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17 • Tempo
1
Umcontoesuastransformações:
ficçãocientíficaeHistória*
Ciro Flamarion Cardoso**
1.Consideraçõesteórico-metodológicas
Estudaremos, neste artigo, um conto de ficção científica de autoria de
Ray Bradbury, “Um ruído de trovão”, escrito em 1952, bem como diferentes
transcodificações suas, ocorridas em 1954 (história em quadrinhos), 1989 (epi-
sódio de série de TV) e 1993 (nova história em quadrinhos). Os referenciais
temáticos centrais tanto do conto quanto de suas transcodificações são, por
um lado, o tempo ou, mais exatamente, a estrutura do tempo e sua possível
transformação; por outro, uma preocupação política com o perigo de um regi-
me democrático poder descambar, ao que parece com rapidez e sem grande
dificuldade, para uma ditadura da pior espécie.
A noção de tempo é capital, tanto científica quanto existencialmente,
e, ao mesmo tempo, muito difícil de definir devido à sua ambigüidade, já que,
em diferentes contextos, significa coisas de fato bastante variáveis:
(...) o símbolo t dos físicos é falaciosamente simples como representação ‘da-
quilo que entendemos como tempo’. É útil em expressões formais e seu sig-
nificado não precisa ser questionado. Entretanto, se perguntarmos de que
*
Artigo recebido em fevereiro de 2004 e aprovado para publicação em abril de 2004.
**
Professor Titular do Departamento de História da UFF.
Tempo, Rio de Janeiro, nº 17, pp. 129-151
2
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
modo se supõe que esteja relacionado com o que todos nós conhecemos no
íntimo como nossa existência no tempo, seremos enviados à Psicologia. Esta,
uma ciência que lida sobretudo com processos mentais, quase nada tem a di-
zer sobre o símbolo t dos físicos. Procurando algo comum ao tempo dos psicó-
logos e dos físicos, poderíamos inquirir o que a Psicologia diz acerca de como
nosso sentimento de devir contínuo se relaciona com o devir contínuo do
mundo físico, incluindo as questões cruciais do início e do fim do tempo. Para
uma resposta, talvez nos enviem à religião. Mas a religião e a Teologia se re-
ferem sobretudo a propósito e a história, não a sentimentos e a símbolos físi-
cos. Poderíamos avançar até a Filosofia e indagar sobre as relações, se é que
existem, entre o sentimento de duração, o propósito aparentemente percep-
tível na natureza e o tempo útil do físico. A Filosofia (...) tem muito a contri-
buir no tocante ao esclarecimento do problema do tempo. Mas (...) esbarra
em certas antinomias que, segundo parece, não podem ser solúveis senão com
a ajuda de especialista.1
Isto significa que, em nossas indagações sobre o que o tempo é em si,
objetivamente, como uma dimensão (um “receptáculo”, tal como o espaço,
em que os eventos se desenvolvem), mas também sobre o que ele é para nós,
subjetiva ou existencialmente, seria bem provável corrermos o risco de que
nos empurrassem em diferentes direções e nos lançassem aos braços das mais
diversas disciplinas.2
O nosso objeto textual é, porém, um conto de ficção científica. Situa-
se, portanto, no campo da exploração ficcional da dimensão temporal que, no
gênero em questão – e é o caso no conto que nos interessa – toma com fre-
qüência o aspecto dos paradoxos temporais, vinculados a uma hipotética via-
gem no tempo. Em tal contexto, uma das variantes é a que o conto de Bradbury
ilustra: aquela em que o ponto de partida dos viajantes no tempo, ou seja, seu
presente, é modificado em profundidade devido a alguma ação sua – com fre-
qüência trivial e impensada, o que dá lugar ao paradoxo – no passado ao qual
viajaram. É possível, aliás, que “Um ruído de trovão” seja o mais famoso de
todos os escritos ficcionais nessa linha.3
1
J. T. Fraser, “Introduction”, ____ (org.), The voices of time: A cooperative survey of man’s views of
time as expressed by the sciences and by the humanities, New York, George Braziller, 1966, p. XVIII.
2
Ver Julio Arióstegui, La investigación histórica: Teoría y método, Barcelona, Crítica, 2001, pp.
209-222; Ciro Flamarion Cardoso, Introducción al trabajo de la investigación histórica, Barcelona,
Crítica, 1981, pp. 195-216.
3
Cf. John Clute e Peter Nicholls, The encyclopedia of science fiction, New York, St. Martins’ Griffin,
1995, p. 1226.
3
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
A alteração assim efetuada no plano temporal de que procedem os via-
jantes pode ser, em ficção científica, de diferentes tipos. No caso que nos
interessa, trata-se de uma alteração política: em lugar de um presidente de-
mocrata dos Estados Unidos, que fora o vencedor das eleições em 2055, ao
embarcarem na máquina do tempo, à sua volta ao mesmo ano do século XXI,
os viajantes temporais constatam que o vencedor, nesta versão alterada de
seu próprio tempo, fora, pelo contrário, um candidato fascista. Ora, não so-
mente a política é tema muito freqüentado em ficção científica – que, como
cultura popular ou de massa que é, está sempre atenta aos medos e às aspira-
ções predominantes em cada época e trata de projetá-los num futuro que é
metafórico de certos aspectos do presente – como também é verdade que as
atividades do senador Joseph McCarthy (1909-1957) foram metaforicamen-
te criticadas, nas revistas de ficção científica da primeira metade da década
de 1950, com alguma freqüência: por não ser muito levado a sério em seu
impacto social, o gênero abrigava um tipo de crítica política que, em setores
mais visíveis e portanto mais visados de escritos, poderia ser muito perigosa
para o escritor.4
Nesta exploração dos vínculos recíprocos entre a História e a literatura
– o impacto social de uma dada época sobre os escritos ficcionais e o uso des-
tes para esclarecer aspectos de sua época – usaremos, como método, a
Semiótica Textual em uma de suas modalidades: a Narratologia ou teoria e
análise das narrativas. A escolha se justifica pelo fato de nos interessar não
somente o conto de Bradbury, como o que ocorreu com ele ao servir de base
a histórias em quadrinhos e a um episódio de série de TV. A narrativa é um
traço de união, algo comum à história em seus três veículos, portanto, permi-
te um terreno metodológico comum à pesquisa a ser empreendida. Quanto à
modalidade de análise escolhida no campo da Semiótica Textual, trata-se da
derivada de Algirdas Julian Greimas, por nós exposta em detalhe, há alguns
anos, num volume de natureza teórico-metodológica, em versão adaptada ao
trabalho em História.5
4
Idem, ibidem, p. 946. Como explicou um escritor e crítico de ficção científica, “Ninguém, de
fato, escreve sobre o futuro. Os escritores usam situações futuristas para iluminar mais forte-
mente os problemas e oportunidades do presente”, Ben Bova, Challenges, New York, Tor, 1993,
p. 295.
5
Ciro Flamarion Cardoso, Narrativa, sentido, História, Campinas, Papirus, 1997.
4
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
2. Análise do conto Um ruído de trovão (A sound of thunder), de Ray Bradbury
2.1. O autor e seu texto
Ray Bradbury nasceu em 1920. Escritor de histórias fantásticas e de
ficção científica, teve seu auge literário entre 1946 e 1955; foi um dos poucos
autores do gênero que veio a ser considerado como autor tout court, integran-
te dos escritores do que se conhece em inglês como mainstream fiction. Seu
estilo é poético, cheio de simbolismos, nostálgico de um passado irrecuperável
(em especial o das pequenas cidades norte-americanas do início do século XX),
com forte tendência ao estranho e ao macabro. No fundo, trata-se de um au-
tor mais de fantasia com toques de horror do que de ficção científica: no con-
to em análise – cuja temática é, no entanto, clássica em ficção científica – a
referência à máquina do tempo parece poética e metafórica, não tecnológica.
Os melhores escritos de Bradbury são Crônicas marcianas (contos interligados
num todo, em 1950), Fahrenheit 451 (que tomou forma de romance em 1953)
e um punhado de contos do final da década de 1940 e início da seguinte –
entre eles, o que examinamos. Politicamente, Bradbury, um liberal, opõe-se
a qualquer forma de fascismo ou opressão; mas está longe de ser um homem
de esquerda.6
O presente conto é talvez o de maior sucesso em toda a carreira do autor,
tendo aparecido em inúmeras antologias desde sua primeira publicação em
1952.7
Pode ser definido, bastante adequadamente, como uma “fábula mo-
ral”. Integra uma longa linhagem de histórias de viagens e paradoxos tempo-
rais, subgênero sempre importante na ficção científica e no fantástico desde
suas origens.
O contexto político em que surge o conto é a violenta onda anticomu-
nista que varreu os Estados Unidos no final dos anos 1940 e sobretudo nos
inícios da década de 1950, isto é, na primeira fase da Guerra Fria e durante a
Guerra da Coréia (1950-1953). O senador McCarthy, cujo auge durou de 1952
a 1954 (no último ano, conheceu um declínio brusco, após vários dias em que
a televisão transmitiu os seus debates), foi o seu elemento mais famoso e vi-
sível. O mais impressionante, no entanto, é que, entre 1948 e 1953 sobretu-
6
Ver, sobre o autor, John Clute e Peter Nicholls, op. cit., pp. 151-153.
7
Consultei-o, para elaboração deste artigo, na edição seguinte: Ray Bradbury, “A sound of
thunder”, in ____, Dinnosaur tales, New York, Barnes & Noble, 1996, pp. 51-83. A influência
durável deste conto é demonstrada pelo fato de que, quarenta anos depois de sua primeira
publicação, gerou uma série de romances que explora seu universo ficcional, cujo primeiro
volume foi, de Stephen Leigh, Dinosaur world, New York, Avon, 1992.
