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A COMPLEXIDADE NA ABORDAGEM DA TERMINALIDADE EM CRIANÇAS COM
CÂNCER
Alessandra Almeida de Oliveira1
Orientação: Profª Drª Maria Helena Pereira Franco
As perdas são fatores intrínsecos na vida do ser humano. São indispensáveis
para que haja o seu desenvolvimento e amadurecimento, pelo fato de promoverem
maior adaptação ao mundo externo (ambiente, sociedade e cultura) e interno
(consciência e inconsciência), por isso, elas precisam e irão acontecer mesmo quando
existe um esforço do indivíduo em evitá-las. As perdas causam um desequilíbrio no
sujeito, fazendo com que este passe a não conseguir viver como antes, pelo fato de
um novo contexto ser inserido que faz com que o ego crie novos mecanismos de
enfrentamento e possibilidades para se adaptar a sua nova condição, o que resultará
no seu amadurecimento e fortalecimento (JUNG, 2002; GODSIL, 2005; MATTA,
2006).
Contudo, como o ser humano não sabe lidar com as perdas, por estas
causarem desconforto, desequilíbrio, medo e sofrimento e, além disso, colocarem o
homem diante do desconhecido e do incontrolável, ele as evita. Desta forma, o sujeito,
por não entrar em contato com as perdas, não consegue prosseguir com o processo
de desenvolvimento. Quando se trata da perda causada por morte, a negação é mais
evidente, pois o indivíduo entra em contato com a própria finitude, fica diante da
certeza de que não é eterno, então depara com o maior dos questionamentos
humanos: o que acontece depois da morte?
Há algum tempo, estudiosos discutem que as reações de distanciamento da
morte resultam na impossibilidade de falar sobre este assunto, tornando-o um tabu.
Pelo contrário, estas reações levam à luta contra a finitude e busca pelo
prolongamento da vida, por meio da ciência e tecnologia, evidenciando a percepção
da morte como algo que deixou de ser natural e esperado no processo de
Individuação (LEE, 2002; GOLDSIL, 2005; MATTOS, 2005; GOSS, 2006). Esta luta se
torna mais intensa quando uma doença é diagnosticada, como o câncer.
Embora a área da medicina que lida com diagnóstico e tratamento de câncer -
a oncologia - tenha se beneficiado nos últimos anos com importantes avanços na
terapêutica da doença, esta ainda carrega o estigma da época em que não existiam
possibilidades terapêuticas para os pacientes. Portanto, quando é dado seu
diagnóstico, a pessoa acaba interpretando-o como a possibilidade de morte iminente,
passando a viver as perdas que esta doença proporciona com grande intensidade
(CARVALHO, 2002). Diante disso, paciente, familiares e profissionais travam uma
1
E-mail: lekaoliveira@hotmail.com. Pesquisa realizada com bolsa auxilio FAPESP
guerra contra o câncer, em que a qualidade de vida não é levada em consideração e
que, muitas vezes, vai além dos limites físico e emocional dos envolvidos.
Quando inserimos a criança no contexto de perda, as reações de
distanciamento se intensificam, ainda mais quando associada ao câncer. Os adultos
acreditam que ao evitar que a criança entre em contato com tais assuntos, estão a
protegendo de enfrentar o sofrimento, a angústia e a desorganização que as perdas
podem causar, por isso não conversam sobre o este tema e acabam mentindo ou
distorcendo sua compreensão. Porém, é fundamental ressaltar que a criança é capaz
de perceber estas perdas desde muito pequena, mas de maneira diferente do adulto.
Assim, quando depara com uma perda, ela tem dúvidas e questionamentos que
acabam não sendo resolvidos graças à fuga dos mais velhos, resultando na
incompreensão e também na negação. Somado a isso, quando percebem as mentiras
dos adultos, a criança fica angustiada e confusa, pois sente algo estranho ao que se
fala rotineiramente naquele espaço, o que certamente lhe trará muito sofrimento
(MATTOS, 2005; BORGES et al., 2006).
Assim como nos adultos, as perdas são intrínsecas ao desenvolvimento infantil,
configurando uma oportunidade para o crescimento, amadurecimento e fortalecimento
do ego por meio da criação de mecanismos de enfrentamento que auxiliarão na
adaptação ao mundo externo e interno. Por conseguinte, as reações diante das perdas
irão determinar o seu desenvolvimento. A partir disto, é fato que as crianças depararão
com estas perdas, uma vez que não podem ser evitadas, o que faz com que o esforço
do adulto em protegê-las por meio da negação apenas lhes traga sofrimentos e
minimize o papel da perda no desenvolvimento humano (NUNES et al., 1998; COX,
2000; ALMEIDA, 2005).
