
Para consumo próprio e para oferecer produtos à merenda municipal e a instituições beneficentes, a escola agrícola
cultiva boa parte de seus 51 hectares. Dali saem frutas, legumes, verduras, leite, mel, frangos, ovos e suínos. O volume
produzido oscila de acordo com as estações do ano, como é natural. Na horta, os estudantes trabalham sob a supervisão
de José Flávio Lima,




                                      chefe de jardinagem e olericultura. José Flávio, um veterano que está no ramo desde
1983, recebe alunos de outras unidades da rede municipal para ensinar-lhes técnicas agrícolas, e também colabora na
implantação de hortas nas escolas estaduais.
Da horta, os vegetais passam para os domínios de Maria das Graças de Mesquita, gerente da merenda na escola. Maria das
Graças ocupa o cargo há 13 anos, apoiada por cinco cozinheiras. Ela coordena e fiscaliza o trabalho, encarrega-se das pres­
tações de contas e faz compras. Como se recorda, um dos itens da merenda é a farinha de baru, produzida por Vilmar Alves
Rabelo, um jussarense que se dispôs a explorar as potencialidades da árvore. Vilmar inaugurou o negócio em 2005, tocan­
do a produção com a ajuda da esposa e de seis funcionários.
E tem feito experiências interessantes: a casca do baru dá carvão, e o fruto, fermentado, cachaça. Os resíduos da fer­
mentação viram adubo de qualidade, podendo servir de alimento para o gado. O óleo de baru tem aplicações na indús­
tria de cosméticos e, mais recentemente, surgiu a boa notícia de que a castanha é um autêntico “viagra” natural.
Vilmar




                       produz de forma artesanal bombons, doce de leite e rapadura, com adição de castanha triturada. Na
forma de farinha, a merenda absorve cerca de 30% da produção total de castanhas, que anda pela casa dos 15 quilos por dia.
O município também estimula a produção agrícola familiar. Em maio de 2007, 67 produtores estavam cadastrados no
Programa de Aquisição de Alimentos, criado pelo governo federal. Há uma contrapartida de recursos da prefeitura, que se
encarrega de prover assistência técnica e manter as estradas em ordem. Dentre os fornecedores estão os 22 sócios de uma

                                                                                                                            37
Jussara




cooperativa — a Coopernova —, um núcleo de produção rural instalado a 43 quilômetros da sede do município. O proje­
to da Coopernova foi iniciado em 2001, com financiamento do Banco da Terra. Cada associado tem 12 hectares de terra.
Um deles é Eliaquim Rodrigues dos Santos, casado com Silma Pereira de Freitas.




                                                                                                              O casal construiu­
casa no terreno e dedica-se, como os demais sócios, aos plantios de subsistência e à produção leiteira. Planta mandioca, mamão,
batata-doce, bananas, cria aves e tem pequeno rebanho. Os excedentes vão para o mercado ou para a merenda. José Lino
Guimarães (o Zé Lino) é o funcionário da prefeitura que coordena o Programa Compra Direta Local da Agricultura Familiar, com
recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — Pronaf. Ele explica que uma das vantagens do
programa é afastar os atravessadores e garantir preços melhores para os agricultores. Antigo peão de fazendas, Eliaquim está
satisfeito com seu novo status de proprietário, ainda que tenha um financiamento a pagar durante os próximos 20 anos.
Zé Lino




                      sabe valorizar os esforços dos produtores. Solidário, compreende as dificuldades enfrentadas por
todos no trato com a terra, principalmente por aqueles que vieram de fora, em busca de vida melhor, como Eliaquim, que
nasceu em Montes Claros (GO). O próprio Zé Lino migrou
do Rio Grande do Norte com a família, a bordo de um pau-
de-arara. Foram dois meses de viagem. Ele se lembra de
alguma coisa da jornada. Inclusive do primeiro picolé, que
pretendeu poupar a todo custo. Na inocência de seus quatro
anos, percebeu que seria impossível conservá-lo só depois
de ter a camisa molhada pelo gotejar constante do sorvete,
imposto pelo sol de Brasília. Na época, a capital do país
estava em construção. E o município de Jussara prestes a
aparecer no mapa do Brasil.




38
Quem planta,




                                           Dois Irmãos (RS)
colhe Como regar, nutrir e podar as boas
      idéias para que elas frutifiquem?
Dois Irmãos (RS)
Índice de Desenvolvimento                                                         População	                                                 22.435
Humano Municipal, 2000
                                                                                  Área da unidade territorial (km²)	                         65
Municípios do estado do Rio Grande do Sul                                         Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 —
                                                                                  Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004

  0,666 a 0,753   (95)
  0,754 a 0,776   (96)
                                                                                  Maior IDHM do Estado	                                      0,870
  0,777 a 0,797   (92)                                                            Menor IDHM do Estado	                                      0,666
  0,798 a 0,816   (95)                                                            IDHM de Dois Irmãos	                                       0,812
  0,817 a 0,870   (89)                                                            Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.



                                                                                  Número de escolas municipais
                                                                                  (pré-escola e ensino fundamental)	                         16
                                                                                  Receita municipal	                                         R$ 22.984.166,75
                              Experiência premiada                                Recursos transferidos pelo FNDE	                           R$ 82.386,00
                              na categoria Continuidade – 2005                    Complementação do município
                                                                                  para compra de alimentos	                                  R$ 36.862,56
                              A categoria continuidade visa premiar prefeituras   Alunos atendidos	                                          3.247
                              que mantiveram em seu município experiências
                                                                                  Refeições servidas	                                        597.000
                             bem-sucedidas de administrações anteriores da
                                                                                  Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) —
                            merenda escolar, a despeito de mudança de governo.    dados referentes a 2004.
                     A prefeitura de Dois Irmãos elaborou um manual da
                alimentação escolar em parceria com a Emater. Com isso
       as boas decisões sobre a merenda escolar podem ter continuidade.
       Há uma preocupação com a introdução de alimentos regionais
       na merenda dos alunos.
Q uem planta , colhe




Evolução
constante                      Roma não foi feita em um dia! Tudo o que vale a pena na vida precisa ser construído ao
longo do tempo, com planejamento, dedicação e competência. Isso é ainda mais verdadeiro nos serviços públicos, onde
as mudanças na administração podem prejudicar bons projetos se não houver um compromisso com a continuidade e o
bom atendimento à população. Um exemplo a ser seguido é o de Dois Irmãos, município de forte influência da imigração
alemã e considerado “portal” da serra gaúcha. Tendo recebido os primeiros trabalhadores da antiga Colônia São Leopoldo
em 1825 e com fundação oficial em 1959, a cidade conta com a mesma secretária de Educação desde 1989. Assim, os
membros da equipe de merenda escolar vivenciaram juntos todas as grandes transformações pelas quais passou o Programa
Nacional de Alimentação Escolar — PNAE nos últimos 15 anos e transformaram essa experiência em projetos inovadores,
de grande sucesso e alguns pioneiros. São iniciativas como a construção de hortas nas escolas e de um hortão para fornecer
vegetais fresquíssimos a baixos custos; a introdução de alimentos orgânicos e integrais; o apoio do sistema de Vigilância
Sanitária da cidade para o cadastramento de fornecedores da região; avaliações nutricionais e de risco de obesidade nos
alunos; e muito mais. Sem dúvida, foi um longo caminho para transformar escolas que nem sequer tinham quem prepa­
rasse a merenda em um modelo premiado. As crianças, claro, agradecem.
“Quando entrei para a secretaria, nos final dos anos 1980, não tínhamos merendeiras ou serventes e as próprias professo­
ras preparavam a comida para os alunos com os produtos enviados pelo Governo Federal”, lembra a secretária municipal
de Educação, Cultura e Desporto




                                              Hilária Arnold Kreuz. “As escolas também não possuí­
am cozinhas, refeitórios e nem despensas apropriadas.” “Muitas vezes os alimentos vinham com o
prazo de validade quase vencido e as crianças não aceitavam bem as bebidas lácteas muito doces,
com forte gosto de soja, as sopas industrializadas e a comida enlatada, que não fazem parte de        A construção de hortas
                                                                                                     nas escolas possibilita um
nossa tradição alimentar”, acrescenta a coordenadora da merenda escolar Lucimar dos Santos
                                                                                                       trabalho de educação
Engelmann. “O estado fornecia apenas os pratos de plástico e algumas panelas. Para o restante             multidisciplinar.
tínhamos que contar com a contribuição voluntária da comunidade.” Os agricultores da região
doavam esporadicamente frutas e verduras de modo a tornar a merenda mais palatável, e os açou­


                                                                                                                        41
Dois irmãos




gues enviavam ossos bovinos para reforçar a sopa em algumas escolas, apesar do alto risco de contaminação. É também
dessa época o chamado Projeto Ovo, em que as crianças eram estimuladas a trazer de casa, um dia por semana, um ovo
para ser acrescentado à merenda. Tempos difíceis.
                                                    Profissionais e
                                                    infra-estrutura                                Tudo começou a mudar
a partir de 1992, com a decisão da prefeitura de aumentar o investimento em infra-estrutura das escolas, com a aquisição
de fogões, geladeiras e outros equipamentos para as cozinhas. Mesmo não havendo um cargo específico para a área de
alimentação, a secretaria requisitou a transferência de uma professora concursada, Guizela Steier Meier, para ajudar a criar
uma coordenadoria para a alimentação escolar. O primeiro salto, no entanto, viria em 1994 com a municipalização da
merenda. A nova lei já previa então a formação de um Conselho de Alimentação Escolar e a contratação de um nutricio­
nista para o desenvolvimento de cardápios que respeitassem os hábitos alimentares de cada localidade e sua vocação agrí­
cola, dando preferência aos produtos in natura, além da prioridade na aquisição de “produtos de cada região, visando a
redução dos custos”. Os administradores, contudo, não sabiam ainda como realizar essas contratações e aquisições, já que
não havia modelos, experiências anteriores e nem legislações municipais para isso. “Mas houve uma mudança de menta­
lidade com foco em uma melhor nutrição das crianças, e a prefeitura passou a contribuir com 30% a mais do que os valo­
res enviados pelo Governo Federal, sendo que 20% eram destinados à compra de alimentos e 10% para equipamentos de
cozinha”, conta a coordenadora




                                               Lucimar.


