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1) Rodrigo em resposta ao Helio
Hélio, você começou falando no seu último comentário sobre o
relativismo moral e sobre a impossibilidade de determinar se
algo é certo ou errado sem uma “fonte de moralidade Absoluta
e Superior”.

Acho que a nossa diferença está aqui. Eu realmente não acredito
que exista uma fonte de moralidade absoluta e superior. Para
mim, a moral é relativa segundo a época e o lugar, como
provam a História e a Antropologia. Se você pudesse voltar no
tempo e viver em várias épocas diferentes, veria que aquilo que
é certo numa época é errado em outra. E se pudesse viver em
outras sociedades, constataria a mesma coisa. Não há um certo
e um errado absolutos.

A relatividade da moral é um fato. Não é meramente uma
questão de opinião. Não é uma questão do tipo: “A Gisele
Bundchen é bonita ou é feia?” Negar que a moral seja relativa é
como negar que a Terra gira em torno do Sol. É uma afirmação,
digamos assim, anticientífica.

Qual é a base que um religioso tem para afirmar que a moral é
absoluta? Honestamente, não sei. Nem a História, nem a
Antropologia estão do seu lado nesse caso. E o pior de tudo é
que a religião, apesar dos seus discursos contra o relativismo
moral, também não fornece qualquer sustentação de que a
moral é absoluta. Permita-lhe dar alguns exemplos.

1ª) O livro sagrado do cristianismo, a Bíblia, é a pátria literária
do relativismo moral. No Gênesis, há uma cena em que Abraão,
acossado pela fome, decide ir até o Egito com sua esposa Sara.
Chegando lá, ele lhe diz mais ou menos assim: “Quando lhe
perguntarem alguma coisa, diga que você é minha irmã, para
que eles me poupem a vida. Se você disser que é minha esposa,
eles vão querer me matar para ficar com você.” Ora, isso é um
exemplo clássico de relativismo. A moral da história pode ser
resumida assim: “Mentir é errado, mas se for para salvar a vida
de alguém, tudo bem”.

Num dos contos de Voltaire, cujo nome agora não lembro (mas
posso lhe dizer depois, quando for à biblioteca pública), diz-se o
seguinte: consta que, certa vez, perguntaram a santo Agostinho
se era certo praticar uma má ação por uma causa nobre. Ele
respondeu que sim e, para apoiar a sua opinião, invocou o
exemplo de Judith...

Você pode alegar que o Antigo Testamento é o livro sagrado
dos judeus, mas isso contraria a tradição cristã, que sempre viu
o Antigo Testamento como uma espécie de preparação para o
Novo, sendo ambos livros divinamente inspirados. De qualquer
forma, mesmo que nós não concordemos nesse ponto, isso não
muda o fato de que também há exemplos de relativismo moral
no Novo Testamento. Quando, por exemplo, censuram Jesus
por estar realizando uma cura no sábado, Jesus responde: “Há
alguém entre vós que, tendo uma única ovelha e se esta cair no
poço no dia de sábado, não a irá procurar e retirar? (Mt 12,11)”
Ora, isso também é exemplo de relativismo. A mensagem
implícita é: “trabalhar no dia de sábado é errado, mas se for para
realizar uma boa obra, tudo bem”.

Observe que é só mediante a relativização da moral que se
consegue transformar o sacrifício de Cristo num gesto de amor.
Aqui na Terra, se um pai matar um filho em benefício de uma
causa, mesmo que seja a mais nobre das causas, esse pai será
considerado um criminoso. Deus, no entanto, sacrifica o
próprio filho em benefício da pior de todas as causas, ou seja, o
homem...

Em resumo: o livro sagrado do cristianismo não autoriza
ninguém a crer que a moral é absoluta. Mesmo que você não
considere bons os meus exemplos, existe o próprio fato de que a
Bíblia costuma interpretada de modos muito diferentes por seus
leitores, como se vê pelas cisões do cristianismo ao longo da
história. E essa própria interpretação bíblica, além de ser
subjetiva, está condicionada ao contexto. Veja, por exemplo,
aquele episódio famoso em que Josué pede a Deus que
interrompa a marcha do Sol. Antes de Galileu, esse prodígio
sempre foi interpretado literalmente, como se o Sol tivesse
mesmo parado no céu. Mas, com os novos conhecimentos
científicos trazidos por Galileu, tornou-se necessário interpretar
esse episódio em termos alegóricos.

A exegese bíblica não está condicionada apenas ao
conhecimento científico de uma época, mas à própria
moralidade vigente no período. A Bíblia já foi usada, por
exemplo, para justificar a escravidão. Hoje, porém, ninguém faz
isso. Por quê? Porque a moral mudou.

Aí eu lhe pergunto: o que adianta Deus registrar num livro
sagrado uma moral absoluta, se essa moral depende de uma
interpretação que só pode ser relativa?

2ª) A própria história das instituições e das pessoas que
deveriam zelar pelo legado de Cristo também contradizem a
ideia de que a moral é absoluta.

Senão vejamos: se a moral é absoluta, por que os ensinamentos
pregados pela Igreja Católica variaram tanto ao longo do
tempo? Que eu saiba, a Igreja Católica não via qualquer
problema no aborto até 1876, se não me engano (essa
informação está num livro do Carl Sagan que tenho aqui em
casa; se você quiser, especifico depois a fonte).

Li em algum lugar que a Igreja Católica já celebrou casamentos
entre homossexuais. Mas, mesmo que isso não seja verdade, ela
já foi muito mais tolerante com os homossexuais do que é hoje.
Veja esse trecho do livro Uma história íntima da humanidade, de
Theodore Zeldin: “(...) em 1102, Santo Anselmo, arcebispo de
Canterbury, pediu que o castigo para a homossexualidade fosse
moderado porque ‘este pecado é tão público que dificilmente
alguém enrubesce por sua causa, e muitos, portanto, nele
mergulham sem lhe perceber a gravidade’. (...) A Igreja
preocupou-se mais, desde o princípio, em proibir os padres de
terem relações sexuais com mulheres; quando foi desfechada
uma campanha contra isso, a homossexualidade tornou-se
ainda mais comum, especialmente nos monastérios, onde Santo
Alfred de Rivaulx exaltou-a como uma forma de descoberta do
amor divino”.

Como se nada disso bastasse, existe ainda o fato de que a Igreja
Católica sempre relativizou a moral em seu próprio benefício,
seguindo piedosamente a opinião de santo Agostinho que citei
há pouco. Pergunte a um padre o que foi a Inquisição, e na
primeira frase ele irá lhe falar do contexto, mais ou menos
assim: “Para saber o que foi a Inquisição, você precisa entender
o contexto da época”. Quando entro numa livraria e vejo um
livro sobre Inquisição com os títulos “A Inquisição em seu
contexto”, “A Inquisição na Idade Moderna”, “A Inquisição na
época da Reconquista” etc., eu nem sequer preciso abri-lo para
saber qual é a intenção do autor... O autor é um católico que
quer relativizar a moral para minimizar a responsabilidade da
Igreja Católica.

Também é tradição na Igreja Católica canonizar assassinos que
agiram em benefício da fé cristã, caso, por exemplo, de Inácio
de Loyola, entre outros. Matar pode ser errado, mas se for em
benefício do cristianismo, aí tudo certo.

Eu poderia multiplicar esses exemplos de relativismo até o
infinito, mas vou citar apenas mais um: o das falsificações em
benefícios da religião. Esse comportamento sempre foi tão
comum na história do cristianismo que mereceu até uma
expressão própria: a pia fraus (fraude piedosa). Os cristãos dos
primeiros séculos falsificaram a Bíblia de acordo com os seus
interesses, chegando ao ponto, por exemplo, de inventar aquele
episódio em que Cristo impede que uma adúltera seja lapidada.
Isso para não falar das falsas relíquias sagradas, que sempre
abundaram no mundo.
A fraude é um pecado, mas sempre pode ser usada em benefício
do cristianismo.

3ª) Mas o meu principal argumento contra o absolutismo moral
pode ser expresso na seguinte pergunta: como Deus pode ser o
fiador de uma moral absoluta se ele próprio na escapa do
relativismo cultural?

Religiosos tendem a falar de Deus como ele tivesse sempre
existido e fosse sempre existir. Mas Deus também é uma
construção histórica. Ele nasceu no tempo e, como tudo o que
nasce, também vai morrer.

Há um texto do jornalista americano H. L. Mencken que se
chama Cerimônia Memorial e que começa mais ou menos assim:
“Onde fica o cemitério dos deuses mortos. Algum enlutado
ainda se lembra de regar as flores do seu túmulo?” Ao longo do
artigo, ele fornece uma lista de deuses que já existiram, que
foram considerados invencíveis e imortais em suas épocas e
que, no entanto, hoje estão mortos.

Suponhamos que daqui a 2000 anos o cristianismo desapareça e
que, no lugar dele, surja uma religião bem diferente. E digamos
que o deus dessa nova religião pregue a vingança e o suicídio.
Aí eu lhe pergunto: como você sabe que a vingança e o suicídio
são pecados? Por que o deus cristão diz que é pecado? Mas e o
próximo deus?

Além de não escapar desse relativismo histórico, Deus também
não escapa do relativismo geográfico. Há muitas religiões nos
dias de hoje e algumas delas possuem um livro sagrado
contendo normais morais – normas que contradizem as dos
outros livros.

          ***********************************

Como você vê Hélio, não vejo qualquer motivo para acreditar
que exista uma moral absoluta. Você então poderia me
perguntar: “Mas se não há uma moral absoluta, como
poderemos saber o que é certo e o que é errado?”

Bem, eu não acredito que exista moral absoluta, mas acredito
em fatos absolutos. Por exemplo, a existência do mal é um fato
absoluto. Absoluto no sentido de que, enquanto o homem
existir sobre a Terra, o mal sempre vai acompanhá-lo,
independente da época e do lugar onde ele viva.

Você pode alegar que a mera existência do mal não fornece
qualquer princípio ético. Aliás, você usou um argumento
parecido com esse ao falar de uma ética que se pretende basear
na natureza. Palavras suas: “A natureza (ou algo que o valha) é
como o ateísmo, possui caráter amoral. Ambos não falam
absolutamente nada sobre questões éticas e moral.”

Num certo sentido, você está absolutamente certo. Normas
morais não brotam da pedra nem aparecem inscritas na encosta
de uma montanha. Mas a natureza pode ser estudada,
conhecida, e dela os homens podem extrair certos princípios
éticos. Não estou dizendo que a natureza seja um bom
candidato para substituir Deus. Estou apenas dizendo que os
homens sempre fizeram isso.

Veja, por exemplo, o caso dos gregos. Os estóicos
interpretavam o universo como um cosmos, ou seja, um mundo
ordenado, racional e harmônico, o contrário do caos. Dessa
interpretação eles tiraram uma moral segundo o qual o bem
consistia em agir conforme a natureza. Portanto, quando os
estóicos falavam em agir conforme a natureza, eles não estavam
falando em oprimir os mais fracos, mas em agir com moderação
e equanimidade.

Mas, depois de Darwin, a interpretação da natureza mudou.
Hoje ela é vista mais um palco da luta dos fortes contra os
fracos, o que já levou muito gente a pregar uma forma de
darwinismo social ou de justificar as desigualdades sociais
através do darwinismo.
É por isso que sou pessoalmente contra uma moral baseada
numa interpretação da natureza. À medida que vamos
conhecendo a natureza, a interpretação sobre ela muda. E com a
interpretação muda também a moral.

Procuro basear minha ética na existência do mal, que considero,
como disse, um fato absoluto. Da forma como o homem é feito,
acredito que nem mesmo no paraíso ele conseguiria ser feliz.
Schopenhauer percebeu isso muito bem quando afirmou:
“Coloque-se esta raça num país de fadas, onde tudo cresceria
espontaneamente, onde as calhandras voariam já assadas ao
alcance de todas as bocas, onde todos encontrariam sem
dificuldade a sua amada e a obteriam o mais facilmente possível
– ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou enforcarem-
se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se mutuamente
mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe.”

Você pode alegar de novo que a existência do mal é como o
ateísmo, que ela não possui caráter moral, nem fala nada sobre
questões éticas. Mas eu discordo disso. Se o mundo é um
inferno, se os homens estão na Terra para sofrer, é
absolutamente indispensável que façamos o bem para aliviar o
sofrimento geral. Esta era a opinião de Schopenhauer, que
também escreveu: “A convicção de que o mundo e, por
conseguinte, o homem são tais que não deveriam existir, é de
molde que nos deve encher de indulgência uns pelos outros; que
se pode esperar, de fato, de uma tal espécie de seres?”

Se o mundo é como diz Schopenhauer, e eu não tenho qualquer
motivo para duvidar dele, então estamos obrigados a aliviar o
nosso sofrimento sem causar sofrimento aos outros. A isso você
objetou: Com este raciocínio poderíamos justificar qualquer tipo de
conduta,"desde que não aumente o fardo de seus semelhantes"
         "desde                                  semelhantes".
Poderíamos justificar, por exemplo, a conduta de um pedófilo que
coleciona fotos de crianças nuas em seu computador pessoal.
Poderíamos, inclusive, justificar a conduta de um adultero que se dá
bem ao trair sua esposa sem que ela nunca descubra que foi traída. O
que os olhos não vêem...
Não acho que o seu primeiro exemplo seja válido, pois como se
poderia tirar fotos de uma criança nua sem de alguma forma
molestá-la? Aliás, para o nosso atual Código Penal, isso já é
definido como estupro. Quanto ao caso do marido adúltero,
posso dizer o seguinte: mesmo que ele consiga trair sua esposa
sem jamais ser descoberto, isso, no entanto, não invalida os
riscos que ele corre. Suas infidelidades podem ser descobertas e
causar sofrimentos à esposa. Nesse caso, bastaria fazer a
seguinte retificação: Todo homem tem o direito de procurar o
máximo prazer, desde que não aumente (ou corra o risco de
aumentar) o fardo de seus semelhantes.

Observe que a existência do mal oferece um fundamento muito
mais sólido para a moral do que a religião, e bem menos sujeito
aos caprichos do relativismo cultural do que ela. Dos gregos
antigos até hoje o mal não desapareceu. A religião, no entanto,
mudou bastante de lá para cá. Já não há tantos deuses, e o deus
cristão é bem mais moral e indulgente do que aqueles deuses do
Olimpo.

Não estou dizendo que esse seja o seu caso, Hélio, mas acho que
essa discussão sobre o relativismo foi criada apenas para manter
o preconceito religioso contra os ateus. Sempre foi opinião
corrente entre os religiosos que os ateus não podiam ser bons,
não podiam ter caráter, nem se comportar de forma correta.
Mas, como há um Dráuzio Varella e um Patch Adams para
desmentir esse mito, a religião foi obrigada a mudar de
estratégia. Hoje ela já não diz que um ateu não pode ser bom,
mas que ele não pode organizar uma sociedade justa.

Os religiosos sempre afirmam que não é possível deduzir um
Bem e um Mal da relatividade da moral. Parece-me que nisso
apenas seguem Nietzsche.

O que eu acho muito curioso nisso é que ninguém acha que a
relatividade é um problema quando o assunto é beleza. Ora, não
existe um padrão absoluto de beleza. Na Bíblia, por exemplo,
não há qualquer trecho em que se define um ideal de beleza
masculino ou feminino. Não está escrito, por exemplo: “A
mulher deve ter 1,80 de altura, seus seios devem caber na
concha da mão e estar separados três centímetros um do outro,
suas coxas devem ter a circunferência tal e tal”. Tudo o que nós
sabemos da beleza é que ela varia segundo o tempo e o lugar, ou
seja, é um produto do relativismo cultural.

Mas, embora não haja um padrão absoluto de beleza, nós jamais
renunciamos aos conceitos de Belo e Feio. O fato de o padrão
de beleza ser relativo jamais nos impediu de classificar os
homens como feios ou bonitos.

Podemos então, com base nisso, fazer a seguinte pergunta: se
um religioso acha que a relatividade da moral torna impossível
falar em Bem e Mal, ele próprio não deveria renunciar aos
conceitos de Belo e Feio, já que não existe um padrão absoluto
de beleza?

           ***********************************

Caro Hélio, havia muito mais coisas que eu gostaria de discutir
com você, como, por exemplo, aquela replicação que você fez de
um comentário meu. Ali eu acho que você cometeu um
pequeno erro.

Porém, se eu fosse discutir cada um dos comentários que você
fez, isso consumiria umas 120 páginas. Como você viu, escrevi
nove páginas só para me contrapor à sua primeira objeção...

Lamento pela prolixidade, mas é que acho esse assunto
fascinante, e já venho pensando nele há algum tempo. Por isso,
me estendi um pouco sobre ele.

Mas vamos devagarzinho mesmo. Com o tempo, certos temas
vão voltar, e aí nós poderemos discutir mais
pormenorizadamente sobre eles.

Abraços.
~*~
2) Helio em resposta ao Rodrigo
 “Hélio, você começou falando no seu último comentário sobre o
relativismo moral e sobre a impossibilidade de determinar se algo é
certo ou errado sem uma “fonte de moralidade Absoluta e Superior”.

Exatamente. Essa é minha linha de pensamento.

“Acho que a nossa diferença está aqui. Eu realmente não acredito que
exista uma fonte de moralidade absoluta e superior. Para mim, a
moral é relativa segundo a época e o lugar, como provam a História e
a Antropologia.”

Agora ficou clara para mim a sua opinião sobre moralidade.

Isso seria o mesmo que dizer que nós, como seres humanos, não
temos valores e deveres morais objetivos a cumprir.

E se não temos valores e deveres morais objetivos a cumprir
qual o sentido de julgarmos este ou aquele grupo dentro da
história, posto que não existe um caminho certo a seguir?

Qual o sentido de certos ateus condenarem o cristianismo
dentro da história pelos atos que eles julgam como imorais
praticados por cristãos uma vez que a moralidade é subjetiva e,
no final das contas, não existe “certo” ou “errado” no sentido
absoluto do termo?

 “Se você pudesse voltar no tempo e viver em várias épocas diferentes,
veria que aquilo que é certo numa época é errado em outra.”

Sim. Justamente por causa do critério humano (que é subjetivo)
em definir aquilo que é moralmente bom ou não.

“E se pudesse viver em outras sociedades, constataria a mesma coisa.
Não há um certo e um errado absolutos.”
Ai eu repito o que te disse acima. Se “não há um certo e um
errado absolutos” não seria incoerente por parte dos ateus em
olharem para a história passada do cristianismo julgando os
cristãos que cometeram, por exemplo, a Inquisição, como se a
moralidade fosse algo absoluto?

Ora, os inquisidores julgavam estar fazendo algo moralmente
bom e louvável. Se “não há um certo e um errado absolutos”
não cabe ao ateus julgá-los e muito menos classificar o
cristianismo (e nem uma outra religião ou cultura) como
maléfica como se existissem valores e deveremos morais
objetivos a serem cumpridos pelos homens, uns para com os
outros.

O que eu estou querendo dizer é o seguinte: Grande parte dos
ateus críticos da religião negam a existência de valores e
deveres morais objetivos, mas ao criticarem a religião de forma
tão hostil agem como se valores e deveres morais objetivos
existissem!

Nesse sentido, não sei se é o seu caso, os ateus críticos da
religião são capazes de compreender, por exemplo, os romanos
que promoviam a carnificina com lutas de gladiadores em
arenas de combate ou o infanticídio promovido em
comunidades indígenas brasileiras alegando aspectos culturais
relativos à época e ao lugar, mas não aplicam a mesma
complacência na hora de destilar suas criticas contra o
cristianismo ao longo da história.

“A relatividade da moral é um fato. Não é meramente uma questão de
opinião. Não é uma questão do tipo: “A Gisele Bundchen é bonita ou é
feia?”

Quando um adulto em sã consciência causa dor e sofrimento
em uma criança com 2 meses de vida por prazer sádico pessoal
tanto eu quanto você sabemos que isso é algo moralmente
inaceitável, mas o tal adulto pensa o contrário.
A pergunta é: Independentemente do que eu, você ou o adulto
da ilustração acima pensa a respeito, torturar uma criança de
dois meses de idade por puro sadismo é um ato moralmente
bom ou não?

O que você me diria?

Se você afirmar que não tem como julgar isso em termos
absolutos, isto é, tirando todo e qualquer critério humano da
equação (coisas como cultura, época, lugar e julgamento
pessoal), apenas estará sendo coerente com suas afirmações.