O adulto pode sim proteger as crianças, mas de outra maneira. Por exemplo,
por meio da comunicação, proporcionando esclarecimentos das dúvidas e auxiliando
na construção de mecanismos de enfrentamento na sua reequilibração. Para isso, é
importante sabermos que em cada fase do desenvolvimento há um tipo de percepção
do conceito de morte, o que requer do adulto a procura por um discurso adaptado à
compreensão da criança de acordo com sua idade (NUNES et al, 1998; COX, 2000;
MATTOS, 2005; ALMEIDA, 2005; BORGES et al., 2006).
Com base na questão da nulidade e/ou fragilidade na comunicação entre
criança e adulto, optamos por realizar uma pesquisa em que analisamos como
crianças diagnosticadas com câncer, sem possibilidades terapêuticas, lidavam com o
contexto do não-dito sobre esta doença e a iminência da sua morte. Neste caso, três
crianças hospitalizadas com idades entre 7 e 12 anos foram acompanhamos por dois
meses. Os participantes eram visitados individualmente de uma a duas vezes por
semana.
Esta investigação configurou-se como uma pesquisa qualitativa com estudos-
de-caso, fazendo uso do Procedimento de Desenhos-Estória (TRINCA, 2002), em que
pedíamos aos pacientes que realizassem um desenho livre. Após sua finalização,
solicitávamos que contassem uma estória a respeito deste desenho, sendo que, neste
momento, buscava-se esclarecer dúvidas e obter novas associações. Em seguida,
pedíamos que dessem um título à estória. A mesma operação era repetida até
obtermos dois desenhos-estória (D-E) em cada encontro.
Curiosamente, cabe ressaltar uma dificuldade que enfrentamos em um primeiro
momento da coleta de dados: as crianças, naquele hospital, não recebiam o
prognóstico de “ausência de possibilidades terapêuticas” ou de terminalidade. Esta
percepção tornou-se uma variável importante a ser considerada ao longo desta
investigação.
A partir da análise dos encontros e dos desenhos dos pacientes, constatamos
que as crianças passavam por muitos sofrimentos desde o tratamento invasivo e
dolorido até a solidão que viviam por não se sentirem parte do processo ou não
estarem inseridas no mesmo. As crianças estavam cientes de que fatos eram
ocultados, percebiam que algo grave acontecia e que havia todo um processo além do
que era dito para elas, por isso se sentiam sozinhas, desamparadas e confusas.
Embora não expressassem tal percepção verbalmente, faziam-na por meio dos
recursos disponíveis, no caso, os desenhos. O ocultamento da verdade ou a mentira
com relação à situação das crianças trazia a sensação de anulamento, sentiam-se
dadas como mortas, o que as levavam à busca de alternativas para mostrar que
estavam vivas, reagindo com agressividade, chorando ou negando-se a serem
tratadas. Também constatamos que o silêncio e a falta de preparo prejudicam o
processo de compensação e organização psíquica que a situação de perda exige.
Além disso, o comportamento de se calar é uma forma de não reconhecer o
sofrimento da criança e de não inseri-la em seu próprio tratamento, fato que pode levar
ao agravamento dos sintomas, angústia profunda, sensação de abandono e solidão.
Em muitos momentos, deparamos com alguns procedimentos realizados que
não traziam benefício ao tratamento da criança, pois os pacientes já não tinham mais
possibilidades de cura, tornando determinados procedimentos desnecessários.
Entretanto, como o hospital não aceitava o diagnóstico de terminalidade, os
profissionais continuavam realizando todas as intervenções possíveis para prolongar a
vida de cada paciente, mesmo que isso trouxesse muito sofrimento, dor e angústia. A
falta de informação e preparo para lidar com a situação de terminalidade acabava
proporcionando para as crianças e para suas famílias momentos muito difíceis e de
muita tristeza. Por outro lado, percebia-se um forte interesse por parte dos
profissionais quanto ao processo de lidar com tais contextos, por se mostrarem
receptivos a outros profissionais preparados para trabalhar com os cuidados paliativos.
Tais questões reforçam a importância de um acompanhamento destas
crianças, de modo a proporcionar uma comunicação franca entre os adultos e as
mesmas, sendo que esta relação traga informações adaptadas à compreensão da
criança de acordo com o seu momento no desenvolvimento, responda suas dúvidas,
acolha-a em seus medos, sofrimentos e fantasias e traga conforto e melhor qualidade
em seu processo de morrer. Além disso, esta experiência soa como um alerta quanto
à necessidade de se ter uma equipe especializada em lidar com a situação de morte
iminente nos hospitais, fato que certamente proporcionaria ao paciente melhor
qualidade de vida e do processo de morrer, e, somado a isso, proveria assistência aos
seus familiares.