Chegam as merendeiras                                               A secretária montou então o embrião do que hoje é a
Coordenação de Merenda Escolar, ligada ao Departamento de Administração da Secretaria de Educação. Com isso foi possível
contratar as primeiras merendeiras e serventes para as escolas, que adaptavam cardápios enviados por fax pela Prefeitura de
São Paulo. A primeira turma de merendeiras trabalhava apenas nas 10 maiores das 33 escolas da rede com cerca de 1.200
alunos. Na época, a secretária de Dois Irmãos ainda era responsável pelas unidades educacionais dos distritos de Morro Reuter
e Santa Maria do Herval, que mais tarde se tornariam municípios independentes. Hoje são 35 serventes/merendeiras atuando
em 16 unidades educacionais (das 13 escolas de Educação Fundamental da cidade, apenas uma é particular) e atendendo a
mais de 3 mil alunos, sendo que 350 estudam em período integral e recebem três refeições diárias. “A decisão sobre quem vai

42
Q uem planta , colhe




trabalhar com comida e quem vai cuidar da limpeza dos estabelecimentos é feita nas escolas, levando em conta a aptidão que
cada funcionária demonstra”, esclarece Lucimar. “Somos como uma grande família, na qual o relacionamento e o diálogo
estão em primeiro lugar”, atesta a secretária Hilária. “Se surge algum problema, de qualquer tipo, sentamos e conversamos
para solucioná-lo.” A criação do CAE, ainda em 1994, também ajudou na organização e fiscalização das cozinhas. Desde
aquele ano, o conselho se reúne mensalmente e visita as escolas periodicamente.
Os primeiros produtos comprados diretamente pela prefeitura em 1994 foram os básicos: arroz, feijão e leite em pó. Aos pou­
cos, conforme as escolas recebiam geladeiras, também eram entregues carne bovina moída e carne de frango. Em 1996 a secre­
taria iniciou a construção de um “Núcleo de Controle de Qualidade” da alimentação escolar. Ao mesmo tempo, a merendeira
Anastácia Flech, que tinha muito contato com a Pastoral da Saúde da Igreja Católica na cidade, sugeriu a introdução de pro­
dutos naturais e passou para as colegas, durante os cursos de capacitação, apostilas sobre a utilização integral dos alimentos e
informações sobre a farinha multimistura. “Não chegamos a introduzir a farinha porque tínhamos um pouco de medo de usar
produtos muito novos que ainda não haviam sido liberados para a compra com a verba federal”, afirma Lucimar. “Mas vimos
claramente a necessidade de melhorar a qualidade da alimentação e introduzimos no Projeto Preparação para o Trabalho —
PPT a construção de hortas em todas as escolas. As crianças plantavam e colhiam as verduras para a merenda e podiam levar
o excedente para casa.” Com o aumento no número de alunos nos anos seguintes, contudo, muitas escolas tiveram de ser
ampliadas, com novas salas de aula tomando o lugar dos canteiros. Atualmente, apenas cinco unidades educacionais ainda
mantêm as hortas. Mas isso não significa que as crianças deixaram de comer vegetais frescos. Aos poucos, os legumes e as
verduras plantados nas escolas foram substituídos por outros vindos das propriedades rurais da região e mais tarde pelos vege­
tais produzidos no hortão da prefeitura.
                                           Apoio aos
                                           produtores locais                                    “Como determina a lei, fomos
procurar os produtores da região para comprar frutas, verduras e legumes, mas eles não possuíam nota fiscal e, portanto,
não podiam participar das licitações”, relembra Hilária. Outro problema era a falta de opções de compra em um município
que hoje tem menos de 30 mil habitantes. “Quando fui contratada pela secretaria, em 1999, somente os dois maiores
supermercados da cidade supriam as condições legais para fornecer alimentos à merenda escolar”, recorda a nutricionista
Rozane Marcia Triches.