Agora se você afirmar que tal atitude é algo moralmente
inaceitável estará confirmando que existem valores e deveres
morais objetivos que nós, reles mortais, devemos seguir, ainda
que não tenhamos em mente a lista completa daquilo que é
moralmente bom ou não. O que eu afirmo é: Independente
disso existem valores e deveres morais objetivos que devemos
seguir para o bem e paz de todos (ateus, cristãos, mulçumanos,
budistas, espíritas, torcedores do palmeiras, etc.).

“Negar que a moral seja relativa é como negar que a Terra gira em
torno do Sol. É uma afirmação, digamos assim, anticientífica.”

A ciência é amoral, totalmente neutra em questões de ética e
relacionamentos interpessoais. Não existe um método
científico para definir, por exemplo, se é moralmente aceitável
ou não dar calotes nos outros ou bisbilhotar a mulher do
vizinho trocando de roupa.

“Qual é a base que um religioso tem para afirmar que a moral é
absoluta?”

A existência de um deus como legislador moral e definidor - ao
seu próprio critério e de acordo com a sua própria vontade - de
valores e deveres morais objetivos que todos os homens devem
cumprir.
Somente um ser inteligente e pessoal é capaz de definir a noção
de valores e deveres morais objetivos.

“Honestamente, não sei. Nem a História, nem a Antropologia estão
do seu lado nesse caso.”

Concordo. Mesmo por que nem a História e nem a
Antropologia se ocupam em provar (ou desaprovar) a
existência de um ser superior que definiu valores e deveres
morais objetivos que devem ser seguidos pelos humanos.

“E o pior de tudo é que a religião, apesar dos seus discursos contra o
relativismo moral, também não fornece qualquer sustentação de que a
moral é absoluta. Permita-lhe dar alguns exemplos.”

Ok...

“1ª) O livro sagrado do cristianismo, a Bíblia, é a pátria literária do
relativismo moral. No Gênesis, há uma cena em que Abraão, acossado
pela fome, decide ir até o Egito com sua esposa Sara. Chegando lá, ele
lhe diz mais ou menos assim: “Quando lhe perguntarem alguma coisa,
diga que você é minha irmã, para que eles me poupem a vida. Se você
disser que é minha esposa, eles vão querer me matar para ficar com
você.” Ora, isso é um exemplo clássico de relativismo. A moral da
história pode ser resumida assim: “Mentir é errado, mas se for para
salvar a vida de alguém, tudo bem”.”

Neste caso em específico nós temos uma descrição (e não uma
prescrição) a respeito da atitude de Abraão. Nada fala a respeito
se o que ele fez foi certo ou errado, se é um exemplo a ser
seguido ou não.

A bíblia sagrada, nessa passagem, apenas narra um
acontecimento sem fazer juízo de valor a respeito.

Mas responda você mesmo. Mentir para pessoas que querem
causar algum mal para um inocente é algo moralmente
aceitável ou não? Ou depende do critério de julgamento pessoal
de cada um?
Nós temos aqui duas escolhas. Permitir a morte do inocente ou
mentir para um sujeito que quer causar algum mal contra o
inocente.

Qual a atitude correta? Favorecer o inocente ou favorecer quem
quer tirar proveito do inocente?

Não estamos analisando somente se “mentir é errado”. Junto
com isso temos: “mentir para alguém mal intencionado a fim
de salvar a vida de um inocente é errado”? Quando as duas
situações coabitam juntas o que fazer?

Existe um caminho certo a seguir, ou todos os caminhos levam
absolutamente para um mesmo lugar?

“Num dos contos de Voltaire, cujo nome agora não lembro (mas posso
lhe dizer depois, quando for à biblioteca pública), diz-se o seguinte:
consta que, certa vez, perguntaram a santo Agostinho se era certo
praticar uma má ação por uma causa nobre. Ele respondeu que sim e,
para apoiar a sua opinião, invocou o exemplo de Judith...”

Bem. Será que Santo Agostinho acharia algo moralmente legal
se eu assaltasse um banco (uma má ação) para comprar uma
casa para minha mãe que paga aluguel (uma causa nobre)?

Será que ele concordaria que fazer uma criança berrar de tanta
dor introduzindo nela um pedaço de metal pontiagudo sem a
sua expressa vontade (uma má ação) para salvar-lhe a vida
(uma causa nobre) é algo moralmente bom?

Mas como não foram especificados os contextos em que uma
“má ação por uma causa nobre” é algo moralmente aceitável a
resposta do Santo Agostinho não nos fornece norte algum para
discussão.

Se o Santo Agostinho fosse interpelado com essas e outras
questões certamente poderia se explicar melhor a respeito. Não
foi esse o caso.
Para não colocarmos o Santo Agostinho em saia justa, vamos
tirar ele do nosso debate.

“Você pode alegar que o Antigo Testamento é o livro sagrado dos
judeus, mas isso contraria a tradição cristã, que sempre viu o Antigo
Testamento como uma espécie de preparação para o Novo, sendo
ambos livros divinamente inspirados.”

E é exatamente assim que eu penso.

“De qualquer forma, mesmo que nós não concordemos nesse ponto, isso
não muda o fato de que também há exemplos de relativismo moral no
Novo Testamento.”

Vamos analisar suas considerações...

 “Quando, por exemplo, censuram Jesus por estar realizando uma cura
no sábado, Jesus responde: “Há alguém entre vós que, tendo uma única
ovelha e se esta cair no poço no dia de sábado, não a irá procurar e
retirar? (Mt 12,11)

Ora, isso também é exemplo de relativismo. A mensagem implícita é:
“trabalhar no dia de sábado é errado, mas se for para realizar uma boa
obra, tudo bem”.

Eu estou entendendo perfeitamente a sua linha de raciocínio.
Esse exemplo recai no caso de Abraão.

Não temos somente uma situação envolvida de trabalhar ou
não no sábado. Temos, além dessa, ajudar alguém que lhe pede
socorro.

E você não entende algo crucial nesta passagem. É que na Lei
Mosaica não existia proibição alguma quanto a realizar uma boa
obra em dia de sábado. Esse tipo de ordenança foi acrescentado
pelos fariseus ao longo do tempo sem o consentimento e o aval
divino. Era na verdade um acréscimo na Lei de Moisés. Você
pode pesquisar no Pentateuco se existe alguma coisa do tipo:
“não farás obras de caridade no sábado”.
A Lei ordenava não trabalhar no sábado para proveito e lucro
próprio.

Desculpe-me a falta de referências, pois estou lhe escrevendo de
forma direta, sem o apoio de literaturas. Mas eu posso
perfeitamente mostrar as referências depois, se desejar.

“Observe que é só mediante a relativização da moral que se consegue
transformar o sacrifício de Cristo num gesto de amor. Aqui na Terra,
se um pai matar um filho em benefício de uma causa, mesmo que seja a
mais nobre das causas, esse pai será considerado um homem. Deus, no
entanto, sacrifica o próprio filho em benefício da pior de todas as
causas, ou seja, o homem...”

Na literatura bíblica lemos que Jesus Cristo foi voluntário nesta
causa e o fez por amor, não obrigado, forçado.

Agora imagina a seguinte situação. Um homem que
voluntariamente decide dar a própria vida para salvar bilhões e
bilhões da morte.

Trazendo isso para o nosso mundo material, se tal situação
hipotética existisse, tal homem seria alçado à posição de herói
em escala mundial.

Você já assistiu ao filme “A Lenda”, com Will Smith? Existem
outros filmes sobre sacrifícios voluntários com o intuito de
salvar a vida ou a pele de um grande número de pessoas.

Não precisamos, no entanto, irmos tão longe. Ainda que seja
para salvar uma única vida, como a do seu filho por exemplo.

É reprovável a atitude de um pai que para salvar a vida do seu
filho que fora sequestrado por criminosos se oferece em troca
para ficar em cativeiro no lugar dele?

E quanto a uma mãe que em face de um terremoto protegeu os
seus filhos colocando-os por debaixo do seu corpo enquanto ela
recebia concretos na cabeça?
http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=185131
5&seccao=Europa

Ela morreu, os filhos sobreviveram...

“Em resumo: o livro sagrado do cristianismo não autoriza ninguém a
crer que a moral é absoluta.”

A partir daqui eu posso expressar melhor o conceito de
moralidade absoluta.

Quando eu afirmo que “existem valores e deveres morais
objetivos que todo ser humano deve seguir” não estou
afirmando que:

1 – Não existe moralidade relativa.

2 – Toda e qualquer atitude humana deve ser classificada
(moralmente e eticamente falando) de maneira absoluta.

A alegação de que existem valores e deveres morais objetivos
não implica necessariamente que certas atitudes humanas não
podem ser classificadas de maneira relativa.

Eu não mudei o rumo dos meus argumentos. Parece-me que
esse ponto não ficou perfeitamente claro da minha parte.
Esclareço aqui para que futuros espantalhos não sejam criados.

O que eu venho afirmando desde o princípio é: “Existem
valores e deveres morais objetivos que todo e qualquer ser
humano deve cumprir para o bem e a paz de todos”.

Se os egípcios não tivessem o costume de matar os homens para
seqüestrarem para si a sua esposa Abraão não precisaria mentir.

Esse é o resultado quando as pessoas seguem determinados
valores.

Agora um ponto importante. A existência de valores morais
objetivos não implica o conhecimento pleno de tais valores por
parte da humanidade como um todo. O que eu quero dizer é o
seguinte: Não importa a minha ou a sua percepção de mundo ou
o meu e o seu julgamento sobre questões morais, se certas ou
erradas. Independentemente da percepção humana para
questões desse tipo existem valores e deveres morais objetivos
que todo e qualquer ser humano deve seguir.

Duas pessoas podem concordar entre si que entrar em uma
arena para se digladiarem até a morte é algo moralmente
aceitável, mas não será o consenso e o consentimento deles que
tornará o ato como algo moralmente aceitável, pois tal
julgamento não depende deles.

Para finalizar essa parte eu afirmo que as escrituras sagradas
deixam sim perfeitamente claro que existem valores e deveres
morais objetivos que os homens devem seguir. Eu poderia aqui
citar uma meia dúzia desses valores que se fossem seguidos por
toda a humanidade o mundo seria bem melhor.

Não são necessariamente “valores cristãos”, não estou dizendo
isso. São valores e deveres morais objetivos e que, inclusive, até
mesmo os ateus concordariam em afirmar que tais valores são
realmente bons.

E podemos perfeitamente encontrar tais valores impressos em
livros sagrados de outras religiões ou nos moldes de viver de
determinadas culturas e civilizações que não sejam
necessariamente de bases cristãs.

“Mesmo que você não considere bons os meus exemplos, existe o
próprio fato de que a Bíblia costuma interpretada de modos muito
diferentes por seus leitores, como se vê pelas cisões do cristianismo ao
longo da história.”

Realmente. Mas isso não prova que valores e deveres morais
objetivos não existem. Isso prova somente que o ser humano é
um péssimo legislador moral e que os cristãos não entram em
um consenso a respeito do seu livro sagrado. Nada mais que
isso.
“E essa própria interpretação bíblica, além de ser subjetiva, está
condicionada ao contexto. Veja, por exemplo, aquele episódio famoso
em que Josué pede a Deus que interrompa a marcha do Sol. Antes de
Galileu, esse prodígio sempre foi interpretado literalmente, como se o
Sol tivesse mesmo parado no céu. Mas, com os novos conhecimentos
científicos trazidos por Galileu, tornou-se necessário interpretar esse
episódio em termos alegóricos.”

Eu não entendi sua objeção sobre esta passagem bíblica.

Seja lá como for a bíblia sagrada está repleta de exemplos que
desafiam a ciência e o bom senso. Afinal de contas ela narra as
ações de um Deus onipotente.

“A exegese bíblica não está condicionada apenas ao conhecimento
científico de uma época, mas à própria moralidade vigente no período.
A Bíblia já foi usada, por exemplo, para justificar a escravidão. Hoje,
porém, ninguém faz isso. Por quê? Porque a moral mudou.”

A escravidão existente nos templos bíblicos não era praticada
nos mesmos moldes da escravidão dos tempos do Brasil colônia.
Sobre este tema muito teria a falar, mas o farei em outra
ocasião. Na verdade, é um tema para um novo debate. Não irei
comentar aqui para não desviar o foco da nossa conversa.

“Aí eu lhe pergunto: o que adianta Deus registrar num livro sagrado
uma moral absoluta, se essa moral depende de uma interpretação que
só pode ser relativa?”

Mais uma vez a questão da “interpretação”. Mais de 2 bilhões
de cristãos no mundo e eles não entram em um consenso sobre
quais são os valores e deveres morais objetivos estabelecidos por
Deus na pessoa de Cristo e impressa nas escrituras sagradas.

Mas isso ainda não invalida a minha alegação de que,
independentemente da falta de consenso entre os seres
humanos, valores e deveres morais objetivos existem e só
existem por que existe um deus por onde tais valores são
emanados.
E isso possibilita, inclusive, um incrédulo de reconhecer e/ou
seguir determinado valor e dever moral objetivo, ainda que ele
não saiba explicar de onde este valor vem.

 “2ª) A própria história das instituições e das pessoas que deveriam
zelar pelo legado de Cristo também contradizem a idéia de que a moral
é absoluta.”

Isso é verdade. Mas isso não prova que não existem valores e
deveres morais objetivos.

“Senão vejamos: se a moral é absoluta, por que os ensinamentos
pregados pela Igreja Católica variaram tanto ao longo do tempo? Que
eu saiba, a Igreja Católica não via qualquer problema no aborto até
1876, se não me engano (essa informação está num livro do Carl Sagan
que tenho aqui em casa; se você quiser, especifico depois a fonte).

Li em algum lugar que a Igreja Católica já celebrou casamentos entre
homossexuais. Mas, mesmo que isso não seja verdade, ela já foi muito
mais tolerante com os homossexuais do que é hoje. Veja esse trecho do
livro Uma história íntima da humanidade, de Theodore Zeldin: “(...)
em 1102, Santo Anselmo, arcebispo de Canterbury, pediu que o castigo
para a homossexualidade fosse moderado porque ‘este pecado é tão
público que dificilmente alguém enrubesce por sua causa, e muitos,
portanto, nele mergulham sem lhe perceber a gravidade’. (...) A Igreja
preocupou-se mais, desde o princípio, em proibir os padres de terem
relações sexuais com mulheres; quando foi desfechada uma campanha
contra isso, a homossexualidade tornou-se ainda mais comum,
especialmente nos monastérios, onde Santo Alfred de Rivaulx exaltou-
a como uma forma de descoberta do amor divino”.

Como se nada disso bastasse, existe ainda o fato de que a Igreja
Católica sempre relativizou a moral em seu próprio benefício, seguindo
piedosamente a opinião de santo Agostinho que citei há pouco.
Pergunte a um padre o que foi a Inquisição, e na primeira frase ele irá
lhe falar do contexto, mais ou menos assim: “Para saber o que foi a
Inquisição, você precisa entender o contexto da época”. Quando entro
numa livraria e vejo um livro sobre Inquisição com os títulos “A
Inquisição em seu contexto”, “A Inquisição na Idade Moderna”, “A
Inquisição na época da Reconquista” etc., eu nem sequer preciso abri-
lo para saber qual é a intenção do autor... O autor é um católico que
quer relativizar a moral para minimizar a responsabilidade da Igreja
Católica.

Também é tradição na Igreja Católica canonizar assassinos que
agiram em benefício da fé cristã, caso, por exemplo, de Inácio de
Loyola, entre outros. Matar pode ser errado, mas se for em benefício
do cristianismo, aí tudo certo.”

Até aqui você falou da Igreja Católica. Creio que o que eu já
escrevi desde então estabelece contra pontos em cima das suas
alegações acima escritas.

E sobre as suas afirmações a respeito da Igreja Católica poderia
estabelecer algumas considerações. Pode ser que futuramente
conversemos somente sobre o catolicismo romano.

No entanto é comum quando eu debato com um ateu questões a
respeito da moralidade ele me oferecer contra exemplos de
cristãos que ao longo da história defenderam como atos
moralmente bons atrocidades diversas, coisas intragáveis.

E se eu fosse um politeísta, espírita ou adepto da religião do
monstro do espaguete voador, como você se portaria?

E se eu fosse somente um teísta sem religião?

Aqui eu percebo um erro em sua estratégia de argumentação ao
tentar afirmar que não existem valores e deveres morais
objetivos mostrando as falhas dos cristãos no decurso da
história.

Ainda que o cristianismo seja falso e toda e qualquer religião do
mundo falhasse em definir quais são os valores e deveres
morais objetivos que os homens devem cumprir uns para com
os outros ou ainda que os religiosos não sigam determinados
valores que você reconhece como moralmente bons tais
objeções não invalidam ou coloca em descrédito a minha
alegação de que “existem valores e deveres morais objetivos”.

Podemos não saber defini-los em sua completude, muitos não o
praticam, mas eles existem e a existência de tais valores e
deveres são independentes da percepção humana sobre eles.

“Eu poderia multiplicar esses exemplos de relativismo até o infinito,
mas vou citar apenas mais um: o das falsificações em benefícios da
religião. Esse comportamento sempre foi tão comum na história do
cristianismo que mereceu até uma expressão própria: a pia fraus
(fraude piedosa).”

Vamos ver...

“Os cristãos dos primeiros séculos falsificaram a Bíblia de acordo com
os seus interesses, chegando ao ponto, por exemplo, de inventar aquele
episódio em que Cristo impede que uma adúltera seja lapidada. Isso
para não falar das falsas relíquias sagradas, que sempre abundaram no
mundo.”

Opa. Alegação interessante e surpreendente. Nesse caso eu
gostaria de analisar as suas evidências de que a bíblia sagrada é
um produto falsificado dos cristãos do primeiro século.

ps.: Isso daí já é tema para um outro debate. Caso desejar
poderemos discutir sobre isso futuramente. Como eu disse
anteriormente, ainda que você prove que o cristianismo é uma
falsa religião, isso não implica logicamente que não existem
valores e deveres morais objetivos que devemos seguir.

“A fraude é um pecado, mas sempre pode ser usada em benefício do
cristianismo.”

Se você afirma que não existem valores e deveres morais
objetivos não pode afirmar que a fraude é um pecado, mas sim
que a fraude, na sua limitada visão, é um pecado.
Poderia até afirmar que a fraude era um aspecto cultural do
cristianismo, e, portanto, tem que ser respeitado, embora você
particularmente não concorde.

 “3ª) Mas o meu principal argumento contra o absolutismo moral pode
ser expresso na seguinte pergunta: como Deus pode ser o fiador de uma
moral absoluta se ele próprio não escapa do relativismo cultural?”

Eu estava aguardando você chegar nesse ponto.

“Religiosos tendem a falar de Deus como ele tivesse sempre existido e
fosse sempre existir. Mas Deus também é uma construção histórica.
Ele nasceu no tempo e, como tudo o que nasce, também vai morrer.”

Você está convicto de que Deus não existe. Eu estou convicto
de que ele existe.

Mas não estamos debatendo se Deus existe ou não. Muito
menos se o Deus judaico-cristão existe ou não. Estamos
debatendo se valores e deveres morais objetivos existem.

Eu não estou tentando provar, a priori, a existência de Deus
com os meus argumentos (e muito menos a existência do Deus
judaico-cristão).

Os meus argumentos seguem a seguinte linha lógica:

Premissa 1 - Se Deus não existe, valores e deveres morais
objetivos não existem;

Premissa 2 - Valores e deveres morais objetivos existem;

Conclusão: Portanto, Deus existe.

Tanto eu quanto você concordamos com a primeira premissa e
estamos debatendo se a premissa número 2 é verdadeira ou não.

Note que não estamos tentando provar se Deus existe ou não
por meio de premissas e argumentos que dão suporte às
premissas. Tal conceito a respeito da existência ou não de Deus
brotará naturalmente como conclusão lógica das premissas 1 e 2.

“Há um texto do jornalista americano H. L. Mencken que se chama
Cerimônia Memorial e que começa mais ou menos assim: “Onde fica o
cemitério dos deuses mortos. Algum enlutado ainda se lembra de regar
as flores do seu túmulo?” Ao longo do artigo, ele fornece uma lista de
deuses que já existiram, que foram considerados invencíveis e imortais
em suas épocas e que, no entanto, hoje estão mortos.