5
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
do, muitas instâncias do governo norte-americano e muitas instituições do país
(imprensa, escolas e universidades, igrejas, Hollywood) empreenderam
expurgos e perseguições ideológicas, com freqüência à base de acusações sem
fundamentos sólidos, mesmo em situações que nada tinham a ver com
McCarthy. Seja como for, liberais como Bradbury temiam ver o senador
candidatar-se com sucesso à Presidência da República (medo que, na década
seguinte, se transferiu para outro ultraconservador, Barry Goldwater, que se
tornara senador em 1952).8
Já foi dito que, na literatura de ficção científica, 1952 marca a passa-
gem das narrativas de impérios (sendo o mais famoso o Império Galáctico de
Trantor, criação de Isaac Asimov) para histórias centradas na noção de hýbris:
a soberba humana que precede a queda. Isto tem a ver com a ambigüidade
básica da época diante da tecnologia. Desde a Segunda Guerra Mundial, os
gastos estatais com ciência e tecnologia eram crescentes. As pessoas viam há
várias décadas, aliás, os elementos de bem-estar que, com isto, podiam fazer-
se presentes; mas, concomitantemente, temiam a bomba atômica e, a seguir,
a de hidrogênio, sobretudo depois que tal tecnologia bélica foi adquirida pelos
soviéticos. Os jornais anunciavam, também, efeitos deletérios das radiações
decorrentes dos testes atômicos efetuados no Oeste dos Estados Unidos.
Comentava-se muito, outrossim, o uso que os nazistas haviam dado à tecno-
logia (câmaras de gás e fornos crematórios, por exemplo) e, mais em geral, o
fato de que a mais tecnológica das guerras, que havia terminado recentemente,
fora também a mais mortífera da História. Em função do acesso dos russos à
era nuclear, reforçou-se a histeria anticomunista, que chegou ao auge, no as-
sunto da bomba, em acusações de espionagem a favor dos russos e na execu-
ção do casal Rosemberg em 1953, após um processo que dividiu o país. De
novo, os liberais temiam que, em função deste tipo de histeria e do próprio
medo de uma guerra nuclear, alguém como McCarthy pudesse içar-se à pre-
sidência, apoiando-se numa ideologia militarista, armamentista e
incentivadora de uma “caça às bruxas”.9
Que tivessem razão quanto à reali-
8
Cf. Richard M. Freeland, The Truman doctrine and the origins of McCarthyism, New York, Knopf,
1971; Robert W. Griffith, The politics of fear: Joseph R. McCarthy and the Senate, Rochele Park
(New Jersey), Hayden, 1971; Howard Zinn, Postwar America: 1945-1971, Indianapolis, Bobbs-
Merrill, 1973.
9
Para as características do período considerado na literatura estadunidense de ficção científi-
ca, cf. Ciro Flamarion Cardoso, A ficção científica, imaginário do mundo contemporâneo: Uma in-
trodução ao gênero, Niterói, Vício de Leitura, 2003, pp. 30-35. O cinema é tratado em Carlos
Clarens, An illustrated history of horror and science fiction films, New York, Da Capo Press, 1997,
pp. 118-137.
6
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
dade da ameaça que percebiam, mostra-o o neoconservadorismo atualmente
no poder nos Estados Unidos, com sua vontade de reafirmação da autoridade
e de poda do que vê como “excessos” da liberdade e da democracia.
Este contexto parece influir no tipo de mensagem contido no “conto
moral” de Bradbury. Mensagem que tem um interessante aspecto antifascista,
mas, também, outro menos progressista: pode entender-se como uma afirma-
ção de que a posse da tecnologia, bem como os usos dela, levam a que os
homens interfiram nos desígnios e nos domínios de Deus, coisa que seria
melhor que não fizessem. Eckels é punido por Travis pelo que fez: mas o conto
mostra uma companhia de safáris que, por ganância, realiza correntemente
viagens de alto risco no tempo; e um governo que, em lugar de o impedir,
recebe dinheiro desta companhia e, por isto, mantém a sua licença (passa-
gem em a’: “O governo não gosta que venhamos aqui. Temos de pagar muito
para manter nossa licença.” Todas as traduções de passagens do conto
são de minha autoria).
2.2. Sintaxe narrativa do conto Um ruído de trovão
(segundoométododeClaudeBremond)
Seqüência 1:
a: Em 2055, a viagem no tempo, mediante uma máquina, torna-
ra-se possível. Uma companhia organiza safáris ao passado para
caçar grandes animais extintos, por exemplo, dinossauros.
Nesse mundo futuro, acaba de ocorrer uma eleição presiden-
cial nos Estados Unidos, ganha por Keith, um candidato apre-
sentado como um democrata, contra o reacionário (fascista)
Deutscher.
b: Por ocasião de uma expedição que se prepara para viajar no
tempo ao Cretáceo para a caça a um dinossauro, o cliente
Eckels é avisado pelo funcionário da companhia de safáris no
tempo da necessidade imperativa de obedecer às ordens do
guia Travis, bem como do grande perigo implicado em ca-
7
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
çadas do gênero, nas quais podem morrer tanto guias quanto
caçadores. A expedição parte.
Seqüência 2:
a’: Viajando em direção ao passado na máquina do
tempo, cinco pessoas se dirigem ao Cretáceo: o
guia Travis, seu assistente Lesperance e os caça-
dores Eckels, Billings e Kramer. Chegados ao
destino, os guias explicam as regras: atirar só no
animal marcado com tinta vermelha (Lesperance
viajara sozinho ao passado para marcar um animal
destinado a morrer, no caso, pela queda de um
enorme galho, minutos depois de que nele ati-
rassem os caçadores, quando do safári no tempo),
manter-se sobre a trilha antigravitacional que flu-
tua sobre a floresta. A finalidade das regras em
questão é impedir que alguma interferência no
passado possa causar mudanças no futuro. Em
função disto, determinada teoria da causalidade,
vista com ênfase em seu aspecto temporal, é ex-
posta.
b’: Pondo-se a andar pela trilha, a expedição chega
ao ponto onde o animal visado, um Tyrannosaurus
Rex de nove metros de altura, aparece e avança
sobre os membros da expedição diante de um
movimento de Eckels, o qual entra em pânico
frente ao monstro e põe-se a correr, não rumo à
máquina do tempo, como ordenado por Travis,
8
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
mas sim numa direção que o leva a sair da trilha,
violando, pois, as regras do safári no tempo. Os de-
mais caçadores atiram no tiranossauro, matando-o.
c’: Indo à máquina do tempo para buscar estopa com
que os caçadores se pudessem limpar do sangue
e outros eflúvios do animal morto (que os sujara
quando dos tiros), Travis constata que Eckels, de-
pois de ter vagado fora da trilha, voltara à mesma
e se dirigira à máquina. Cai o galho que, na ordem
natural das coisas, teria matado o tiranossauro.
Seqüência 3:
a” = c’
b”: Voltam todos os demais à máquina do tempo,
onde já estava Eckels. Em conseqüência da ação
deste ao sair da trilha e pisar no musgo da flores-
ta, Travis acha que o futuro está em perigo. Amea-
ça deixar Eckels no Cretáceo. Manda-o buscar as
balas no interior do dinossauro: são objetos do
futuro que não podem ser deixados no passado;
diz que, assim, deixará que Eckels embarque
com eles em direção ao futuro.
c”: Eckels faz o que lhe ordenara Travis. A máquina
se move no tempo em direção ao ano 2055. Travis,
no entanto, declara que ainda poderá matar
Eckels, caso sua ação haja de fato alterado nega-
tivamente o futuro (ou seja, a época à qual per-
tencem).
9
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
(Conclusão da Seqüência 1:)
c: De volta a 2055, de início tudo parece normal. Mas o ar tem algo de
estranho e logo se constata que a ortografia mudou; e que a eleição,
nesta versão de 2055, fora ganha pelo fascista Deutscher, não pelo
democrata Keith. No barro da floresta do Cretáceo que se colou ao
sapato de Eckels, ao sair da trilha, está uma borboleta morta: sua
morte fora o elemento infinitesimal que, multiplicando-se ao reper-
cutir pelo futuro afora, alterara as coisas. Travis atira em Eckels com
seu rifle.
2.3 Análise
Tratemos, primeiramente, do universo diegético do conto, recordando que
por diegese se entende a soma do enredo com o contexto imaginário (universo
ficcional em que a história se desenvolve):
1) trata-se de um mundo futuro (2055 a.C.) em que a viagem no tempo
se tornou possível; em função disto, existe uma companhia (Safári no Tem-
po, Inc.) que organiza expedições de caça ao passado para clientes ricos;
2) neste mundo futuro, acaba de resolver-se uma disputa eleitoral de-
cisiva para a presidência dos Estados Unidos, com vitória de um candidato
democrata sobre outro, fascista; este é o principal elemento que será pertur-
bado por uma pequena ocorrência não programada, que tem lugar num dos
safáris temporais;
3) outra parte do conto desenrola-se numa floresta do período Cretáceo,
com sua flora e fauna, mais de duzentos milhões de anos no passado, recriada
pelo autor segundo as descrições científicas disponíveis em 1952 a respeito;
4) o conto supõe um universo regido por uma estrutura instável da rea-
lidade, de tal modo que qualquer perturbação, mesmo muito pequena, do
esquema das coisas num ponto do tempo tem efeitos que se vão multiplican-
do (efeito dominó ou efeito avalanche). A temporalidade, de seu lado, é
estruturada de tal modo que, quando dos deslocamentos no tempo, evita
automaticamente o paradoxo de uma pessoa encontrar outra versão de si
mesma.
10
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
Passando agora à atorialização (estrutura dos atores intervenientes na
ação), no essencial centra-se na oposição entre o guia de safáris temporais
Travis (que encarna a lei, a regra, a ordem, a liderança e a decisão) e o caçador
Eckels (indisciplinado, medroso: um bobalhão rico, pretensioso e pusilâni-
me). Os outros caçadores não têm personalidades delineadas no conto (agem,
porém, adequadamente, no interior das expectativas a seu respeito que o
contexto impõe). O outro guia, Lesperance, parece uma duplicata de Travis,
porém com maior tendência a ser leniente.