                                       “Na verdade, nós nem sequer sabíamos o que se produzia na zona rural de Dois

                                                                                                                              43
Diversidade e participação no Conselho de Alimentação Escolar
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  • 3. Gestão Eficiente da Merenda Escolar Histórias gostosas de ler e boas de copiar Volume II
  • 4. Gestão Eficiente da Merenda Escolar — Histórias gostosas de ler e boas de copiar – Volume II é uma publicação distribuída gratuitamente pelos seus realizadores. Realização Ação Fome Zero Rua Matias Aires, 402, 1.º andar, Consolação CEP 01309-020 – São Paulo – SP www.acaofomezero.org.br www.premiomerenda.org.br Autoria: Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá escreveram as histórias das prefeituras premiadas em 2005 Rogerio Furtado escreveu as histórias das prefeituras premiadas em 2006 Fatima Menezes e Waldemar Zaidler colaboram com outros textos Revisão Técnica Fatima Menezes Waldemar Zaidler Revisão Kátia Gouveia Ilustrações Mapas IDHM – Atlas do Desenvolvimento Humano – PNDU/ ONU – Brasil (2000) Fotografias Maria Eugênia Sá (págs. 9-17, 39, 41-51, 53-63, 65-74, 85, 87-93, 105, 107-115, 117-125, 127-134, 147, 149-159, 161-169) Rogério Furtado (págs. 21-29, 31-38, 75, 77-83, 95, 97-102, 139-143) João Fiorim (pág. 59 – foto de fundo, 160) As demais fotos foram gentilmente cedidas pelas cidades Foto da capa: Angelo Lorenzetti Projeto e produção gráfica: Planeta Terra Design (Waldemar Zaidler, William Haruo) Impressão Margraf Editora e Indústria Gráfica Agradecimentos A todos os envolvidos nas histórias que dispuseram tempo e esforços para fornecer dados, dar depoimentos, abrir arquivos de forma a possibilitar a realização deste trabalho. Tiragem: 5 mil exemplares São Paulo, outubro de 2007 É permitida a reprodução parcial desde que citada a fonte.
  • 5. Experiências bem-sucedidas das prefeituras vencedoras das 2.ª e 3.ª edições do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar OUTUBRO 2007
  • 6. Introdução Outro dia, em uma conversa entre amigos em que eu contava sobre meu trabalho, percebi que nenhum dos presentes sabia da existência do programa de merenda escolar das escolas públicas... A conversa, entremeada de casos que conheci e de explicações sobre como funciona tal programa, acabou por despertar em todos eles uma enorme curiosidade e até uma certa perplexidade, demonstrada na reflexão final: numa época em que julgamos ter acesso a todo tipo de informação, quanta coisa boa e interessante acontece silenciosamente em nosso país... Essa experiência pessoal me chamou a atenção para a opor­ u­ t nidade do livro Histórias gostosas de ler e boas de copiar, que foi idealizado para divulgar as boas práticas de administração do progra­ ma de merenda escolar reveladas por meio da metodologia do prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar. Concluí que há um novo público que merece conhecer este livro: aquele que não freqüentou o sistema público de ensino e que não tem a chance de saber, por sua própria experiência, da importância estratégica, da complexidade de execução e da amplitude do programa. No segundo volume de Histórias gostosas de ler e boas de copiar você vai conhecer o percurso dos municípios premiados pela gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar — PNAE em 2005 e 2006. Além de um referencial didático, este livro conta histórias de pessoas, grupos 4
  • 7. e dirigen­ es que conseguiram intervir na realidade de suas cidades apenas executando de forma criativa, ética e honesta um pro­ ra­ a t g m público de amplitude nacional. Este livro reflete a adesão de várias empresas associadas ao programa que, com sua contribuição, possibilitam o financiamento do projeto Gestão Eficiente da Merenda Escolar e comprovam que quando a iniciativa priva­ da apóia o desenvolvimento de uma boa política pública quem ganha é o país. Leia. Comova-se. Aprenda, se for o caso. Verifique que há um país silencioso acontecendo... Muito obrigada, Fatima Menezes Em tempo: Se você, leitor, não encontrar neste volume a história de alguns municípios premiados nesses anos de 2005 e 2006, não se espante. Certamente elas ajudaram a compor o primeiro volume do livro com o mesmo nome, pois já haviam sido premiadas anteriormente. Porque é assim: uma boa prática pode ser levada adiante. Basta querer... 5
  • 8. ÍNDICE Pedra do Indaiá Diversidade e participação ........................................................................................ 9 Fernandes Pinheiro Criatividade: ponto final no marasmo ................................................................. 19 Jussara Grande distância, caminho curto ......................................................................... 29 Dois Irmãos Quem planta, colhe . ................................................................................................. 39 Concórdia Parcerias para enfrentar o novo . ........................................................................ 51 Araxá Vontade, investimento e resultados ...................................................................... 63 Patos Estratégia para reversão......................................................................................... 75
  • 9. Apucarana Em tempo integral . ................................................................................................... 85 Castanhal Vaivém na cozinha..................................................................................................... 95 Criciúma Sem mágica ............................................................................................................... 105 Blumenau Fora do esquadro.................................................................................................... 115 Florianópolis Controle Social . ..................................................................................................... 125 Joinville Merenda forte ......................................................................................................... 137 Goiânia A merenda faz parte do sucesso .......................................................................... 147 Porto Alegre Dedicação profissional e humana . ..................................................................... 159
  • 10.
  • 11. Diversidade Pedra do indaiá (MG) e participação Os conselhos de alimentação escolar podem causar inclusão social. De que jeito? Pedra do Indaiá é um bom exemplo disso.
  • 12. Pedra do Indaiá (MG) Índice de Desenvolvimento População 3.814 Humano Municipal, 2000 Área da unidade territorial (km²) 349 Municípios do estado de Minas Gerais Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004 0,568 a 0,667 (171) 0,668 a 0,707 (171) Maior IDHM do Estado 0,841 0,708 a 0,743 (175) Menor IDHM do Estado 0,568 0,744 a 0,770 (173) IDHM de Pedra do Inadiá 0,755 0,771 a 0,841 (163) Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU. Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 6 Receita municipal R$ 3.839.456,33 Recursos transferidos pelo FNDE R$ 13.827,60 Complementação do município para compra de alimentos R$ 12.465,11 Experiência pre­ ia­ a na cate­ o­ ia m d g r Alunos atendidos 511 Região Sudeste – 2005 Refeições servidas 100.200 Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — A participação de representantes da terceira dados referentes a 2004. idade como conselheiros deu novo significado ao Conselhos de Alimentação Escolar. Outro fator de destaque é a diversificação de cardápios para atender às necessidades individuais dos alunos. É um município pequeno mas tem escolas rurais que são atendidas por um bom trabalho de distribuição dos alimentos. Oferece merenda orgânica adquirida de pequenos produtores locais.
  • 13. D iversidade e participa ç ã o Um cardápio para cada turma Imagine preparar uma refeição diferente, variada e ade­ quada para cada aluno, levando em conta suas necessidades nutricionais, peso e altura, perfil de atividades físicas e hábi­ tos alimentares da família. Obviamente, isso é impossível numa rede pública com centenas de milhares de crianças. Mas numa cidade pequena, com uma equipe comprometida e profissional, dá para chegar bem perto. Em Pedra do Indaiá, município localizado no Triângulo Mineiro, existem sete cardápios diferentes para uma rede de apenas quatro escolas e uma creche. Como uma das escolas oferece aulas em três turnos, cada turma possui sua própria lista de pratos a serem servidos durante a semana e o cardápio muda periodicamente. Com menos de 5 mil habitantes, a cidade teve de buscar uma nutricionista em outro município. O Conselho de Alimentação Escolar — CAE e o Setor de Merenda Escolar, contu­ do, são formados por gente genuinamente da terra, assim como alguns produtores locais que fornecem legumes, frutas e verduras para as escolas. No CAE, aliás, vale destacar a forte atuação do grupo da terceira idade da cidade. Até dez anos atrás, as refeições distribuídas aos alunos de Pedra do Indaiá não diferiam das oferecidas em outros milhares de pequenos municípios pelo País afora. O próprio prefeito da cidade, Itamar José da Costa, morou até os sete anos na zona rural do município e lembra bem o quão pouco apetitosos eram os pratos de mingau ou arroz industrializa­ do da merenda escolar da rede pública nos anos 1980. “Não tem nem comparação com o que se serve hoje, tanto que eu mesmo raramente comia na escola”, diz. Tudo começou a mudar quando ele ainda era chefe de gabinete do prefeito ante­ rior, no final dos anos 1990. Na época, a administração conseguiu aumentar o volume e melhorar um pouco a qualidade 11
  • 14. Pedra do indaiá da merenda. Mas ainda faltava uma gestão mais profissional, já que a alimentação estava a cargo diretamente da secretária de Educação, Maria José Benito da Silva Oliveira, que contava então apenas com uma auxiliar. O primeiro passo na profissionalização foi a criação do Setor de Merenda Escolar e a contratação de uma coordenadora es­ ecífica para a função. A escolhida foi a professora Solange Tavares Silva Lemos, p com 18 anos de ex­ e­ p riência em sala de aula e nenhum conhecimento prévio em administração pública. “No início deu muito medo, foram um cho­­ que a quantidade de papel e o tamanho da burocracia. O que me ajudou muito foi um livrinho editado pela FNDE chama­ do É Hora da Merenda. Mas eu lia tudo o que caía nas minhas mãos e repassava as informações ao CAE para que os conse­hei­ l r ­ os também aprendessem mais e ganhassem poder”, recorda. Com a mudança de governo para o primeiro mandato do atual prefeito em 2001, toda a responsabilidade pela alimentação das 531 crianças atendidas recaiu sobre suas costas. “Nós não tí­ ha­ n mos uma nutricionista, nem um CAE atuante. As hortas eram fracas e não havia contato com os produtores locais. A pauta de alimentos era formada basicamente por arroz, batata, pão e molho. Verduras eram muito poucas e as frutas não faziam parte da lista de compras. Eu queria mudar tudo aquilo, mostrar a todos que as crianças mereciam uma alimentação melhor. E aos poucos fomos criando as mudanças”, diz Solange. Nutricionista uma vez por semana Depois do Setor de Merenda Es­ olar, a segunda grande vitória foi a contratação da nutricionista Giselle Cristina Teixeira. c Moradora da vizi­ nha Divinópolis, Giselle trabalha de terça a sexta em uma clínica psiquiátrica. Com as segundas-feiras livres, ela fechou um acordo com a Prefeitura de Pedra do Indaiá para prestar seus serviços primeiro quinzenalmente e agora uma vez por semana. Para ela, é incrível um município desse tamanho com uma preocupação tão grande em contratar um profissional de nutrição para melhorar a qualidade da alimentação escolar. “E ainda mais admirável é, num país varrido pela corrupção e pelo desvio de verbas de programas sociais, encontrar pessoas honestas, responsáveis com o dinheiro público e dispostas a criar instâncias de fiscalização que realmente funcionem como o CAE. Isso me deixou muito entusiasmada para trabalhar aqui”, explica Giselle. Ela considera a merenda escolar oferecida antes de 2002 não como “terrível”, apenas “monótona”, devido principalmente à 12