Suponhamos que daqui a 2000 anos o cristianismo desapareça e que, no
lugar dele, surja uma religião bem diferente. E digamos que o deus
dessa nova religião pregue a vingança e o suicídio. Aí eu lhe pergunto:
como você sabe que a vingança e o suicídio são pecados? Por que o deus
cristão diz que é pecado? Mas e o próximo deus?

Além de não escapar desse relativismo histórico, Deus também não
escapa do relativismo geográfico. Há muitas religiões nos dias de hoje
e algumas delas possuem um livro sagrado contendo normais morais –
normas que contradizem as dos outros livros.”

Deuses vão e vem. Religiões idem. Não se sabe quanto tempo o
cristianismo irá persistir. Pode ser que daqui a 10.000 anos ainda
existam cristãos, pode ser que o cristianismo seja extinto daqui
a 100 anos. Pode ser que ele seja extinto e volte depois de
determinado tempo. Pode ser que ele nunca seja extinto. Não
sei, não sou vidente...

Mas falando como cristão eu acredito que o cristianismo nunca
será extinto até que o advento de Cristo seja concluído.

Mas e então? Independente do que os deuses das religiões
afirmam a pergunta fica:

Existem valores e deveres morais objetivos que devemos
cumprir?

           ***********************************
“Como você vê, Hélio, não vejo qualquer motivo para acreditar que
exista uma moral absoluta. Você então poderia me perguntar: “Mas se
não há uma moral absoluta, como poderemos saber o que é certo e o que
é errado?

Bem, eu não acredito que exista moral absoluta, mas acredito em fatos
absolutos. Por exemplo, a existência do mal é um fato absoluto.”

A existência do mal é um desvio de valores e deveres
moralmente bons. Um desvio de como as coisas devem ser. Se
não existem valores e deveres moralmente bons que devemos
fazer, a própria noção de mal é, de igual modo, algo relativa e
vazia.

Falando sobre beleza e feiúra em comparação com o bem e o
mal.


Pela sua lógica a beleza é relativa, mas a feiúra é algo absoluto.
Ou seja, quando você acha uma pessoa bela o seu parecer é
relativo, pois alguém poderá discordar de você, mas quando
você acha uma pessoa feia o seu parecer é absoluto e todos irão
concordar com você.

Existe uma falha lógica em sua alegação a respeito da existência
do mal, pois só definimos o mal quando contrapomos com
aquilo que é bom.

Se o que é bom é relativo, o que é mal também é relativo.


Não há como escapar desse truísmo.

Assim como as pessoas relativizam a bondade podem
perfeitamente relativizar a maldade. Chamar o bem de mal e
vice-versa.
“Absoluto no sentido de que, enquanto o homem existir sobre a Terra,
o mal sempre vai acompanhá-lo, independente da época e do lugar onde
ele viva.”

Mas o que é o mal se não o contrário daquilo que é moralmente
bom? E se o mal existe é por que certas coisas devem ser de
determinado jeito, isto é, manifestar aquilo que é moralmente
bom. Elas DEVEM ser assim e ponto. Para que os homens
vivam bem e em paz uns com os outros.

Quando alguém deixa de manifestar aquilo que é moralmente
bom, manifesta aquilo que é mal, imoral, nefasto, desprezível,
repugnante, abominável.

E se você tem essa noção daquilo que é moralmente bom ou mal
e consegue fazer distinção entre um e outro a ponto de fazer
julgamentos sobre a Igreja Católica ter colocado hereges na
fogueira ou do bispo da Universal que comete estelionato
contra o pobre fiel e defende tais atos como abomináveis é por
que, dentro de você, existe a noção de que valores morais
objetivos existem, ainda que você não os reconheça como tal.
Tais valores existem e são bons. O contrário disso é mal e deve
ser evitado.

“Você pode alegar que a mera existência do mal não fornece qualquer
princípio ético. Aliás, você usou um argumento parecido com esse ao
falar de uma ética que se pretende basear na natureza. Palavras suas:
“A natureza (ou algo que o valha) é como o ateísmo, possui caráter
amoral. Ambos não falam absolutamente nada sobre questões éticas e
moral.”

Acho que você entendeu errado o que eu disse. A existência do
mal como valor absoluto (um valor negativo) corrobora com
minhas alegações, posto que o mal é o inverso do bem.

E quem é capaz de definir o que é o “bem ou mal”
estabelecendo tais conceitos como regra pétrea? Eu? Você?
Qual o homem capaz de diferenciar aquilo que é bom daquilo
que é mal usando para tanto a razão, a lógica e o “bom senso”
humano a tal ponto da sua definição ter que ser aceita perante
todos os demais homens da face da terra e se tornar como um
valor e dever moral a ser seguido pelas gerações futuras?

O pensamento evolucionista alega que não passamos de uma
feliz combinação de átomos e nossos pensamentos e crenças
nada mais são do que interações químicas favoráveis à
sobrevivência, portanto essas sinapses religiosas teriam sido
muito úteis até aqui. Mas, alegam alguns ateus, atingimos um
grau de evolução que nos permite abrir mão dessas sinapses
religiosas e seguirmos adiante acreditando apenas na razão.

A imagem abaixo, retirada do site do Paulo Lopes, é bastante
intuitiva quanto a isso.




O problema é que, neste caso, as sinapses da razão não serão
diferentes das sinapses da religião, pois a construção desse
raciocínio fundamenta-se em reações químicas do cérebro tanto
quanto a construção do raciocínio religioso. Se assim for, o que
garante que amanhã não iremos chegar a uma nova conclusão
de que a crença na razão não passou de um período evolutivo
quando isso era importante para a sobrevivência de nossa
espécie? Mesmo assim, o próximo raciocínio também estará
comprometido pela mesma lógica. E assim sucessivamente.
Logo não é somente a religião que muda no decorrer do tempo.
A própria razão humana passa pelo mesmo processo.

Se a teoria da evolução é verdadeira em todos os seus aspectos,
é certo que quando o homem evolui, o seu cérebro também
acaba evoluindo junto com ele. Como podemos estar seguros
de que as conclusões que produzimos com o nosso cérebro em
processo de evolução sejam definitivas?

Mas quando falamos na existência de valores e deveres morais
objetivos, tal conceito é independente das afirmações das
religiões e da razão humana. Esses valores existem por si só.

“Num certo sentido, você está absolutamente certo. Normas morais
não brotam da pedra nem aparecem inscritas na encosta de uma
montanha. Mas a natureza pode ser estudada, conhecida, e dela os
homens podem extrair certos princípios éticos. Não estou dizendo que a
natureza seja um bom candidato para substituir Deus. Estou apenas
dizendo que os homens sempre fizeram isso.”

Questões de ética e moral são de caráter pessoal. A natureza é
impessoal, portanto, uma péssima candidata a ser mantenedora
de valores e deveres morais objetivos.

“Veja, por exemplo, o caso dos gregos. Os estóicos interpretavam o
universo como um cosmos, ou seja, um mundo ordenado, racional e
harmônico, o contrário do caos. Dessa interpretação eles tiraram uma
moral segundo o qual o bem consistia em agir conforme a natureza.
Portanto, quando os estóicos falavam em agir conforme a natureza,
eles não estavam falando em oprimir os mais fracos, mas em agir com
moderação e equanimidade.”

Uma tentativa infrutífera de achar a fonte de valores morais
objetivos. A natureza não é racional. Para a natureza tanto faz
se um meteoro cai no meio do oceano, em um jardim de
infância ou em uma penitenciária cheia de assassinos.

“Mas, depois de Darwin, a interpretação da natureza mudou. Hoje ela
é vista mais um palco da luta dos fortes contra os fracos, o que já levou
muito gente a pregar uma forma de darwinismo social ou de justificar
as desigualdades sociais através do darwinismo”

Uma doutrina infinitamente mais perigosa do que o estoicismo.

“É por isso que sou pessoalmente contra uma moral baseada numa
interpretação da natureza. À medida que vamos conhecendo a
natureza, a interpretação sobre ela muda. E com a interpretação muda
também a moral.”

Sim.

Procuro basear minha ética na existência do mal, que considero, como
disse, um fato absoluto. Da forma como o homem é feito, acredito que
nem mesmo no paraíso ele conseguiria ser feliz. Schopenhauer
percebeu isso muito bem quando afirmou: “Coloque-se esta raça num
país de fadas, onde tudo cresceria espontaneamente, onde as
calhandras voariam já assadas ao alcance de todas as bocas, onde todos
encontrariam sem dificuldade a sua amada e a obteriam o mais
facilmente possível – ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou
enforcarem-se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se
mutuamente mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe.”

Você pode alegar de novo que a existência do mal é como o ateísmo,
que ela não possui caráter moral, nem fala nada sobre questões éticas.
Mas eu discordo disso. Se o mundo é um inferno, se os homens estão na
Terra para sofrer, é absolutamente indispensável que façamos o bem
para aliviar o sofrimento geral. Esta era a opinião de Schopenhauer,
que também escreveu: “A convicção de que o mundo e por conseguinte
o homem são tais que não deveriam existir, é de molde que nos deve
encher de indulgência uns pelos outros; que se pode esperar, de fato, de
uma tal espécie de seres?”

Isso recai no que eu já lhe disse acima.

“Se o mundo é como diz Schopenhauer, e eu não tenho qualquer motivo
para duvidar dele, então estamos obrigados a aliviar o nosso
sofrimento sem causar sofrimento aos outros. A isso você objetou: “
“Com este raciocínio poderíamos justificar qualquer tipo de
conduta,"desde que não aumente o fardo de seus semelhantes".
         "desde                                  semelhantes"
Poderíamos justificar, por exemplo, a conduta de um pedófilo que
coleciona fotos de crianças nuas em seu computador pessoal.
Poderíamos, inclusive, justificar a conduta de um adultero que se dá
bem ao trair sua esposa sem que ela nunca descubra que foi traída. O
que os olhos não vêem...


“Não acho que o seu primeiro exemplo seja válido, pois como se
poderia tirar fotos de uma criança nua sem de alguma forma molestá-
la?”

Colocando uma câmera escondida onde ela toma banho. Com
ela dormindo, etc.

E pedófilos que praticam sexo oral em bebes (que nojo!)? Os
infantes “chupam” o penis do infeliz como se chupassem uma
chupeta ou uma mamadeira, eles nem percebem. Se o pedófilo
deixar de fazer isso com a criança quando ela crescer e tomar
consciência das coisas que estão à sua volta ela não carregará
consigo nenhum trauma.

Isso é algo moralmente bom? Não fazer isso com bebês recém
nascidos é um valor moral objetivo que deve ser seguido pelos
homens, ainda que eles não sofram nenhum trauma com isso?

“Aliás, para o nosso atual Código Penal, isso já é definido como
estupro. Quanto ao caso do marido adúltero, posso dizer o seguinte:
mesmo que ele consiga trair sua esposa sem jamais ser descoberto, isso
no entanto não invalida os riscos que ele corre. Suas infidelidades
podem ser descobertas e causar sofrimentos à esposa. Nesse caso,
bastaria fazer a seguinte retificação:

Vamos ver...

“Todo homem tem o direito de procurar o máximo prazer, desde que
não aumente (ou corra o risco de aumentar) o fardo de seus
semelhantes.”
Isso se chama hedonismo. E poderá, por vias lógicas, cair no
dilema do pedófilo que propus acima em casos que não existe
nenhum risco de aumentar o fardo do seu semelhante (no caso
a criança que nem se dará conta do que sofreu).

Poderia levantar mais uma série de outros dilemas, mas ficarei
por aqui...

E existe um problema com o pensamento hedonista como fonte
de exemplo a ser seguido. O máximo prazer para satisfação
pessoal poderá trazer graves consequências em curto, médio ou
longo prazo para o próprio praticante do hedonismo.

Eu não executo uma maldade somente quando causo mal a
outras pessoas. Posso executar uma maldade fazendo o mal para
mim mesmo ou influenciando outras pessoas a se degradarem
sobre a máxima de que ele não estará fazendo mal a terceiros ao
buscar o máximo de prazer para si próprio.

“Observe que a existência do mal oferece um fundamento muito mais
sólido para a moral do que a religião, e bem menos sujeito aos
caprichos do relativismo cultural do que ela.”

O mal nada mais é do que o desvio de um valor objetivo
moralmente bom.

Se determinado valor moralmente bom não é absoluto por que
o seu inverso – o mal – seria?

Se você classifica atitudes humanas como maléficas e fixa tal
conceito como tendo caráter absoluto, estará com isso
admitindo o inverso. Ou seja, se ele fizesse o contrário do que
fez estaria fazendo algo de bom. Se o que ele fez é mal e tal
classificação tem caráter objetivo, atitudes inversas são, de igual
modo, portadoras de caráter objetivo também e devem ser
seguidas por todos os homens, posto que são bons valores.

Acredito que você trocou seis por meia dúzia. O mal só existe
por que aquilo que é bom existe.
Que diferença tem em eu falar “bondade e maldade absoluta”
ou “moralidade ou imoralidade absoluta”? Obviamente
nenhuma...

 “Dos gregos antigos até hoje o mal não desapareceu. A religião, no
entanto, mudou bastante de lá para cá. Já não há tantos deuses, e o
deus cristão é bem mais moral e indulgente do que aqueles deuses do
Olimpo.”

Concordo...

“Não estou dizendo que esse seja o seu caso, Hélio, mas acho que essa
discussão sobre o relativismo foi criada apenas para manter o
preconceito religioso contra os ateus.”

Mas isso é uma percepção pessoal sua. É tarefa impossível
evidenciar sua suspeita. Quem resolveu falar sobre valores
morais objetivos com o intuito de reforçar preconceito contra os
ateus. Quando ele fez isso?

Eu acho que esse tipo de discussão é antigo e não teve como
motivação reforçar preconceito contra ateus (eu também não
tenho evidências desta alegação, rsrs).

Eu acho que o preconceito contra ateus por certos religiosos tem
outras causas.

“Sempre foi opinião corrente entre os religiosos que os ateus não
podiam ser bons, não podiam ter caráter, nem se comportar de forma
correta. Mas, como há um Dráuzio Varella e um Patch Adams para
desmentir esse mito, a religião foi obrigada a mudar de estratégia.”

Parece que os religiosos seguiram as evidências que apontavam
para o sentido contrário ao de suas crenças.

 “Hoje ela já não diz que um ateu não pode ser bom, mas que ele não
pode organizar uma sociedade justa.
Os religiosos sempre afirmam que não é possível deduzir um Bem e um
Mal da relatividade da moral. Parece-me que nisso apenas seguem
Nietzsche.

O que eu acho muito curioso nisso é que ninguém acha que a
relatividade é um problema quando o assunto é beleza. Ora, não existe
um padrão absoluto de beleza. Na Bíblia, por exemplo, não há
qualquer trecho em que se define um ideal de beleza masculino ou
feminino. Não está escrito, por exemplo: “A mulher deve ter 1,80 de
altura, seus seios devem caber na concha da mão e estar separados três
centímetros um do outro, suas coxas devem ter a circunferência tal e
tal”. Tudo o que nós sabemos da beleza é que ela varia segundo o
tempo e o lugar, ou seja, é um produto do relativismo cultural.

Mas, embora não haja um padrão absoluto de beleza, nós jamais
renunciamos aos conceitos de Belo e Feio. O fato de o padrão de beleza
ser relativo jamais nos impediu de classificar os homens como feios ou
bonitos.

Podemos então, com base nisso, fazer a seguinte pergunta: se um
religioso acha que a relatividade da moral torna impossível falar em
Bem e Mal, ele próprio não deveria renunciar aos conceitos de Belo e
Feio, já que não existe um padrão absoluto de beleza?”

Não. E explico por que.

Negar a existência de valores e deveres morais objetivos é
perder o referencial de bem e mal, já que tal referencial não
existe. Se valores e deveres morais objetivos não existem você
não deve julgar as atitudes de absolutamente ninguém como
que querendo impor ou persuadi-lo a fazer aquilo que você acha
que é bom, honesto e justo. Você pode sim falar em “bem e
mal”, você só não pode julgar os outros como se conceitos como
“bem e mal” fossem objetivos.

E é exatamente isso que você faz quando estabelece conceitos
de “belo e feio”. Você estabelece tais conceitos por si mesmo e
para si mesmo e não age como que os conceitos estabelecidos
por si e para si sejam de valor absoluto.
Agora se valores e deveres morais objetivos não existem a
ojeriza que temos quando presenciamos um crime hediondo
contra um inocente, que faz emanar em nós certa indignação
contra o criminoso, torna-se algo vazio em si mesmo, sem
sentido. Sendo assim é até injusto você condenar o criminoso,
já que não existe nenhum valor e dever moral objetivo que nós,
seres humanos, devemos cumprir.

Se valores e deveres morais objetivos não existem, o fato de
você olhar para a história e sentar na cadeira de juiz a fim de
julgar “os crimes das religiões” se torna uma atitude incoerente
e arrogante da sua parte.

Esse tipo de reação não se verifica quando comparamos beleza.
E sabe por quê? Por que, de fato, não existe um padrão de beleza
que todos deveríamos seguir.

Padrão de beleza realmente não existe. É por essa razão que eu
desconheço no mundo um tribunal que condena pessoas pelo
“crime” delas serem feias.

Padrão de beleza realmente não existe. É por essa razão que
você não fica indignado quando encontra uma moça que você
acha feia e a acusa perante o público dela não estar encaixada
em seu padrão de beleza.

Valores morais objetivos existem. É por essa razão que você
fica indignado quando encontra a mesma moça feia afirmando
que os negros são seres inferiores aos brancos e que eles
merecem ser espancados até a morte.

Você simplesmente não diz: “Tranquilo, isso é relativo mesmo.
Não existe um padrão de moralidade que ela deve seguir. Ela
deve ter vindo de uma cultura em que espancar negros até a
morte é algo moralmente bom. Eu não concordo com isso, mas
devemos respeitar”.

Apesar de você acreditar que não existem valores e deveres
morais objetivos acaba agindo como se tais valores e deveres de
fato existissem, tamanho a sua indignação frente ao racismo
criminoso da garota feia, cuja feiúra não fez você ficar
indignado com ela, posto que não existe um padrão de beleza
absoluto que ela deveria seguir.

Abraços.

                             ~*~
3) Considerações finais do Rodrigo
Hélio, me parece que nós temos duas divergências principais,
que podem ser expressas assim: 1) a moral é relativa ou
absoluta; 2) se ela for relativa, é possível fundamentá-la de
alguma forma? – ou, dizendo de outra forma, ainda é possível
tecer juízos morais?




Quanto à primeira dessas divergências, mantenho a minha
afirmação de que a moral é relativa, o que pode ser comprovado
tanto pela História quanto pela Antropologia. E Deus não pode
ser um fiador de uma moral absoluta porque ele próprio não
escapa do relativismo. Imagine um ídolo que estivesse sobre
uma prancha de madeira e que esta prancha estivesse sobre as
ondas de um mar. O ídolo, por estar apoiado sobre a prancha,
parece ser estável, mas a prancha está sujeita ao movimento das
ondas. Os valores morais da religião são como esse ídolo sobre a
prancha. Eles parecem ser estáveis, mas, quando a prancha
(religião) é destruída pelas ondas (os humores do tempo), eles
também desaparecem.

Assim, a relatividade da moral não é um problema que os ateus
têm que enfrentar. É um problema com o qual a humanidade
tem de lidar. Colocar um Deus no céu e dizer que dele derivam
valores morais absolutos é uma falsa solução para o problema.
Na verdade, apenas atrasa a descoberta de uma solução.

Você admite que as religiões possuem uma história, ou seja, que
elas nascem e morrem no tempo, e que o cristianismo poderia
desaparecer em 2000 anos. Neste caso, você não tem como
garantir que as normas morais contidas na Bíblia são as
corretas, as definitivas, já que o próximo deus da próxima
religião poderia pregar o contrário do que prega o deus cristão.

Essa impossibilidade se estende, no entanto, a todos os
religiosos de todas as religiões que já existiram ou ainda vão
existir. Mesmo que exista um Deus que tenha fixado normas
morais absolutas, ninguém teria acesso a elas. Essas normas
seriam tão misteriosas para você quanto o são o próprio Deus
do qual elas emanaram. Portanto, mesmo acreditando em Deus,
você ainda está obrigado a fundamentar a sua ética em qualquer
lugar que não seja Deus.

