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Marta Amado (2009). Vidas desencontradas. Lisboa e Porto: Papiro

[saudação à autora e ao público presente]



O livro de Marta Amado é um romance feminino. Uma mulher, Sarah,
dois homens, Joseph e Robert, e a governanta e confidente, Emma,
constituem as personagens principais. Sabemos da história através dos
três primeiros,   mas é fundamentalmente a partir         da acção e
pensamento de Sarah que a narrativa nos é evidenciada e desenvolvida.
Sarah e o seu diário, muito mais tarde recuperado pela filha Mary, a
qual surge apenas no último capítulo.

Trata-se do primeiro romance da autora, com todas as vantagens e
inconvenientes de obra inicial. Por um lado, mostra-nos uma estrutura
sólida, com a descrição simples mas profunda das personagens, dos
seus traços psicológicos, apesar de curtos, das suas alegrias e mágoas,
que perpassa em todo o livro num equilíbrio muito perfeito, de diálogo
constante, quase teatral à espera que o leitor reconstitua a trama. É
uma história que decorre em ritmo veloz, num entrecruzar de tempos
(presente quase passado, passado distante), urzido para manter o
suspense, do encadeamento de causas e efeitos. Essa escrita rápida e
hábil marca a escritora com uma difícil tarefa: depois deste romance,
que fôlego vai ela encontrar para dar outra obra tão cristalina e bem
concatenada?

Da acção e do tempo, vamos expôr a seguir. No começo da história, há
uma Sarah sonhadora, de 17 anos, a viver um primeiro, forte e
duradouro amor: Joseph. Depois, vemos que Sarah se move num
período mais tardio, casada e feliz, com Robert, e mãe de duas crianças.
O que terá acontecido para Joseph ter desaparecido? Duas explicações:
Joseph era empregado da casa da família Lagdon, à qual pertencia
Sarah. Por isso, era um amor proibído. A outra explicação: Joseph
esteve como soldado na Primeira Guerra Mundial e as notícias que
chegaram a Sarah deram-no como morto. Robert, de classe social alta
como a família Lagdon, foi a solução executada pelo pai de Sarah para
seu marido.

O tempo já o deixámos entreaberto. A história começa em 1912 e acaba,
embora não haja alusão directa, pouco antes do princípio da Segunda
Guerra Mundial, quando Mary, a filha mais nova de Sarah atinge a
maioridade. Como o romance se debruça sobre a história de amor, do
seu desencontro e reenconto, é um registo íntimo, pelo que não nos dá
conta dos principais acontecimentos sociais na Europa e no mundo,
apesar da referência breve à guerra que assolou a Europa entre 1914 e
1918. Se o livro se transformasse em peça ou filme, aconselharia a
autora a criar uma moldura social e política para enquadrar a história
de amor, e que serve de continuação à minha análise.

Como se depreende na história, Joseph não morrera mas progredira,
trabalhando em diferentes locais, amealhando dinheiro e estudando, de
modo a reencontrar-se com Sarah numa condição social diferente. O
que acontecera foi um corte no contacto entre ambos, premeditado pelo
pai da rapariga que não a queria ver com Joseph. Ambos reencontram-
se na casa que fora de Sarah e da família e que Joseph comprara.

A Inglaterra, ou actual Reino Unido (por causa dos parlamentos
regionais do país de Gales e da Escócia), transformou-se muito entre as
duas guerras mundiais. O mundo da aristocracia, poderoso ainda no
século XIX, cedeu lugar definitivo à burguesia ascendente desde o
século XVIII, época do começo da industrialização e das fortunas
gizadas pelas actividades produtivas. Se Sarah pertence a um estrato da
aristocracia (família, gostos, educação, actividade intelectual, casa de
campo), Joseph saltou da classe trabalhadora (ou mesmo campesinato)
e ascendeu socialmente graças ao trabalho e ao estudo. Não herdou
fortuna ou linhagem mas fez-se pela vida. Eis a ascensão social
prometida pelo positivismo industrial.