Na continuação desta análise semiótica – narratológica – empreende-
remos agora uma leitura isotópica do conto, no qual podem achar-se quatro re-
des temáticas: 1) a do tempo (configurada como transcurso natural do tempo
versus viajar no tempo); 2) norma/transgressão/punição; 3) democracia versus
fascismo; 4) o mundo do Cretáceo.
Rede temática 1: Alguns elementos figurativos que corres-
pondem à rede temática 1:
Elementos axiológicos
que correspondem à
rede temática 1:
a’: /Não queremos
mudar o futuro. (...)
Uma Máquina do
Tempo é um negó-
cio muito delicado./
; /...temos de ter um
cuidado danado./
b”: /Sabe Deus o
que ele fez ao Tem-
po, à História!/; /[as
balas] não podem
ser deixadas aqui./
a: /...uma gigantesca fogueira que estivesse
queimando o Tempo inteiro.../; /Um toque da
mão e aquele mundo flamejante volta.../; /
Uma Máquina do Tempo de verdade!/.
b: /...viajar sessenta milhões de anos....
a’: /2055 depois de Cristo. 2019. 1999! 1957!
Lá se foi!/; /...os anos consumiam-se entre
eles./; /Sóis fugiam e dez milhões de luas os
perseguiam./; /Cristo ainda não nasceu.../; /
sessenta milhões, dois mil e cinqüenta e cin-
co anos antes do Presidente Keith/. Toda a
discussãodotempoedacausalidadedaspáginas
60-64, na edição citada.
b’: /A sessenta milhões de anos de agora (...)
e aqui estamos nós, perdidos a milhões de
anos de distância.../
c’: /Aí está (...), exatamente a tempo. Esta era
a árvore gigantesca que iria cair e matar ori-
ginalmente o animal./
b”: /Trata-se das balas (...) Elas não perten-
cem ao passado, podem mudar alguma coisa./
c”: /1492. 1776. 1812. (...) 1999. 2000. 2055./
c: /Aquela coisinha linda (...) aquela peque-
na coisa que fora capaz de perturbar e derru-
bar uma linha de pequenos dominós e então
grandes dominós e então gigantescos domi-
nós, ao longo dos anos, através do Tempo./
/tempo/: aparece
como pura referên-
cia à dimensão tem-
poral, reversível no
conto; mas enten-
de-se sobretudo
como dimensão de
uma relação genera-
lizada de causalida-
de; categoriza-se
em oposições:
/transcurso natural
do tempo/
X
/viajar no tempo/
/transcurso natural
do tempo/
X
/perturbação do flu-
xo temporal/
11
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
Rede temática 2:
/norma-transgressão-
punição/
Alguns elementos figurativos que
correspondem à rede temática 2:
Elementos axiológicos
que corres-pondem à
rede temática 2:
a’: /Não queremos
mudar o futuro. (...)
Uma Máquina do
Tempo é um negócio
muito delicado./; /...te-
mos de ter um cuidado
danado./
b”: /Sabe Deus o que
ele fez ao Tempo, à
História!/
b: /Se o senhor desobedecer instru-
ções, está prevista uma pesada mul-
ta (...) além da possibilidade de um
processo governamental.../
a’: /Esta máquina, esta Trilha, suas
roupas e seus corpos foram esterili-
zados, como vocês sabem, antes da
viagem. Usamos estes elmos com
oxigênio para não introduzirmos
bactérias numa atmosfera pretérita./
b’: /Pare com isso! (...) Se a sua arma
disparasse.../; /Verifiquem a cor ver-
melha, pelo amor de Deus! Não ati-
rem até nós ordenarmos. Fiquem na
Trilha. Fiquem na Trilha!/; /Dê meia
volta (...). Caminhe em silêncio para
a máquina. Nós devolveremos a
metade do que pagou./; /Não nessa
direção!/; /Eckels (...) saiu da Trilha
e (...) andou para dentro da floresta.
Seus pés afundaram em musgo ver-
de./
b”: /Você não volta conosco na má-
quina: vamos deixá-lo aqui!/; /Este
filho da mãe quase nos matou. (...)
Ele andou fora da Trilha. Ele saiu./;
/Enfie suas mãos até os cotovelos na
boca dele. Então poderá voltar
conosco./
c”: /Eu o estou avisando, Eckels,
ainda pode ser que eu o mate. Meu
rifle está pronto./
c: /...escutou Travis mudar seu rifle
de posição, mover a trava de segu-
rança e levantar a arma. Ouviu-se
um barulho de trovão./
12
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
Keith: a: /...um ótimo Pre-
sidente dos Estados Uni-
dos/ versus c: /...aquele
maldito fracote do Keith./
Deutscher: a: /...o pior tipo
de ditadura: trata-se de um
homem contrário a tudo,
um militarista, um anti-
Cristo, anti-humano, anti-
intecletual./ versus c: /Ago-
ra nós temos um homem
de ferro, um homem com
cabelo no peito, por Deus!/
a: /Keith ganhou, graças a Deus!/; /
Se Deutscher chegasse lá.../
b’: /...passou o dia da eleição, Keith
foi feito Presidente, todos cele-
bram./
c: /Quem (...) ganhou a eleição pre-
sidencial ontem? (...) Deutscher, cla-
ro. Quem mais poderia ter ganho?/
/democracia X
fascismo/
no mundo de
2055
Rede temática 3:
Alguns elementos figurativos que
correspondem à rede temática 3:
Elementos axiológicos
que correspondem à
rede temática 3:
Rede temática 4:
b: /Um Tyrannosaurus Rex. O mais ter-
rível monstro da história./
b’: /A floresta era alta, a floresta era
larga e a floresta era o mundo inteiro
em todas as direções. (...) pterodácti-
los planando com asas cinzentas e
cavernosas.../; /Ele [= o tiranossauro]
vinha chegando em cima de enormes
pernas azeitadas.../ etc.: todas as des-
criçõesdodinossauro,nestepontoeadi-
ante(seusmovimentos,suaferocidade),
cabemaqui.
c’: /...estranhos pássaros reptilianos e
insetos dourados.../; /A floresta esta-
va viva de novo, cheia dos estremeci-
mentos e gritos de aves de antes./
c: /... uma borboleta, muito bela e
muito morta./
Elementos axiológicos
que correspondem à rede
temática 4:
Alguns elementos figurativos que
correspondem à rede temática 4:
/o mundo do
Cretáceo/
b: /Aqueles dinossauros
são famintos./
a’: /Isto faz a África pare-
cer o Illinois./; /Na verda-
de, não vivem muito (...) a
vida é curta./
b’: /...como morcegos gi-
gantescos saídos do delírio
de uma noite de febre./
13
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
As redes temáticas mais interessantes do conto são provavelmente as
relativas ao tempo (rede 1) e à oposição fascismo/democracia (rede 3). Entre-
tanto, o que transforma este escrito num “conto moral” é sobretudo a segun-
da das redes temáticas: norma/transgressão/punição. O culpado pela
irreparável mudança no fluxo do tempo deve ser punido e o é no final do
enredo, o que configura uma postura moralista bastante tradicional, que tam-
bém podemos achar em muitos outros escritos de Ray Bradbury da década
de 1950.
Talvez seja significativo que o conto contenha uma rede temática (rede
4) relativa às características do mundo do Cretáceo, mas não permita cons-
truir uma análoga para o mundo de 2055. Talvez por tal razão, a descrição do
que mudou no mundo em questão, além da vitória presidencial do outro can-
didato e das formas ortográficas, seja notavelmente vaga:
Eckels estava parado, cheirando o ar: e havia algo no ar, um matiz químico tão
ligeiro que só um fraco grito de seus sentidos subliminares o avisou de que
estivesse ali. As cores – branco, cinzento, azul, alaranjado – na parede, nos
móveis, no céu além da janela, estavam... estavam... E havia uma sensação.
Sua carne estremeceu. Suas mãos estremeceram. Ele ficou parado, bebendo
a estranheza pelos poros de seu corpo. Em algum lugar, alguém devia ter so-
prado em um desses apitos que só um cão pode ouvir. Seu corpo gritava silen-
ciosamente em reação. Além desta sala, além desta parede, além deste ho-
mem que não era exatamente o mesmo homem sentado atrás desta escrivani-
nha que não era exatamente a mesma escrivaninha... estava um mundo intei-
ro de ruas e de gente. Que tipo de mundo era agora? Não havia como saber.
Ele quase podia sentir as pessoas movendo-se lá, além das paredes, como peças
de xadrez rodopiando num vento seco... (pp. 77-80 na edição citada)
Uma passagem como esta é, no entanto, perfeitamente representativa
no tocante às características mais marcantes das preferências estilísticas de
Bradbury.
3.AnálisededuashistóriasemquadrinhosbaseadasnocontodeBradbury
A primeira história em quadrinhos a ser considerada intitulou-se “A
sound of thunder”, em forma idêntica ao conto de Bradbury. Foi desenhada
em 1954 (dois anos após a publicação do conto) por Al Williamson, em preto-
e-branco, como eram então elaboradas as histórias em quadrinhos, e publicada
numa revista da E.C. Comics. A segunda, também com o mesmo título, é de
1993, publicada em fevereiro desse ano em revista da Topps Comics, tendo
14
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
“dinossauros” como tema único. O desenho (colorido) é de Richard Corben,
com textos inseridos por George Roberts.10
Em ambos os casos, poder-se-ia aplicar às histórias em quadrinhos o
mesmo esquema de sintaxe narrativa do conto e achar-se-iam, pela aplicação
da leitura isotópica, as mesmas linhas temáticas (havendo, porém, alguns
desvios de peso na versão de 1954).