Bibliografia
ALMEIDA, F.A. Lidando com a morte e o luto por meio do brincar: a criança com
câncer no hospital. Boletim de Psicologia, 55(123): 149-167, 2005.
BORGES, A.D.V.S.; SILVA, E.F.; TINIOLLO, P.B.; MAZER, S.M.; VALLE, E.R.M.;
SANTOS, M.A. Percepção da morte pelo paciente oncológico ao longo do
desenvolvimento. Psicologia em Estudo, 11(2): 361-369, 2006.
CARVALHO, M.M.M.J. Introdução á psiconcologia. 1ª ed., Campinas, SP: Livro Pleno,
2002.
COX, G.R. Children, spirituality, and loss. Illness, Crisis, and Loss, 8(1): 60-70, 2000.
JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. 14a
ed., Petrópolis: Vozes, 2002.
GOLDSIL, G. Reflections on death and mourning in relation to Dicken’s novel our
mutual friend. Journal of Analytical Psychology, 50: 469-481, 2005.
GOSS, P. Discontinuities in the male psyche: waiting deadness and disembrodiment.
Archetypycal and clinical approaches. Journal of Analytical Psychology, 51: 681–699,
2006.
LEE, R.L.M. Modernity, death, and the Self: disenchantment of death and symbols of
bereavement. Illness, Crisis and Loss, 10(2): 91-107, 2002.
MATTA, R.M. A utilização da terapia do sandplay no tratamento de crianças com
transtorno obsessivo-compulsivo. Dissertação de mestrado, orientado por Denise
Ramos; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
MATTOS, J.M. Falando de morte com crianças. Revista Gestalt, 14: 63-71, 2005.
NUNES, D.C.; CARRARO, L.; JOU, G.I.; SPERB, T.M. As crianças e o conceito de
morte. Psicologia Reflexão e Crítica, 11(3): 579-590, 1998.
TRINCA A.M.T. O procedimento de desenhos-estórias como instrumento de
intermediação terapêutica na pré-cirurgia infantil: um estudo qualitativo. Tese de
doutorado, orientador Dr. Ryad Simon, São Paulo: USP, 2002.

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A complexidade do enfrentamento da terminalidade em crianças com câncer

  • 1. A COMPLEXIDADE NA ABORDAGEM DA TERMINALIDADE EM CRIANÇAS COM CÂNCER Alessandra Almeida de Oliveira1 Orientação: Profª Drª Maria Helena Pereira Franco As perdas são fatores intrínsecos na vida do ser humano. São indispensáveis para que haja o seu desenvolvimento e amadurecimento, pelo fato de promoverem maior adaptação ao mundo externo (ambiente, sociedade e cultura) e interno (consciência e inconsciência), por isso, elas precisam e irão acontecer mesmo quando existe um esforço do indivíduo em evitá-las. As perdas causam um desequilíbrio no sujeito, fazendo com que este passe a não conseguir viver como antes, pelo fato de um novo contexto ser inserido que faz com que o ego crie novos mecanismos de enfrentamento e possibilidades para se adaptar a sua nova condição, o que resultará no seu amadurecimento e fortalecimento (JUNG, 2002; GODSIL, 2005; MATTA, 2006). Contudo, como o ser humano não sabe lidar com as perdas, por estas causarem desconforto, desequilíbrio, medo e sofrimento e, além disso, colocarem o homem diante do desconhecido e do incontrolável, ele as evita. Desta forma, o sujeito, por não entrar em contato com as perdas, não consegue prosseguir com o processo de desenvolvimento. Quando se trata da perda causada por morte, a negação é mais evidente, pois o indivíduo entra em contato com a própria finitude, fica diante da certeza de que não é eterno, então depara com o maior dos questionamentos humanos: o que acontece depois da morte? Há algum tempo, estudiosos discutem que as reações de distanciamento da morte resultam na impossibilidade de falar sobre este assunto, tornando-o um tabu. Pelo contrário, estas reações levam à luta contra a finitude e busca pelo prolongamento da vida, por meio da ciência e tecnologia, evidenciando a percepção da morte como algo que deixou de ser natural e esperado no processo de Individuação (LEE, 2002; GOLDSIL, 2005; MATTOS, 2005; GOSS, 2006). Esta luta se torna mais intensa quando uma doença é diagnosticada, como o câncer. Embora a área da medicina que lida com diagnóstico e tratamento de câncer - a oncologia - tenha se beneficiado nos últimos anos com importantes avanços na terapêutica da doença, esta ainda carrega o estigma da época em que não existiam possibilidades terapêuticas para os pacientes. Portanto, quando é dado seu diagnóstico, a pessoa acaba interpretando-o como a possibilidade de morte iminente, passando a viver as perdas que esta doença proporciona com grande intensidade (CARVALHO, 2002). Diante disso, paciente, familiares e profissionais travam uma 1 E-mail: lekaoliveira@hotmail.com. Pesquisa realizada com bolsa auxilio FAPESP