Neste contexto, o romance de Marta Amado lembrou-me a produção de
alguns investigadores ligados aos Cultural Studies, como Richard
Hoggart, que escreveu The Uses of Literacy em 1957 (tradução
portuguesa: As utilizações da cultura. Aspectos da vida cultural da
classe trabalhadora, 1973). No livro, Hoggart estudou as modificações
operadas na cultura das classes proletárias num período a seguir ao
começo do século XX e 1950, em especial a cultura popular (livros e
revistas). Retiro uma frase do seu livro:

     “É opinião generalizada que determinadas revistas – por exemplo,
     aquelas que são geralmente lidas pelas mulheres das classes
     proletárias e que são designadas pela expressão «Peg’s Paper e
     outras   que   tal»   –   se   caracterizam   pelo   sensacionalismo   e
     sentimentalismo” (Hoggart, 1973: 146).

Claro que a linha do romance de Marta Amado não segue este trilho
mas decorre num período idêntico ao que Hoggart traça – e que pode
ilustrar o percurso de Joseph, uma das personagens nucleares do texto
agora presente. Ao longo da narrativa, percebe-se que Joseph é quadro
superior de um banco, enquanto Robert é proprietário de uma galeria
de arte e Sarah vive entre as preocupações de mãe, a pintura que expõe
na galeria do marido e alguma liberdade de tempo devido à inexistência
de um trabalho regular fora de casa.

Alguns outros elementos merecem igual destaque. O primeiro é o da
casa. O palacete dos Lagdon é o local do encontro inicial de Sarah e
Joseph, e é o local do reencontro de ambos e onde ela viverá após a
morte de Joseph. Por sua vez, a filha Mary herda-a quando faz 21 anos
de idade. As festas, os espaços dentro da casa e o jardim, os encontros
quase furtivos entre os dois apaixonados, o ambiente de intimidade,
decorrem ali, o que torna a casa o espaço central do romance. Da rua,
do tumulto, agitação ou violência da rua, há poucas referências. A casa
é o lar, é o lado feminino, não o gineceu mas o local de acolhimento,
prazer e dádiva.

O outro elemento que quero aqui realçar é a assunção, por parte de
Sarah, da sua culpa, ao trair o marido Robert e tentar abandoná-lo (o
que não fez porque, entretanto, Joseph morre de forma abrupta), e a
sua redenção (o nascimento de Mary, que provocou a sua própria
morte, como se fosse uma transferência psicanalítica), com obtenção do
perdão (Robert acolheu Mary e deu-lhe formação como se fosse do seu
próprio sangue). Há aqui uma matriz moral, para não dizer religiosa, de
culpa e perdão. Sarah é uma heroína solitária. Não há amigas com
quem partilhar os sonhos e as frustrações, excepto a governanta e o
diário (a que Joseph teve acesso muito depois e Mary, a filha,
redescobriu duas décadas depois). A solidão marca o percurso de vida
de uma mulher que procura a sua libertação de condição feminina
marcada pela cultura herdada e dominante. A ruptura social que
procura é balanceada pelo peso moral conservador – embora ambíguo –
em Robert, que não compreende o comportamento de Sarah e se torna
repressivo e reaccionário ao pô-la fora de casa e proibir o acesso dos
filhos à mãe, apesar de acolher Mary, como disse atrás.

A defesa que aqui faço de que se trata de um romance feminino vem do
delinear das personagens do romance de Marta Amado, em que a
mulher é o elemento capaz de representar simultaneamente a alegria, a
dor, a generosidade e a dádiva.

Da leitura ficam algumas perguntas: porquê a escolha da Inglaterra, em
especial de Londres, para local da história? E qual a razão de chamar
ao longo do romance Mr. e Mrs.? Talvez haja memórias de férias, ou de
livros ou de filmes. Só a autora o pode revelar.