3.1.Ashistóriasemquadrinhosdeficçãocientífica:umcontexto
Um primeiro auge da ficção científica nas histórias em quadrinhos pu-
blicadas em revistas ocorreu no início da década de 1950. Incluiu revistas
derivadas de séries de televisão, como Space Patrol (“Patrulha espacial”:1950-
1955) e Tom Corbett, Space Cadet (“Tom Corbett, cadete do espaço”: 1950-
1955), cujas personagens também freqüentavam os jornais diários. Muitas das
narrativas da época refletiam o militarismo – derivado da vitória na Segunda
Guerra Mundial, atribuída em boa parte pelas autoridades e pela opinião
pública à intervenção, nela, dos estadunidenses, e da participação dos Esta-
dos Unidos na Guerra da Coréia (1950-1953) – e a paranóia anticomunista da
primeira fase da Guerra Fria. O melhor da década, entretanto, ficou por con-
ta da E. C. Comics, editora responsável por numerosas revistas, de horror al-
gumas, de ficção científica outras (por exemplo, Weird Science Fantasy, Incredible
Science Fiction). Em tais publicações, cujo público-alvo era basicamente
infanto-juvenil, entre 1950 e 1956 apareceram as melhores histórias de ficção
científica em quadrinhos existentes até então, desenhadas por mestres como
George Evans, Frank Frazetta, Wallace Wood, Al Williamson e outros. Várias
delas foram adaptações de contos de Ray Bradbury e também de outros es-
critores (como a dupla de irmãos que assinava Eando Binder).
O boom da década de 1950 foi interrompido pelos resultados da cam-
panha contra os quadrinhos, chefiada por um médico alemão emigrado para
os Estados Unidos, Fredric Wertham (1895-1981), e da investigação das re-
vistas, levada a cabo por uma subcomissão do Senado, coisas que acabaram
por confluir, levando ao surgimento do Comics Code (“Código das histórias em
quadrinhos”), bem como da Comics Magazine Association of America (“Associa-
10
Al Williamson, “A sound of thunder”, Weird Science-Fantasy, West Plains, E. C. Comics, Vol.
25, no
3, setembro 1954; Richard Corben e George Roberts, “A sound of thunder”, Ray Bradbury
Comics: Dinosaurs, New York, Topps Comics, Vol. 1, no
1, fevereiro 1993.
15
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
ção das Revistas de Histórias em Quadrinhos dos Estados Unidos”) , que se
encarregou da aplicação do código (1954).
A campanha pública de Wertham começou em 1948, culminando no
livro Seduction of the innocent (“A sedução do inocente”), de 1954, em que
expunha casos de delinqüência de menores em que os culpados admitiam,
invariavelmente, ter-se inspirado nas histórias em quadrinhos, assim enfocadas
como um fator do aumento, percebido na época, da violência e da
criminalidade, em sua modalidade infanto-juvenil. Em 1948 já haviam ocor-
rido queimas públicas de revistas de histórias em quadrinhos. O Senado ins-
talou em 1950 uma comissão para investigar o crime organizado, a qual, numa
subcomissão específica, ouviu grande quantidade de pessoas – incluindo o
Dr. Wertham e desenhistas e editores dos quadrinhos – e, em 5 de junho de
1954, concluiu pela má influência desta forma de expressão, em especial
quando a temática fosse o crime ou o horror.
Em tal contexto, ameaçados de extinção – a comissão senatorial reco-
mendava a eliminação da produção, distribuição e venda das revistas em
quadrinhos –, os editores destas revistas formaram a sua Associação já men-
cionada, que adotou, em 26 de outubro de 1954, o aludido Comics Code, a ser
por ela gerido, num processo de autocensura (o que a subcomissão senatorial
declarou no ano seguinte ser um passo positivo). Posteriormente aplicado pela
Comics Code Authority, o código foi modificado em 1971 e 1994; ainda em vigor
na atualidade, na prática seu rigor diminuiu com o tempo. Mas tal código não
parece ter resultado unicamente de uma reação de defesa dos editores amea-
çados: houve igualmente um conluio dos outros editores contra o sucesso de
público de William Gaines e sua E. C. Comics, no sentido de eliminá-los do
mercado. Isto se nota, por exemplo, num dos pontos específicos do código
em sua forma original: a proibição de cenas de violência associadas a
licantropia, vampirismo, almas penadas, etc. A E. C. Comics tivera especial
êxito com seus títulos de horror, recheados de almas do outro mundo, vampi-
ros e lobisomens. E, de fato, Gaines retirou do mercado a maior parte de seus
títulos pouco após a aprovação, pela subcomissão senatorial, do código e da
Associação (que nomeara um administrador do código) como “passos na di-
reção certa”. Seguiu-se um período de estagnação e falta de originalidade nos
quadrinhos dos Estados Unidos.
Nestas últimas décadas, em especial a partir da segunda metade da
década de 1970, mudanças consideráveis na linguagem e nos temas chega-
ram ao mundo dos quadrinhos – incluindo os de ficção científica – devido a
16
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
uma enorme influência das formas da narrativa cinematográfica (em especial
no tocante à montagem “nervosa” dos filmes de aventuras à maneira de In-
diana Jones) e dos videoclips televisivos, mas também à junção de tradições
da própria história em quadrinhos, até então separadas ou paralelas. De fato,
se examinarmos títulos recentes, com freqüência se poderá notar a confluên-
cia das tradições anglo-saxã (sobretudo norte-americana), franco-belga e ja-
ponesa em diversos níveis: linguagem específica (no sentido semiótico do
termo, isto é, verbal e não-verbal: no caso, gráfica) no uso do meio de expres-
são, temáticas, desenho. É mais freqüente, agora, a publicação de histórias
em quadrinhos destinadas a um público adulto.11
3.2. A história em quadrinhos de 1954
O contexto histórico norte-americano em que surge esta história em
quadrinhos é similar ao do conto de Bradbury: dois anos somente separam os
dois textos. No entanto, além das mudanças devidas à transcodificação – pas-
sagem da literatura (que só emprega palavras) à história em quadrinhos (ima-
gens e palavras, teoricamente com predomínio das primeiras) – e à
condensação de conteúdos realizada, posto que se trata de material que só
ocupa sete páginas, há outras que se prendem à autocensura da época no to-
cante a histórias deste tipo, destinadas ao público infanto-juvenil. A mudan-
ça mais significativa é, a respeito, a eliminação do episódio final da morte de
Eckels por Travis. Outra mudança relativamente fácil de explicar se deve a
um motivo ligado à política exterior dos Estados Unidos naqueles anos: a
reaproximação com a Alemanha em função do Plano Marshall e da criação da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (1949). Neste contexto, o candi-
dato fascista às eleições deixa de ter um nome germânico, Deutscher (que
pareceria indicar alguma propensão dos alemães, como tais, ao nazismo), pas-
sando a chamar-se Lyman. Já no caso de Lesperance passar a chamar-se
Lesper, a razão poderia ser a complicação do nome francês para crianças de
língua inglesa: Lesper seria mais fácil de pronunciar (ou de ler).
As histórias em quadrinhos, na vertente norte-americana, mostravam
forte influência dos estudos de Belas Artes empreendidos por seus desenhis-
tas, numa tradição de representação derivada, em última análise, da arte gre-
ga e sua reinterpretação renascentista (os desenhos dos quadrinhos japone-
ses ou mangá foram sempre muito mais sumários, caricaturais). A linguagem
11
Ciro Flamarion Cardoso, A ficção científica, op. cit., pp. 42-47.
17
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
da década de 1950 é fortemente convencional, com poucas ousadias gráficas,
na composição e na diagramação. O desejo de fidelidade ao original de
Bradbury levou, outrossim, a uma quantidade muito grande de texto – mes-
mo para aquela época – em relação às imagens. No conjunto, à parte as modi-
ficações citadas e algumas outras (eliminação dos capacetes vinculados ao
abastecimento de oxigênio que, no conto, se explicam pelo desejo de não
contaminar com bactérias modernas a atmosfera cretácea), a adaptação é bem
mais fiel do que o costumeiro nas histórias em quadrinhos. No que tange ao
desenho das personagens, como no conto, mantém-se a dualidade básica
Travis-Eckels. Travis, seu assistente e os outros caçadores (Billings, Kramer)
têm um aspecto clean e vagamente militar (o fato de Travis aparecer fumando
no primeiro quadrinho não era considerado “politicamente incorreto” em
1954). Um defeito desta produção de Williamson é a grande semelhança físi-
ca entre Eckels e o funcionário da companhia de safáris no passado, que apa-
rece no início e no final da história. Ambos espelham uma imagem masculina
desagradável: meia idade, rosto de traços amolecidos, ventre um tanto proe-
minente, bigode, início de calvície.
Como no conto, os cenários em que se movem as personagens são o
mundo de 2055 e o mundo do Cretáceo. Notam-se características típicas das
histórias em quadrinhos da época na arquitetura (o edifício da empresa Safári
no Tempo visto de longe, as colunas que sustentam a sala onde está a máqui-
na do tempo) “moderna” (despojada) de então, projetada no futuro nesta
história. Quanto à máquina do tempo em forma de cúpula, trata-se de um tipo
de desenho muito presente nas histórias em quadrinhos desde pelo menos
vinte anos antes (o Flash Gordon de Alex Raymond). A reconstituição do
Cretáceo não é cuidadosa quanto à flora e ao tiranossauro, indicando pouca
pesquisa prévia ao desenho. Seja como for, o dinossauro em questão, como
se acreditava naqueles anos, é eminentemente reptiliano (o erro das patas
dianteiras com três dedos em lugar de dois era comum nas reconstituições
antigas).12
12
A discussão acerca da possível endotermia (ou homoiotermia, em oposição a poikilotermia)
dos dinossauros – um assunto até hoje em dia muito controverso – chegou ao grande público
nas décadas de 1970 e 1980 e foi o fator de longe mais importante na mudança que desde
então se nota nas reconstituições da aparência destes animais. Ver, por exemplo, nos primórdios
do debate em livros para o grande público, escritos por cientistas: Michael Allaby e James
Lovelock, The great extinction, New York, Doubleday, 1983, pp. 110-112, 149-156; Alan Charig,
A new look at the dinosaurs, London, Heinemann-British Museum (Natural History), 1979, pp.
129-132; Alan J. Desmond, The hot-blooded dinosaurs, London, Blond & Briggs, 1975.