Uma ética baseada na religião é necessariamente uma coisa
transitória. Veja o que aconteceria se eu e você pudéssemos
viver eternamente (toc, toc). Em poucos séculos, a sua ética
teria que mudar. A minha, que é baseada na existência do mal,
permaneceria a mesma. Se o próximo deus for a favor da
homossexualidade, sua posição a respeito do tema terá que ser
alterada. A minha, no entanto, continuará a mesma. O mal
fornece um fundamento muito mais sólido para a moral do que
a religião.

Você se esforçou para mostrar que uma ética baseada na
existência do mal é insustentável e, para apoiar sua opinião,
citou alguns exemplos. Mas nenhum deles me pareceu
convincente. Antes você tinha falado do adultério e do estupro.
Agora tornou a falar do estupro, mas com um exemplo um
pouco diferente. Pelo que sei do abuso sexual, é improcedente a
afirmação de que um pedófilo poderia de alguma forma fazer
sexo oral num bebê sem lhe causar sérios danos psicológicos.
O princípio ético que estabeleci – o de procurar o máximo de
prazer sem causar sofrimento aos outros – é uma norma geral
muito útil, a meu ver, mas que certamente não abrange todas as
possíveis situações. Mas isso se pode dizer a respeito de
qualquer mandamento cristão, como, por exemplo, o “não
matarás”. Eu poderia lhe perguntar: “quer dizer então que eu
não posso matar o psicopata que atenta contra a minha vida?”
Mas eu não usaria essas limitações (inevitáveis) para
desqualificar o mandamento. Como regra geral, ele funciona
muito bem.

Você condena o hedonismo que há no meu princípio ético,
dizendo que ele pode prejudicar o próprio hedonista, além de
servir de péssimo exemplo. Mas, se alguém tem o direito de
buscar o máximo de prazer sem causar sofrimento, é claro que
isso inclui o próprio hedonista. Eu não aconselharia ninguém a
ser alcoólatra, glutão ou promíscuo, por mais que a bebida, a
comida e o sexo dêem prazer.

Quanto à segunda questão, deixe-me repetir, antes de começar
minha defesa, o que disse há pouco. Não acredito que a religião
solucione o problema da relatividade da moral. Como ela não
tem acesso à verdadeira moral absoluta, que é monopólio da
“religião verdadeira”, ou seja, da religião que não está sujeita ao
relativismo cultural, então tudo o que ela tem a oferecer é a
afirmação de que existem valores morais absolutos. Afirmação,
aliás, não provada.

Você levanta a objeção de que, sem um padrão moral absoluto,
não é possível tecer juízos éticos, criticar coisas como estupro,
infibulação ou canibalismo. Isso, admito, parece ser verdade.
Mas só parece, não chega mesmo a ser verdade.

Quando se fundamenta a moral na existência do mal, como eu
faço, todas essas práticas se tornam condenáveis, mesmo que se
seja um relativista. E todas são condenáveis porque causam
sofrimento à humanidade. Que não exista uma moral absoluta
não significa que seja impossível encontrar critérios válidos nos
quais basear a nossa conduta e que, a partir deles, não se possa
estabelecer um certo e um errado.

Isso é similar ao seguinte: não existe uma normalidade sexual.
Se perguntarmos para cem pessoas o que é normal em matéria
de sexo, obteremos cem respostas diferentes. Mas, se um
homem tem cinqüenta relações sexuais por dia, se não usa
camisinha e se expõe a toda espécie de riscos, nenhuma dessas
cem pessoas irá dizer que esse é um comportamento sexual
normal. E nenhuma fará isso porque seu julgamento se baseia
num critério, que é o do interesse humano. Se você tem um
comportamento sexual que lhe causa prejuízo, isso deve ser
considerado errado.

Muitas vezes nós não sabemos o que é certo, mas sabemos
exatamente o que é errado. Por estranho que pareça, nunca foi
necessário haver um normalidade sexual para que fosse fácil
determinar a anormalidade. Também nunca foi preciso haver
um padrão absoluto de beleza para que criássemos os conceitos
de Belo e Feio. Da mesma forma, nunca foi preciso haver um
padrão absoluto de moralidade para que criássemos os conceitos
de Bem e Mal.

Aliás, acho que o critério que a humanidade sempre usou até
hoje é o do interesse humano. Por que o incesto é errado? Por
que Deus disse que é errado? Não. Porque a humanidade
percebeu que os resultados do incesto eram terríveis. Não foi
preciso nenhum deus para nos ensinar o que a experiência já
havia nos ensinado. (A propósito, parece-me um insulto à
humanidade dizer que a moral procede de Deus. Isso equivale a
dizer que o homem pratica o incesto, vê os seus maus resultados
e, depois disso tudo, ainda precisa que um Deus baixe um
decreto contra o incesto.)

É verdade que o estupro já foi considerado certo em outras
épocas e talvez ainda o seja em alguns lugares, mas eu duvido
que nessas épocas e nesses lugares os homens soubessem quais
eram os danos que o estupro causa a uma criança. Mesmo nos
dias de hoje as pessoas parecem não saber. Elas sabem que ele
deixa seqüelas, mas a maioria não sabe quais são essas seqüelas.

Para terminar, gostaria de lhe agradecer pela oportunidade
dessa discussão. Só receio que não tenhamos falado da mesma
coisa. Acho que houve uma certa incompreensão da sua parte
quanto à minha expressão “fato absoluto” (talvez por minha
culpa mesmo). Eu não estava dizendo existe um mal absoluto,
apenas que a existência do mal é um fato absoluto. São
afirmações diferentes, mas exigiria outra página para que eu
pudesse explicar.

De qualquer forma, foi um prazer. Um abraço.

                                ~*~
4) Considerações finais do Helio
Vou iniciar minha conclusão replicando algo que disse ao longo
do debate e que segue abaixo:

Quando eu afirmo que “existem valores e deveres morais objetivos não
estou afirmando que:

1 – Não existe moralidade relativa.

2 – Toda e qualquer atitude humana deve ser classificada (moralmente
e eticamente falando) de maneira absoluta.

A alegação de que existem valores e deveres morais objetivos não
implica necessariamente que certas atitudes humanas não podem ser
classificadas de maneira relativa.

Foi baseado nesse pensamento que eu teci todo o arcabouço de
minhas ideias. Eu me pautei que existem valores, deveres e
princípios morais objetivos, coisas que podemos perfeitamente
classificar como valores realmente bons, ainda que futuramente
tal valor venha se esvaecer entre a espécie humana devido as
mudança das nossas “sinapses religiosas” e “sinapses da razão”
frutos das descargas elétricas e reações químicas que ocorrem
em nosso cérebro que esta em constante evolução.

Por isso eu escrevi: “Se a teoria da evolução é verdadeira em todos
os seus aspectos, é certo que quando o homem evolui, o seu cérebro
também acaba evoluindo junto com ele. Como podemos estar seguros
de que as conclusões que produzimos com o nosso cérebro em processo
de evolução sejam definitivas?

Mas quando falamos na existência de valores e deveres morais
objetivos, tal conceito é independente das afirmações das religiões e da
razão humana. Esses valores existem por si só.”

Ainda que as religiões mudem seus códigos morais, ainda que a
razão humana sofra constantes alterações, valores e deveres
morais realmente bons continuarão a existir.

E por que eu defendo que a origem de tais valores esta em deus?
Por que somente um ser inteligente e pessoal para ser guardião
e definidor de tais valores.

Como classificar o amor fraternal, a honestidade nos negócios,
a amizade sincera, a solidariedade, a compaixão, a fidelidade
conjugal para com o parceiro que te ama, o altruísmo e o
respeito entre os homens? Podemos classifica-los como valores
objetivos? Esses valores são realmente bons valores, maus
valores, ou são valores neutros? Ou essa definição é relativa,
estando condicionada à cultura, época, sinapses da mente
religiosa e sinapses da razão humana?

Se você afirma que tais valores são relativos irá perder o seu
principal referencial para a definição dos seus valores, que é a
existência do mal.

E perdendo o seu referencial sobre o que é o mal você perde a
principal plataforma do seu argumento que reside na...
existência do mal.
Ora, o mal não é o contrário daquilo que é bom? Se não
podemos saber de forma objetiva e absoluta aquilo que é bom
(pois isso é relativo), como classificaremos o mal?

E quem definiu aquilo que é bom?

Que tipo de mente inteligente humana, que esta
obrigatoriamente sujeita às alterações das sinapses do cérebro,
irá definir aquilo que é bom para que o mal seja, por tabela,
identificado?

Como podemos estar seguros de que as conclusões que
produzimos com o nosso cérebro em processo de evolução
sejam definitivas?

Eu prometi não refutar partes da sua conclusão, mas a tentação
foi grande, me desculpe.

Quando você diz: “Por que o incesto é errado? Por que Deus disse
que é errado? Não. Porque a humanidade percebeu que os resultados
do incesto eram terríveis.”

Ora, você fala como se existisse um consenso entre todos os
homens a respeito disso.

A humanidade quem? Eu, você e todas as pessoas que
concordam que o incesto é errado.

Os demais que não concordam com isso estão fora dessa.

E quem somos nós para afirmar perante aqueles que acham o
incesto correto que eles estão errados?

Ou vamos apelar para a falácia do “ad populam”. Isso não seria
nada honesto.

As sinapses do nosso cérebro munido de uma série de fatores
internos e externos nos levaram a concluir que o incesto é
errado.
Já para as demais pessoas as sinapses do cérebro delas munido
de uma série de fatores internos e externos as levaram a
concluírem que o incesto não é errado.

E já que existe um conflito de oposição de valores que emanam
do nosso cérebro, por que as nossas conclusões são as certas e a
deles erradas?

Esse tipo de conflito sempre vai existir entre a humanidade e,
neste ponto, você concorda comigo, pois escreveu:

(...)“enquanto o homem existir sobre a Terra, o mal sempre vai
acompanhá-lo,
acompanhá-lo independente da época e do lugar onde ele viva.”

O mal sempre vai acompanhar os homens por um único
motivo. Por que os próprios homens não praticam aquilo que é
bom.

Para não me estender concluo dizendo mais uma coisa e
compartilhando uma frase de um famoso ateu critico da religião
que não acredita que existem valores e deveres morais
objetivos:

1 – Eu acho interessante a atitude dos ateus que afirmam que
valores e deveres morais objetivos não existem e que ao
criticarem de maneira tão hostil as religiões se comportam
como se valores e deveres morais objetivos existissem. Quando
vocês falam dos conceitos de “belo e feio” vocês não agem como
se existisse um padrão absoluto de beleza. Por que com questões
referentes à moralidade seria diferente?

2 – “Se o universo fosse constituído apenas por elétrons e genes
egoístas, tragédias sem sentido como o desastre deste ônibus
seriam exatamente o que esperaríamos, junto com uma boa
sorte igualmente destituída de significado. Este universo não
teria intenções boas ou más. Não manifestaria qualquer tipo de
intenção. Em um universo de forças físicas e replicação genética
cegas, algumas pessoas serão machucadas, outras pessoas terão
sorte, você não achará qualquer sentido nele, nem qualquer tipo
de justiça. O universo que observamos tem precisamente as
propriedades que deveríamos esperar se, no fundo, não há
projeto, propósito, bem ou mal, nada a não ser uma indiferença
cega, impiedosa. Como o infeliz poeta A. E. Housman colocou:
O ADN não sabe e nem se importa. O ADN apenas é. E nós
dançamos de acordo com a sua música” Richard Dawkins, em
“O rio que saia do Éden, pg 70.

                             ~*~
5) Última troca de emails entre o
Rodrigo e o Hélio após a conclusão
do debate acima
                          RODRIGO

Hélio, me deixe explicar o que eu entendo pela expressão
valores morais absolutos e por que não acredito que isso exista.
Não quero que haja dúvidas nem confusões a respeito das
minhas ideias.

Sempre que ouço a expressão valores morais absolutos, vem-me
à mente alguma coisa que se parece com o Mundo das Ideias do
Platão, no caso um Mundo dos Valores onde haveria
plaquinhas com as normas morais eternas fixadas por Deus.
Não estou dizendo que você dê uma realidade física a tais
valores, mas me parece que a ideia de valores morais absolutos é
inspirada no Mundo das Ideias do Platão. No sentido de que
existe uma realidade que nos transcende, uma coisa que é maior
do que nós, algo eterno e imutável, alheio às idiossincrasias
humanas.

Penso que, se houvesse um Mundo dos Valores, haveria lá uma
plaquinha com a seguinte norma: “Estuprar é errado”. E essa
norma independeria do contexto cultural. Assim, se um nativo
das Ilhas Maurício disser que na sua terra estuprar crianças é
um hábito sancionado, nós seríamos obrigados a retrucar: “Não
importa que vocês estuprem crianças, porque estuprar é errado.
Existe uma norma moral que é maior do que a diversidade das
nossas opiniões”.

Bem, se a expressão valores morais absolutos significasse só
isso, eu até poderia concordar de bom grado que tais valores
existem. (Mas, mesmo neste caso, não diria que isso tenha
alguma coisa a ver com Deus. Não acho que a existência de
valores morais absolutos implique a existência de Deus.)

O que torna, para mim, muito difícil aceitar a existência de
valores morais objetivos é o seguinte: a religião usa essa
expressão de forma muito mais ampla, fazendo-a abranger não
só o contexto cultural, mas até mesmo as chamadas situações-
limite. Lembro-me de um livro que li uma vez chamado Em que
creem os que não creem, uma correspondência entre o cardeal
Martini, o escritor Umberto Eco e outros personagens na qual
se discutiam as mesmas questões que estamos discutimos agora.
Numa de suas cartas, o cardeal Martini citou uma passagem do
teólogo Hans Kung, na qual este desafeto de Bento XVI dizia
mais ou menos o seguinte: “A religião continua indispensável
porque ela fornece um critério ético absoluto que pode ser usado
em situações-limite”.

É aqui que começa a minha incredulidade...

Imagine a seguinte situação: seu país está em guerra com o país
vizinho, e você foi capturado e trancafiado numa prisão
subterrânea junto com vários de seus compatriotas, incluindo
mulheres, velhos e crianças. Certo dia, um dos soldados
inimigos vem abrir a porta da sua cela, e ordena que você e uma
garotinha de cinco anos se levantem. Em seguida, ele os escolta
até uma ampla sala localizada num compartimento isolado do
edifício, onde nenhum dos outros prisioneiros pode vê-los ou
ouvi-los. A sala tem uma peculiaridade: a parede que fica do
lado esquerdo de quem entra é de vidro blindado, e atrás dele há
uma espécie de arquibancada onde alguns oficiais do exército
rival estão reunidos. O único móvel presente é uma mesa de
madeira, sobre a qual descansa um revólver. Nem você e sua
companheira, que podem ver pelo vidro transparente a estranha
audiência, conseguem imaginar o que estão fazendo ali, até que
de repente ouve-se uma voz soturna vinda de um alto-falante
posicionado no alto de uma parede: “Fulano, você irá participar
agora de um experimento psicológico. Na mesa que está ao seu
lado, há uma arma com uma única bala. Você irá pegá-la e
escolher uma dessas duas opções: a primeira é dar um tiro na
testa da menina que se encontra a sua frente. Se você fizer isso,
nós o libertaremos de imediato. Sua segunda opção é estuprá-la.
Se você escolher essa alternativa, prometemos libertar você e
ela sem demora. Mas, se por covardia ou por esperteza você se
recusar a fazer uma escolha, isto é, se usar a arma para cometer
um suicídio, essa linda criança será estuprada por todos nós e
depois ainda será assassinada”.

Pergunto a você, Hélio. Se você estivesse no lugar desse infeliz,
o que faria? Mataria para não estuprar? Estupraria para não
matar? Ou se suicidaria?

Creio que, numa situação como esta, muitos homens
prefeririam estuprar a garota a assassiná-la ou a permitir que ela
fosse estuprada e assassinada. E creio que seria a escolha certa.
Se o tempo mostrasse que isso foi um erro, a vítima poderia
corrigi-lo com um suicídio; mas se a escolha recaísse sobre o
assassinato e isso se mostrasse um erro, como ela haveria de
corrigi-lo?

Por mais trágico que isso possa parecer, o fato é que há
situações em que o estupro seria moralmente justificável.
Portanto, a norma moral “estuprar é errado” não é válida em
todas as situações. Ela pode ser válida em 99,99999% dos casos.
Mas no 0,000001% restante ela não pode ser aplicada. Eu não
teria coragem de condenar um homem que cometesse um
estupro nessa situação da mesma forma que condeno um
estuprador comum. O contexto no qual esse estupro foi
praticado muda todo o meu julgamento moral.

É neste sentido que eu digo que não existem certo e errado
absolutos. Certo e errado dependem fundamentalmente do
contexto. Uma coisa pode ser certa numa determinada situação
e errada em outra, ou errada numa situação e certa em outra.

Mas, pelo que eu entendo, essa é uma posição que um
absolutista moral não poderia aceitar. Um absolutismo não tem
nem o direito de falar em contexto...

                     HÉLIO COMENTA

Rodrigo,

Preste atenção nesta minha alegação.

“Existem valores e deveres morais objetivos que devemos
cumprir.”

A situação limite levantada por você só é possível de acontecer
se determinada pessoa (ou um grupo de pessoas) não seguirem
determinados valores e deveres morais.

Se o grupo de soldados não trancafiassem eu e a menina de 5
anos dentro da sala me obrigando a decidir entre 3 situações
nefastas eu não precisaria fazer absolutamente nada de mal
contra mim ou contra a garota.

Se todos os homens do planeta seguissem determinados valores
e deveres morais objetivos esse tipo de dilema proposto por
você não ocorreria em nenhum lugar deste mundo, em
nenhuma época, em nenhuma circunstância, em nenhuma
civilização, em nenhuma cultura.

Não ocorreria nem mesmo a guerra que culminou na minha
prisão e na prisão desta garota.
Estuprar é errado, mas também é errado eu obrigar ou induzir
alguém a cometer estupro.

E se eu obrigo alguém a cometer um erro como esse, não lhe
facultando saída, a própria pessoa não pode ser acusada de
cometer erro algum, conforme você mesmo reconheceu.

Ele foi forçado a isso. E não é exatamente isso que ocorre com
alguém que foi vítima de estupro?

Nesse caso o sujeito que é obrigado por meio de uma pressão
psicológica como a descrita acima a fazer que ele não queira
fazer sofre uma espécie de “estupro mental”.

Quando uma mulher é estuprada não costumamos falar “ela fez
sexo com outro homem”. Antes, simplesmente falamos: “ela foi
estuprada”, que é o que realmente aconteceu. Ela é isentada
inclusive de ter realizado alguma ação, é como se ela não tivesse
feito absolutamente nada.

A mesma lógica pode ser aplicada para o sujeito da ilustração
acima vítima de um estupro mental ao ser forçado a fazer algo
que ele não queria fazer, não lhe sendo facultado uma única
saída.

Mas seja lá como for, ainda que a minha lógica falhe, quando eu
afirmo que “existem valores e deveres morais objetivos” na
própria frase já estamos implicando que tais valores e deveres
estão inseridos dentro de um contexto.

Como falar em “dever objetivo” (a coisa certa a se fazer) sem
um devido contexto por onde eu aplicarei determinado valor e
dever?

O contexto (1) onde eu aplicarei o valor e o dever objetivo (2)
são duas coisas indissolúveis (1 e 2 são indissolúveis).
Eu só posso aplicar determinado valor e dever moral na
sociedade ao viver determinados contextos dentro dessa mesma
sociedade.

Agora, excluindo qualquer situação em que eu sou colocado na
obrigação de estuprar alguém, o meu dever é não cometer
estupro e isso é um valor e dever moral objetivo.

Resumindo, poderia dizer:

Quando eu estou com vontade de fazer sexo, estuprar alguém
por livre e espontânea vontade é errado? (note que eu
determino um contexto pelo qual farei a minha escolha)

A resposta pode ser:

a) Sim

b) Não

c) Tanto faz, não existem valores e deveres morais objetivos
que devemos seguir.

Qual seria a sua resposta?

“Bem, se a expressão valores morais absolutos significasse só isso, eu
até poderia concordar de bom grado que tais valores existem. (Mas,
mesmo neste caso, não diria que isso tenha alguma coisa a ver com
Deus. Não acho que a existência de valores morais absolutos implique
a existência de Deus.)”.