  • 2. guerra contra o câncer, em que a qualidade de vida não é levada em consideração e que, muitas vezes, vai além dos limites físico e emocional dos envolvidos. Quando inserimos a criança no contexto de perda, as reações de distanciamento se intensificam, ainda mais quando associada ao câncer. Os adultos acreditam que ao evitar que a criança entre em contato com tais assuntos, estão a protegendo de enfrentar o sofrimento, a angústia e a desorganização que as perdas podem causar, por isso não conversam sobre o este tema e acabam mentindo ou distorcendo sua compreensão. Porém, é fundamental ressaltar que a criança é capaz de perceber estas perdas desde muito pequena, mas de maneira diferente do adulto. Assim, quando depara com uma perda, ela tem dúvidas e questionamentos que acabam não sendo resolvidos graças à fuga dos mais velhos, resultando na incompreensão e também na negação. Somado a isso, quando percebem as mentiras dos adultos, a criança fica angustiada e confusa, pois sente algo estranho ao que se fala rotineiramente naquele espaço, o que certamente lhe trará muito sofrimento (MATTOS, 2005; BORGES et al., 2006). Assim como nos adultos, as perdas são intrínsecas ao desenvolvimento infantil, configurando uma oportunidade para o crescimento, amadurecimento e fortalecimento do ego por meio da criação de mecanismos de enfrentamento que auxiliarão na adaptação ao mundo externo e interno. Por conseguinte, as reações diante das perdas irão determinar o seu desenvolvimento. A partir disto, é fato que as crianças depararão com estas perdas, uma vez que não podem ser evitadas, o que faz com que o esforço do adulto em protegê-las por meio da negação apenas lhes traga sofrimentos e minimize o papel da perda no desenvolvimento humano (NUNES et al., 1998; COX, 2000; ALMEIDA, 2005). O adulto pode sim proteger as crianças, mas de outra maneira. Por exemplo, por meio da comunicação, proporcionando esclarecimentos das dúvidas e auxiliando na construção de mecanismos de enfrentamento na sua reequilibração. Para isso, é importante sabermos que em cada fase do desenvolvimento há um tipo de percepção do conceito de morte, o que requer do adulto a procura por um discurso adaptado à compreensão da criança de acordo com sua idade (NUNES et al, 1998; COX, 2000; MATTOS, 2005; ALMEIDA, 2005; BORGES et al., 2006). Com base na questão da nulidade e/ou fragilidade na comunicação entre criança e adulto, optamos por realizar uma pesquisa em que analisamos como crianças diagnosticadas com câncer, sem possibilidades terapêuticas, lidavam com o contexto do não-dito sobre esta doença e a iminência da sua morte. Neste caso, três crianças hospitalizadas com idades entre 7 e 12 anos foram acompanhamos por dois meses. Os participantes eram visitados individualmente de uma a duas vezes por semana. Esta investigação configurou-se como uma pesquisa qualitativa com estudos- de-caso, fazendo uso do Procedimento de Desenhos-Estória (TRINCA, 2002), em que pedíamos aos pacientes que realizassem um desenho livre. Após sua finalização, solicitávamos que contassem uma estória a respeito deste desenho, sendo que, neste momento, buscava-se esclarecer dúvidas e obter novas associações. Em seguida, pedíamos que dessem um título à estória. A mesma operação era repetida até obtermos dois desenhos-estória (D-E) em cada encontro. Curiosamente, cabe ressaltar uma dificuldade que enfrentamos em um primeiro momento da coleta de dados: as crianças, naquele hospital, não recebiam o prognóstico de “ausência de possibilidades terapêuticas” ou de terminalidade. Esta percepção tornou-se uma variável importante a ser considerada ao longo desta investigação. A partir da análise dos encontros e dos desenhos dos pacientes, constatamos que as crianças passavam por muitos sofrimentos desde o tratamento invasivo e