18
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
A aplicação da leitura isotópica mostraria as mesmas redes temáticas
que no conto. Enquanto, dentro das possibilidades dos quadrinhos, a primei-
ra se mostra bastante fiel a como havia sido apresentada por Bradbury, há duas
redes singularmente empobrecidas aqui: a que chamamos /norma-transgres-
são-punição/, pela eliminação da cena final em que Travis atira em Eckels
(roubando a história, além do mais, da última metáfora de um “ruído de tro-
vão”); e a terceira rede, enfraquecida pela falta de ênfase e contraste na figu-
ra do funcionário da companhia dos safáris temporais, no início e no fim da
história: neste caso, a diferença no resultado das eleições presidenciais pare-
ce só constituir uma ilustração do que se disse anteriormente acerca da pos-
sibilidade de uma pequena ação ter grandes conseqüências ao longo do tem-
po, sem maior importância em si mesma. Com isto, os aspectos de aventura e
paradoxo passam a primar sobre o aspecto político, mais presente no conto
(que é, entre outras coisas, um velado libelo contra o senador McCarthy, em
seu apogeu em 1952).
3.3. A história em quadrinhos de 1993
A primeira coisa que chama a atenção na versão de 1993 é a página de
título. Edifícios em mau estado, calçadas repletas de gente, ruas engarrafa-
das, atmosfera sombria, contrastando com o brilho de um anúncio publicitá-
rio gigantesco... Constatamos uma influência evidente da visão pessimista do
futuro, presente no filme que inaugurou, em 1982, uma tendência da ficção
científica, ainda vigente hoje em dia, conhecida depois como cyberpunk: Blade
runner. O caçador de andróides, dirigido por Ridley Scott.
Mais longa que a versão de 1954 – sem contar a página de título, onze
páginas, em comparação com as sete da versão anterior –, esta aparece plas-
mada em linguagem bastante diversa: há menos texto escrito em muitas pas-
sagens; as imagens primam sobre as falas e legendas; a diagramação é mais
“moderna” e ousada (se bem que, no contexto das histórias em quadrinhos
da década de 1990, relativamente “bem-comportada”); nota-se sem dificul-
dade a influência de técnicas cinematográficas (campo-contracampo, primeiro
plano, etc.). A maquinaria representada é, no entanto, voluntariamente “retrô”:
a máquina do tempo em forma de ovo “plúmbeo” deriva, ao que parece, da-
quela do famoso conto de tema cretáceo “The sands of time” (“As areias do
19
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
tempo”), de P. Schuyler Miller, publicado pela primeira vez em 1937;13
mes-
mo assim, alguns quadrinhos mostram terminais de computadores, natural-
mente ausentes no conto de 1952 e na história em quadrinhos de 1954. O
aspecto militarista (à maneira, desta feita, de comandos ou da SWAT) foi até
mesmo fortalecido – coisa sem dúvida comum nos quadrinhos atuais – em
relação a 1954; e, desta vez, os capacetes com abastecimento de oxigênio,
mencionados por Bradbury, foram mantidos, o que dá um ar meio espacial às
figuras em sua viagem à Pré-História.
Se o aspecto de Eckels torna-se ainda mais desagradável do que em
1954 (especialmente repugnante quando caído de costas na grama, fora da
trilha), o herói, Travis, tem agora cabelo relativamente longo e não cortado à
escovinha. As figuras são mais caricaturais do que na versão mais antiga. Houve
um esforço bem maior de construir a individualidade de cada personagem,
mesmo das secundárias. Especialmente interessante é o contraste no aspec-
to do funcionário da empresa de safáris temporais no fim da história com o
que apresentava no inicio da mesma: corte de cabelo diferente (militarista,
num estilo quase skinhead no final), roupa agora rigidamente arrumada, a ex-
pressão benigna de repente substituída por um esgar digno de um fascista de
folhetim. Cedendo ao politicamente correto que está na moda, as persona-
gens não são todas anglo-saxões brancos: Eckels parece latino (o protagonis-
ta, Travis, tem aspecto anglo-saxão; o antagonista, Eckels, aspecto latino: tal-
vez a história em quadrinhos de 1993 não seja, afinal de contas, tão politica-
mente correta assim...); Lesperance é negro. Continuam sendo, porém, to-
das masculinas, como no conto de Bradbury.
No conjunto, trata-se de versão mais fiel ao conto, não somente na
ênfase que o detalhe mencionado do funcionário da empresa empresta à li-
nha temática /democracia versus fascismo/, como também na manutenção do
final violento da história (trata-se, agora, de história em quadrinhos para adultos
e o auge do rigor do Comics Code ficou longe no passado), que preserva muito
melhor a linha temática /norma-transgressão-punição/. A reconstituição da flora
do Cretáceo foi mais bem pesquisada; e o tiranossauro parece, como muitos
hoje em dia acreditam, um animal de sangue quente, menos reptiliano (os
pterodáctilos, entretanto, têm aspecto similar ao de reconstituições já defasadas).
13
Lido em P. Schuyler Miller, “The sands of time”, in Martin Harry Greenberg, Joseph
Holander e Robert Silverberg (orgs.), Dawn of time: Prehistory through science fiction, New York,
Elsevier, 1979, pp. 44-78.
20
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
4.Oepisódiotelevisivode1989
- Título: A sound of thunder (Um ruído de trovão)
- Diretor: Costa Botes
- Roteirista: Ray Bradbury, baseado em seu conto de 1952
- Estúdios envolvidos: Atlantis Films Limited, Grahame M. Lean Associates
Limited, em associação com Wilcox Productions e Alarcom Incorporated (tra-
ta-se de uma co- produção do Canadá e da Nova Zelândia).
- Produtores: Jonathan Goodwill e Grahame McLean
- Diretor de fotografia: Stuart Dryburgh
- Diretor de arte: Mark Robins
- Edição: John McWilliam
- Efeitos especiais: Kevin Chisnall
Elenco:
Eckels: Kiel Martin
Travis: John Bach
Agente da companhia de safáris temporais: Michael McLeod
Caçadores: Michael Butley e John McDavitt.
O episódio que ora analisamos integrou a série antológica (ou seja, com-
posta de episódios unidos somente pela introdução de cada um feita por Ray
Bradbury, sem ligação ou unidade temática ou de personagens entre si) in-
ternacional – envolveu Grã-Bretanha, França, Canadá e Nova Zelândia – The
Ray Bradbury Theater (1985-1989), “O teatro de Ray Bradbury”.14
Apresenta as características típicas de programas de televisão dotados
de orçamento baixo. Os efeitos especiais e as maquetes (da máquina do tem-
po, do dinossauro), por exemplo, são canhestros a ponto de diminuir o im-
pacto de um programa cujo roteiro é, no entanto, inteligente e muito bem
articulado.
O fato de Ray Bradbury, o autor do conto de 1952, ser o roteirista do
episódio da série televisiva permite-nos observar que tratamento deu à sua
própria história, num outro meio de expressão, trinta anos após a publicação
do conto. O escritor foi fiel, no essencial, ao seu conto, ao adaptá-lo para um
episódio curto de TV (22 minutos). A sintaxe narrativa é quase a mesma, com
pequenas variações (por exemplo: Eckels, embora saia da trilha, como no
14
Robert Fulton, The encyclopedia of TV science fiction, London, Boxtree, 1990, pp. 363-365.
21
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
conto, apavorado pelo tiranossauro que se aproxima, no episódio de TV, de
fora dela atira, em pânico, no momento em que os outros caçadores e o guia
abatem o animal, acertando as árvores à volta – portanto, interferindo no pas-
sado bem mais do que no texto original e assim aumentando sua responsabi-
lidade pelos efeitos sobre o século XXI de suas ações quando do safári tem-
poral). O elenco foi simplificado pela eliminação do segundo guia, Lesperance,
e pelo fato de serem os outros caçadores simples figurantes, sem falas. Mais
interessante, no entanto, é observar o que de mais substantivo mudou.
Ao adaptar seu texto para um contexto de representação dramática para
grande público, que busca sublinhar os aspectos emotivos, Bradbury, inteli-
gentemente, introduziu um fio condutor que atravessa todo o episódio: a
antipatia, o desprezo e o antagonismo do guia Travis por Eckels manifestam-
se desde que se encontram e vão aumentando sistematicamente, a custo con-
tidos, até o episódio final em que o mata.
Tal como nas histórias em quadrinhos, as discussões filosóficas e meta-
fóricas sobre o tempo e a viagem no tempo tiveram de ser drasticamente re-
duzidas e simplificadas. Também aqui, verificamos uma opção interessante
de Bradbury como roteirista, ao pôr na boca de Eckels – que, nesta versão, é
um escritor de obras de imaginação (incluindo uma sobre caça a dinossauros),
na busca de tornar reais as suas fantasias heróicas, sem ter a fibra necessária
para tanto – em duas ocasiões, considerações floridas e excessivamente lite-
rárias sobre o tempo, que têm o efeito de, assim recitadas, parecer ridículas
(estaria Ray Bradbury criticando sutilmente seu próprio estilo de décadas
atrás?!) e alimentam o crescente desprezo de Travis por seu rico e pretensio-
so cliente. Também Travis se refere ao tempo, mas é para recordar as regras
impostas aos membros dos safáris temporais devido ao perigo de interferência
no futuro, mediante ações no passado longínquo, em passagem com contraponto
de Eckels, que segue de perto (com menos palavras) o conto de 1952.
Travis, nesta versão, não é jovem. Bem entrado na meia-idade, recorda
os coronéis vindos da Índia, nos romances de Agatha Christie, com sua fala
em frases simplificadas de poucas palavras, no estilo que em inglês é chama-
do de clipped talk (literalmente, “fala podada”) e seu sotaque britânico. Isto
aumenta seu contraste como personagem com o (nesta versão) insuportavel-
mente prolixo Eckels. Aliás, de modo adequado a um meio que é predomi-
nantemente visual, Bradbury, mais em geral, limitou o quanto pôde os diálo-
gos, em número, e encurtou as falas.