  • 15. D iversidade e participa ç ã o falta de variedade na pauta de produtos. “Mas é importante lembrar que o alimento não é só o valor nutricional. A merenda escolar é uma oportunida­ e única de a criança ter um espaço d A experiência com os alimentos que a para começar a valorizar o que ela come e por que ela come. Não adianta nada ter um pra­ criança traz de sua casa e da to colorido e com os alimentos adequados, se não trabalhar o que a criança tem em casa. herança cultural de sua família não pode ser desconsiderada na Pode ser bonito e nutritivo, mas ela recusa. Tem que fazer esse vínculo entre o almoço escola. Para oferecer novos sabores no refeitório e o jantar em casa, uma experiência próxima de sua vida comum. A escola é conveniente partir da experiência que a criança conhece e introduzir tem que cumprir o seu papel de oferecer educação para a vida. E não é só matemática e aos poucos alimentos diferentes. português. É aprender a se relacionar, a se comportar à mesa, a pedir, a se socializar…”, Contextualizar o novo alimento em atividades escolares ou nas hor­ analisa. “E nesse processo, claro, temos que inserir também os pais, para ter um reforço e tas desperta a curiosidade e uma continuidade do trabalho em casa.” É exatamente para deixar a merenda o mais pró­ incentiva o consumo. ximo possível da realidade e da necessidade dos alunos que Giselle monta um cardápio dife­ rente para cada turma. Assim, a escola rural da comunidade de Betânia, onde a po­­ lação é mais pu­ carente, recebe uma lista de pratos mais reforçados e em maior quantidade. Na de Mata dos Lemos, onde es­ udam nove t crianças, é fundamental servir um café da manhã antes das aulas e mais o almoço. Nas escolas do Lambari e do Centro de Indaiá, comidas como sopa de macarrão simplesmente não são aceitas. E quem estuda à tarde recebe um lanche mais leve. Outra importante atividade que vem sendo realizada com a ajuda da nutricionista é a avaliação antropométrica dos alunos da re­ e pública para verificar possíveis problemas de saúde. A primeira aferição ocorreu em 2004 e vem se repetindo desde d então. Os casos verificados de baixo peso, que poderiam indicar subnutrição, foram poucos. Preocupante foi um início de aparecimento de crianças com sobrepeso e obesidade. “Infelizmente é para isso que estamos caminhando. Por isso, a par­ tir de 2007 teremos vários grupos de trabalho em nutrição dentro das escolas, especialmente um de controle de peso, com medições mensais, palestras, etc. Nesse grupo, as crianças poderão discutir suas dificuldades e comentar as melhoras de cada um. E vamos contar também com a ajuda dos pais auxiliando em casa”, diz Giselle. “Afinal, se mudar o hábito ali­ remos uma redução de peso, mas com uma alimentação saudável, o que corrige todos mentar de um, muda o de todos. Que­­ os problemas, seja de pouco peso, so­ repeso ou outros. Sempre de uma forma que não discrimine, com muito cuidado para b não reforçar estigmas e preconceitos.” CAE na melhor idade O “pulo do gato” do Setor de Merenda Esco­ lar, no entanto, foi a reformulação do CAE. Entre 2004 e 2005 o conselho passou a se reunir com maior freqüência, de uma média de oito reuniões por ano para 15 encontros anuais. Os representantes dos professores passaram a ser eleitos nos 13
  • 16. Pedra do indaiá conselhos de classe, e os dos pais em reuniões nas escolas. O prefeito nomeou o representante do Os conselhei­ Poder Executivo e a Câmara Municipal indicou os nomes do Legislativo. Faltava a sociedade ros de alimentação civil. Um dos poucos grupos organizados na cidade era o Grupo da Melhor Idade Bem Viver, escolar devem trabalhar em parceria com a nutri­ com cerca de 80 membros. “Ligamos para Brasília, para perguntar se podíamos convidar o cionista, os secretários pessoal da terceira idade para participar do CAE, e eles acharam uma grande idéia”, conta de governo e o prefeito. Com um trabalho de Solange. “Assim estaríamos estimulando atividades e resgatando a auto-estima. Fizemos o equipe harmonioso convite, explicamos o que era o CAE, como funcionava, quais eram as funções dos conse­ quem ganha são os alunos. lheiros e eles também adoraram.” Em poucos dias foram indicados dois representantes da sociedade civil, um efetivo e um suplente. Funcionário da prefeitura aposentado por invalidez aos 60 anos e atualmente com 65, Braulio Esteves Rodrigues sempre achou que não veio ao mundo para “pesar na terra que nem pedra”. Para ele, enquanto Deus permitir, a vida é sinônimo de trabalho. “Quando eu me aposentei, eu pensei comigo que tinha que procurar alguma coisa pra fazer. Eu tomando meu remédio, tô bem. E vendo as pessoas em volta trabalhando, tudo bem, fico melhor ainda. Eu estudei ainda um pouco no tempo da palmatória. Mas agora tenho cinco netos e uma filha na esco­ la pública e acho que devo ajudar no que puder. Por isso, quando houve o convite de trabalhar com a merenda eu achei que tinha que mergulhar de cabeça nesse negócio. Eu não tenho hora, estou disponível dia e noite pro que precisar. Para mim é uma honra trabalhar no CAE. É o que eu tenho mais prazer na vida. Eu ajudo nas hortas, nas escolas, o que tiver de fazer. Participo das reuniões, visito as escolas. Antes a gente fazia só bailes, forró, coral, missas, uma ginasticazinha… A ginástica me ajudava na coluna, mas a enxada ajuda mais.” Com o grupo da melhor idade no CAE, as escolas não só ganharam conselheiros atuantes e totalmente disponíveis como também suas reivindicações passaram a ter maior credibilidade e a serem atendidas com mais agilidade. Um caso típico é o da Escola Municipal Cachoeira do Lambari, uma unidade rural com 48 alunos. Apesar de bem representada — a diretora Delieny Rodrigues da Silva foi presidente do CAE e outra professora, Carmem Aparecida Ribeiro, também faz parte do conselho junto com uma mãe —, a escola pedia já há algum tempo a construção de um refeitório e um fogão novo porque o velho, a lenha, estava quebrado. Com o novo CAE, bastou um ofício enviado ao prefeito pela presiden­ 14
  • 17. D iversidade e participa ç ã o ta do conselho, Célia das Dores Silva (representante dos professores, mas também membro O trabalho do Bem Viver), para que a reforma fosse agilizada. De quebra, a escola ganhou ainda uma do CAE deve ser cozinha também reformada e mais adequada. “O pessoal da melhor idade tem um res­ conhecido pelos cidadãos. Os conselheiros devem ouvir peito maior da sociedade e do poder público”, atesta Solange. “Sua atuação no conse­ os pais de alunos, os profes­ lho é tão importante que eles foram os que mais vibraram com a vitória de Pedra do sores, as merendeiras, os gestores. Também devem Indaiá no prêmio “Gestão Eficiente da Merenda Escolar”, afinal são eles os principais organizar as propostas atores desse processo.” Mingau de e levá-las à Câmara de Vereadores e à prefeitura. maritaca Já que estamos falando da escola Cachoeira do Lambari, vale a pena conhecer o depoimento de Maria do Carmo Borges, merendeira há oito anos nessa unidade. Ela conta que quando entrou para trabalhar na rede pública, a merenda ainda era formada por arroz, almôndegas enlatadas e “mingau de maritaca”. “A gente chamava assim porque parecia aquela comida de dar pra passarinho. E as crianças não gostavam. A gente jogava muita comida fora. Hoje eles comem tudo. O que mais pedem é pão com molho e arroz com frango.” A outra merendeira da escola, Wanda Maria da Costa, também atesta a qualidade das refeições, bem aceitas pelas crianças, e a diminuição do des­ perdício. Com bem menos tempo de função, ela ainda não passou por ne­ hum treinamento específico, mas n nem por isso deixou de receber as orientações básicas sobre higiene pes­ soal e dos alimentos e utensílios. “Gostaria de fazer um curso de culiná­ ria para aprender novas receitas por­ que saber nunca é demais.” Na reali­ dade, o Setor de Merenda Escolar reú­ e as merendeiras a cada dois n meses para atividades de auto-estima, orientações, palestras, comemoração todos na fila para a merenda 15
  • 18. Pedra do indaiá de aniversários, etc. Mas como a Cachoeira do Lambari fica muito longe e as reuniões são feitas em dias que não há aulas, fica difícil para Wanda participar. Desde a entrada da nutricionista, em 2002, o Setor de Merenda Escolar passou a pegar no pé das merendeiras estipulando regras rígidas de limpeza, higiene e comportamento em serviço. “Às vezes a gente se torna até chata por fazer exigências como touca, unhas cortadas, uniforme”, diz Solange. “O maior problema foi quando proibimos a entrada de outras pes­ soas na cozinha durante a manipulação dos alimentos”, complementa Giselle. “Quando falamos que os professores tinham de entrar na fila junto com os alunos, fazer o prato e sentar à mesa com eles, sem uma comida diferente, sem o cafezinho, eles queriam nos matar, mas são educadores e têm que dar o exemplo.” Para quem aceitou as novas regras, contudo, também houve um bom retorno em valorização das merendeiras. “Elas são as estrelas da alimentação escolar, por isso quando pediram uma camiseta com o logotipo do Setor de Merenda Escolar, por exemplo, tivemos que providen­ ciar sem chiar…”, brinca Solange. Segundo ela, o problema do transporte das merendeiras para os cursos e capacitações deve estar resolvido ainda em 2007 com a aquisição de um carro para o setor já prometido pelo prefeito. “O que é gasto com o Setor de Merenda Escolar é um investimento que vale a pena. Estou muito satisfeito com os resultados, não só nas crianças, mas também com os prêmios que estão dando visibilidade para um município pequeno como o nosso”, afirma o prefeito. “É muito gratificante ser exemplo para outras cidades. Mas, para isso, temos uma grande preocupação com a cobrança dos impos­ tos. A arrecadação é pequena, mas o município também é pequeno e precisamos disso para investir em educação.” Uma alternativa para aumentar a arrecadação, estimular a economia do município e ainda melhorar a qualidade e variedade dos produtos oferecidos na merenda escolar é a aquisição de frutras e verduras diretamente dos produtores da região. Pedra do Indaiá tem um programa com esse objetivo desde 1997, mas só com a criação do Setor de Merenda é que se fechou o ciclo com a alimentação escolar. Até recentemente o município adquiria produtos de cinco fornecedores, mas, com as fortes chuvas ocorridas no final de 2006, três deles perderam a safra e só voltarão a entregar os alimentos pro­ vavelmente na metade de 2007. Nota fiscal avulsa “No futuro esperamos envolver mais produtores e diversificar a oferta. Os que vieram e começaram a fornecer viram que é interessante. Afinal, ganham em volume e têm um dinheiro garantido todo mês que é muito importante para quem está na roça”, afirma o prefeito. “Compramos por um preço menor e com melhor qualidade do que se fôssemos trazer de fora e ainda geramos renda e ICMS. Quando começamos a comprar 16
  • 19. D iversidade e participa ç ã o do produtor, outros fornecedores de fora do município diziam que não podia. Mas nós usamos uma nota avulsa, comprovamos que compramos com menor preço e portanto estamos tra­ As hortas escolares propiciam o balhando de forma legal. Tanto que outros municípios da região estão seguindo pelo uso de alimentos naturais mesmo caminho. Pelo menos seis cidades nos procuraram diretamente para saber como e saudáveis na merenda esco­ lar, diminuem o custo de fazer. Estamos usando o bom senso. Tenho certeza de que não vamos ser questionados aquisição de alimentos e possi­ judicialmente por isso. De qualquer forma, usamos o dinheiro da contrapartida do muni­ bilitam um trabalho multidisci­ plinar de educação alimentar. cípio, que é em geral um valor semelhante ao repassado pelo FNDE.” De quebra, as sobras podem A aquisição direta realizada por Pedra do Indaiá é inovadora, principalmente porque os ser utilizadas pelos horteiros e pela comunidade. produtores não estão organizados em associações ou cooperativas com registro de pessoa jurídica. Como não ultrapassa R$ 8 mil por ano, não precisa passar por concorrência públi­ ca, só por um processo licitatório mais simples. Mesmo assim, Solange ligou diversas vezes para o FNDE perguntando sobre possíveis procedimentos e problemas até estar totalmente segura sobre o método de compra. “Acabei ficando ‘íntima’ da pessoa que responde por Minas Gerais no FNDE”, brinca. “E com isso descobri que o produtor precisa apresentar a escritura do terreno, o cartão do produtor rural, mais os documentos pes­ soais como identidade, CPF, etc. para conseguir a nota fiscal avulsa emitida pela Administração Fazendária do estado. Ela vem com carimbo, nome e CPF do produtor e com isso ele pode responder à carta-convite da licitação da prefeitura. No começo ficaram com medo, mas eu assumi a responsabilidade. O interessante foi que até o pessoal dos armazéns que vendem pra gente aceitaram isso, porque eles compram os produtos in natura da Ceasa e não conseguem competir em preço com o pequeno produtor local.” Os principais fornecedores desse tipo hoje são o casal Maria Aparecida dos Santos e Julio Aparecido dos Santos. Proprietários de um sítio de cinco alqueires quase dentro da área urbana de Pedra do Indaiá, eles plantam quiabo, couve, pepino, abóbora, inhame, batata-doce, tomate cereja e milho verde para vender nas ruas da cidade. Por isso já conheciam Solange e acreditaram nela quando ouviram a proposta de vender seus produtos para a merenda esco­ lar. “Teve uma burocraciazinha. Leva algum tempo pra receber. Mas como sou aposentado, um dinheiro a mais sempre ajuda, e hoje a venda para a prefeitura representa um terço da minha renda total. Cerca de R$ 200 por mês”, calcula Julio. “É bom 17