Se a partir desse momento você reconhecer que valores e
deveres morais objetivos de fato existem deverá mostrar que
isso não implique a existência de um deus ou ainda que isso não
implique a necessidade de se invocar um deus como legislador
moral e mantenedor de valores e deveres morais objetivos.

Sendo assim o nosso debate mudaria de rumo e você teria que
me explicar como é possível existir algum tipo de valor e dever
moral objetivo neste mundo sendo que todo o universo, sendo
composto por um amontoado de átomos que se ordenaram de
maneira acidental e que deu origem à vida humana (de forma
acidental também, sem nenhum propósito), possa ter
estabelecido regras pelas quais toda a humanidade deveria
seguir.

É como se o nosso universo, de alguma forma, revestido de
impessoalidade, irracionalidade e sem nenhum senso de razão e
justiça fosse capaz de no decorrer do seu processo micro e
macro evolutivo projetar sobre nós um conjunto de valores e
deveres morais objetivos pairando sobre nossas cabeças.

Eu, na contramão, iria tentar provar que a noção de deus para a
existência de valores e deveres morais objetivos é muito mais
racional do que a crença de que esse universo irracional,
impessoal e sem nenhum senso de razão e justiça pudesse ser
legislador e mantenedor de valores e deveres morais que os
seres humanos devem cumprir.

                             ~*~
O Rodrigo e o Helio prometeram voltar
a debater a questão em janeiro de
2013.
Agora uma pausa para descanso e
comemorações das festas de fim de
ano.
Oferecemos esse debate para todos os
que se interessam no assunto: teistas,
ateus ou agnósticos.

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Debate ateu x cristão moralidade