22
Ciro Flamarion Cardoso Dossiê
Outra novidade foi a concessão ao ecologismo, forte nas décadas de 1970
e 1980 (mas não em 1952): ainda na sede da companhia de safáris no tempo,
Travis volta-se contra Eckels por ter caçado, ilegalmente, animais de espé-
cies africanas ameaçadas de extinção.
Conclusão
Hoje em dia, a crítica das pretensões cientificistas à outrance de um
passado ainda próximo sublinham que, quando contamos, descrevemos ou
analisamos uma obra de ficção, ao mesmo tempo a estamos interpretando, já
que a reconstruímos (ou desconstruímos) pelo ato de análise e o que oferece-
mos não pode ser confundido com a obra em si – uma representação, por ser
representação, não é o real representado. No entanto, as conseqüências que
podem ser extraídas de uma tal constatação variam muito. Podem ir, em ca-
sos extremos, até a reivindicação de total liberdade para o crítico ou o analista
diante do texto. Note-se, entretanto, que, nos debates, posições assim são
assumidas freqüentemente em níveis filosóficos muito amplos ou no tocante
à análise estética. Em nossa opinião, uma postura destas não teria sentido
algum ao tratar-se de uma análise da ordem da hermenêutica histórica (no
sentido da parte inicial da crítica interna) de obras a serem utilizadas, como
fontes, para finalidades ligadas à ação de escrever História. Embora sejamos
contrários – filosófica, política e epistemologicamente – à desconstrução num
plano geral, cremos que há razões específicas para recusar suas posições mais
excessivas no contexto em que estamos tratando da análise de obras ficcionais
neste momento.
Aqui se adota, então, a postura semiótica de Umberto Eco em Interpre-
taçãoesuperinterpretação:
Se há algo a ser interpretado, a interpretação deve falar de algo que deve ser
encontrado em algum lugar, e de certa forma respeitado. (...) Entre a história
misteriosa de uma produção textual e o curso incontrolável de suas interpre-
tações futuras, o texto enquanto tal representa uma presença confortável, o
ponto ao qual nos agarramos.15
Embora, semioticamente, não faça sentido reivindicar respeito às in-
tenções do autor empírico, pelo contrário, o respeito ao texto é imperativo.
Em suma, a semiótica textual e narrativa – quer se trate de literatura, cinema,
15
Umberto Eco, Interpretação e superinterpretação, trad. MF (sic), São Paulo, Martins Fontes,
1993, pp. 51, 104.
23
Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória
TV ou história em quadrinhos – tem de se ocupar com as configurações
comprovadamente presentes no texto: as opiniões sobre isto podem legiti-
mamente variar segundo as teorias e, portanto, as hipóteses de trabalho que
forem adotadas por diferentes analistas, mas não há dúvida de que certas
análises podem ser descartadas como ilegítimas, por não encontrarem respal-
do nas configurações internas do texto.
Escrevendo sobre o cinema, afirmamos certa vez o seguinte:
No cinema, a sociedade, mais do que mostrada, é encenada (isto, mesmo nos
filmes realistas ou neo-realistas). Os filmes operam necessariamente escolhas
do que mostram ou omitem, de como mostram; organizam os elementos en-
tre si, recortam no real e no imaginário, constróem um mundo ficcional cujas
relações com o mundo real são complexas. O filme tanto pode pretender ser
reflexo quanto recusa daquilo que existe; mas será sempre um ponto de vista
sobre certos aspectos do mundo em que nasceu, estruturados em sua narra-
tiva de determinadas maneiras que o analista deve procurar.16
Muito mais ainda do que no caso do cinema, seria um erro metodológico
de peso querer “ler” numa obra literária, ou em histórias em quadrinhos, ou
num episódio de TV, a totalidade da sociedade e da História de uma época.
Tentativas deste tipo, que sempre ultrapassam em muito o que a fonte per-
mitiria afirmar, têm habitualmente bem mais a ver com o historiador que
analisa do que com a obra selecionada como testemunho. É fácil aplicar o
conhecimento post hoc retrospectivamente e atribuir poderes analíticos ou até
mesmo preditivos à literatura, tanto quanto ao cinema. O antídoto para uma
tal deficiência metodológica é tratar de retornar o tempo todo, incansavelmen-
te, ao texto mesmo, à materialidade de seu discurso, de seus parâmetros
interpretativos.
Observando-se a precaução indicada, as obras geradas pela cultura de
massa – com maior facilidade, talvez, do que as vinculadas a uma alta cultura
intelectual e dotadas de uma rica estruturação interna de seu universo ficcional
que dificulte a captação de suas relações com o social – permitem entender
melhor o período que as viu nascer, ao passo que o conhecimento de tal pe-
ríodo permite, reciprocamente, entendê-las melhor.17
16
Ciro Flamarion Cardoso, Ensayos, San José, Editorial de la Universidad de Costa Rica, 2001, p. 63.
17
Nossa opção metodológica, nas análises empreendidas neste artigo, não passa de uma pos-
sibilidade dentre muitas possíveis; para algumas outras ver: Jenaro Talens, José Romera Castillo,
Antonio Tordera e Vicente Hernández Esteve, Elementos para una semiótica del texto artístico
(Poesía, narrativa, teatro, cine), Madrid, Cátedra, 1995.

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  • 1. 17 • Tempo 1 Umcontoesuastransformações: ficçãocientíficaeHistória* Ciro Flamarion Cardoso** 1.Consideraçõesteórico-metodológicas Estudaremos, neste artigo, um conto de ficção científica de autoria de Ray Bradbury, “Um ruído de trovão”, escrito em 1952, bem como diferentes transcodificações suas, ocorridas em 1954 (história em quadrinhos), 1989 (epi- sódio de série de TV) e 1993 (nova história em quadrinhos). Os referenciais temáticos centrais tanto do conto quanto de suas transcodificações são, por um lado, o tempo ou, mais exatamente, a estrutura do tempo e sua possível transformação; por outro, uma preocupação política com o perigo de um regi- me democrático poder descambar, ao que parece com rapidez e sem grande dificuldade, para uma ditadura da pior espécie. A noção de tempo é capital, tanto científica quanto existencialmente, e, ao mesmo tempo, muito difícil de definir devido à sua ambigüidade, já que, em diferentes contextos, significa coisas de fato bastante variáveis: (...) o símbolo t dos físicos é falaciosamente simples como representação ‘da- quilo que entendemos como tempo’. É útil em expressões formais e seu sig- nificado não precisa ser questionado. Entretanto, se perguntarmos de que * Artigo recebido em fevereiro de 2004 e aprovado para publicação em abril de 2004. ** Professor Titular do Departamento de História da UFF. Tempo, Rio de Janeiro, nº 17, pp. 129-151
  • 2. 2 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê modo se supõe que esteja relacionado com o que todos nós conhecemos no íntimo como nossa existência no tempo, seremos enviados à Psicologia. Esta, uma ciência que lida sobretudo com processos mentais, quase nada tem a di- zer sobre o símbolo t dos físicos. Procurando algo comum ao tempo dos psicó- logos e dos físicos, poderíamos inquirir o que a Psicologia diz acerca de como nosso sentimento de devir contínuo se relaciona com o devir contínuo do mundo físico, incluindo as questões cruciais do início e do fim do tempo. Para uma resposta, talvez nos enviem à religião. Mas a religião e a Teologia se re- ferem sobretudo a propósito e a história, não a sentimentos e a símbolos físi- cos. Poderíamos avançar até a Filosofia e indagar sobre as relações, se é que existem, entre o sentimento de duração, o propósito aparentemente percep- tível na natureza e o tempo útil do físico. A Filosofia (...) tem muito a contri- buir no tocante ao esclarecimento do problema do tempo. Mas (...) esbarra em certas antinomias que, segundo parece, não podem ser solúveis senão com a ajuda de especialista.1 Isto significa que, em nossas indagações sobre o que o tempo é em si, objetivamente, como uma dimensão (um “receptáculo”, tal como o espaço, em que os eventos se desenvolvem), mas também sobre o que ele é para nós, subjetiva ou existencialmente, seria bem provável corrermos o risco de que nos empurrassem em diferentes direções e nos lançassem aos braços das mais diversas disciplinas.2 O nosso objeto textual é, porém, um conto de ficção científica. Situa- se, portanto, no campo da exploração ficcional da dimensão temporal que, no gênero em questão – e é o caso no conto que nos interessa – toma com fre- qüência o aspecto dos paradoxos temporais, vinculados a uma hipotética via- gem no tempo. Em tal contexto, uma das variantes é a que o conto de Bradbury ilustra: aquela em que o ponto de partida dos viajantes no tempo, ou seja, seu presente, é modificado em profundidade devido a alguma ação sua – com fre- qüência trivial e impensada, o que dá lugar ao paradoxo – no passado ao qual viajaram. É possível, aliás, que “Um ruído de trovão” seja o mais famoso de todos os escritos ficcionais nessa linha.3 1 J. T. Fraser, “Introduction”, ____ (org.), The voices of time: A cooperative survey of man’s views of time as expressed by the sciences and by the humanities, New York, George Braziller, 1966, p. XVIII. 2 Ver Julio Arióstegui, La investigación histórica: Teoría y método, Barcelona, Crítica, 2001, pp. 209-222; Ciro Flamarion Cardoso, Introducción al trabajo de la investigación histórica, Barcelona, Crítica, 1981, pp. 195-216. 3 Cf. John Clute e Peter Nicholls, The encyclopedia of science fiction, New York, St. Martins’ Griffin, 1995, p. 1226.