  • 20. Pedra do indaiá fornecer pra merenda, porque a verdura é pura, só usa adubo orgânico. Eu não trabalho com agrotóxico e produzo cenoura, beterraba, alface, repolho e mandioca para as escolas.” Com o tempo a parceria e a confiança mútua cresceram. Hoje a Emater entrega ao produtor bandejas e substrato para as mudas. Ele, por sua vez, já recebeu três turmas de dez alunos sorteados para uma visita ao sítio com a chance de aprender a lidar com as verduras diretamente com quem conhece o assunto a fundo. Julio, aliás, foi um dos juízes do concurso “A Melhor Horta Escolar”, que no final premiou todas as quatro escolas do muni­ cípio. A idéia é estimular alunos e pais a desenvolver hortas comunitárias que serviriam tanto para complementar a merenda como para diversificar os produtos nas mesas das famílias. 18
  • 21. Criatividade: Fernandes Pinheiro (PR) ponto final no marasmo Fernandes Pinheiro ilustra que em questão de merenda, tamanho não é documento. O pequeno município faz um trabalho grande de educação alimentar.
  • 22. Fernandes Pinheiro (PR) Índice de Desenvolvimento População 6.368 Humano Municipal, 2000 Área da unidade territorial (km²) 407 Municípios do estado do Paraná Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004 0,620 a 0,707 (85) 0,708 a 0,732 (82) Maior IDHM do Estado 0,620 0,733 a 0,751 (79) Menor IDHM do Estado 0,856 0,752 a 0,774 (81) IDHM de Apucarana 0,711 0,775 a 0,856 (72) Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU. Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 7 Receita municipal R$ 7.907.965,13 Experiência pre­ ia­ a na cate­ o­ ia m d g r Recursos transferidos pelo FNDE R$ 31.361,40 Desenvolvimento Local – 2006 Complementação do município para compra de alimentos R$ 19.614,25 Entre as receitas regionais incluídas no cardápio Alunos atendidos 1.043 está o virado feito com feijão, farinha de milho e Refeições servidas 188.600 temperos. Para a compra da merenda, o município Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados utilizou o Programa de Aquisição de Alimentos do referentes a 2005. Governo Federal, que beneficiou oito produtores rurais da região. A prefeitura auxilia os agricultores familiares. As merendeiras participaram de cursos que abordam ética profissional, noções sobre nutrição e alimentação, reaproveitamento de alimentos, armazenamento e higiene. Os alunos também receberam educação nutricional por meio de peças de teatro.
  • 23. C riatividade : ponto final no marasmo METAMORFOSE ESSENCIAL Em certo dia de maio de 2007, por volta de 10h, Eleandro da Rocha, de sete anos de idade, comemorava sua cota diária de satisfação. Como desconhece luxos, tudo se resumiu a andar de ônibus e depois saborear a merenda na escola rural que freqüenta, no município paranaense de Fernandes Pinheiro. Para a foto­ grafia na sala de aula, o menino indicou com três dedos quantas vezes havia se servido na refeição matinal. Na outra mão segurava uma folha de papel, com o desenho de um boneco que enfeitara. Um retrato de suas viagens exploratórias ao território das cores e formas. Embora titubeantes, é de esperar que essas incursões também lhe sejam prazerosas. Isso impor­ ta: do mundo, Eleandro com certeza já acumulou o quinhão suficiente de impressões amargas. Até 2006, caminhava sozinho cerca de 40 minutos para tomar o ônibus escolar. Outras contrariedades ainda presentes no seu co­ idiano não devem ser comentadas. Até certo ponto são perceptíveis em sua fisionomia e nas roupas. Agora Eleandro mora t com avós, a cinco quilômetros da escola, e a condução passa quase na porta. A situação melhorou um pouco, mas para trás fi­­ ram a mãe e cinco irmãos — um é recém-nascido —, mergulhados na realidade sombria das famílias carentes. Ao comer à ca­ von­ ade na escola, pelo menos Eleandro afasta o espectro da fome. E talvez possa sonhar com coisas próprias de sua ida­ e. t d Quanto à alimentação, é possível que crianças que o antecederam nas escolas de Fernandes Pinheiro tenham sofrido priva­ ções mais agudas. No município, a merenda escolar foi mesquinha durante anos. Dos tempos em que a cidade era distrito de Teixeira Soares, até bem depois da emancipação, ocorrida em 1998. Eliane Marcele Mendes, funcionária da pre­­ feitura, conta que suportou a mesmice de uma dieta exclusiva de sopas industrializadas no período escolar. Mas nem 21
  • 24. F e r nan d e s P i nhe i r o mesmo aqueles caldos pouco consistentes marcavam presença todos os dias. Diante disso, os alunos também não eram lá tão assíduos... Outras pessoas confirmam essas informações. Uma delas é Marlei Viegandt de Meira, atual secretária de Educação, com 20 anos de magistério. Marlei acrescenta que eram comuns as promoções nas escolas para garantir a merenda. Como a população não é rica, esse recurso só podia ser utilizado com alguma parcimônia. A rotina era quebrada quando as crianças traziam legumes e verduras de casa, para engrossar as sopas. Agora Eliane Mendes ajuda a preparar a merenda na escola onde estu­ dou — a Floresval Ferreira — para 400 alunos, a maior do município. Ela atesta que a alimentação escolar passou por metamorfose essencial, como resultado de uma política responsável inaugurada em janeiro de 2005. O professor Francisco Carlos Zittel, veterano que dirige essa unidade de ensino, assina embaixo. Ele diz que os elogios à qualidade da merenda são recorrentes, partindo de pais e alunos. “Desde que a alimentação escolar deixou de ser errática, as crianças passaram a se alimentar com prazer. Muitas delas precisam comer na escola, enchendo o prato várias vezes. A merenda é farta o bastante para isso. A primeira coisa que muitos alunos fazem ao chegar é consul­ tar o cardápio, afixado em um mural.” A professora Noeli Filus de Meira orgulha-se de ter comandado o processo até março de 2007, como secretária de Educação no período. Noeli, que hoje leciona na Escola Costa e Silva, onde está matriculado o pequeno Eleandro da Rocha, abando­ nou os estudos aos 15 anos de idade. Morava longe e não havia como se deslocar até a escola. Casada, com dois filhos pequenos, voltou a estudar. Cursou magistério e pedagogia. Quando recebeu o convite para assumir a Secretaria de Educação, não tinha experiência administrativa. No entanto, conhecia bem as falhas da estrutura sob o seu comando. Soube montar uma equipe competente e deu conta do recado. Para começar, eliminou as deficiências do transporte escolar. A prefeitura comprou dois ônibus e criou onze linhas para servir os estudantes. Assim conseguiu conter a evasão dos alunos, principalmente as faltas nos dias chuvosos. Durante a gestão de Noeli, o município capacitou professores e merendeiras. Hoje ela se dedica a uma turma de Educação Infantil. Experimenta a merenda com as crianças e as incentiva a comer: “Vejam como está gostosa!”. Para muitos alunos da rede pública esse tipo de incentivo é desnecessário: algo em torno de 15% da população escolar recebe aulas de reforço, com direito a refeições suplementares. A maioria desses estudantes costuma manter olhos e ouvidos atentos nas salas de aula. Os professores sabem que tal fome de saber também está relacionada com a cozinha. É de lá que o olfato 22
  • 25. C riatividade : ponto final no marasmo da meninada costuma captar notícias estimulantes. A qualidade dessas mensagens se deve ao trabalho da nutricionista Mauricila de Campos França. “A presença dela é uma benção”, diz Noeli. HORA DE REFORMAR Mauricila se formou em Curitiba, em 2001. Depois veio para a Santa Casa do município vizinho de Irati, onde trabalhou por quase quatro anos. Além de cuidar da nutrição clínica, administrava a cozinha do hospital. Mas sempre esteve interessada em atuar em esco­ las. “Minha intenção era trabalhar com crianças que, em princípio, formam uma comunidade sadia. Assim eu teria a pos­ sibilidade de contribuir para a formação de cidadãos com hábitos alimentares adequados desde a infância.” A nutricionis­ ta chegou em março de 2005 para organizar e coordenar a merenda. Por vários anos, o sistema de alimentação escolar fora coordenado por um professor ou por um funcionário da Secretaria de Educação. O cargo não exigia muito do responsável. Por ser bastante singela, restrita às sopas industrializadas, a meren­ da também não dava muito trabalho às cozinheiras. Para sacudir o marasmo, Mauricila foi conhecer todas as escolas, e logo providenciou um primeiro encontro com as merendeiras. O objetivo era ensinar alguns conceitos básicos, sem os quais seria impossível estruturar o serviço. Não foi difícil. O município tem apenas cinco escolas, onde trabalham 25 pessoas contratadas para as tarefas de apoio. Todas elas passavam pelas cozinhas, em sistema de rodízio. O arranjo funcionava, mas não com a suavidade desejada. Algumas das funcionárias não morrem de amores por panelas e fogões, algo que transparece na comida que preparam. A saída foi escolher as que têm veia culinária e deixá-las ocupar o posto de forma permanente. Maria Poposky é uma dessas cozinhei­ ras fixas. Trabalhou 12 anos na creche municipal. Depois de passar pela Secretaria de Saúde, agora está definitivamente na Escola Floresval Ferreira, onde tem Jussara Aparecida Lerner e Eliane Mendes como ajudantes eventuais. O rodízio vai continuar para as auxiliares, que poderão substituir as merendeiras titulares em caso de necessidade. Assim, as cozinhas jamais ficarão desguarnecidas e as substitutas no mínimo terão uma boa idéia de como preparar os alimentos, 23
  • 26. F e r nan d e s P i nhe i r o na quantidade certa. Instruções para trabalhar de forma correta estão disponíveis no Manual do Manipulador de Alimentos, que tem duas versões. Uma para a creche e outra para as escolas. Os conteúdos são semelhantes, diferindo apenas na parte que trata do preparo de mamadeiras e alimentos para os bebês. Os treinamentos têm sido contínuos. O último aconteceu no começo de 2007, quando Maria Poposky e suas colegas fizeram o curso do Cozinha Brasil, programa patrocinado pelo Serviço Social da Indústria — Sesi. Mauricila tem reunido o pessoal duas vezes por ano, durante as férias de janeiro e julho. Os encontros de julho se destinam a resolver assuntos pendentes e à reapresentação de conhecimentos e práticas que as merendeiras ainda não conseguiram absorver a contento. São oportunidades para o repasse de muitos conceitos, com ênfase nas questões de higiene. Quando começou, Mauricila temia sofrer restrições na montagem dos cardápios em vista do custo de alguns itens. O temor era infundado: “Para minha surpresa, minha atenção nunca foi chamada por causa disso. Os gestores municipais me apoia­ ram. Eles também querem qualidade”, diz a nutricionista. As experiências com o cardápio também são contínuas. Em maio, os alunos da rede pública experimentaram granola. Para muitos esse foi o primeiro contato com essa rica mistura de cereais, frutas secas e outros ingredientes. Contudo, Mauricila observa que todas as medidas possíveis são tomadas para evitar desperdícios. O reaproveitamento de alimentos é uma constante, e um capítulo importante dos treinamentos. Como medida de economia, o cardápio muda todos os meses, para permitir a compra de produtos de época, a preços mais baixos. Principalmente frutas e hortícolas. As verduras são fornecidas por agricultores locais, em quantidade suficiente para o abastecimento das escolas. As frutas, nem sempre. É o caso da banana, que o município não produz. À variação da cesta de alimentos corresponde um grande número de pratos, bem ao gosto da criançada. Comida regional: viradinho de feijão com chá de hortelã, arroz com carne moída e salada orgânica, polenta com músculo, nhoque de batata com carne moída, macarrão com frango e salada, etc. A lista dos lanches doces também revela grande número de opções: bolo de cenoura com limonada, sagu (feito na escola) com suco de maracujá, mingau de aveia com banana, arroz-doce com sementes de abóbora, canjica com amendoim e assim por diante. Sempre que possível, os alimentos são naturais, com frutas e verduras para completar a dieta. As sopas industrializadas não desertaram da merenda. Mas agora só aparecem uma vez por mês, ao lado de pudins e bebi­ das lácteas. A despeito da variedade do cardápio, a logística impede que produtos perecíveis sejam consumidos nos dois primeiros dias da semana. Supermercados de Irati, cidade mais próxima, vêm ganhando as licitações para o fornecimento 24