Conheci a Marta Amado com aluna da Universidade Católica. Na
disciplina da qual fui seu professor, ela e as colegas fizeram um
trabalho que ainda hoje recordo: a reacção de crianças e adolescentes
ao programa Morangos com Açúcar. Foi um trabalho muito bem feito,
com inquéritos que ela e as colegas fizeram em duas escolas, uma de
características mais burguesas, outra frequentada por filhos da classe
trabalhadora.

Retirei         do      blogue        da           autora   (26.1.2006)
[http://gostopelaescrita.blogspot.com/2006/01/morangomania-
continua.html] a seguinte indicação:        “Os Morangos com Açúcar
continuam a fazer furor no panorama da televisão em Portugal. Este
facto é confirmado pela enorme adesão ao casting, que está a decorrer
na Casa do Artista, para a série dos Morangos. Muitos sonham em
participar nesta série que, desde o ínicio, tem vindo a influenciar, como
nunca, jovens e crianças. No ano lectivo de 2004/2005, eu e mais duas
amigas (Gisela Pereira e Sofia Palma) elaborámos um trabalho, para a
cadeira de "Públicos e Audiências"(*), sobre o fenómeno Morangos com
Açúcar e o seu impacto no pensamento e comportamento dos
adolescentes e crianças portuguesas”.

Depois, vi o teatro por ela representado, Vertigens 2.9, texto de Sergi
Belbel        (Palco     Oriental,      28.6.2009)          [http://industrias-
culturais.blogspot.com/search?q=o+chefe+em+processo+de+div
%C3%B3rcio], que retrata paixões, desencontros, tristezas e alegrias,
expressas num espaço próprio, o terraço de um edifício de quase
cinquenta andares, local para fumar um cigarro proibído e em que as
oito personagens podem sentir vertigens olhando para a rua: o chefe em
processo de divórcio, a sua secretária loira e burra, o informático que
perde a mulher mas ganha a atenção das suas colegas, a chefe
implacável,    a   secretária   lunática,   o   expedidor    apaixonado   pela
secretária que tem teorias para explicar todos os acontecimentos do
mundo.

Agora, está aqui um livro. Parabéns.



[agradecimentos]