  • 3. 3 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória A alteração assim efetuada no plano temporal de que procedem os via- jantes pode ser, em ficção científica, de diferentes tipos. No caso que nos interessa, trata-se de uma alteração política: em lugar de um presidente de- mocrata dos Estados Unidos, que fora o vencedor das eleições em 2055, ao embarcarem na máquina do tempo, à sua volta ao mesmo ano do século XXI, os viajantes temporais constatam que o vencedor, nesta versão alterada de seu próprio tempo, fora, pelo contrário, um candidato fascista. Ora, não so- mente a política é tema muito freqüentado em ficção científica – que, como cultura popular ou de massa que é, está sempre atenta aos medos e às aspira- ções predominantes em cada época e trata de projetá-los num futuro que é metafórico de certos aspectos do presente – como também é verdade que as atividades do senador Joseph McCarthy (1909-1957) foram metaforicamen- te criticadas, nas revistas de ficção científica da primeira metade da década de 1950, com alguma freqüência: por não ser muito levado a sério em seu impacto social, o gênero abrigava um tipo de crítica política que, em setores mais visíveis e portanto mais visados de escritos, poderia ser muito perigosa para o escritor.4 Nesta exploração dos vínculos recíprocos entre a História e a literatura – o impacto social de uma dada época sobre os escritos ficcionais e o uso des- tes para esclarecer aspectos de sua época – usaremos, como método, a Semiótica Textual em uma de suas modalidades: a Narratologia ou teoria e análise das narrativas. A escolha se justifica pelo fato de nos interessar não somente o conto de Bradbury, como o que ocorreu com ele ao servir de base a histórias em quadrinhos e a um episódio de série de TV. A narrativa é um traço de união, algo comum à história em seus três veículos, portanto, permi- te um terreno metodológico comum à pesquisa a ser empreendida. Quanto à modalidade de análise escolhida no campo da Semiótica Textual, trata-se da derivada de Algirdas Julian Greimas, por nós exposta em detalhe, há alguns anos, num volume de natureza teórico-metodológica, em versão adaptada ao trabalho em História.5 4 Idem, ibidem, p. 946. Como explicou um escritor e crítico de ficção científica, “Ninguém, de fato, escreve sobre o futuro. Os escritores usam situações futuristas para iluminar mais forte- mente os problemas e oportunidades do presente”, Ben Bova, Challenges, New York, Tor, 1993, p. 295. 5 Ciro Flamarion Cardoso, Narrativa, sentido, História, Campinas, Papirus, 1997.
  • 4. 4 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê 2. Análise do conto Um ruído de trovão (A sound of thunder), de Ray Bradbury 2.1. O autor e seu texto Ray Bradbury nasceu em 1920. Escritor de histórias fantásticas e de ficção científica, teve seu auge literário entre 1946 e 1955; foi um dos poucos autores do gênero que veio a ser considerado como autor tout court, integran- te dos escritores do que se conhece em inglês como mainstream fiction. Seu estilo é poético, cheio de simbolismos, nostálgico de um passado irrecuperável (em especial o das pequenas cidades norte-americanas do início do século XX), com forte tendência ao estranho e ao macabro. No fundo, trata-se de um au- tor mais de fantasia com toques de horror do que de ficção científica: no con- to em análise – cuja temática é, no entanto, clássica em ficção científica – a referência à máquina do tempo parece poética e metafórica, não tecnológica. Os melhores escritos de Bradbury são Crônicas marcianas (contos interligados num todo, em 1950), Fahrenheit 451 (que tomou forma de romance em 1953) e um punhado de contos do final da década de 1940 e início da seguinte – entre eles, o que examinamos. Politicamente, Bradbury, um liberal, opõe-se a qualquer forma de fascismo ou opressão; mas está longe de ser um homem de esquerda.6 O presente conto é talvez o de maior sucesso em toda a carreira do autor, tendo aparecido em inúmeras antologias desde sua primeira publicação em 1952.7 Pode ser definido, bastante adequadamente, como uma “fábula mo- ral”. Integra uma longa linhagem de histórias de viagens e paradoxos tempo- rais, subgênero sempre importante na ficção científica e no fantástico desde suas origens. O contexto político em que surge o conto é a violenta onda anticomu- nista que varreu os Estados Unidos no final dos anos 1940 e sobretudo nos inícios da década de 1950, isto é, na primeira fase da Guerra Fria e durante a Guerra da Coréia (1950-1953). O senador McCarthy, cujo auge durou de 1952 a 1954 (no último ano, conheceu um declínio brusco, após vários dias em que a televisão transmitiu os seus debates), foi o seu elemento mais famoso e vi- sível. O mais impressionante, no entanto, é que, entre 1948 e 1953 sobretu- 6 Ver, sobre o autor, John Clute e Peter Nicholls, op. cit., pp. 151-153. 7 Consultei-o, para elaboração deste artigo, na edição seguinte: Ray Bradbury, “A sound of thunder”, in ____, Dinnosaur tales, New York, Barnes & Noble, 1996, pp. 51-83. A influência durável deste conto é demonstrada pelo fato de que, quarenta anos depois de sua primeira publicação, gerou uma série de romances que explora seu universo ficcional, cujo primeiro volume foi, de Stephen Leigh, Dinosaur world, New York, Avon, 1992.
  • 5. 5 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória do, muitas instâncias do governo norte-americano e muitas instituições do país (imprensa, escolas e universidades, igrejas, Hollywood) empreenderam expurgos e perseguições ideológicas, com freqüência à base de acusações sem fundamentos sólidos, mesmo em situações que nada tinham a ver com McCarthy. Seja como for, liberais como Bradbury temiam ver o senador candidatar-se com sucesso à Presidência da República (medo que, na década seguinte, se transferiu para outro ultraconservador, Barry Goldwater, que se tornara senador em 1952).8 Já foi dito que, na literatura de ficção científica, 1952 marca a passa- gem das narrativas de impérios (sendo o mais famoso o Império Galáctico de Trantor, criação de Isaac Asimov) para histórias centradas na noção de hýbris: a soberba humana que precede a queda. Isto tem a ver com a ambigüidade básica da época diante da tecnologia. Desde a Segunda Guerra Mundial, os gastos estatais com ciência e tecnologia eram crescentes. As pessoas viam há várias décadas, aliás, os elementos de bem-estar que, com isto, podiam fazer- se presentes; mas, concomitantemente, temiam a bomba atômica e, a seguir, a de hidrogênio, sobretudo depois que tal tecnologia bélica foi adquirida pelos soviéticos. Os jornais anunciavam, também, efeitos deletérios das radiações decorrentes dos testes atômicos efetuados no Oeste dos Estados Unidos. Comentava-se muito, outrossim, o uso que os nazistas haviam dado à tecno- logia (câmaras de gás e fornos crematórios, por exemplo) e, mais em geral, o fato de que a mais tecnológica das guerras, que havia terminado recentemente, fora também a mais mortífera da História. Em função do acesso dos russos à era nuclear, reforçou-se a histeria anticomunista, que chegou ao auge, no as- sunto da bomba, em acusações de espionagem a favor dos russos e na execu- ção do casal Rosemberg em 1953, após um processo que dividiu o país. De novo, os liberais temiam que, em função deste tipo de histeria e do próprio medo de uma guerra nuclear, alguém como McCarthy pudesse içar-se à pre- sidência, apoiando-se numa ideologia militarista, armamentista e incentivadora de uma “caça às bruxas”.9 Que tivessem razão quanto à reali- 8 Cf. Richard M. Freeland, The Truman doctrine and the origins of McCarthyism, New York, Knopf, 1971; Robert W. Griffith, The politics of fear: Joseph R. McCarthy and the Senate, Rochele Park (New Jersey), Hayden, 1971; Howard Zinn, Postwar America: 1945-1971, Indianapolis, Bobbs- Merrill, 1973. 9 Para as características do período considerado na literatura estadunidense de ficção científi- ca, cf. Ciro Flamarion Cardoso, A ficção científica, imaginário do mundo contemporâneo: Uma in- trodução ao gênero, Niterói, Vício de Leitura, 2003, pp. 30-35. O cinema é tratado em Carlos Clarens, An illustrated history of horror and science fiction films, New York, Da Capo Press, 1997, pp. 118-137.
  • 6. 6 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê dade da ameaça que percebiam, mostra-o o neoconservadorismo atualmente no poder nos Estados Unidos, com sua vontade de reafirmação da autoridade e de poda do que vê como “excessos” da liberdade e da democracia. Este contexto parece influir no tipo de mensagem contido no “conto moral” de Bradbury. Mensagem que tem um interessante aspecto antifascista, mas, também, outro menos progressista: pode entender-se como uma afirma- ção de que a posse da tecnologia, bem como os usos dela, levam a que os homens interfiram nos desígnios e nos domínios de Deus, coisa que seria melhor que não fizessem. Eckels é punido por Travis pelo que fez: mas o conto mostra uma companhia de safáris que, por ganância, realiza correntemente viagens de alto risco no tempo; e um governo que, em lugar de o impedir, recebe dinheiro desta companhia e, por isto, mantém a sua licença (passa- gem em a’: “O governo não gosta que venhamos aqui. Temos de pagar muito para manter nossa licença.” Todas as traduções de passagens do conto são de minha autoria). 2.2. Sintaxe narrativa do conto Um ruído de trovão (segundoométododeClaudeBremond) Seqüência 1: a: Em 2055, a viagem no tempo, mediante uma máquina, torna- ra-se possível. Uma companhia organiza safáris ao passado para caçar grandes animais extintos, por exemplo, dinossauros. Nesse mundo futuro, acaba de ocorrer uma eleição presiden- cial nos Estados Unidos, ganha por Keith, um candidato apre- sentado como um democrata, contra o reacionário (fascista) Deutscher. b: Por ocasião de uma expedição que se prepara para viajar no tempo ao Cretáceo para a caça a um dinossauro, o cliente Eckels é avisado pelo funcionário da companhia de safáris no tempo da necessidade imperativa de obedecer às ordens do guia Travis, bem como do grande perigo implicado em ca-
  • 7. 7 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória çadas do gênero, nas quais podem morrer tanto guias quanto caçadores. A expedição parte. Seqüência 2: a’: Viajando em direção ao passado na máquina do tempo, cinco pessoas se dirigem ao Cretáceo: o guia Travis, seu assistente Lesperance e os caça- dores Eckels, Billings e Kramer. Chegados ao destino, os guias explicam as regras: atirar só no animal marcado com tinta vermelha (Lesperance viajara sozinho ao passado para marcar um animal destinado a morrer, no caso, pela queda de um enorme galho, minutos depois de que nele ati- rassem os caçadores, quando do safári no tempo), manter-se sobre a trilha antigravitacional que flu- tua sobre a floresta. A finalidade das regras em questão é impedir que alguma interferência no passado possa causar mudanças no futuro. Em função disto, determinada teoria da causalidade, vista com ênfase em seu aspecto temporal, é ex- posta. b’: Pondo-se a andar pela trilha, a expedição chega ao ponto onde o animal visado, um Tyrannosaurus Rex de nove metros de altura, aparece e avança sobre os membros da expedição diante de um movimento de Eckels, o qual entra em pânico frente ao monstro e põe-se a correr, não rumo à máquina do tempo, como ordenado por Travis,
  • 8. 8 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê mas sim numa direção que o leva a sair da trilha, violando, pois, as regras do safári no tempo. Os de- mais caçadores atiram no tiranossauro, matando-o. c’: Indo à máquina do tempo para buscar estopa com que os caçadores se pudessem limpar do sangue e outros eflúvios do animal morto (que os sujara quando dos tiros), Travis constata que Eckels, de- pois de ter vagado fora da trilha, voltara à mesma e se dirigira à máquina. Cai o galho que, na ordem natural das coisas, teria matado o tiranossauro. Seqüência 3: a” = c’ b”: Voltam todos os demais à máquina do tempo, onde já estava Eckels. Em conseqüência da ação deste ao sair da trilha e pisar no musgo da flores- ta, Travis acha que o futuro está em perigo. Amea- ça deixar Eckels no Cretáceo. Manda-o buscar as balas no interior do dinossauro: são objetos do futuro que não podem ser deixados no passado; diz que, assim, deixará que Eckels embarque com eles em direção ao futuro. c”: Eckels faz o que lhe ordenara Travis. A máquina se move no tempo em direção ao ano 2055. Travis, no entanto, declara que ainda poderá matar Eckels, caso sua ação haja de fato alterado nega- tivamente o futuro (ou seja, a época à qual per- tencem).