  • 27. C riatividade : ponto final no marasmo dos gêneros alimentícios. E eles recebem produtos frescos na segunda-feira. A Secretaria de Educação de Fernandes Pinheiro manda buscá-los no mesmo dia e, à tarde, a coordenadoria da merenda divide os suprimentos para a distribuição, realiza­ da no dia seguinte. É difícil encontrar alimentos passados. A nutricionista fez marcação cerrada no início, inclusive sobre os produtores de hortaliças. A carne vem resfriada, em caixas térmicas, já dividida em pacotes para cada escola, e é congelada antes de seguir para o consumo. Além de músculo bovino, que é um corte mais barato, a merenda utiliza carne moída e frango. No princípio, a prefeitura comprava frangos inteiros. Depois mudou para coxas e sobrecoxas, ao constatar que havia algum desperdício. Embora a merenda passasse por transformação radical no decorrer de 2005, as escolas continuaram a sofrer o desconforto provocado pela falta de utensílios. Não havia panelas, talheres e pratos em quantidade suficiente. Mas a prática de dois turnos para o lanche acabou de vez em 2006, com a compra do material que faltava. Hoje as escolas podem se dar ao luxo de ter alguma sobra de utensílios básicos em estoque. As próprias cozinhas passam por reformas, que já foram concluídas na Escola Floresval Ferreira, para a satisfação de Maria Poposky. Ela, que gosta de exibir seus talentos em cozinha impecável, havia herdado uma estrutura precária: “Antes não dava para exigir limpeza”. Das cozinhas restantes, duas ganharão apenas azulejos nas paredes, pois estão em bom estado. As demais serão inteira­ mente reconstruídas até 2008. EDUCAÇÃO À MESA Em 2006, as crianças de Fernandes Pinheiro receberam visitas do “Zé Tomatão”. O personagem acompanhou sua criadora, a nutricionista Mauricila França, numa turnê educativa pelas escolas. Mauricila falou sobre a tradicional “pirâmide dos alimentos”, explicando a importância das funções de cada conjunto de produtos como fontes de carboidratos, vitaminas, proteínas, etc. Entre outras atividades, “Zé Tomatão” respondia pergun­ tas, enquanto mostrava os alimentos dispostos sobre mesinhas. O retorno do personagem estava previsto para o final do primeiro semestre de 2007. Nesse novo ciclo de palestras e brincadeiras, a fantasia seria vestida por Regina Pereira Zanlourensi, diretora do Centro de Educação Infantil Tia Aurora. Regina, é claro, apresenta boas credenciais para assumir o papel, pois tem 70 crianças sob sua responsabilidade. É também presidenta do Conselho de Alimentação Escolar — CAE, cargo ocupado pela professora 25
  • 28. F e r nan d e s P i nhe i r o Islea Farias em 2005/2006. Nas gestões anteriores, o CAE só fazia figuração, pois as atas das reuniões provam que os antigos conselheiros se encontravam formalmente apenas uma ou duas vezes por ano, conta Islea. E a merenda era o que se viu. Islea, que hoje é vice-presidente do CAE, avalia a experiência dos conselheiros como muito positiva a partir de 2005. “Todos estávamos conscientes de nossas responsabilidades. Visitamos as escolas com freqüência, examinando cozi­ nhas e despensas. Também acompanhamos as licitações e verificamos se os cardápios incluíam os alimentos comprados. E enviamos críticas e sugestões à coordenadoria da merenda.” A comunicação era imediata: para ouvir Islea e os demais conselheiros, Mauricila compareceu a todas as reuniões do CAE. Além de coordenar a merenda e inspecionar regularmente as escolas, ela orienta alguns cidadãos que precisam de dieta especial, segundo um acordo que fez com a prefeitura. Na rede pública de ensino, o pessoal já está habituado a seguir suas recomendações. O primeiro a tomar uma iniciativa importante foi o professor Jeferson Alves Pires, que organizou uma horta com alunos da Escola Rural Costa e Silva, em 2006. Havia um terreno disponível ao lado. Jeferson preparou o solo com as crianças, depois fez vários canteiros em forma de triângulo, retângulos e outras figuras geométricas. E ali plantou cenouras, com adubação orgânica. O experimento foi explorado ao máximo como recurso didático em aulas de diversas disciplinas, principalmente de ciências e matemática. Serviu também para comentários sobre questões ambientais. E terminou em bolo, feito em sala de aula, acompanhado de explicações sobre a necessidade de higiene na cozinha: os pequenos mestres-cucas usavam toucas enquanto preparavam a receita. Todos os que estavam na escola comeram ao menos um pedaço. O professor Jeferson parece ter notável aptidão para o ensino de crianças, particularmente as do meio rural. Ele também veio de lá: é filho caçula de agricultores, e o único dos irmãos a estudar. Como ele diz, a caminhada em busca dos diplomas foi um tanto penosa, mas valeu a pena. Com apenas nove anos de idade, saiu para morar com tios que não conhecia, em Irati. Tinha saudades da família, mas ficou com os parentes até completar 18 anos e conquistar o título de técnico em contabilidade. Com esse diploma, na época era possível ingressar no magistério. Formado, Jeferson fez concurso e ganhou o cargo de professor. Após a capacitação necessária, foi designado para a mesma escola em que cursou o segundo ano (antiga 26
  • 29. C riatividade : ponto final no marasmo primeira série) do Ensino Fundamental. A sala onde estudou lhe serviu de residência por dez longos anos, até que pudesse comprar sua própria casa. Nesse período, além de dar aulas, fez graduação e pós-graduação em pedagogia. O tempo e a prá­ tica ajudaram o professor a desenvolver um talento insuspeitado até certa altura: o de escrever, com rapidez, ótimas peças infantis sobre temas abordados em aula. Jeferson também cuida do cenário e da montagem. Um sucesso. As crianças se diver­ tem aprendendo. No meio delas, naturalmente, o menino Eleandro da Rocha. À FRENTE, SEMPRE Uma horta escolar não prosperou em Fernandes Pinheiro. A que era cultivada pelo pessoal da escola de Bituva dos Machados, uma comunidade rural do Distrito de Angaí, o mais distante da sede do município. Os pequenos plantios realizados na escola se tornaram supérfluos: a prefeitura agora compra os hortícolas de agricultores que utilizam métodos orgânicos, informa o diretor da escola, Carlinhos Moreira de Jesus. A iniciativa de organizar a compra direta desses produtos foi do ex-se­ cretário de Agricultura, o técnico florestal Clóvis Medeiros. Entre os fornecedores, 25 ao todo, está o casal Ione e Sebastião Góes, com a filha Gilda, que vivem em uma chácara de 4 hectares, nas proximidades. Ali a família planta para consumo próprio e para a merenda. Os cultivos mais importantes são os de milho, feijão, mandioca, abóbora, cebola, amendoim e diversas hortaliças, inclusive temperos. A introdução de boa variedade de hortícolas na merenda tem dois efeitos óbvios: melhora a qualidade da alimentação das crianças e proporcio­ na renda aos produtores familiares. O primeiro passo foi convencer uma parcela considerável dos alunos de que as verduras são fundamentais, daí os esforços na esfera da educação nutricional. Nesse ponto, Fernandes Pinheiro tem colhido bons resultados. No princípio, crianças foram flagradas jogando verduras do prato no lixo. Hoje já não desprezam esses alimentos. Às vezes são contrariadas. Bom exemplo foi o que aconteceu com os morangos, consumidos na forma de pudins, ou servidos com mingau, pratos muito bem recebidos em 2006. A coordenação da merenda resolveu eliminar essa fruta do cardápio, a pedido dos produtores de hortaliças orgânicas. Os pastéis de carne moída fritos também saíram de linha. Dessa vez para atender as cozinheiras: dão muito trabalho para fazer. A volta dos morangos e dos pastéis, contudo, não está descartada. Para isso, o cultivo da fruta terá de ser orgânico, e os pastéis, assados — nada que signifique um grande obstáculo. 27
  • 30. F e r nan d e s P i nhe i r o Também não será difícil avançar com a merenda, agora que está bem estruturada. De acordo com a Secretaria de Educação, é possível que mais ou menos a metade das famílias do município não possa dar café da manhã para os filhos em idade escolar. Não se trata apenas de falta de recursos. Às vezes, por causa das grandes distâncias, certo número de crianças pre­ cisa sair muito cedo de casa para alcançar as escolas. Seja porque não têm apetite, ou por falta de tempo, acabam sem o desjejum. Diante disso, a Secretaria de Educação formulou um projeto para oferecer lanches antes das aulas. Nem que seja apenas um chá com biscoitos. A idéia já foi apresentada ao prefeito, Nei Rene Schuck. Para fornecer o lanche adicional aos mais de 900 alunos do muni­ cípio, a despesa não seria grande. O pessoal da secretaria está otimista: a prefeitura tem sido generosa — além de mudar a merenda, já deu uniforme para a criançada e para as cozinheiras, que antes nem tinham toucas para trabalhar. De toda forma, alguns projetos já estão garantidos: a retomada do programa de hortas escolares para fins didáticos; a mudança da coordenadoria da merenda para novo prédio, onde haverá espaço mais adequado para a guarda de alimentos e utensílios; e a compra de um veículo exclusivo para o serviço de alimentação escolar. 28
  • 31. Grande distância, Jussara (GO) caminho curto A merenda escolar pode ser um bom pretexto para desenvolver a região. Os recursos federais podem ser aplicados na aquisição de alimentos produzidos localmente. Com isso o dinheiro circula entre os pequenos agricultores que, além de fornecerem alimentos mais frescos aos alunos, podem desenvolver sua produção. Como fazer isso?
  • 32. Jussara (GO) Índice de Desenvolvimento População 20.034 Humano Municipal, 2000 Área da unidade territorial (km²) 4.092 Municípios do estado de Goiás Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004 0,600 a 0,710 (48) 0,711 a 0,729 (49) Maior IDHM do Estado 0,600 0,730 a 0,742 (49) Menor IDHM do Estado 0,834 0,743 a 0,761 (47) IDHM de Jussara 0,740 0,762 a 0,834 (49) Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU. Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 21 Receita municipal R$ 15.391.522,25 Experiência premiada Recursos transferidos pelo FNDE R$ 53.386,20 na categoria Região Centro-Oeste – 2006 Complementação do município   para compra de alimentos R$ 48.525,43 O município utilizou o Programa de Aquisição Alunos atendidos 1.706 de Alimentos, do Governo Federal, para comprar Refeições servidas 312.200 frutas, frango, ovos, carne bovina, mel, polvilho Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — e queijo; o que beneficiou 67 pequenos produtores dados referentes a 2005. rurais. A merenda contou, ainda, com produtos adquiri- dos no Horto Municipal. A prefeitura também desenvolveu o projeto “Polpa de Fruta”, por meio do qual as escolas receberam doações de frutas da estação, utilizadas na preparação de sucos. O esforço financeiro da prefeitura foi de cerca de 90% dos recursos federais transferidos para a merenda.
  • 33. G rande dist â ncia , caminho curto CREDIBILIDADE RESGATADA Ao que parece, o Brasil é o único país que tem nome de árvore. E Jussara, em Goiás, é o único município brasileiro que tem nome de miss. Em homenagem à goiana Jussara Marques de Amorim, vencedora de um concurso nacional de beleza realizado em 1949. Um retrato da moça não demorou a chegar ao então povoado de Água Limpa, que pertencia a Goiás, antiga capital do estado. A fotografia acabou entronizada na parede de um boteco. O barzinho rural ocupava ponto estratégico na confluência de algumas estradas que levavam a diversas fazendas. Ali a peonada das vizinhanças costumava se reunir todos os dias, ao final da tarde, obede­ cendo a uma convocação geral: “Está na hora de ver a nossa Jussara”. Na era do rádio, eleição de miss nesta Terra de Santa Cruz tinha gosto de Copa do Mundo. Assim, não demorou a se formar uma comissão para transformar a devoção geral a Jussara Marques em algo substantivo. Requerimento à Câmara de Goiás resultou na mudança do nome de Água Limpa, em 1950. Jussara se tornaria independente em 1958. Quem conta a histó­ ria é Joaquim Alves de Castro Neto, prefeito da cidade desde 2001. Porém, Castro Neto avisa que não há como provar que tudo tenha acontecido dessa forma. Não tem importância. De tão saborosa, fica valendo essa versão. Jussara se desenvolveu em grande parte graças ao afluxo de migrantes nordestinos. Cidade interiorana, mantém a tradição de contar boas histórias. Uma delas é a da merenda escolar, que deu um salto de qualidade nos últimos tempos. O marco da virada foi 2001. Antes, a situação era um tanto difícil. Principalmente porque a verba federal para a alimentação esco­ 31