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  • 1. Marta Amado (2009). Vidas desencontradas. Lisboa e Porto: Papiro [saudação à autora e ao público presente] O livro de Marta Amado é um romance feminino. Uma mulher, Sarah, dois homens, Joseph e Robert, e a governanta e confidente, Emma, constituem as personagens principais. Sabemos da história através dos três primeiros, mas é fundamentalmente a partir da acção e pensamento de Sarah que a narrativa nos é evidenciada e desenvolvida. Sarah e o seu diário, muito mais tarde recuperado pela filha Mary, a qual surge apenas no último capítulo. Trata-se do primeiro romance da autora, com todas as vantagens e inconvenientes de obra inicial. Por um lado, mostra-nos uma estrutura sólida, com a descrição simples mas profunda das personagens, dos seus traços psicológicos, apesar de curtos, das suas alegrias e mágoas, que perpassa em todo o livro num equilíbrio muito perfeito, de diálogo constante, quase teatral à espera que o leitor reconstitua a trama. É uma história que decorre em ritmo veloz, num entrecruzar de tempos (presente quase passado, passado distante), urzido para manter o suspense, do encadeamento de causas e efeitos. Essa escrita rápida e hábil marca a escritora com uma difícil tarefa: depois deste romance, que fôlego vai ela encontrar para dar outra obra tão cristalina e bem concatenada? Da acção e do tempo, vamos expôr a seguir. No começo da história, há uma Sarah sonhadora, de 17 anos, a viver um primeiro, forte e duradouro amor: Joseph. Depois, vemos que Sarah se move num período mais tardio, casada e feliz, com Robert, e mãe de duas crianças. O que terá acontecido para Joseph ter desaparecido? Duas explicações: Joseph era empregado da casa da família Lagdon, à qual pertencia Sarah. Por isso, era um amor proibído. A outra explicação: Joseph esteve como soldado na Primeira Guerra Mundial e as notícias que chegaram a Sarah deram-no como morto. Robert, de classe social alta
  • 2. como a família Lagdon, foi a solução executada pelo pai de Sarah para seu marido. O tempo já o deixámos entreaberto. A história começa em 1912 e acaba, embora não haja alusão directa, pouco antes do princípio da Segunda Guerra Mundial, quando Mary, a filha mais nova de Sarah atinge a maioridade. Como o romance se debruça sobre a história de amor, do seu desencontro e reenconto, é um registo íntimo, pelo que não nos dá conta dos principais acontecimentos sociais na Europa e no mundo, apesar da referência breve à guerra que assolou a Europa entre 1914 e 1918. Se o livro se transformasse em peça ou filme, aconselharia a autora a criar uma moldura social e política para enquadrar a história de amor, e que serve de continuação à minha análise. Como se depreende na história, Joseph não morrera mas progredira, trabalhando em diferentes locais, amealhando dinheiro e estudando, de modo a reencontrar-se com Sarah numa condição social diferente. O que acontecera foi um corte no contacto entre ambos, premeditado pelo pai da rapariga que não a queria ver com Joseph. Ambos reencontram- se na casa que fora de Sarah e da família e que Joseph comprara. A Inglaterra, ou actual Reino Unido (por causa dos parlamentos regionais do país de Gales e da Escócia), transformou-se muito entre as duas guerras mundiais. O mundo da aristocracia, poderoso ainda no século XIX, cedeu lugar definitivo à burguesia ascendente desde o século XVIII, época do começo da industrialização e das fortunas gizadas pelas actividades produtivas. Se Sarah pertence a um estrato da aristocracia (família, gostos, educação, actividade intelectual, casa de campo), Joseph saltou da classe trabalhadora (ou mesmo campesinato) e ascendeu socialmente graças ao trabalho e ao estudo. Não herdou fortuna ou linhagem mas fez-se pela vida. Eis a ascensão social prometida pelo positivismo industrial. Neste contexto, o romance de Marta Amado lembrou-me a produção de alguns investigadores ligados aos Cultural Studies, como Richard Hoggart, que escreveu The Uses of Literacy em 1957 (tradução