  • 1. 1) Rodrigo em resposta ao Helio Hélio, você começou falando no seu último comentário sobre o relativismo moral e sobre a impossibilidade de determinar se algo é certo ou errado sem uma “fonte de moralidade Absoluta e Superior”. Acho que a nossa diferença está aqui. Eu realmente não acredito que exista uma fonte de moralidade absoluta e superior. Para mim, a moral é relativa segundo a época e o lugar, como provam a História e a Antropologia. Se você pudesse voltar no tempo e viver em várias épocas diferentes, veria que aquilo que é certo numa época é errado em outra. E se pudesse viver em outras sociedades, constataria a mesma coisa. Não há um certo e um errado absolutos. A relatividade da moral é um fato. Não é meramente uma questão de opinião. Não é uma questão do tipo: “A Gisele Bundchen é bonita ou é feia?” Negar que a moral seja relativa é como negar que a Terra gira em torno do Sol. É uma afirmação, digamos assim, anticientífica. Qual é a base que um religioso tem para afirmar que a moral é absoluta? Honestamente, não sei. Nem a História, nem a Antropologia estão do seu lado nesse caso. E o pior de tudo é que a religião, apesar dos seus discursos contra o relativismo moral, também não fornece qualquer sustentação de que a moral é absoluta. Permita-lhe dar alguns exemplos. 1ª) O livro sagrado do cristianismo, a Bíblia, é a pátria literária do relativismo moral. No Gênesis, há uma cena em que Abraão, acossado pela fome, decide ir até o Egito com sua esposa Sara. Chegando lá, ele lhe diz mais ou menos assim: “Quando lhe perguntarem alguma coisa, diga que você é minha irmã, para que eles me poupem a vida. Se você disser que é minha esposa, eles vão querer me matar para ficar com você.” Ora, isso é um
  • 2. exemplo clássico de relativismo. A moral da história pode ser resumida assim: “Mentir é errado, mas se for para salvar a vida de alguém, tudo bem”. Num dos contos de Voltaire, cujo nome agora não lembro (mas posso lhe dizer depois, quando for à biblioteca pública), diz-se o seguinte: consta que, certa vez, perguntaram a santo Agostinho se era certo praticar uma má ação por uma causa nobre. Ele respondeu que sim e, para apoiar a sua opinião, invocou o exemplo de Judith... Você pode alegar que o Antigo Testamento é o livro sagrado dos judeus, mas isso contraria a tradição cristã, que sempre viu o Antigo Testamento como uma espécie de preparação para o Novo, sendo ambos livros divinamente inspirados. De qualquer forma, mesmo que nós não concordemos nesse ponto, isso não muda o fato de que também há exemplos de relativismo moral no Novo Testamento. Quando, por exemplo, censuram Jesus por estar realizando uma cura no sábado, Jesus responde: “Há alguém entre vós que, tendo uma única ovelha e se esta cair no poço no dia de sábado, não a irá procurar e retirar? (Mt 12,11)” Ora, isso também é exemplo de relativismo. A mensagem implícita é: “trabalhar no dia de sábado é errado, mas se for para realizar uma boa obra, tudo bem”. Observe que é só mediante a relativização da moral que se consegue transformar o sacrifício de Cristo num gesto de amor. Aqui na Terra, se um pai matar um filho em benefício de uma causa, mesmo que seja a mais nobre das causas, esse pai será considerado um criminoso. Deus, no entanto, sacrifica o próprio filho em benefício da pior de todas as causas, ou seja, o homem... Em resumo: o livro sagrado do cristianismo não autoriza ninguém a crer que a moral é absoluta. Mesmo que você não considere bons os meus exemplos, existe o próprio fato de que a Bíblia costuma interpretada de modos muito diferentes por seus leitores, como se vê pelas cisões do cristianismo ao longo da
  • 3. história. E essa própria interpretação bíblica, além de ser subjetiva, está condicionada ao contexto. Veja, por exemplo, aquele episódio famoso em que Josué pede a Deus que interrompa a marcha do Sol. Antes de Galileu, esse prodígio sempre foi interpretado literalmente, como se o Sol tivesse mesmo parado no céu. Mas, com os novos conhecimentos científicos trazidos por Galileu, tornou-se necessário interpretar esse episódio em termos alegóricos. A exegese bíblica não está condicionada apenas ao conhecimento científico de uma época, mas à própria moralidade vigente no período. A Bíblia já foi usada, por exemplo, para justificar a escravidão. Hoje, porém, ninguém faz isso. Por quê? Porque a moral mudou. Aí eu lhe pergunto: o que adianta Deus registrar num livro sagrado uma moral absoluta, se essa moral depende de uma interpretação que só pode ser relativa? 2ª) A própria história das instituições e das pessoas que deveriam zelar pelo legado de Cristo também contradizem a ideia de que a moral é absoluta. Senão vejamos: se a moral é absoluta, por que os ensinamentos pregados pela Igreja Católica variaram tanto ao longo do tempo? Que eu saiba, a Igreja Católica não via qualquer problema no aborto até 1876, se não me engano (essa informação está num livro do Carl Sagan que tenho aqui em casa; se você quiser, especifico depois a fonte). Li em algum lugar que a Igreja Católica já celebrou casamentos entre homossexuais. Mas, mesmo que isso não seja verdade, ela já foi muito mais tolerante com os homossexuais do que é hoje. Veja esse trecho do livro Uma história íntima da humanidade, de Theodore Zeldin: “(...) em 1102, Santo Anselmo, arcebispo de Canterbury, pediu que o castigo para a homossexualidade fosse moderado porque ‘este pecado é tão público que dificilmente alguém enrubesce por sua causa, e muitos, portanto, nele
  • 4. mergulham sem lhe perceber a gravidade’. (...) A Igreja preocupou-se mais, desde o princípio, em proibir os padres de terem relações sexuais com mulheres; quando foi desfechada uma campanha contra isso, a homossexualidade tornou-se ainda mais comum, especialmente nos monastérios, onde Santo Alfred de Rivaulx exaltou-a como uma forma de descoberta do amor divino”. Como se nada disso bastasse, existe ainda o fato de que a Igreja Católica sempre relativizou a moral em seu próprio benefício, seguindo piedosamente a opinião de santo Agostinho que citei há pouco. Pergunte a um padre o que foi a Inquisição, e na primeira frase ele irá lhe falar do contexto, mais ou menos assim: “Para saber o que foi a Inquisição, você precisa entender o contexto da época”. Quando entro numa livraria e vejo um livro sobre Inquisição com os títulos “A Inquisição em seu contexto”, “A Inquisição na Idade Moderna”, “A Inquisição na época da Reconquista” etc., eu nem sequer preciso abri-lo para saber qual é a intenção do autor... O autor é um católico que quer relativizar a moral para minimizar a responsabilidade da Igreja Católica. Também é tradição na Igreja Católica canonizar assassinos que agiram em benefício da fé cristã, caso, por exemplo, de Inácio de Loyola, entre outros. Matar pode ser errado, mas se for em benefício do cristianismo, aí tudo certo. Eu poderia multiplicar esses exemplos de relativismo até o infinito, mas vou citar apenas mais um: o das falsificações em benefícios da religião. Esse comportamento sempre foi tão comum na história do cristianismo que mereceu até uma expressão própria: a pia fraus (fraude piedosa). Os cristãos dos primeiros séculos falsificaram a Bíblia de acordo com os seus interesses, chegando ao ponto, por exemplo, de inventar aquele episódio em que Cristo impede que uma adúltera seja lapidada. Isso para não falar das falsas relíquias sagradas, que sempre abundaram no mundo.
  • 5. A fraude é um pecado, mas sempre pode ser usada em benefício do cristianismo. 3ª) Mas o meu principal argumento contra o absolutismo moral pode ser expresso na seguinte pergunta: como Deus pode ser o fiador de uma moral absoluta se ele próprio na escapa do relativismo cultural? Religiosos tendem a falar de Deus como ele tivesse sempre existido e fosse sempre existir. Mas Deus também é uma construção histórica. Ele nasceu no tempo e, como tudo o que nasce, também vai morrer. Há um texto do jornalista americano H. L. Mencken que se chama Cerimônia Memorial e que começa mais ou menos assim: “Onde fica o cemitério dos deuses mortos. Algum enlutado ainda se lembra de regar as flores do seu túmulo?” Ao longo do artigo, ele fornece uma lista de deuses que já existiram, que foram considerados invencíveis e imortais em suas épocas e que, no entanto, hoje estão mortos. Suponhamos que daqui a 2000 anos o cristianismo desapareça e que, no lugar dele, surja uma religião bem diferente. E digamos que o deus dessa nova religião pregue a vingança e o suicídio. Aí eu lhe pergunto: como você sabe que a vingança e o suicídio são pecados? Por que o deus cristão diz que é pecado? Mas e o próximo deus? Além de não escapar desse relativismo histórico, Deus também não escapa do relativismo geográfico. Há muitas religiões nos dias de hoje e algumas delas possuem um livro sagrado contendo normais morais – normas que contradizem as dos outros livros. *********************************** Como você vê Hélio, não vejo qualquer motivo para acreditar que exista uma moral absoluta. Você então poderia me
  • 6. perguntar: “Mas se não há uma moral absoluta, como poderemos saber o que é certo e o que é errado?” Bem, eu não acredito que exista moral absoluta, mas acredito em fatos absolutos. Por exemplo, a existência do mal é um fato absoluto. Absoluto no sentido de que, enquanto o homem existir sobre a Terra, o mal sempre vai acompanhá-lo, independente da época e do lugar onde ele viva. Você pode alegar que a mera existência do mal não fornece qualquer princípio ético. Aliás, você usou um argumento parecido com esse ao falar de uma ética que se pretende basear na natureza. Palavras suas: “A natureza (ou algo que o valha) é como o ateísmo, possui caráter amoral. Ambos não falam absolutamente nada sobre questões éticas e moral.” Num certo sentido, você está absolutamente certo. Normas morais não brotam da pedra nem aparecem inscritas na encosta de uma montanha. Mas a natureza pode ser estudada, conhecida, e dela os homens podem extrair certos princípios éticos. Não estou dizendo que a natureza seja um bom candidato para substituir Deus. Estou apenas dizendo que os homens sempre fizeram isso. Veja, por exemplo, o caso dos gregos. Os estóicos interpretavam o universo como um cosmos, ou seja, um mundo ordenado, racional e harmônico, o contrário do caos. Dessa interpretação eles tiraram uma moral segundo o qual o bem consistia em agir conforme a natureza. Portanto, quando os estóicos falavam em agir conforme a natureza, eles não estavam falando em oprimir os mais fracos, mas em agir com moderação e equanimidade. Mas, depois de Darwin, a interpretação da natureza mudou. Hoje ela é vista mais um palco da luta dos fortes contra os fracos, o que já levou muito gente a pregar uma forma de darwinismo social ou de justificar as desigualdades sociais através do darwinismo.
  • 7. É por isso que sou pessoalmente contra uma moral baseada numa interpretação da natureza. À medida que vamos conhecendo a natureza, a interpretação sobre ela muda. E com a interpretação muda também a moral. Procuro basear minha ética na existência do mal, que considero, como disse, um fato absoluto. Da forma como o homem é feito, acredito que nem mesmo no paraíso ele conseguiria ser feliz. Schopenhauer percebeu isso muito bem quando afirmou: “Coloque-se esta raça num país de fadas, onde tudo cresceria espontaneamente, onde as calhandras voariam já assadas ao alcance de todas as bocas, onde todos encontrariam sem dificuldade a sua amada e a obteriam o mais facilmente possível – ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou enforcarem- se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se mutuamente mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe.” Você pode alegar de novo que a existência do mal é como o ateísmo, que ela não possui caráter moral, nem fala nada sobre questões éticas. Mas eu discordo disso. Se o mundo é um inferno, se os homens estão na Terra para sofrer, é absolutamente indispensável que façamos o bem para aliviar o sofrimento geral. Esta era a opinião de Schopenhauer, que também escreveu: “A convicção de que o mundo e, por conseguinte, o homem são tais que não deveriam existir, é de molde que nos deve encher de indulgência uns pelos outros; que se pode esperar, de fato, de uma tal espécie de seres?” Se o mundo é como diz Schopenhauer, e eu não tenho qualquer motivo para duvidar dele, então estamos obrigados a aliviar o nosso sofrimento sem causar sofrimento aos outros. A isso você objetou: Com este raciocínio poderíamos justificar qualquer tipo de conduta,"desde que não aumente o fardo de seus semelhantes" "desde semelhantes". Poderíamos justificar, por exemplo, a conduta de um pedófilo que coleciona fotos de crianças nuas em seu computador pessoal. Poderíamos, inclusive, justificar a conduta de um adultero que se dá bem ao trair sua esposa sem que ela nunca descubra que foi traída. O que os olhos não vêem...
  • 8. Não acho que o seu primeiro exemplo seja válido, pois como se poderia tirar fotos de uma criança nua sem de alguma forma molestá-la? Aliás, para o nosso atual Código Penal, isso já é definido como estupro. Quanto ao caso do marido adúltero, posso dizer o seguinte: mesmo que ele consiga trair sua esposa sem jamais ser descoberto, isso, no entanto, não invalida os riscos que ele corre. Suas infidelidades podem ser descobertas e causar sofrimentos à esposa. Nesse caso, bastaria fazer a seguinte retificação: Todo homem tem o direito de procurar o máximo prazer, desde que não aumente (ou corra o risco de aumentar) o fardo de seus semelhantes. Observe que a existência do mal oferece um fundamento muito mais sólido para a moral do que a religião, e bem menos sujeito aos caprichos do relativismo cultural do que ela. Dos gregos antigos até hoje o mal não desapareceu. A religião, no entanto, mudou bastante de lá para cá. Já não há tantos deuses, e o deus cristão é bem mais moral e indulgente do que aqueles deuses do Olimpo. Não estou dizendo que esse seja o seu caso, Hélio, mas acho que essa discussão sobre o relativismo foi criada apenas para manter o preconceito religioso contra os ateus. Sempre foi opinião corrente entre os religiosos que os ateus não podiam ser bons, não podiam ter caráter, nem se comportar de forma correta. Mas, como há um Dráuzio Varella e um Patch Adams para desmentir esse mito, a religião foi obrigada a mudar de estratégia. Hoje ela já não diz que um ateu não pode ser bom, mas que ele não pode organizar uma sociedade justa. Os religiosos sempre afirmam que não é possível deduzir um Bem e um Mal da relatividade da moral. Parece-me que nisso apenas seguem Nietzsche. O que eu acho muito curioso nisso é que ninguém acha que a relatividade é um problema quando o assunto é beleza. Ora, não existe um padrão absoluto de beleza. Na Bíblia, por exemplo, não há qualquer trecho em que se define um ideal de beleza
  • 9. masculino ou feminino. Não está escrito, por exemplo: “A mulher deve ter 1,80 de altura, seus seios devem caber na concha da mão e estar separados três centímetros um do outro, suas coxas devem ter a circunferência tal e tal”. Tudo o que nós sabemos da beleza é que ela varia segundo o tempo e o lugar, ou seja, é um produto do relativismo cultural. Mas, embora não haja um padrão absoluto de beleza, nós jamais renunciamos aos conceitos de Belo e Feio. O fato de o padrão de beleza ser relativo jamais nos impediu de classificar os homens como feios ou bonitos. Podemos então, com base nisso, fazer a seguinte pergunta: se um religioso acha que a relatividade da moral torna impossível falar em Bem e Mal, ele próprio não deveria renunciar aos conceitos de Belo e Feio, já que não existe um padrão absoluto de beleza? *********************************** Caro Hélio, havia muito mais coisas que eu gostaria de discutir com você, como, por exemplo, aquela replicação que você fez de um comentário meu. Ali eu acho que você cometeu um pequeno erro. Porém, se eu fosse discutir cada um dos comentários que você fez, isso consumiria umas 120 páginas. Como você viu, escrevi nove páginas só para me contrapor à sua primeira objeção... Lamento pela prolixidade, mas é que acho esse assunto fascinante, e já venho pensando nele há algum tempo. Por isso, me estendi um pouco sobre ele. Mas vamos devagarzinho mesmo. Com o tempo, certos temas vão voltar, e aí nós poderemos discutir mais pormenorizadamente sobre eles. Abraços.
  • 10. ~*~ 2) Helio em resposta ao Rodrigo “Hélio, você começou falando no seu último comentário sobre o relativismo moral e sobre a impossibilidade de determinar se algo é certo ou errado sem uma “fonte de moralidade Absoluta e Superior”. Exatamente. Essa é minha linha de pensamento. “Acho que a nossa diferença está aqui. Eu realmente não acredito que exista uma fonte de moralidade absoluta e superior. Para mim, a moral é relativa segundo a época e o lugar, como provam a História e a Antropologia.” Agora ficou clara para mim a sua opinião sobre moralidade. Isso seria o mesmo que dizer que nós, como seres humanos, não temos valores e deveres morais objetivos a cumprir. E se não temos valores e deveres morais objetivos a cumprir qual o sentido de julgarmos este ou aquele grupo dentro da história, posto que não existe um caminho certo a seguir? Qual o sentido de certos ateus condenarem o cristianismo dentro da história pelos atos que eles julgam como imorais praticados por cristãos uma vez que a moralidade é subjetiva e, no final das contas, não existe “certo” ou “errado” no sentido absoluto do termo? “Se você pudesse voltar no tempo e viver em várias épocas diferentes, veria que aquilo que é certo numa época é errado em outra.” Sim. Justamente por causa do critério humano (que é subjetivo) em definir aquilo que é moralmente bom ou não. “E se pudesse viver em outras sociedades, constataria a mesma coisa. Não há um certo e um errado absolutos.”
  • 11. Ai eu repito o que te disse acima. Se “não há um certo e um errado absolutos” não seria incoerente por parte dos ateus em olharem para a história passada do cristianismo julgando os cristãos que cometeram, por exemplo, a Inquisição, como se a moralidade fosse algo absoluto? Ora, os inquisidores julgavam estar fazendo algo moralmente bom e louvável. Se “não há um certo e um errado absolutos” não cabe ao ateus julgá-los e muito menos classificar o cristianismo (e nem uma outra religião ou cultura) como maléfica como se existissem valores e deveremos morais objetivos a serem cumpridos pelos homens, uns para com os outros. O que eu estou querendo dizer é o seguinte: Grande parte dos ateus críticos da religião negam a existência de valores e deveres morais objetivos, mas ao criticarem a religião de forma tão hostil agem como se valores e deveres morais objetivos existissem! Nesse sentido, não sei se é o seu caso, os ateus críticos da religião são capazes de compreender, por exemplo, os romanos que promoviam a carnificina com lutas de gladiadores em arenas de combate ou o infanticídio promovido em comunidades indígenas brasileiras alegando aspectos culturais relativos à época e ao lugar, mas não aplicam a mesma complacência na hora de destilar suas criticas contra o cristianismo ao longo da história. “A relatividade da moral é um fato. Não é meramente uma questão de opinião. Não é uma questão do tipo: “A Gisele Bundchen é bonita ou é feia?” Quando um adulto em sã consciência causa dor e sofrimento em uma criança com 2 meses de vida por prazer sádico pessoal tanto eu quanto você sabemos que isso é algo moralmente inaceitável, mas o tal adulto pensa o contrário.
  • 12. A pergunta é: Independentemente do que eu, você ou o adulto da ilustração acima pensa a respeito, torturar uma criança de dois meses de idade por puro sadismo é um ato moralmente bom ou não? O que você me diria? Se você afirmar que não tem como julgar isso em termos absolutos, isto é, tirando todo e qualquer critério humano da equação (coisas como cultura, época, lugar e julgamento pessoal), apenas estará sendo coerente com suas afirmações. Agora se você afirmar que tal atitude é algo moralmente inaceitável estará confirmando que existem valores e deveres morais objetivos que nós, reles mortais, devemos seguir, ainda que não tenhamos em mente a lista completa daquilo que é moralmente bom ou não. O que eu afirmo é: Independente disso existem valores e deveres morais objetivos que devemos seguir para o bem e paz de todos (ateus, cristãos, mulçumanos, budistas, espíritas, torcedores do palmeiras, etc.). “Negar que a moral seja relativa é como negar que a Terra gira em torno do Sol. É uma afirmação, digamos assim, anticientífica.” A ciência é amoral, totalmente neutra em questões de ética e relacionamentos interpessoais. Não existe um método científico para definir, por exemplo, se é moralmente aceitável ou não dar calotes nos outros ou bisbilhotar a mulher do vizinho trocando de roupa. “Qual é a base que um religioso tem para afirmar que a moral é absoluta?” A existência de um deus como legislador moral e definidor - ao seu próprio critério e de acordo com a sua própria vontade - de valores e deveres morais objetivos que todos os homens devem cumprir.
  • 13. Somente um ser inteligente e pessoal é capaz de definir a noção de valores e deveres morais objetivos. “Honestamente, não sei. Nem a História, nem a Antropologia estão do seu lado nesse caso.” Concordo. Mesmo por que nem a História e nem a Antropologia se ocupam em provar (ou desaprovar) a existência de um ser superior que definiu valores e deveres morais objetivos que devem ser seguidos pelos humanos. “E o pior de tudo é que a religião, apesar dos seus discursos contra o relativismo moral, também não fornece qualquer sustentação de que a moral é absoluta. Permita-lhe dar alguns exemplos.” Ok... “1ª) O livro sagrado do cristianismo, a Bíblia, é a pátria literária do relativismo moral. No Gênesis, há uma cena em que Abraão, acossado pela fome, decide ir até o Egito com sua esposa Sara. Chegando lá, ele lhe diz mais ou menos assim: “Quando lhe perguntarem alguma coisa, diga que você é minha irmã, para que eles me poupem a vida. Se você disser que é minha esposa, eles vão querer me matar para ficar com você.” Ora, isso é um exemplo clássico de relativismo. A moral da história pode ser resumida assim: “Mentir é errado, mas se for para salvar a vida de alguém, tudo bem”.” Neste caso em específico nós temos uma descrição (e não uma prescrição) a respeito da atitude de Abraão. Nada fala a respeito se o que ele fez foi certo ou errado, se é um exemplo a ser seguido ou não. A bíblia sagrada, nessa passagem, apenas narra um acontecimento sem fazer juízo de valor a respeito. Mas responda você mesmo. Mentir para pessoas que querem causar algum mal para um inocente é algo moralmente aceitável ou não? Ou depende do critério de julgamento pessoal de cada um?
  • 14. Nós temos aqui duas escolhas. Permitir a morte do inocente ou mentir para um sujeito que quer causar algum mal contra o inocente. Qual a atitude correta? Favorecer o inocente ou favorecer quem quer tirar proveito do inocente? Não estamos analisando somente se “mentir é errado”. Junto com isso temos: “mentir para alguém mal intencionado a fim de salvar a vida de um inocente é errado”? Quando as duas situações coabitam juntas o que fazer? Existe um caminho certo a seguir, ou todos os caminhos levam absolutamente para um mesmo lugar? “Num dos contos de Voltaire, cujo nome agora não lembro (mas posso lhe dizer depois, quando for à biblioteca pública), diz-se o seguinte: consta que, certa vez, perguntaram a santo Agostinho se era certo praticar uma má ação por uma causa nobre. Ele respondeu que sim e, para apoiar a sua opinião, invocou o exemplo de Judith...” Bem. Será que Santo Agostinho acharia algo moralmente legal se eu assaltasse um banco (uma má ação) para comprar uma casa para minha mãe que paga aluguel (uma causa nobre)? Será que ele concordaria que fazer uma criança berrar de tanta dor introduzindo nela um pedaço de metal pontiagudo sem a sua expressa vontade (uma má ação) para salvar-lhe a vida (uma causa nobre) é algo moralmente bom? Mas como não foram especificados os contextos em que uma “má ação por uma causa nobre” é algo moralmente aceitável a resposta do Santo Agostinho não nos fornece norte algum para discussão. Se o Santo Agostinho fosse interpelado com essas e outras questões certamente poderia se explicar melhor a respeito. Não foi esse o caso.
  • 15. Para não colocarmos o Santo Agostinho em saia justa, vamos tirar ele do nosso debate. “Você pode alegar que o Antigo Testamento é o livro sagrado dos judeus, mas isso contraria a tradição cristã, que sempre viu o Antigo Testamento como uma espécie de preparação para o Novo, sendo ambos livros divinamente inspirados.” E é exatamente assim que eu penso. “De qualquer forma, mesmo que nós não concordemos nesse ponto, isso não muda o fato de que também há exemplos de relativismo moral no Novo Testamento.” Vamos analisar suas considerações... “Quando, por exemplo, censuram Jesus por estar realizando uma cura no sábado, Jesus responde: “Há alguém entre vós que, tendo uma única ovelha e se esta cair no poço no dia de sábado, não a irá procurar e retirar? (Mt 12,11) Ora, isso também é exemplo de relativismo. A mensagem implícita é: “trabalhar no dia de sábado é errado, mas se for para realizar uma boa obra, tudo bem”. Eu estou entendendo perfeitamente a sua linha de raciocínio. Esse exemplo recai no caso de Abraão. Não temos somente uma situação envolvida de trabalhar ou não no sábado. Temos, além dessa, ajudar alguém que lhe pede socorro. E você não entende algo crucial nesta passagem. É que na Lei Mosaica não existia proibição alguma quanto a realizar uma boa obra em dia de sábado. Esse tipo de ordenança foi acrescentado pelos fariseus ao longo do tempo sem o consentimento e o aval divino. Era na verdade um acréscimo na Lei de Moisés. Você pode pesquisar no Pentateuco se existe alguma coisa do tipo: “não farás obras de caridade no sábado”.
  • 16. A Lei ordenava não trabalhar no sábado para proveito e lucro próprio. Desculpe-me a falta de referências, pois estou lhe escrevendo de forma direta, sem o apoio de literaturas. Mas eu posso perfeitamente mostrar as referências depois, se desejar. “Observe que é só mediante a relativização da moral que se consegue transformar o sacrifício de Cristo num gesto de amor. Aqui na Terra, se um pai matar um filho em benefício de uma causa, mesmo que seja a mais nobre das causas, esse pai será considerado um homem. Deus, no entanto, sacrifica o próprio filho em benefício da pior de todas as causas, ou seja, o homem...” Na literatura bíblica lemos que Jesus Cristo foi voluntário nesta causa e o fez por amor, não obrigado, forçado. Agora imagina a seguinte situação. Um homem que voluntariamente decide dar a própria vida para salvar bilhões e bilhões da morte. Trazendo isso para o nosso mundo material, se tal situação hipotética existisse, tal homem seria alçado à posição de herói em escala mundial. Você já assistiu ao filme “A Lenda”, com Will Smith? Existem outros filmes sobre sacrifícios voluntários com o intuito de salvar a vida ou a pele de um grande número de pessoas. Não precisamos, no entanto, irmos tão longe. Ainda que seja para salvar uma única vida, como a do seu filho por exemplo. É reprovável a atitude de um pai que para salvar a vida do seu filho que fora sequestrado por criminosos se oferece em troca para ficar em cativeiro no lugar dele? E quanto a uma mãe que em face de um terremoto protegeu os seus filhos colocando-os por debaixo do seu corpo enquanto ela recebia concretos na cabeça?