  • 34. Jussara lar tinha valor per capita muito baixo, como é do conhecimento geral. Com o tempo, as várias correções dessa “tabela” aumentaram a disponibilidade de recursos, junto com a contrapartida da municipalidade. Os administradores que assumiram a prefeitura no primeiro ano do milênio decidiram investir na educação de forma consistente, com o apoio da comunidade. Até a geografia do município exige tal ajuda, pois Jussara tem grande extensão territorial. Esparramadas, algumas das escolas rurais estão distantes da sede do município. Assim, fazendeiros ou seus fun­ cionários, e mesmo os professores, acabam transportando os produtos para a alimentação escolar. A natureza também colabora. Na área rural pode-se complementar a merenda com peixes apanhados nos rios, e o cerrado, generoso, produz frutas em quantidade. Melhorar a merenda exigiu dedicação e persistência, conta Darlene Souza e Silva Cardoso, secretária de Educação. Darlene veio da Bahia há duas décadas. Antes de assumir o cargo estudou pedagogia, especializando-se em ges­ tão educacional, e lecionou durante vários anos em escolas estaduais. A situação em sua área era bastante complicada no início do milênio. Desacreditada, a rede municipal atendia apenas 780 alunos. As escolas pediam reformas urgentes. Nessas circunstâncias, o professorado, desmotivado, andava cabisbaixo. Segundo Darlene, alguns mestres hoje admitem que ficavam um tanto envergonhados por darem aulas na rede municipal. Em poucos anos, o quadro geral mudou. Jussara fechou 2006 com cerca de 1.900 alunos nas escolas municipais. O aumen­ to de 144% em relação a 2001 superou em muito o incremento populacional registrado no período, que se deu a uma taxa média comedida. Também não havia muitas crianças fora das escolas ao iniciar-se o século 21. O número de alunos aumentou exponencialmente porque a rede pública recuperou a credibilidade, comemora a secretária. E sem dúvida sub­ traiu alunos da rede estadual e até das escolas particulares, das quais há cinco na cidade. Para que isso fosse possível, houve investimentos em infra-estrutura e na qualificação dos professores. Surgiram novas escolas e as demais passaram por reformas e ampliações. Antes, os professores só tinham o magistério. Por meio de con­ vênios com a Universidade do Estado de Goiás, a prefeitura patrocinou a formação de todos eles, que somam pouco mais de uma centena. Hoje a metade tem curso superior, e os demais são também pós-graduados. Nesse período, a educação por vezes absorveu mais de 25% das verbas municipais, chegando a abocanhar até 29% do total. No que diz respeito à merenda, Jussara investiu na construção ou reforma de cozinhas, que agora estão totalmente equi­ padas com geladeiras, congeladores, fornos e fogões. A oferta de material básico como panelas, vasilhames diversos, mesas 32
  • 35. G rande dist â ncia , caminho curto para refeitórios e outros utensílios aumentou na escala adequada. E as pouco mais de 40 merendeiras vêm passando por diversos cursos, sendo muito dedicadas — o que resulta em alto grau de aproveitamento, diz a secretária, que aproveita para elogiar as ações do Conselho de Alimentação Escolar. O CAE está muito próximo da merenda. Isso porque é presidido pela professora Irene Lúcia Marques. Formada em História, Irene lecionou durante dois anos, mas depois foi para a Secretaria de Educação cuidar da alimentação escolar, como gerente, em meados dos anos 1990. Ali continua até hoje, tendo sido eleita presidenta do CAE como representante dos professores. Ocupou a vice-presidência na chapa anterior, liderada por Irmã Maria Elina Bustus, religiosa católica que dirigia uma creche na cidade. Irene informa que, embora não seja uma exigência legal, a gerência da merenda faz quatro prestações de contas por ano ao conselho. Os conselheiros, dois a dois, visitam regularmente as escolas e apresentam relatórios detalhados sobre o que vêem. No total, são 12 escolas e cinco creches. Nem sempre a tarefa é fácil, pois as escolas rurais são distantes. Uma delas fica a mais de 100 quilômetros de Jussara, nas proximidades do município de Britânia. FARINHA DE BARU Um passo importante da atual administração foi chamar o nutricionista André Luiz de Castro de volta para casa. Nascido em Jussara, André deixou a cidade para estudar em Goiânia. Depois ficou anos num restaurante industrial, em Barra do Garças (MT). Em 2002, ao receber o convite da prefeitura para trabalhar com a merenda, fez as malas sem demora. O emprego anterior era bom, mas ele queria ficar perto da família e dos amigos. O nutricionista chegou em boa hora, diz a pedagoga Selma Pinheiro, uma das gerentes da merenda. Na época ela cuidava da alimentação em uma das escolas. “O governo goiano mandava alguns cardápios prontos, o que deixava a desejar, já que o pessoal especializado em nutrição estava em Goiânia, distribuindo as mesmas sugestões para todo o estado. Fazíamos tudo meio a olho, não sabíamos calcular as quantidades per capita”, conta Selma. Em contrapartida, já havia certo padrão de organização nas cozinhas, onde as merendei­ ras usavam uniformes e tinham nível razoável de conhecimentos. Foi sobre essa base que André começou a trabalhar. 33
  • 36. Jussara Agora que as dificuldades ficaram para trás, Jussara tem cinco creches e duas escolas que oferecem três refeições por dia. Uma delas é a escola agrícola municipal. A outra fica no setor urbano, atendendo crianças carentes de um bairro periférico. A prefeitura construiu essa unidade para receber de 250 a 300 estudantes do Ensino Fundamental. André de Castro renova os cardápios de dois em dois meses. A sazonalidade da oferta dos produtos alimentícios define as mudanças. “Procuramos bons preços, sempre levando em conta a aceitabilidade”, diz o nutricionista. Merecem destaque as preparações que incluem produtos regionais, entre eles a farinha de baru, usada com freqüência. O baru, árvore típica da região Centro-oeste, produz frutos em abundância. Da semente, torrada e triturada, obtém-se a farinha de alto teor calórico: são 500 quilocalorias por 100 gramas. Além disso, a semente contém muitas proteínas e minerais, como o potássio e o magnésio. Como o fruto pode ser estocado por vários anos, tem-se oferta constante de uma farinha com gosto semelhante ao do amendoim, usada em bolos, canjicas, nas vitaminas de frutas e na feitura de preparações salgadas. As farofas são um bom exemplo. A merenda também consome o pequi — tradicional na culinária goiana — mel, leite e seus derivados. Para faci­ litar a vida das responsáveis pela alimentação em cada escola, a secretaria oferece dez cardápios por bimestre. A responsá­ vel pela merenda escolhe cinco, de acordo com a realidade do estabelecimento. Os sucos naturais de frutas predominam nos meses mais quentes: acerola, manga, goiaba, caju, maracujá, limão... A comu­ nidade se envolve com a merenda, fazendo doações. Afinal, os beneficiados serão seus próprios filhos. O projeto de apro­ veitamento das frutas de época foi desenvolvido há tempos, para evitar desperdícios. E vem apresentando bons resultados. Nas refeições quentes há diversos pratos, como a galinhada, feita de carne de frango com arroz e legumes (ou pequi). A merenda também serve carne suína e bovina. Para as compras, realizadas no mercado local, a Secretaria de Educação faz pesquisas de preços em diversos estabeleci­ mentos antes da montagem bimestral dos cardápios. A compra é feita pelas gerentes de merenda das escolas, também responsáveis pela qualidade, recepção e guarda dos alimentos. Dessa forma, elimina-se a necessidade de um depósito 34
  • 37. G rande dist â ncia , caminho curto central. A rotina é diferente no caso das escolas rurais, que são abastecidas com o suficiente para dois meses. “A gente depende do apoio dos donos das fazendas, e segue um calendário que seja conveniente para eles também”, diz Selma Pinheiro. O comprador retira um vale na prefeitura e leva os produtos. As carnes seguem resfriadas, em embalagens apropriadas. Depois ficam nos congeladores. O cardápio é diferenciado, porque a população do campo tem suas próprias opções — é o caso do peixe. Enquanto reorganizava a merenda, o município de Jussara desenvolveu um programa de avaliação nutricional dos alunos da rede pública, por iniciativa de André de Castro. A primeira coleta de dados — peso, altura e idade — foi realizada em 2003, para descobrir alunos com necessidade de dieta especial. Esse levantamento levou à adoção de período integral e alimentação farta para as crianças do bairro Nova Jussara. ESCOLA NOTA 10 Jussara surgiu e cresceu por obra de brasileiros vindos de diversos estados. Até o prefeito, Joaquim de Castro, é forasteiro. Ele teve a sorte de nascer e viver em Goiás, a antiga capital do estado, a tempo de prestar serviços de datilografia para uma velhinha extraordinária, confeiteira de doces e de poemas. Na ocasião, começo dos anos 1970, Cora Coralina ainda não havia espalhado seu encanto pelo país, e ainda não sabia usar a máquina de escrever que comprara. Joaquim passou manuscritos a limpo durante um mês. Entrado na adolescência, com a cabeça nas nuvens, não prestava atenção no conteúdo dos escritos, que então não lhe diziam muito. Esqueceu-se até de cobrar pelo serviço. Ao menos aproveitou os doces de Cora Coralina, que ela dizia serem melho­ res que seus poemas. E guardou uma boa história para contar aos netos. Joaquim também se orgulha do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, e diz que a prefeitura se esforça para progredir ainda mais nesse campo. A próxima iniciativa será a implantação de uma cozinha comunitária para oferecer cursos às merendeiras — inclusive as da rede estadual — e às donas-de-casa. A idéia é melhorar o padrão nutricional de toda a comu­ nidade. Há projetos em curso em outras áreas. Um deles para organizar a produção local de carne. “Estamos trabalhando com as cadeias produtivas de bovinos, suínos e aves para aperfeiçoá-las. A criação de animais é um dos pontos fortes da região. Com mais oito municípios, temos o apoio do Sebrae e do governo estadual.” Nesse contexto, a escola agrícola de Jussara sempre terá um papel importante. 35
  • 38. Jussara A escola merece destaque não apenas por causa de seus vínculos com a merenda escolar, da qual é fornecedora, mas tam­ bém por se tratar do melhor exemplo de recuperação do ensino público municipal. O professor Luiz Mário Lopes Cardoso, pós-graduado em matemática e estatística, assumiu a direção em 2001. A escola atravessava uma fase difícil, com apenas 37 alunos matriculados. Como se trata de instituição muito importante para navegar sem rumo, Luiz agarrou o timão com energia para colocá-la na rota original. Fundada em 1991, a unidade se destinava a filhos de produtores rurais. Além das disciplinas básicas do Ensino Fundamental, sempre ofereceu aulas sobre técnicas agrícolas e práticas de zootecnia, com o objetivo de formar mão-de-obra qualificada e fixá-la no campo. A primeira tarefa do novo diretor e sua equipe foi repensar o papel da escola, para adequá-la às condições da produção agropecuária atual, seguindo os parâmetros da educação moderna. Hoje a escola tem 160 alunos, que fizeram teste voca­ cional, cursando do 6.º ao 9.º ano, em período integral. O diretor comenta: “No início aqui só ingressavam filhos de pro­ dutores rurais, mas como a qualidade do ensino melhorou muito, passamos a aceitar alunos que vivem na cidade. A procura é muito grande”. Em Jussara, as preocupações com o ambiente levaram à formatação de bons projetos. A escola agrícola produz grande quantidade de mudas de diversas espécies nativas para distribuição gratuita. Entre elas seringueiras, baru, aroeira, ipê e uma acácia que dá flor o ano inteiro, excelente para a apicultura. Antes as pessoas pegavam as mudas e as plantavam de forma aleatória, ou as doavam a terceiros. Então surgiu um projeto de arborização da área urbana – algo que interessa a todos, pois a região é muito quente. Os alunos plantam sementes, cuidam das mudas e depois as levam para casas de moradores que se cadastram para participar do projeto. O professor Luiz Mário explica que a iniciativa tem grande valor educativo e desdobra-se em três vertentes. “Primeiro, o ensino passa a ter melhor qualidade. Com a prática, o aluno aprende conceitos de matemática, geografia e portu­ guês, pois escreve textos de maneira prazerosa, narrando suas experiências. Depois, descobre que a questão ambien­ tal é muito complexa, que não se resolve por meio de pales­ tras dadas uma vez por ano. Da produção da semente ao plantio da muda, o aluno toma consciência do quanto o processo pode ser demorado, até ver a árvore crescida.” Em outra vertente há a questão da auto-estima. “Geralmente 36