  • 3. portuguesa: As utilizações da cultura. Aspectos da vida cultural da classe trabalhadora, 1973). No livro, Hoggart estudou as modificações operadas na cultura das classes proletárias num período a seguir ao começo do século XX e 1950, em especial a cultura popular (livros e revistas). Retiro uma frase do seu livro: “É opinião generalizada que determinadas revistas – por exemplo, aquelas que são geralmente lidas pelas mulheres das classes proletárias e que são designadas pela expressão «Peg’s Paper e outras que tal» – se caracterizam pelo sensacionalismo e sentimentalismo” (Hoggart, 1973: 146). Claro que a linha do romance de Marta Amado não segue este trilho mas decorre num período idêntico ao que Hoggart traça – e que pode ilustrar o percurso de Joseph, uma das personagens nucleares do texto agora presente. Ao longo da narrativa, percebe-se que Joseph é quadro superior de um banco, enquanto Robert é proprietário de uma galeria de arte e Sarah vive entre as preocupações de mãe, a pintura que expõe na galeria do marido e alguma liberdade de tempo devido à inexistência de um trabalho regular fora de casa. Alguns outros elementos merecem igual destaque. O primeiro é o da casa. O palacete dos Lagdon é o local do encontro inicial de Sarah e Joseph, e é o local do reencontro de ambos e onde ela viverá após a morte de Joseph. Por sua vez, a filha Mary herda-a quando faz 21 anos de idade. As festas, os espaços dentro da casa e o jardim, os encontros quase furtivos entre os dois apaixonados, o ambiente de intimidade, decorrem ali, o que torna a casa o espaço central do romance. Da rua, do tumulto, agitação ou violência da rua, há poucas referências. A casa é o lar, é o lado feminino, não o gineceu mas o local de acolhimento, prazer e dádiva. O outro elemento que quero aqui realçar é a assunção, por parte de Sarah, da sua culpa, ao trair o marido Robert e tentar abandoná-lo (o que não fez porque, entretanto, Joseph morre de forma abrupta), e a sua redenção (o nascimento de Mary, que provocou a sua própria
  • 4. morte, como se fosse uma transferência psicanalítica), com obtenção do perdão (Robert acolheu Mary e deu-lhe formação como se fosse do seu próprio sangue). Há aqui uma matriz moral, para não dizer religiosa, de culpa e perdão. Sarah é uma heroína solitária. Não há amigas com quem partilhar os sonhos e as frustrações, excepto a governanta e o diário (a que Joseph teve acesso muito depois e Mary, a filha, redescobriu duas décadas depois). A solidão marca o percurso de vida de uma mulher que procura a sua libertação de condição feminina marcada pela cultura herdada e dominante. A ruptura social que procura é balanceada pelo peso moral conservador – embora ambíguo – em Robert, que não compreende o comportamento de Sarah e se torna repressivo e reaccionário ao pô-la fora de casa e proibir o acesso dos filhos à mãe, apesar de acolher Mary, como disse atrás. A defesa que aqui faço de que se trata de um romance feminino vem do delinear das personagens do romance de Marta Amado, em que a mulher é o elemento capaz de representar simultaneamente a alegria, a dor, a generosidade e a dádiva. Da leitura ficam algumas perguntas: porquê a escolha da Inglaterra, em especial de Londres, para local da história? E qual a razão de chamar ao longo do romance Mr. e Mrs.? Talvez haja memórias de férias, ou de livros ou de filmes. Só a autora o pode revelar. Conheci a Marta Amado com aluna da Universidade Católica. Na disciplina da qual fui seu professor, ela e as colegas fizeram um trabalho que ainda hoje recordo: a reacção de crianças e adolescentes ao programa Morangos com Açúcar. Foi um trabalho muito bem feito, com inquéritos que ela e as colegas fizeram em duas escolas, uma de características mais burguesas, outra frequentada por filhos da classe trabalhadora. Retirei do blogue da autora (26.1.2006) [http://gostopelaescrita.blogspot.com/2006/01/morangomania- continua.html] a seguinte indicação: “Os Morangos com Açúcar
  • 5. continuam a fazer furor no panorama da televisão em Portugal. Este facto é confirmado pela enorme adesão ao casting, que está a decorrer na Casa do Artista, para a série dos Morangos. Muitos sonham em participar nesta série que, desde o ínicio, tem vindo a influenciar, como nunca, jovens e crianças. No ano lectivo de 2004/2005, eu e mais duas amigas (Gisela Pereira e Sofia Palma) elaborámos um trabalho, para a cadeira de "Públicos e Audiências"(*), sobre o fenómeno Morangos com Açúcar e o seu impacto no pensamento e comportamento dos adolescentes e crianças portuguesas”. Depois, vi o teatro por ela representado, Vertigens 2.9, texto de Sergi Belbel (Palco Oriental, 28.6.2009) [http://industrias- culturais.blogspot.com/search?q=o+chefe+em+processo+de+div %C3%B3rcio], que retrata paixões, desencontros, tristezas e alegrias, expressas num espaço próprio, o terraço de um edifício de quase cinquenta andares, local para fumar um cigarro proibído e em que as oito personagens podem sentir vertigens olhando para a rua: o chefe em processo de divórcio, a sua secretária loira e burra, o informático que perde a mulher mas ganha a atenção das suas colegas, a chefe implacável, a secretária lunática, o expedidor apaixonado pela secretária que tem teorias para explicar todos os acontecimentos do mundo. Agora, está aqui um livro. Parabéns. [agradecimentos]