  • 17. http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=185131 5&seccao=Europa Ela morreu, os filhos sobreviveram... “Em resumo: o livro sagrado do cristianismo não autoriza ninguém a crer que a moral é absoluta.” A partir daqui eu posso expressar melhor o conceito de moralidade absoluta. Quando eu afirmo que “existem valores e deveres morais objetivos que todo ser humano deve seguir” não estou afirmando que: 1 – Não existe moralidade relativa. 2 – Toda e qualquer atitude humana deve ser classificada (moralmente e eticamente falando) de maneira absoluta. A alegação de que existem valores e deveres morais objetivos não implica necessariamente que certas atitudes humanas não podem ser classificadas de maneira relativa. Eu não mudei o rumo dos meus argumentos. Parece-me que esse ponto não ficou perfeitamente claro da minha parte. Esclareço aqui para que futuros espantalhos não sejam criados. O que eu venho afirmando desde o princípio é: “Existem valores e deveres morais objetivos que todo e qualquer ser humano deve cumprir para o bem e a paz de todos”. Se os egípcios não tivessem o costume de matar os homens para seqüestrarem para si a sua esposa Abraão não precisaria mentir. Esse é o resultado quando as pessoas seguem determinados valores. Agora um ponto importante. A existência de valores morais objetivos não implica o conhecimento pleno de tais valores por
  • 18. parte da humanidade como um todo. O que eu quero dizer é o seguinte: Não importa a minha ou a sua percepção de mundo ou o meu e o seu julgamento sobre questões morais, se certas ou erradas. Independentemente da percepção humana para questões desse tipo existem valores e deveres morais objetivos que todo e qualquer ser humano deve seguir. Duas pessoas podem concordar entre si que entrar em uma arena para se digladiarem até a morte é algo moralmente aceitável, mas não será o consenso e o consentimento deles que tornará o ato como algo moralmente aceitável, pois tal julgamento não depende deles. Para finalizar essa parte eu afirmo que as escrituras sagradas deixam sim perfeitamente claro que existem valores e deveres morais objetivos que os homens devem seguir. Eu poderia aqui citar uma meia dúzia desses valores que se fossem seguidos por toda a humanidade o mundo seria bem melhor. Não são necessariamente “valores cristãos”, não estou dizendo isso. São valores e deveres morais objetivos e que, inclusive, até mesmo os ateus concordariam em afirmar que tais valores são realmente bons. E podemos perfeitamente encontrar tais valores impressos em livros sagrados de outras religiões ou nos moldes de viver de determinadas culturas e civilizações que não sejam necessariamente de bases cristãs. “Mesmo que você não considere bons os meus exemplos, existe o próprio fato de que a Bíblia costuma interpretada de modos muito diferentes por seus leitores, como se vê pelas cisões do cristianismo ao longo da história.” Realmente. Mas isso não prova que valores e deveres morais objetivos não existem. Isso prova somente que o ser humano é um péssimo legislador moral e que os cristãos não entram em um consenso a respeito do seu livro sagrado. Nada mais que isso.
  • 19. “E essa própria interpretação bíblica, além de ser subjetiva, está condicionada ao contexto. Veja, por exemplo, aquele episódio famoso em que Josué pede a Deus que interrompa a marcha do Sol. Antes de Galileu, esse prodígio sempre foi interpretado literalmente, como se o Sol tivesse mesmo parado no céu. Mas, com os novos conhecimentos científicos trazidos por Galileu, tornou-se necessário interpretar esse episódio em termos alegóricos.” Eu não entendi sua objeção sobre esta passagem bíblica. Seja lá como for a bíblia sagrada está repleta de exemplos que desafiam a ciência e o bom senso. Afinal de contas ela narra as ações de um Deus onipotente. “A exegese bíblica não está condicionada apenas ao conhecimento científico de uma época, mas à própria moralidade vigente no período. A Bíblia já foi usada, por exemplo, para justificar a escravidão. Hoje, porém, ninguém faz isso. Por quê? Porque a moral mudou.” A escravidão existente nos templos bíblicos não era praticada nos mesmos moldes da escravidão dos tempos do Brasil colônia. Sobre este tema muito teria a falar, mas o farei em outra ocasião. Na verdade, é um tema para um novo debate. Não irei comentar aqui para não desviar o foco da nossa conversa. “Aí eu lhe pergunto: o que adianta Deus registrar num livro sagrado uma moral absoluta, se essa moral depende de uma interpretação que só pode ser relativa?” Mais uma vez a questão da “interpretação”. Mais de 2 bilhões de cristãos no mundo e eles não entram em um consenso sobre quais são os valores e deveres morais objetivos estabelecidos por Deus na pessoa de Cristo e impressa nas escrituras sagradas. Mas isso ainda não invalida a minha alegação de que, independentemente da falta de consenso entre os seres humanos, valores e deveres morais objetivos existem e só existem por que existe um deus por onde tais valores são emanados.
  • 20. E isso possibilita, inclusive, um incrédulo de reconhecer e/ou seguir determinado valor e dever moral objetivo, ainda que ele não saiba explicar de onde este valor vem. “2ª) A própria história das instituições e das pessoas que deveriam zelar pelo legado de Cristo também contradizem a idéia de que a moral é absoluta.” Isso é verdade. Mas isso não prova que não existem valores e deveres morais objetivos. “Senão vejamos: se a moral é absoluta, por que os ensinamentos pregados pela Igreja Católica variaram tanto ao longo do tempo? Que eu saiba, a Igreja Católica não via qualquer problema no aborto até 1876, se não me engano (essa informação está num livro do Carl Sagan que tenho aqui em casa; se você quiser, especifico depois a fonte). Li em algum lugar que a Igreja Católica já celebrou casamentos entre homossexuais. Mas, mesmo que isso não seja verdade, ela já foi muito mais tolerante com os homossexuais do que é hoje. Veja esse trecho do livro Uma história íntima da humanidade, de Theodore Zeldin: “(...) em 1102, Santo Anselmo, arcebispo de Canterbury, pediu que o castigo para a homossexualidade fosse moderado porque ‘este pecado é tão público que dificilmente alguém enrubesce por sua causa, e muitos, portanto, nele mergulham sem lhe perceber a gravidade’. (...) A Igreja preocupou-se mais, desde o princípio, em proibir os padres de terem relações sexuais com mulheres; quando foi desfechada uma campanha contra isso, a homossexualidade tornou-se ainda mais comum, especialmente nos monastérios, onde Santo Alfred de Rivaulx exaltou- a como uma forma de descoberta do amor divino”. Como se nada disso bastasse, existe ainda o fato de que a Igreja Católica sempre relativizou a moral em seu próprio benefício, seguindo piedosamente a opinião de santo Agostinho que citei há pouco. Pergunte a um padre o que foi a Inquisição, e na primeira frase ele irá lhe falar do contexto, mais ou menos assim: “Para saber o que foi a Inquisição, você precisa entender o contexto da época”. Quando entro numa livraria e vejo um livro sobre Inquisição com os títulos “A
  • 21. Inquisição em seu contexto”, “A Inquisição na Idade Moderna”, “A Inquisição na época da Reconquista” etc., eu nem sequer preciso abri- lo para saber qual é a intenção do autor... O autor é um católico que quer relativizar a moral para minimizar a responsabilidade da Igreja Católica. Também é tradição na Igreja Católica canonizar assassinos que agiram em benefício da fé cristã, caso, por exemplo, de Inácio de Loyola, entre outros. Matar pode ser errado, mas se for em benefício do cristianismo, aí tudo certo.” Até aqui você falou da Igreja Católica. Creio que o que eu já escrevi desde então estabelece contra pontos em cima das suas alegações acima escritas. E sobre as suas afirmações a respeito da Igreja Católica poderia estabelecer algumas considerações. Pode ser que futuramente conversemos somente sobre o catolicismo romano. No entanto é comum quando eu debato com um ateu questões a respeito da moralidade ele me oferecer contra exemplos de cristãos que ao longo da história defenderam como atos moralmente bons atrocidades diversas, coisas intragáveis. E se eu fosse um politeísta, espírita ou adepto da religião do monstro do espaguete voador, como você se portaria? E se eu fosse somente um teísta sem religião? Aqui eu percebo um erro em sua estratégia de argumentação ao tentar afirmar que não existem valores e deveres morais objetivos mostrando as falhas dos cristãos no decurso da história. Ainda que o cristianismo seja falso e toda e qualquer religião do mundo falhasse em definir quais são os valores e deveres morais objetivos que os homens devem cumprir uns para com os outros ou ainda que os religiosos não sigam determinados valores que você reconhece como moralmente bons tais
  • 22. objeções não invalidam ou coloca em descrédito a minha alegação de que “existem valores e deveres morais objetivos”. Podemos não saber defini-los em sua completude, muitos não o praticam, mas eles existem e a existência de tais valores e deveres são independentes da percepção humana sobre eles. “Eu poderia multiplicar esses exemplos de relativismo até o infinito, mas vou citar apenas mais um: o das falsificações em benefícios da religião. Esse comportamento sempre foi tão comum na história do cristianismo que mereceu até uma expressão própria: a pia fraus (fraude piedosa).” Vamos ver... “Os cristãos dos primeiros séculos falsificaram a Bíblia de acordo com os seus interesses, chegando ao ponto, por exemplo, de inventar aquele episódio em que Cristo impede que uma adúltera seja lapidada. Isso para não falar das falsas relíquias sagradas, que sempre abundaram no mundo.” Opa. Alegação interessante e surpreendente. Nesse caso eu gostaria de analisar as suas evidências de que a bíblia sagrada é um produto falsificado dos cristãos do primeiro século. ps.: Isso daí já é tema para um outro debate. Caso desejar poderemos discutir sobre isso futuramente. Como eu disse anteriormente, ainda que você prove que o cristianismo é uma falsa religião, isso não implica logicamente que não existem valores e deveres morais objetivos que devemos seguir. “A fraude é um pecado, mas sempre pode ser usada em benefício do cristianismo.” Se você afirma que não existem valores e deveres morais objetivos não pode afirmar que a fraude é um pecado, mas sim que a fraude, na sua limitada visão, é um pecado.
  • 23. Poderia até afirmar que a fraude era um aspecto cultural do cristianismo, e, portanto, tem que ser respeitado, embora você particularmente não concorde. “3ª) Mas o meu principal argumento contra o absolutismo moral pode ser expresso na seguinte pergunta: como Deus pode ser o fiador de uma moral absoluta se ele próprio não escapa do relativismo cultural?” Eu estava aguardando você chegar nesse ponto. “Religiosos tendem a falar de Deus como ele tivesse sempre existido e fosse sempre existir. Mas Deus também é uma construção histórica. Ele nasceu no tempo e, como tudo o que nasce, também vai morrer.” Você está convicto de que Deus não existe. Eu estou convicto de que ele existe. Mas não estamos debatendo se Deus existe ou não. Muito menos se o Deus judaico-cristão existe ou não. Estamos debatendo se valores e deveres morais objetivos existem. Eu não estou tentando provar, a priori, a existência de Deus com os meus argumentos (e muito menos a existência do Deus judaico-cristão). Os meus argumentos seguem a seguinte linha lógica: Premissa 1 - Se Deus não existe, valores e deveres morais objetivos não existem; Premissa 2 - Valores e deveres morais objetivos existem; Conclusão: Portanto, Deus existe. Tanto eu quanto você concordamos com a primeira premissa e estamos debatendo se a premissa número 2 é verdadeira ou não. Note que não estamos tentando provar se Deus existe ou não por meio de premissas e argumentos que dão suporte às
  • 24. premissas. Tal conceito a respeito da existência ou não de Deus brotará naturalmente como conclusão lógica das premissas 1 e 2. “Há um texto do jornalista americano H. L. Mencken que se chama Cerimônia Memorial e que começa mais ou menos assim: “Onde fica o cemitério dos deuses mortos. Algum enlutado ainda se lembra de regar as flores do seu túmulo?” Ao longo do artigo, ele fornece uma lista de deuses que já existiram, que foram considerados invencíveis e imortais em suas épocas e que, no entanto, hoje estão mortos. Suponhamos que daqui a 2000 anos o cristianismo desapareça e que, no lugar dele, surja uma religião bem diferente. E digamos que o deus dessa nova religião pregue a vingança e o suicídio. Aí eu lhe pergunto: como você sabe que a vingança e o suicídio são pecados? Por que o deus cristão diz que é pecado? Mas e o próximo deus? Além de não escapar desse relativismo histórico, Deus também não escapa do relativismo geográfico. Há muitas religiões nos dias de hoje e algumas delas possuem um livro sagrado contendo normais morais – normas que contradizem as dos outros livros.” Deuses vão e vem. Religiões idem. Não se sabe quanto tempo o cristianismo irá persistir. Pode ser que daqui a 10.000 anos ainda existam cristãos, pode ser que o cristianismo seja extinto daqui a 100 anos. Pode ser que ele seja extinto e volte depois de determinado tempo. Pode ser que ele nunca seja extinto. Não sei, não sou vidente... Mas falando como cristão eu acredito que o cristianismo nunca será extinto até que o advento de Cristo seja concluído. Mas e então? Independente do que os deuses das religiões afirmam a pergunta fica: Existem valores e deveres morais objetivos que devemos cumprir? ***********************************
  • 25. “Como você vê, Hélio, não vejo qualquer motivo para acreditar que exista uma moral absoluta. Você então poderia me perguntar: “Mas se não há uma moral absoluta, como poderemos saber o que é certo e o que é errado? Bem, eu não acredito que exista moral absoluta, mas acredito em fatos absolutos. Por exemplo, a existência do mal é um fato absoluto.” A existência do mal é um desvio de valores e deveres moralmente bons. Um desvio de como as coisas devem ser. Se não existem valores e deveres moralmente bons que devemos fazer, a própria noção de mal é, de igual modo, algo relativa e vazia. Falando sobre beleza e feiúra em comparação com o bem e o mal. Pela sua lógica a beleza é relativa, mas a feiúra é algo absoluto. Ou seja, quando você acha uma pessoa bela o seu parecer é relativo, pois alguém poderá discordar de você, mas quando você acha uma pessoa feia o seu parecer é absoluto e todos irão concordar com você. Existe uma falha lógica em sua alegação a respeito da existência do mal, pois só definimos o mal quando contrapomos com aquilo que é bom. Se o que é bom é relativo, o que é mal também é relativo. Não há como escapar desse truísmo. Assim como as pessoas relativizam a bondade podem perfeitamente relativizar a maldade. Chamar o bem de mal e vice-versa.
  • 26. “Absoluto no sentido de que, enquanto o homem existir sobre a Terra, o mal sempre vai acompanhá-lo, independente da época e do lugar onde ele viva.” Mas o que é o mal se não o contrário daquilo que é moralmente bom? E se o mal existe é por que certas coisas devem ser de determinado jeito, isto é, manifestar aquilo que é moralmente bom. Elas DEVEM ser assim e ponto. Para que os homens vivam bem e em paz uns com os outros. Quando alguém deixa de manifestar aquilo que é moralmente bom, manifesta aquilo que é mal, imoral, nefasto, desprezível, repugnante, abominável. E se você tem essa noção daquilo que é moralmente bom ou mal e consegue fazer distinção entre um e outro a ponto de fazer julgamentos sobre a Igreja Católica ter colocado hereges na fogueira ou do bispo da Universal que comete estelionato contra o pobre fiel e defende tais atos como abomináveis é por que, dentro de você, existe a noção de que valores morais objetivos existem, ainda que você não os reconheça como tal. Tais valores existem e são bons. O contrário disso é mal e deve ser evitado. “Você pode alegar que a mera existência do mal não fornece qualquer princípio ético. Aliás, você usou um argumento parecido com esse ao falar de uma ética que se pretende basear na natureza. Palavras suas: “A natureza (ou algo que o valha) é como o ateísmo, possui caráter amoral. Ambos não falam absolutamente nada sobre questões éticas e moral.” Acho que você entendeu errado o que eu disse. A existência do mal como valor absoluto (um valor negativo) corrobora com minhas alegações, posto que o mal é o inverso do bem. E quem é capaz de definir o que é o “bem ou mal” estabelecendo tais conceitos como regra pétrea? Eu? Você?
  • 27. Qual o homem capaz de diferenciar aquilo que é bom daquilo que é mal usando para tanto a razão, a lógica e o “bom senso” humano a tal ponto da sua definição ter que ser aceita perante todos os demais homens da face da terra e se tornar como um valor e dever moral a ser seguido pelas gerações futuras? O pensamento evolucionista alega que não passamos de uma feliz combinação de átomos e nossos pensamentos e crenças nada mais são do que interações químicas favoráveis à sobrevivência, portanto essas sinapses religiosas teriam sido muito úteis até aqui. Mas, alegam alguns ateus, atingimos um grau de evolução que nos permite abrir mão dessas sinapses religiosas e seguirmos adiante acreditando apenas na razão. A imagem abaixo, retirada do site do Paulo Lopes, é bastante intuitiva quanto a isso. O problema é que, neste caso, as sinapses da razão não serão diferentes das sinapses da religião, pois a construção desse raciocínio fundamenta-se em reações químicas do cérebro tanto quanto a construção do raciocínio religioso. Se assim for, o que garante que amanhã não iremos chegar a uma nova conclusão de que a crença na razão não passou de um período evolutivo quando isso era importante para a sobrevivência de nossa espécie? Mesmo assim, o próximo raciocínio também estará comprometido pela mesma lógica. E assim sucessivamente.
  • 28. Logo não é somente a religião que muda no decorrer do tempo. A própria razão humana passa pelo mesmo processo. Se a teoria da evolução é verdadeira em todos os seus aspectos, é certo que quando o homem evolui, o seu cérebro também acaba evoluindo junto com ele. Como podemos estar seguros de que as conclusões que produzimos com o nosso cérebro em processo de evolução sejam definitivas? Mas quando falamos na existência de valores e deveres morais objetivos, tal conceito é independente das afirmações das religiões e da razão humana. Esses valores existem por si só. “Num certo sentido, você está absolutamente certo. Normas morais não brotam da pedra nem aparecem inscritas na encosta de uma montanha. Mas a natureza pode ser estudada, conhecida, e dela os homens podem extrair certos princípios éticos. Não estou dizendo que a natureza seja um bom candidato para substituir Deus. Estou apenas dizendo que os homens sempre fizeram isso.” Questões de ética e moral são de caráter pessoal. A natureza é impessoal, portanto, uma péssima candidata a ser mantenedora de valores e deveres morais objetivos. “Veja, por exemplo, o caso dos gregos. Os estóicos interpretavam o universo como um cosmos, ou seja, um mundo ordenado, racional e harmônico, o contrário do caos. Dessa interpretação eles tiraram uma moral segundo o qual o bem consistia em agir conforme a natureza. Portanto, quando os estóicos falavam em agir conforme a natureza, eles não estavam falando em oprimir os mais fracos, mas em agir com moderação e equanimidade.” Uma tentativa infrutífera de achar a fonte de valores morais objetivos. A natureza não é racional. Para a natureza tanto faz se um meteoro cai no meio do oceano, em um jardim de infância ou em uma penitenciária cheia de assassinos. “Mas, depois de Darwin, a interpretação da natureza mudou. Hoje ela é vista mais um palco da luta dos fortes contra os fracos, o que já levou
  • 29. muito gente a pregar uma forma de darwinismo social ou de justificar as desigualdades sociais através do darwinismo” Uma doutrina infinitamente mais perigosa do que o estoicismo. “É por isso que sou pessoalmente contra uma moral baseada numa interpretação da natureza. À medida que vamos conhecendo a natureza, a interpretação sobre ela muda. E com a interpretação muda também a moral.” Sim. Procuro basear minha ética na existência do mal, que considero, como disse, um fato absoluto. Da forma como o homem é feito, acredito que nem mesmo no paraíso ele conseguiria ser feliz. Schopenhauer percebeu isso muito bem quando afirmou: “Coloque-se esta raça num país de fadas, onde tudo cresceria espontaneamente, onde as calhandras voariam já assadas ao alcance de todas as bocas, onde todos encontrariam sem dificuldade a sua amada e a obteriam o mais facilmente possível – ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou enforcarem-se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se mutuamente mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe.” Você pode alegar de novo que a existência do mal é como o ateísmo, que ela não possui caráter moral, nem fala nada sobre questões éticas. Mas eu discordo disso. Se o mundo é um inferno, se os homens estão na Terra para sofrer, é absolutamente indispensável que façamos o bem para aliviar o sofrimento geral. Esta era a opinião de Schopenhauer, que também escreveu: “A convicção de que o mundo e por conseguinte o homem são tais que não deveriam existir, é de molde que nos deve encher de indulgência uns pelos outros; que se pode esperar, de fato, de uma tal espécie de seres?” Isso recai no que eu já lhe disse acima. “Se o mundo é como diz Schopenhauer, e eu não tenho qualquer motivo para duvidar dele, então estamos obrigados a aliviar o nosso sofrimento sem causar sofrimento aos outros. A isso você objetou: “
  • 30. “Com este raciocínio poderíamos justificar qualquer tipo de conduta,"desde que não aumente o fardo de seus semelhantes". "desde semelhantes" Poderíamos justificar, por exemplo, a conduta de um pedófilo que coleciona fotos de crianças nuas em seu computador pessoal. Poderíamos, inclusive, justificar a conduta de um adultero que se dá bem ao trair sua esposa sem que ela nunca descubra que foi traída. O que os olhos não vêem... “Não acho que o seu primeiro exemplo seja válido, pois como se poderia tirar fotos de uma criança nua sem de alguma forma molestá- la?” Colocando uma câmera escondida onde ela toma banho. Com ela dormindo, etc. E pedófilos que praticam sexo oral em bebes (que nojo!)? Os infantes “chupam” o penis do infeliz como se chupassem uma chupeta ou uma mamadeira, eles nem percebem. Se o pedófilo deixar de fazer isso com a criança quando ela crescer e tomar consciência das coisas que estão à sua volta ela não carregará consigo nenhum trauma. Isso é algo moralmente bom? Não fazer isso com bebês recém nascidos é um valor moral objetivo que deve ser seguido pelos homens, ainda que eles não sofram nenhum trauma com isso? “Aliás, para o nosso atual Código Penal, isso já é definido como estupro. Quanto ao caso do marido adúltero, posso dizer o seguinte: mesmo que ele consiga trair sua esposa sem jamais ser descoberto, isso no entanto não invalida os riscos que ele corre. Suas infidelidades podem ser descobertas e causar sofrimentos à esposa. Nesse caso, bastaria fazer a seguinte retificação: Vamos ver... “Todo homem tem o direito de procurar o máximo prazer, desde que não aumente (ou corra o risco de aumentar) o fardo de seus semelhantes.”
  • 31. Isso se chama hedonismo. E poderá, por vias lógicas, cair no dilema do pedófilo que propus acima em casos que não existe nenhum risco de aumentar o fardo do seu semelhante (no caso a criança que nem se dará conta do que sofreu). Poderia levantar mais uma série de outros dilemas, mas ficarei por aqui... E existe um problema com o pensamento hedonista como fonte de exemplo a ser seguido. O máximo prazer para satisfação pessoal poderá trazer graves consequências em curto, médio ou longo prazo para o próprio praticante do hedonismo. Eu não executo uma maldade somente quando causo mal a outras pessoas. Posso executar uma maldade fazendo o mal para mim mesmo ou influenciando outras pessoas a se degradarem sobre a máxima de que ele não estará fazendo mal a terceiros ao buscar o máximo de prazer para si próprio. “Observe que a existência do mal oferece um fundamento muito mais sólido para a moral do que a religião, e bem menos sujeito aos caprichos do relativismo cultural do que ela.” O mal nada mais é do que o desvio de um valor objetivo moralmente bom. Se determinado valor moralmente bom não é absoluto por que o seu inverso – o mal – seria? Se você classifica atitudes humanas como maléficas e fixa tal conceito como tendo caráter absoluto, estará com isso admitindo o inverso. Ou seja, se ele fizesse o contrário do que fez estaria fazendo algo de bom. Se o que ele fez é mal e tal classificação tem caráter objetivo, atitudes inversas são, de igual modo, portadoras de caráter objetivo também e devem ser seguidas por todos os homens, posto que são bons valores. Acredito que você trocou seis por meia dúzia. O mal só existe por que aquilo que é bom existe.
  • 32. Que diferença tem em eu falar “bondade e maldade absoluta” ou “moralidade ou imoralidade absoluta”? Obviamente nenhuma... “Dos gregos antigos até hoje o mal não desapareceu. A religião, no entanto, mudou bastante de lá para cá. Já não há tantos deuses, e o deus cristão é bem mais moral e indulgente do que aqueles deuses do Olimpo.” Concordo... “Não estou dizendo que esse seja o seu caso, Hélio, mas acho que essa discussão sobre o relativismo foi criada apenas para manter o preconceito religioso contra os ateus.” Mas isso é uma percepção pessoal sua. É tarefa impossível evidenciar sua suspeita. Quem resolveu falar sobre valores morais objetivos com o intuito de reforçar preconceito contra os ateus. Quando ele fez isso? Eu acho que esse tipo de discussão é antigo e não teve como motivação reforçar preconceito contra ateus (eu também não tenho evidências desta alegação, rsrs). Eu acho que o preconceito contra ateus por certos religiosos tem outras causas. “Sempre foi opinião corrente entre os religiosos que os ateus não podiam ser bons, não podiam ter caráter, nem se comportar de forma correta. Mas, como há um Dráuzio Varella e um Patch Adams para desmentir esse mito, a religião foi obrigada a mudar de estratégia.” Parece que os religiosos seguiram as evidências que apontavam para o sentido contrário ao de suas crenças. “Hoje ela já não diz que um ateu não pode ser bom, mas que ele não pode organizar uma sociedade justa.