  • 39. G rande dist â ncia , caminho curto trabalhamos com meninos de poucos recursos financeiros. Cada um se vê apenas como mais um indivíduo, e não como cida­ dão que pode ser útil à comunidade. O projeto, de grande aceitação, elevou a auto-estima de todos. Já plantamos perto de 2 mil mudas na cidade. Para participar, o morador assina um termo de compromisso, obrigando-se a cuidar da muda. Os estudantes voltam sempre para fazer avaliações. E dão uma cutucada no dono da casa se ele não estiver seguindo as recomendações.” Para consumo próprio e para oferecer produtos à merenda municipal e a instituições beneficentes, a escola agrícola cultiva boa parte de seus 51 hectares. Dali saem frutas, legumes, verduras, leite, mel, frangos, ovos e suínos. O volume produzido oscila de acordo com as estações do ano, como é natural. Na horta, os estudantes trabalham sob a supervisão de José Flávio Lima, chefe de jardinagem e olericultura. José Flávio, um veterano que está no ramo desde 1983, recebe alunos de outras unidades da rede municipal para ensinar-lhes técnicas agrícolas, e também colabora na implantação de hortas nas escolas estaduais. Da horta, os vegetais passam para os domínios de Maria das Graças de Mesquita, gerente da merenda na escola. Maria das Graças ocupa o cargo há 13 anos, apoiada por cinco cozinheiras. Ela coordena e fiscaliza o trabalho, encarrega-se das pres­ tações de contas e faz compras. Como se recorda, um dos itens da merenda é a farinha de baru, produzida por Vilmar Alves Rabelo, um jussarense que se dispôs a explorar as potencialidades da árvore. Vilmar inaugurou o negócio em 2005, tocan­ do a produção com a ajuda da esposa e de seis funcionários. E tem feito experiências interessantes: a casca do baru dá carvão, e o fruto, fermentado, cachaça. Os resíduos da fer­ mentação viram adubo de qualidade, podendo servir de alimento para o gado. O óleo de baru tem aplicações na indús­ tria de cosméticos e, mais recentemente, surgiu a boa notícia de que a castanha é um autêntico “viagra” natural. Vilmar produz de forma artesanal bombons, doce de leite e rapadura, com adição de castanha triturada. Na forma de farinha, a merenda absorve cerca de 30% da produção total de castanhas, que anda pela casa dos 15 quilos por dia. O município também estimula a produção agrícola familiar. Em maio de 2007, 67 produtores estavam cadastrados no Programa de Aquisição de Alimentos, criado pelo governo federal. Há uma contrapartida de recursos da prefeitura, que se encarrega de prover assistência técnica e manter as estradas em ordem. Dentre os fornecedores estão os 22 sócios de uma 37
  • 40. Jussara cooperativa — a Coopernova —, um núcleo de produção rural instalado a 43 quilômetros da sede do município. O proje­ to da Coopernova foi iniciado em 2001, com financiamento do Banco da Terra. Cada associado tem 12 hectares de terra. Um deles é Eliaquim Rodrigues dos Santos, casado com Silma Pereira de Freitas. O casal construiu­ casa no terreno e dedica-se, como os demais sócios, aos plantios de subsistência e à produção leiteira. Planta mandioca, mamão, batata-doce, bananas, cria aves e tem pequeno rebanho. Os excedentes vão para o mercado ou para a merenda. José Lino Guimarães (o Zé Lino) é o funcionário da prefeitura que coordena o Programa Compra Direta Local da Agricultura Familiar, com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — Pronaf. Ele explica que uma das vantagens do programa é afastar os atravessadores e garantir preços melhores para os agricultores. Antigo peão de fazendas, Eliaquim está satisfeito com seu novo status de proprietário, ainda que tenha um financiamento a pagar durante os próximos 20 anos. Zé Lino sabe valorizar os esforços dos produtores. Solidário, compreende as dificuldades enfrentadas por todos no trato com a terra, principalmente por aqueles que vieram de fora, em busca de vida melhor, como Eliaquim, que nasceu em Montes Claros (GO). O próprio Zé Lino migrou do Rio Grande do Norte com a família, a bordo de um pau- de-arara. Foram dois meses de viagem. Ele se lembra de alguma coisa da jornada. Inclusive do primeiro picolé, que pretendeu poupar a todo custo. Na inocência de seus quatro anos, percebeu que seria impossível conservá-lo só depois de ter a camisa molhada pelo gotejar constante do sorvete, imposto pelo sol de Brasília. Na época, a capital do país estava em construção. E o município de Jussara prestes a aparecer no mapa do Brasil. 38
  • 41. Quem planta, Dois Irmãos (RS) colhe Como regar, nutrir e podar as boas idéias para que elas frutifiquem?
  • 42. Dois Irmãos (RS) Índice de Desenvolvimento População 22.435 Humano Municipal, 2000 Área da unidade territorial (km²) 65 Municípios do estado do Rio Grande do Sul Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004 0,666 a 0,753 (95) 0,754 a 0,776 (96) Maior IDHM do Estado 0,870 0,777 a 0,797 (92) Menor IDHM do Estado 0,666 0,798 a 0,816 (95) IDHM de Dois Irmãos 0,812 0,817 a 0,870 (89) Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU. Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 16 Receita municipal R$ 22.984.166,75 Experiência premiada Recursos transferidos pelo FNDE R$ 82.386,00 na categoria Continuidade – 2005 Complementação do município   para compra de alimentos R$ 36.862,56 A categoria continuidade visa premiar prefeituras Alunos atendidos 3.247 que mantiveram em seu município experiências Refeições servidas 597.000 bem-sucedidas de administrações anteriores da Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — merenda escolar, a despeito de mudança de governo. dados referentes a 2004. A prefeitura de Dois Irmãos elaborou um manual da alimentação escolar em parceria com a Emater. Com isso as boas decisões sobre a merenda escolar podem ter continuidade. Há uma preocupação com a introdução de alimentos regionais na merenda dos alunos.
  • 43. Q uem planta , colhe Evolução constante Roma não foi feita em um dia! Tudo o que vale a pena na vida precisa ser construído ao longo do tempo, com planejamento, dedicação e competência. Isso é ainda mais verdadeiro nos serviços públicos, onde as mudanças na administração podem prejudicar bons projetos se não houver um compromisso com a continuidade e o bom atendimento à população. Um exemplo a ser seguido é o de Dois Irmãos, município de forte influência da imigração alemã e considerado “portal” da serra gaúcha. Tendo recebido os primeiros trabalhadores da antiga Colônia São Leopoldo em 1825 e com fundação oficial em 1959, a cidade conta com a mesma secretária de Educação desde 1989. Assim, os membros da equipe de merenda escolar vivenciaram juntos todas as grandes transformações pelas quais passou o Programa Nacional de Alimentação Escolar — PNAE nos últimos 15 anos e transformaram essa experiência em projetos inovadores, de grande sucesso e alguns pioneiros. São iniciativas como a construção de hortas nas escolas e de um hortão para fornecer vegetais fresquíssimos a baixos custos; a introdução de alimentos orgânicos e integrais; o apoio do sistema de Vigilância Sanitária da cidade para o cadastramento de fornecedores da região; avaliações nutricionais e de risco de obesidade nos alunos; e muito mais. Sem dúvida, foi um longo caminho para transformar escolas que nem sequer tinham quem prepa­ rasse a merenda em um modelo premiado. As crianças, claro, agradecem. “Quando entrei para a secretaria, nos final dos anos 1980, não tínhamos merendeiras ou serventes e as próprias professo­ ras preparavam a comida para os alunos com os produtos enviados pelo Governo Federal”, lembra a secretária municipal de Educação, Cultura e Desporto Hilária Arnold Kreuz. “As escolas também não possuí­ am cozinhas, refeitórios e nem despensas apropriadas.” “Muitas vezes os alimentos vinham com o prazo de validade quase vencido e as crianças não aceitavam bem as bebidas lácteas muito doces, com forte gosto de soja, as sopas industrializadas e a comida enlatada, que não fazem parte de A construção de hortas nas escolas possibilita um nossa tradição alimentar”, acrescenta a coordenadora da merenda escolar Lucimar dos Santos trabalho de educação Engelmann. “O estado fornecia apenas os pratos de plástico e algumas panelas. Para o restante multidisciplinar. tínhamos que contar com a contribuição voluntária da comunidade.” Os agricultores da região doavam esporadicamente frutas e verduras de modo a tornar a merenda mais palatável, e os açou­ 41
  • 44. Dois irmãos gues enviavam ossos bovinos para reforçar a sopa em algumas escolas, apesar do alto risco de contaminação. É também dessa época o chamado Projeto Ovo, em que as crianças eram estimuladas a trazer de casa, um dia por semana, um ovo para ser acrescentado à merenda. Tempos difíceis. Profissionais e infra-estrutura Tudo começou a mudar a partir de 1992, com a decisão da prefeitura de aumentar o investimento em infra-estrutura das escolas, com a aquisição de fogões, geladeiras e outros equipamentos para as cozinhas. Mesmo não havendo um cargo específico para a área de alimentação, a secretaria requisitou a transferência de uma professora concursada, Guizela Steier Meier, para ajudar a criar uma coordenadoria para a alimentação escolar. O primeiro salto, no entanto, viria em 1994 com a municipalização da merenda. A nova lei já previa então a formação de um Conselho de Alimentação Escolar e a contratação de um nutricio­ nista para o desenvolvimento de cardápios que respeitassem os hábitos alimentares de cada localidade e sua vocação agrí­ cola, dando preferência aos produtos in natura, além da prioridade na aquisição de “produtos de cada região, visando a redução dos custos”. Os administradores, contudo, não sabiam ainda como realizar essas contratações e aquisições, já que não havia modelos, experiências anteriores e nem legislações municipais para isso. “Mas houve uma mudança de menta­ lidade com foco em uma melhor nutrição das crianças, e a prefeitura passou a contribuir com 30% a mais do que os valo­ res enviados pelo Governo Federal, sendo que 20% eram destinados à compra de alimentos e 10% para equipamentos de cozinha”, conta a coordenadora Lucimar. Chegam as merendeiras A secretária montou então o embrião do que hoje é a Coordenação de Merenda Escolar, ligada ao Departamento de Administração da Secretaria de Educação. Com isso foi possível contratar as primeiras merendeiras e serventes para as escolas, que adaptavam cardápios enviados por fax pela Prefeitura de São Paulo. A primeira turma de merendeiras trabalhava apenas nas 10 maiores das 33 escolas da rede com cerca de 1.200 alunos. Na época, a secretária de Dois Irmãos ainda era responsável pelas unidades educacionais dos distritos de Morro Reuter e Santa Maria do Herval, que mais tarde se tornariam municípios independentes. Hoje são 35 serventes/merendeiras atuando em 16 unidades educacionais (das 13 escolas de Educação Fundamental da cidade, apenas uma é particular) e atendendo a mais de 3 mil alunos, sendo que 350 estudam em período integral e recebem três refeições diárias. “A decisão sobre quem vai 42
  • 45. Q uem planta , colhe trabalhar com comida e quem vai cuidar da limpeza dos estabelecimentos é feita nas escolas, levando em conta a aptidão que cada funcionária demonstra”, esclarece Lucimar. “Somos como uma grande família, na qual o relacionamento e o diálogo estão em primeiro lugar”, atesta a secretária Hilária. “Se surge algum problema, de qualquer tipo, sentamos e conversamos para solucioná-lo.” A criação do CAE, ainda em 1994, também ajudou na organização e fiscalização das cozinhas. Desde aquele ano, o conselho se reúne mensalmente e visita as escolas periodicamente. Os primeiros produtos comprados diretamente pela prefeitura em 1994 foram os básicos: arroz, feijão e leite em pó. Aos pou­ cos, conforme as escolas recebiam geladeiras, também eram entregues carne bovina moída e carne de frango. Em 1996 a secre­ taria iniciou a construção de um “Núcleo de Controle de Qualidade” da alimentação escolar. Ao mesmo tempo, a merendeira Anastácia Flech, que tinha muito contato com a Pastoral da Saúde da Igreja Católica na cidade, sugeriu a introdução de pro­ dutos naturais e passou para as colegas, durante os cursos de capacitação, apostilas sobre a utilização integral dos alimentos e informações sobre a farinha multimistura. “Não chegamos a introduzir a farinha porque tínhamos um pouco de medo de usar produtos muito novos que ainda não haviam sido liberados para a compra com a verba federal”, afirma Lucimar. “Mas vimos claramente a necessidade de melhorar a qualidade da alimentação e introduzimos no Projeto Preparação para o Trabalho — PPT a construção de hortas em todas as escolas. As crianças plantavam e colhiam as verduras para a merenda e podiam levar o excedente para casa.” Com o aumento no número de alunos nos anos seguintes, contudo, muitas escolas tiveram de ser ampliadas, com novas salas de aula tomando o lugar dos canteiros. Atualmente, apenas cinco unidades educacionais ainda mantêm as hortas. Mas isso não significa que as crianças deixaram de comer vegetais frescos. Aos poucos, os legumes e as verduras plantados nas escolas foram substituídos por outros vindos das propriedades rurais da região e mais tarde pelos vege­ tais produzidos no hortão da prefeitura. Apoio aos produtores locais “Como determina a lei, fomos procurar os produtores da região para comprar frutas, verduras e legumes, mas eles não possuíam nota fiscal e, portanto, não podiam participar das licitações”, relembra Hilária. Outro problema era a falta de opções de compra em um município que hoje tem menos de 30 mil habitantes. “Quando fui contratada pela secretaria, em 1999, somente os dois maiores supermercados da cidade supriam as condições legais para fornecer alimentos à merenda escolar”, recorda a nutricionista Rozane Marcia Triches. “Na verdade, nós nem sequer sabíamos o que se produzia na zona rural de Dois 43