  • 3. dolorido até a solidão que viviam por não se sentirem parte do processo ou não estarem inseridas no mesmo. As crianças estavam cientes de que fatos eram ocultados, percebiam que algo grave acontecia e que havia todo um processo além do que era dito para elas, por isso se sentiam sozinhas, desamparadas e confusas. Embora não expressassem tal percepção verbalmente, faziam-na por meio dos recursos disponíveis, no caso, os desenhos. O ocultamento da verdade ou a mentira com relação à situação das crianças trazia a sensação de anulamento, sentiam-se dadas como mortas, o que as levavam à busca de alternativas para mostrar que estavam vivas, reagindo com agressividade, chorando ou negando-se a serem tratadas. Também constatamos que o silêncio e a falta de preparo prejudicam o processo de compensação e organização psíquica que a situação de perda exige. Além disso, o comportamento de se calar é uma forma de não reconhecer o sofrimento da criança e de não inseri-la em seu próprio tratamento, fato que pode levar ao agravamento dos sintomas, angústia profunda, sensação de abandono e solidão. Em muitos momentos, deparamos com alguns procedimentos realizados que não traziam benefício ao tratamento da criança, pois os pacientes já não tinham mais possibilidades de cura, tornando determinados procedimentos desnecessários. Entretanto, como o hospital não aceitava o diagnóstico de terminalidade, os profissionais continuavam realizando todas as intervenções possíveis para prolongar a vida de cada paciente, mesmo que isso trouxesse muito sofrimento, dor e angústia. A falta de informação e preparo para lidar com a situação de terminalidade acabava proporcionando para as crianças e para suas famílias momentos muito difíceis e de muita tristeza. Por outro lado, percebia-se um forte interesse por parte dos profissionais quanto ao processo de lidar com tais contextos, por se mostrarem receptivos a outros profissionais preparados para trabalhar com os cuidados paliativos. Tais questões reforçam a importância de um acompanhamento destas crianças, de modo a proporcionar uma comunicação franca entre os adultos e as mesmas, sendo que esta relação traga informações adaptadas à compreensão da criança de acordo com o seu momento no desenvolvimento, responda suas dúvidas, acolha-a em seus medos, sofrimentos e fantasias e traga conforto e melhor qualidade em seu processo de morrer. Além disso, esta experiência soa como um alerta quanto à necessidade de se ter uma equipe especializada em lidar com a situação de morte iminente nos hospitais, fato que certamente proporcionaria ao paciente melhor qualidade de vida e do processo de morrer, e, somado a isso, proveria assistência aos seus familiares. Bibliografia ALMEIDA, F.A. Lidando com a morte e o luto por meio do brincar: a criança com câncer no hospital. Boletim de Psicologia, 55(123): 149-167, 2005. BORGES, A.D.V.S.; SILVA, E.F.; TINIOLLO, P.B.; MAZER, S.M.; VALLE, E.R.M.; SANTOS, M.A. Percepção da morte pelo paciente oncológico ao longo do desenvolvimento. Psicologia em Estudo, 11(2): 361-369, 2006. CARVALHO, M.M.M.J. Introdução á psiconcologia. 1ª ed., Campinas, SP: Livro Pleno, 2002. COX, G.R. Children, spirituality, and loss. Illness, Crisis, and Loss, 8(1): 60-70, 2000. JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. 14a ed., Petrópolis: Vozes, 2002.
  • 4. GOLDSIL, G. Reflections on death and mourning in relation to Dicken’s novel our mutual friend. Journal of Analytical Psychology, 50: 469-481, 2005. GOSS, P. Discontinuities in the male psyche: waiting deadness and disembrodiment. Archetypycal and clinical approaches. Journal of Analytical Psychology, 51: 681–699, 2006. LEE, R.L.M. Modernity, death, and the Self: disenchantment of death and symbols of bereavement. Illness, Crisis and Loss, 10(2): 91-107, 2002. MATTA, R.M. A utilização da terapia do sandplay no tratamento de crianças com transtorno obsessivo-compulsivo. Dissertação de mestrado, orientado por Denise Ramos; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. MATTOS, J.M. Falando de morte com crianças. Revista Gestalt, 14: 63-71, 2005. NUNES, D.C.; CARRARO, L.; JOU, G.I.; SPERB, T.M. As crianças e o conceito de morte. Psicologia Reflexão e Crítica, 11(3): 579-590, 1998. TRINCA A.M.T. O procedimento de desenhos-estórias como instrumento de intermediação terapêutica na pré-cirurgia infantil: um estudo qualitativo. Tese de doutorado, orientador Dr. Ryad Simon, São Paulo: USP, 2002.