  • 33. Os religiosos sempre afirmam que não é possível deduzir um Bem e um Mal da relatividade da moral. Parece-me que nisso apenas seguem Nietzsche. O que eu acho muito curioso nisso é que ninguém acha que a relatividade é um problema quando o assunto é beleza. Ora, não existe um padrão absoluto de beleza. Na Bíblia, por exemplo, não há qualquer trecho em que se define um ideal de beleza masculino ou feminino. Não está escrito, por exemplo: “A mulher deve ter 1,80 de altura, seus seios devem caber na concha da mão e estar separados três centímetros um do outro, suas coxas devem ter a circunferência tal e tal”. Tudo o que nós sabemos da beleza é que ela varia segundo o tempo e o lugar, ou seja, é um produto do relativismo cultural. Mas, embora não haja um padrão absoluto de beleza, nós jamais renunciamos aos conceitos de Belo e Feio. O fato de o padrão de beleza ser relativo jamais nos impediu de classificar os homens como feios ou bonitos. Podemos então, com base nisso, fazer a seguinte pergunta: se um religioso acha que a relatividade da moral torna impossível falar em Bem e Mal, ele próprio não deveria renunciar aos conceitos de Belo e Feio, já que não existe um padrão absoluto de beleza?” Não. E explico por que. Negar a existência de valores e deveres morais objetivos é perder o referencial de bem e mal, já que tal referencial não existe. Se valores e deveres morais objetivos não existem você não deve julgar as atitudes de absolutamente ninguém como que querendo impor ou persuadi-lo a fazer aquilo que você acha que é bom, honesto e justo. Você pode sim falar em “bem e mal”, você só não pode julgar os outros como se conceitos como “bem e mal” fossem objetivos. E é exatamente isso que você faz quando estabelece conceitos de “belo e feio”. Você estabelece tais conceitos por si mesmo e para si mesmo e não age como que os conceitos estabelecidos por si e para si sejam de valor absoluto.
  • 34. Agora se valores e deveres morais objetivos não existem a ojeriza que temos quando presenciamos um crime hediondo contra um inocente, que faz emanar em nós certa indignação contra o criminoso, torna-se algo vazio em si mesmo, sem sentido. Sendo assim é até injusto você condenar o criminoso, já que não existe nenhum valor e dever moral objetivo que nós, seres humanos, devemos cumprir. Se valores e deveres morais objetivos não existem, o fato de você olhar para a história e sentar na cadeira de juiz a fim de julgar “os crimes das religiões” se torna uma atitude incoerente e arrogante da sua parte. Esse tipo de reação não se verifica quando comparamos beleza. E sabe por quê? Por que, de fato, não existe um padrão de beleza que todos deveríamos seguir. Padrão de beleza realmente não existe. É por essa razão que eu desconheço no mundo um tribunal que condena pessoas pelo “crime” delas serem feias. Padrão de beleza realmente não existe. É por essa razão que você não fica indignado quando encontra uma moça que você acha feia e a acusa perante o público dela não estar encaixada em seu padrão de beleza. Valores morais objetivos existem. É por essa razão que você fica indignado quando encontra a mesma moça feia afirmando que os negros são seres inferiores aos brancos e que eles merecem ser espancados até a morte. Você simplesmente não diz: “Tranquilo, isso é relativo mesmo. Não existe um padrão de moralidade que ela deve seguir. Ela deve ter vindo de uma cultura em que espancar negros até a morte é algo moralmente bom. Eu não concordo com isso, mas devemos respeitar”. Apesar de você acreditar que não existem valores e deveres morais objetivos acaba agindo como se tais valores e deveres de
  • 35. fato existissem, tamanho a sua indignação frente ao racismo criminoso da garota feia, cuja feiúra não fez você ficar indignado com ela, posto que não existe um padrão de beleza absoluto que ela deveria seguir. Abraços. ~*~ 3) Considerações finais do Rodrigo Hélio, me parece que nós temos duas divergências principais, que podem ser expressas assim: 1) a moral é relativa ou absoluta; 2) se ela for relativa, é possível fundamentá-la de alguma forma? – ou, dizendo de outra forma, ainda é possível tecer juízos morais? Quanto à primeira dessas divergências, mantenho a minha afirmação de que a moral é relativa, o que pode ser comprovado tanto pela História quanto pela Antropologia. E Deus não pode ser um fiador de uma moral absoluta porque ele próprio não escapa do relativismo. Imagine um ídolo que estivesse sobre uma prancha de madeira e que esta prancha estivesse sobre as ondas de um mar. O ídolo, por estar apoiado sobre a prancha, parece ser estável, mas a prancha está sujeita ao movimento das ondas. Os valores morais da religião são como esse ídolo sobre a prancha. Eles parecem ser estáveis, mas, quando a prancha (religião) é destruída pelas ondas (os humores do tempo), eles também desaparecem. Assim, a relatividade da moral não é um problema que os ateus têm que enfrentar. É um problema com o qual a humanidade tem de lidar. Colocar um Deus no céu e dizer que dele derivam
  • 36. valores morais absolutos é uma falsa solução para o problema. Na verdade, apenas atrasa a descoberta de uma solução. Você admite que as religiões possuem uma história, ou seja, que elas nascem e morrem no tempo, e que o cristianismo poderia desaparecer em 2000 anos. Neste caso, você não tem como garantir que as normas morais contidas na Bíblia são as corretas, as definitivas, já que o próximo deus da próxima religião poderia pregar o contrário do que prega o deus cristão. Essa impossibilidade se estende, no entanto, a todos os religiosos de todas as religiões que já existiram ou ainda vão existir. Mesmo que exista um Deus que tenha fixado normas morais absolutas, ninguém teria acesso a elas. Essas normas seriam tão misteriosas para você quanto o são o próprio Deus do qual elas emanaram. Portanto, mesmo acreditando em Deus, você ainda está obrigado a fundamentar a sua ética em qualquer lugar que não seja Deus. Uma ética baseada na religião é necessariamente uma coisa transitória. Veja o que aconteceria se eu e você pudéssemos viver eternamente (toc, toc). Em poucos séculos, a sua ética teria que mudar. A minha, que é baseada na existência do mal, permaneceria a mesma. Se o próximo deus for a favor da homossexualidade, sua posição a respeito do tema terá que ser alterada. A minha, no entanto, continuará a mesma. O mal fornece um fundamento muito mais sólido para a moral do que a religião. Você se esforçou para mostrar que uma ética baseada na existência do mal é insustentável e, para apoiar sua opinião, citou alguns exemplos. Mas nenhum deles me pareceu convincente. Antes você tinha falado do adultério e do estupro. Agora tornou a falar do estupro, mas com um exemplo um pouco diferente. Pelo que sei do abuso sexual, é improcedente a afirmação de que um pedófilo poderia de alguma forma fazer sexo oral num bebê sem lhe causar sérios danos psicológicos.
  • 37. O princípio ético que estabeleci – o de procurar o máximo de prazer sem causar sofrimento aos outros – é uma norma geral muito útil, a meu ver, mas que certamente não abrange todas as possíveis situações. Mas isso se pode dizer a respeito de qualquer mandamento cristão, como, por exemplo, o “não matarás”. Eu poderia lhe perguntar: “quer dizer então que eu não posso matar o psicopata que atenta contra a minha vida?” Mas eu não usaria essas limitações (inevitáveis) para desqualificar o mandamento. Como regra geral, ele funciona muito bem. Você condena o hedonismo que há no meu princípio ético, dizendo que ele pode prejudicar o próprio hedonista, além de servir de péssimo exemplo. Mas, se alguém tem o direito de buscar o máximo de prazer sem causar sofrimento, é claro que isso inclui o próprio hedonista. Eu não aconselharia ninguém a ser alcoólatra, glutão ou promíscuo, por mais que a bebida, a comida e o sexo dêem prazer. Quanto à segunda questão, deixe-me repetir, antes de começar minha defesa, o que disse há pouco. Não acredito que a religião solucione o problema da relatividade da moral. Como ela não tem acesso à verdadeira moral absoluta, que é monopólio da “religião verdadeira”, ou seja, da religião que não está sujeita ao relativismo cultural, então tudo o que ela tem a oferecer é a afirmação de que existem valores morais absolutos. Afirmação, aliás, não provada. Você levanta a objeção de que, sem um padrão moral absoluto, não é possível tecer juízos éticos, criticar coisas como estupro, infibulação ou canibalismo. Isso, admito, parece ser verdade. Mas só parece, não chega mesmo a ser verdade. Quando se fundamenta a moral na existência do mal, como eu faço, todas essas práticas se tornam condenáveis, mesmo que se seja um relativista. E todas são condenáveis porque causam sofrimento à humanidade. Que não exista uma moral absoluta não significa que seja impossível encontrar critérios válidos nos
  • 38. quais basear a nossa conduta e que, a partir deles, não se possa estabelecer um certo e um errado. Isso é similar ao seguinte: não existe uma normalidade sexual. Se perguntarmos para cem pessoas o que é normal em matéria de sexo, obteremos cem respostas diferentes. Mas, se um homem tem cinqüenta relações sexuais por dia, se não usa camisinha e se expõe a toda espécie de riscos, nenhuma dessas cem pessoas irá dizer que esse é um comportamento sexual normal. E nenhuma fará isso porque seu julgamento se baseia num critério, que é o do interesse humano. Se você tem um comportamento sexual que lhe causa prejuízo, isso deve ser considerado errado. Muitas vezes nós não sabemos o que é certo, mas sabemos exatamente o que é errado. Por estranho que pareça, nunca foi necessário haver um normalidade sexual para que fosse fácil determinar a anormalidade. Também nunca foi preciso haver um padrão absoluto de beleza para que criássemos os conceitos de Belo e Feio. Da mesma forma, nunca foi preciso haver um padrão absoluto de moralidade para que criássemos os conceitos de Bem e Mal. Aliás, acho que o critério que a humanidade sempre usou até hoje é o do interesse humano. Por que o incesto é errado? Por que Deus disse que é errado? Não. Porque a humanidade percebeu que os resultados do incesto eram terríveis. Não foi preciso nenhum deus para nos ensinar o que a experiência já havia nos ensinado. (A propósito, parece-me um insulto à humanidade dizer que a moral procede de Deus. Isso equivale a dizer que o homem pratica o incesto, vê os seus maus resultados e, depois disso tudo, ainda precisa que um Deus baixe um decreto contra o incesto.) É verdade que o estupro já foi considerado certo em outras épocas e talvez ainda o seja em alguns lugares, mas eu duvido que nessas épocas e nesses lugares os homens soubessem quais eram os danos que o estupro causa a uma criança. Mesmo nos
  • 39. dias de hoje as pessoas parecem não saber. Elas sabem que ele deixa seqüelas, mas a maioria não sabe quais são essas seqüelas. Para terminar, gostaria de lhe agradecer pela oportunidade dessa discussão. Só receio que não tenhamos falado da mesma coisa. Acho que houve uma certa incompreensão da sua parte quanto à minha expressão “fato absoluto” (talvez por minha culpa mesmo). Eu não estava dizendo existe um mal absoluto, apenas que a existência do mal é um fato absoluto. São afirmações diferentes, mas exigiria outra página para que eu pudesse explicar. De qualquer forma, foi um prazer. Um abraço. ~*~ 4) Considerações finais do Helio Vou iniciar minha conclusão replicando algo que disse ao longo do debate e que segue abaixo: Quando eu afirmo que “existem valores e deveres morais objetivos não estou afirmando que: 1 – Não existe moralidade relativa. 2 – Toda e qualquer atitude humana deve ser classificada (moralmente e eticamente falando) de maneira absoluta. A alegação de que existem valores e deveres morais objetivos não implica necessariamente que certas atitudes humanas não podem ser classificadas de maneira relativa. Foi baseado nesse pensamento que eu teci todo o arcabouço de minhas ideias. Eu me pautei que existem valores, deveres e princípios morais objetivos, coisas que podemos perfeitamente classificar como valores realmente bons, ainda que futuramente
  • 40. tal valor venha se esvaecer entre a espécie humana devido as mudança das nossas “sinapses religiosas” e “sinapses da razão” frutos das descargas elétricas e reações químicas que ocorrem em nosso cérebro que esta em constante evolução. Por isso eu escrevi: “Se a teoria da evolução é verdadeira em todos os seus aspectos, é certo que quando o homem evolui, o seu cérebro também acaba evoluindo junto com ele. Como podemos estar seguros de que as conclusões que produzimos com o nosso cérebro em processo de evolução sejam definitivas? Mas quando falamos na existência de valores e deveres morais objetivos, tal conceito é independente das afirmações das religiões e da razão humana. Esses valores existem por si só.” Ainda que as religiões mudem seus códigos morais, ainda que a razão humana sofra constantes alterações, valores e deveres morais realmente bons continuarão a existir. E por que eu defendo que a origem de tais valores esta em deus? Por que somente um ser inteligente e pessoal para ser guardião e definidor de tais valores. Como classificar o amor fraternal, a honestidade nos negócios, a amizade sincera, a solidariedade, a compaixão, a fidelidade conjugal para com o parceiro que te ama, o altruísmo e o respeito entre os homens? Podemos classifica-los como valores objetivos? Esses valores são realmente bons valores, maus valores, ou são valores neutros? Ou essa definição é relativa, estando condicionada à cultura, época, sinapses da mente religiosa e sinapses da razão humana? Se você afirma que tais valores são relativos irá perder o seu principal referencial para a definição dos seus valores, que é a existência do mal. E perdendo o seu referencial sobre o que é o mal você perde a principal plataforma do seu argumento que reside na... existência do mal.
  • 41. Ora, o mal não é o contrário daquilo que é bom? Se não podemos saber de forma objetiva e absoluta aquilo que é bom (pois isso é relativo), como classificaremos o mal? E quem definiu aquilo que é bom? Que tipo de mente inteligente humana, que esta obrigatoriamente sujeita às alterações das sinapses do cérebro, irá definir aquilo que é bom para que o mal seja, por tabela, identificado? Como podemos estar seguros de que as conclusões que produzimos com o nosso cérebro em processo de evolução sejam definitivas? Eu prometi não refutar partes da sua conclusão, mas a tentação foi grande, me desculpe. Quando você diz: “Por que o incesto é errado? Por que Deus disse que é errado? Não. Porque a humanidade percebeu que os resultados do incesto eram terríveis.” Ora, você fala como se existisse um consenso entre todos os homens a respeito disso. A humanidade quem? Eu, você e todas as pessoas que concordam que o incesto é errado. Os demais que não concordam com isso estão fora dessa. E quem somos nós para afirmar perante aqueles que acham o incesto correto que eles estão errados? Ou vamos apelar para a falácia do “ad populam”. Isso não seria nada honesto. As sinapses do nosso cérebro munido de uma série de fatores internos e externos nos levaram a concluir que o incesto é errado.
  • 42. Já para as demais pessoas as sinapses do cérebro delas munido de uma série de fatores internos e externos as levaram a concluírem que o incesto não é errado. E já que existe um conflito de oposição de valores que emanam do nosso cérebro, por que as nossas conclusões são as certas e a deles erradas? Esse tipo de conflito sempre vai existir entre a humanidade e, neste ponto, você concorda comigo, pois escreveu: (...)“enquanto o homem existir sobre a Terra, o mal sempre vai acompanhá-lo, acompanhá-lo independente da época e do lugar onde ele viva.” O mal sempre vai acompanhar os homens por um único motivo. Por que os próprios homens não praticam aquilo que é bom. Para não me estender concluo dizendo mais uma coisa e compartilhando uma frase de um famoso ateu critico da religião que não acredita que existem valores e deveres morais objetivos: 1 – Eu acho interessante a atitude dos ateus que afirmam que valores e deveres morais objetivos não existem e que ao criticarem de maneira tão hostil as religiões se comportam como se valores e deveres morais objetivos existissem. Quando vocês falam dos conceitos de “belo e feio” vocês não agem como se existisse um padrão absoluto de beleza. Por que com questões referentes à moralidade seria diferente? 2 – “Se o universo fosse constituído apenas por elétrons e genes egoístas, tragédias sem sentido como o desastre deste ônibus seriam exatamente o que esperaríamos, junto com uma boa sorte igualmente destituída de significado. Este universo não teria intenções boas ou más. Não manifestaria qualquer tipo de intenção. Em um universo de forças físicas e replicação genética cegas, algumas pessoas serão machucadas, outras pessoas terão sorte, você não achará qualquer sentido nele, nem qualquer tipo
  • 43. de justiça. O universo que observamos tem precisamente as propriedades que deveríamos esperar se, no fundo, não há projeto, propósito, bem ou mal, nada a não ser uma indiferença cega, impiedosa. Como o infeliz poeta A. E. Housman colocou: O ADN não sabe e nem se importa. O ADN apenas é. E nós dançamos de acordo com a sua música” Richard Dawkins, em “O rio que saia do Éden, pg 70. ~*~ 5) Última troca de emails entre o Rodrigo e o Hélio após a conclusão do debate acima RODRIGO Hélio, me deixe explicar o que eu entendo pela expressão valores morais absolutos e por que não acredito que isso exista. Não quero que haja dúvidas nem confusões a respeito das minhas ideias. Sempre que ouço a expressão valores morais absolutos, vem-me à mente alguma coisa que se parece com o Mundo das Ideias do Platão, no caso um Mundo dos Valores onde haveria plaquinhas com as normas morais eternas fixadas por Deus. Não estou dizendo que você dê uma realidade física a tais valores, mas me parece que a ideia de valores morais absolutos é inspirada no Mundo das Ideias do Platão. No sentido de que existe uma realidade que nos transcende, uma coisa que é maior do que nós, algo eterno e imutável, alheio às idiossincrasias humanas. Penso que, se houvesse um Mundo dos Valores, haveria lá uma plaquinha com a seguinte norma: “Estuprar é errado”. E essa
  • 44. norma independeria do contexto cultural. Assim, se um nativo das Ilhas Maurício disser que na sua terra estuprar crianças é um hábito sancionado, nós seríamos obrigados a retrucar: “Não importa que vocês estuprem crianças, porque estuprar é errado. Existe uma norma moral que é maior do que a diversidade das nossas opiniões”. Bem, se a expressão valores morais absolutos significasse só isso, eu até poderia concordar de bom grado que tais valores existem. (Mas, mesmo neste caso, não diria que isso tenha alguma coisa a ver com Deus. Não acho que a existência de valores morais absolutos implique a existência de Deus.) O que torna, para mim, muito difícil aceitar a existência de valores morais objetivos é o seguinte: a religião usa essa expressão de forma muito mais ampla, fazendo-a abranger não só o contexto cultural, mas até mesmo as chamadas situações- limite. Lembro-me de um livro que li uma vez chamado Em que creem os que não creem, uma correspondência entre o cardeal Martini, o escritor Umberto Eco e outros personagens na qual se discutiam as mesmas questões que estamos discutimos agora. Numa de suas cartas, o cardeal Martini citou uma passagem do teólogo Hans Kung, na qual este desafeto de Bento XVI dizia mais ou menos o seguinte: “A religião continua indispensável porque ela fornece um critério ético absoluto que pode ser usado em situações-limite”. É aqui que começa a minha incredulidade... Imagine a seguinte situação: seu país está em guerra com o país vizinho, e você foi capturado e trancafiado numa prisão subterrânea junto com vários de seus compatriotas, incluindo mulheres, velhos e crianças. Certo dia, um dos soldados inimigos vem abrir a porta da sua cela, e ordena que você e uma garotinha de cinco anos se levantem. Em seguida, ele os escolta até uma ampla sala localizada num compartimento isolado do edifício, onde nenhum dos outros prisioneiros pode vê-los ou ouvi-los. A sala tem uma peculiaridade: a parede que fica do
  • 45. lado esquerdo de quem entra é de vidro blindado, e atrás dele há uma espécie de arquibancada onde alguns oficiais do exército rival estão reunidos. O único móvel presente é uma mesa de madeira, sobre a qual descansa um revólver. Nem você e sua companheira, que podem ver pelo vidro transparente a estranha audiência, conseguem imaginar o que estão fazendo ali, até que de repente ouve-se uma voz soturna vinda de um alto-falante posicionado no alto de uma parede: “Fulano, você irá participar agora de um experimento psicológico. Na mesa que está ao seu lado, há uma arma com uma única bala. Você irá pegá-la e escolher uma dessas duas opções: a primeira é dar um tiro na testa da menina que se encontra a sua frente. Se você fizer isso, nós o libertaremos de imediato. Sua segunda opção é estuprá-la. Se você escolher essa alternativa, prometemos libertar você e ela sem demora. Mas, se por covardia ou por esperteza você se recusar a fazer uma escolha, isto é, se usar a arma para cometer um suicídio, essa linda criança será estuprada por todos nós e depois ainda será assassinada”. Pergunto a você, Hélio. Se você estivesse no lugar desse infeliz, o que faria? Mataria para não estuprar? Estupraria para não matar? Ou se suicidaria? Creio que, numa situação como esta, muitos homens prefeririam estuprar a garota a assassiná-la ou a permitir que ela fosse estuprada e assassinada. E creio que seria a escolha certa. Se o tempo mostrasse que isso foi um erro, a vítima poderia corrigi-lo com um suicídio; mas se a escolha recaísse sobre o assassinato e isso se mostrasse um erro, como ela haveria de corrigi-lo? Por mais trágico que isso possa parecer, o fato é que há situações em que o estupro seria moralmente justificável. Portanto, a norma moral “estuprar é errado” não é válida em todas as situações. Ela pode ser válida em 99,99999% dos casos. Mas no 0,000001% restante ela não pode ser aplicada. Eu não teria coragem de condenar um homem que cometesse um estupro nessa situação da mesma forma que condeno um
  • 46. estuprador comum. O contexto no qual esse estupro foi praticado muda todo o meu julgamento moral. É neste sentido que eu digo que não existem certo e errado absolutos. Certo e errado dependem fundamentalmente do contexto. Uma coisa pode ser certa numa determinada situação e errada em outra, ou errada numa situação e certa em outra. Mas, pelo que eu entendo, essa é uma posição que um absolutista moral não poderia aceitar. Um absolutismo não tem nem o direito de falar em contexto... HÉLIO COMENTA Rodrigo, Preste atenção nesta minha alegação. “Existem valores e deveres morais objetivos que devemos cumprir.” A situação limite levantada por você só é possível de acontecer se determinada pessoa (ou um grupo de pessoas) não seguirem determinados valores e deveres morais. Se o grupo de soldados não trancafiassem eu e a menina de 5 anos dentro da sala me obrigando a decidir entre 3 situações nefastas eu não precisaria fazer absolutamente nada de mal contra mim ou contra a garota. Se todos os homens do planeta seguissem determinados valores e deveres morais objetivos esse tipo de dilema proposto por você não ocorreria em nenhum lugar deste mundo, em nenhuma época, em nenhuma circunstância, em nenhuma civilização, em nenhuma cultura. Não ocorreria nem mesmo a guerra que culminou na minha prisão e na prisão desta garota.
  • 47. Estuprar é errado, mas também é errado eu obrigar ou induzir alguém a cometer estupro. E se eu obrigo alguém a cometer um erro como esse, não lhe facultando saída, a própria pessoa não pode ser acusada de cometer erro algum, conforme você mesmo reconheceu. Ele foi forçado a isso. E não é exatamente isso que ocorre com alguém que foi vítima de estupro? Nesse caso o sujeito que é obrigado por meio de uma pressão psicológica como a descrita acima a fazer que ele não queira fazer sofre uma espécie de “estupro mental”. Quando uma mulher é estuprada não costumamos falar “ela fez sexo com outro homem”. Antes, simplesmente falamos: “ela foi estuprada”, que é o que realmente aconteceu. Ela é isentada inclusive de ter realizado alguma ação, é como se ela não tivesse feito absolutamente nada. A mesma lógica pode ser aplicada para o sujeito da ilustração acima vítima de um estupro mental ao ser forçado a fazer algo que ele não queria fazer, não lhe sendo facultado uma única saída. Mas seja lá como for, ainda que a minha lógica falhe, quando eu afirmo que “existem valores e deveres morais objetivos” na própria frase já estamos implicando que tais valores e deveres estão inseridos dentro de um contexto. Como falar em “dever objetivo” (a coisa certa a se fazer) sem um devido contexto por onde eu aplicarei determinado valor e dever? O contexto (1) onde eu aplicarei o valor e o dever objetivo (2) são duas coisas indissolúveis (1 e 2 são indissolúveis).
  • 48. Eu só posso aplicar determinado valor e dever moral na sociedade ao viver determinados contextos dentro dessa mesma sociedade. Agora, excluindo qualquer situação em que eu sou colocado na obrigação de estuprar alguém, o meu dever é não cometer estupro e isso é um valor e dever moral objetivo. Resumindo, poderia dizer: Quando eu estou com vontade de fazer sexo, estuprar alguém por livre e espontânea vontade é errado? (note que eu determino um contexto pelo qual farei a minha escolha) A resposta pode ser: a) Sim b) Não c) Tanto faz, não existem valores e deveres morais objetivos que devemos seguir. Qual seria a sua resposta? “Bem, se a expressão valores morais absolutos significasse só isso, eu até poderia concordar de bom grado que tais valores existem. (Mas, mesmo neste caso, não diria que isso tenha alguma coisa a ver com Deus. Não acho que a existência de valores morais absolutos implique a existência de Deus.)”. Se a partir desse momento você reconhecer que valores e deveres morais objetivos de fato existem deverá mostrar que isso não implique a existência de um deus ou ainda que isso não implique a necessidade de se invocar um deus como legislador moral e mantenedor de valores e deveres morais objetivos. Sendo assim o nosso debate mudaria de rumo e você teria que me explicar como é possível existir algum tipo de valor e dever moral objetivo neste mundo sendo que todo o universo, sendo
  • 49. composto por um amontoado de átomos que se ordenaram de maneira acidental e que deu origem à vida humana (de forma acidental também, sem nenhum propósito), possa ter estabelecido regras pelas quais toda a humanidade deveria seguir. É como se o nosso universo, de alguma forma, revestido de impessoalidade, irracionalidade e sem nenhum senso de razão e justiça fosse capaz de no decorrer do seu processo micro e macro evolutivo projetar sobre nós um conjunto de valores e deveres morais objetivos pairando sobre nossas cabeças. Eu, na contramão, iria tentar provar que a noção de deus para a existência de valores e deveres morais objetivos é muito mais racional do que a crença de que esse universo irracional, impessoal e sem nenhum senso de razão e justiça pudesse ser legislador e mantenedor de valores e deveres morais que os seres humanos devem cumprir. ~*~ O Rodrigo e o Helio prometeram voltar a debater a questão em janeiro de 2013. Agora uma pausa para descanso e comemorações das festas de fim de ano. Oferecemos esse debate para todos os que se interessam no assunto: teistas, ateus ou agnósticos.