  • 9. 9 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória (Conclusão da Seqüência 1:) c: De volta a 2055, de início tudo parece normal. Mas o ar tem algo de estranho e logo se constata que a ortografia mudou; e que a eleição, nesta versão de 2055, fora ganha pelo fascista Deutscher, não pelo democrata Keith. No barro da floresta do Cretáceo que se colou ao sapato de Eckels, ao sair da trilha, está uma borboleta morta: sua morte fora o elemento infinitesimal que, multiplicando-se ao reper- cutir pelo futuro afora, alterara as coisas. Travis atira em Eckels com seu rifle. 2.3 Análise Tratemos, primeiramente, do universo diegético do conto, recordando que por diegese se entende a soma do enredo com o contexto imaginário (universo ficcional em que a história se desenvolve): 1) trata-se de um mundo futuro (2055 a.C.) em que a viagem no tempo se tornou possível; em função disto, existe uma companhia (Safári no Tem- po, Inc.) que organiza expedições de caça ao passado para clientes ricos; 2) neste mundo futuro, acaba de resolver-se uma disputa eleitoral de- cisiva para a presidência dos Estados Unidos, com vitória de um candidato democrata sobre outro, fascista; este é o principal elemento que será pertur- bado por uma pequena ocorrência não programada, que tem lugar num dos safáris temporais; 3) outra parte do conto desenrola-se numa floresta do período Cretáceo, com sua flora e fauna, mais de duzentos milhões de anos no passado, recriada pelo autor segundo as descrições científicas disponíveis em 1952 a respeito; 4) o conto supõe um universo regido por uma estrutura instável da rea- lidade, de tal modo que qualquer perturbação, mesmo muito pequena, do esquema das coisas num ponto do tempo tem efeitos que se vão multiplican- do (efeito dominó ou efeito avalanche). A temporalidade, de seu lado, é estruturada de tal modo que, quando dos deslocamentos no tempo, evita automaticamente o paradoxo de uma pessoa encontrar outra versão de si mesma.
  • 10. 10 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê Passando agora à atorialização (estrutura dos atores intervenientes na ação), no essencial centra-se na oposição entre o guia de safáris temporais Travis (que encarna a lei, a regra, a ordem, a liderança e a decisão) e o caçador Eckels (indisciplinado, medroso: um bobalhão rico, pretensioso e pusilâni- me). Os outros caçadores não têm personalidades delineadas no conto (agem, porém, adequadamente, no interior das expectativas a seu respeito que o contexto impõe). O outro guia, Lesperance, parece uma duplicata de Travis, porém com maior tendência a ser leniente. Na continuação desta análise semiótica – narratológica – empreende- remos agora uma leitura isotópica do conto, no qual podem achar-se quatro re- des temáticas: 1) a do tempo (configurada como transcurso natural do tempo versus viajar no tempo); 2) norma/transgressão/punição; 3) democracia versus fascismo; 4) o mundo do Cretáceo. Rede temática 1: Alguns elementos figurativos que corres- pondem à rede temática 1: Elementos axiológicos que correspondem à rede temática 1: a’: /Não queremos mudar o futuro. (...) Uma Máquina do Tempo é um negó- cio muito delicado./ ; /...temos de ter um cuidado danado./ b”: /Sabe Deus o que ele fez ao Tem- po, à História!/; /[as balas] não podem ser deixadas aqui./ a: /...uma gigantesca fogueira que estivesse queimando o Tempo inteiro.../; /Um toque da mão e aquele mundo flamejante volta.../; / Uma Máquina do Tempo de verdade!/. b: /...viajar sessenta milhões de anos.... a’: /2055 depois de Cristo. 2019. 1999! 1957! Lá se foi!/; /...os anos consumiam-se entre eles./; /Sóis fugiam e dez milhões de luas os perseguiam./; /Cristo ainda não nasceu.../; / sessenta milhões, dois mil e cinqüenta e cin- co anos antes do Presidente Keith/. Toda a discussãodotempoedacausalidadedaspáginas 60-64, na edição citada. b’: /A sessenta milhões de anos de agora (...) e aqui estamos nós, perdidos a milhões de anos de distância.../ c’: /Aí está (...), exatamente a tempo. Esta era a árvore gigantesca que iria cair e matar ori- ginalmente o animal./ b”: /Trata-se das balas (...) Elas não perten- cem ao passado, podem mudar alguma coisa./ c”: /1492. 1776. 1812. (...) 1999. 2000. 2055./ c: /Aquela coisinha linda (...) aquela peque- na coisa que fora capaz de perturbar e derru- bar uma linha de pequenos dominós e então grandes dominós e então gigantescos domi- nós, ao longo dos anos, através do Tempo./ /tempo/: aparece como pura referên- cia à dimensão tem- poral, reversível no conto; mas enten- de-se sobretudo como dimensão de uma relação genera- lizada de causalida- de; categoriza-se em oposições: /transcurso natural do tempo/ X /viajar no tempo/ /transcurso natural do tempo/ X /perturbação do flu- xo temporal/
  • 11. 11 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória Rede temática 2: /norma-transgressão- punição/ Alguns elementos figurativos que correspondem à rede temática 2: Elementos axiológicos que corres-pondem à rede temática 2: a’: /Não queremos mudar o futuro. (...) Uma Máquina do Tempo é um negócio muito delicado./; /...te- mos de ter um cuidado danado./ b”: /Sabe Deus o que ele fez ao Tempo, à História!/ b: /Se o senhor desobedecer instru- ções, está prevista uma pesada mul- ta (...) além da possibilidade de um processo governamental.../ a’: /Esta máquina, esta Trilha, suas roupas e seus corpos foram esterili- zados, como vocês sabem, antes da viagem. Usamos estes elmos com oxigênio para não introduzirmos bactérias numa atmosfera pretérita./ b’: /Pare com isso! (...) Se a sua arma disparasse.../; /Verifiquem a cor ver- melha, pelo amor de Deus! Não ati- rem até nós ordenarmos. Fiquem na Trilha. Fiquem na Trilha!/; /Dê meia volta (...). Caminhe em silêncio para a máquina. Nós devolveremos a metade do que pagou./; /Não nessa direção!/; /Eckels (...) saiu da Trilha e (...) andou para dentro da floresta. Seus pés afundaram em musgo ver- de./ b”: /Você não volta conosco na má- quina: vamos deixá-lo aqui!/; /Este filho da mãe quase nos matou. (...) Ele andou fora da Trilha. Ele saiu./; /Enfie suas mãos até os cotovelos na boca dele. Então poderá voltar conosco./ c”: /Eu o estou avisando, Eckels, ainda pode ser que eu o mate. Meu rifle está pronto./ c: /...escutou Travis mudar seu rifle de posição, mover a trava de segu- rança e levantar a arma. Ouviu-se um barulho de trovão./
  • 12. 12 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê Keith: a: /...um ótimo Pre- sidente dos Estados Uni- dos/ versus c: /...aquele maldito fracote do Keith./ Deutscher: a: /...o pior tipo de ditadura: trata-se de um homem contrário a tudo, um militarista, um anti- Cristo, anti-humano, anti- intecletual./ versus c: /Ago- ra nós temos um homem de ferro, um homem com cabelo no peito, por Deus!/ a: /Keith ganhou, graças a Deus!/; / Se Deutscher chegasse lá.../ b’: /...passou o dia da eleição, Keith foi feito Presidente, todos cele- bram./ c: /Quem (...) ganhou a eleição pre- sidencial ontem? (...) Deutscher, cla- ro. Quem mais poderia ter ganho?/ /democracia X fascismo/ no mundo de 2055 Rede temática 3: Alguns elementos figurativos que correspondem à rede temática 3: Elementos axiológicos que correspondem à rede temática 3: Rede temática 4: b: /Um Tyrannosaurus Rex. O mais ter- rível monstro da história./ b’: /A floresta era alta, a floresta era larga e a floresta era o mundo inteiro em todas as direções. (...) pterodácti- los planando com asas cinzentas e cavernosas.../; /Ele [= o tiranossauro] vinha chegando em cima de enormes pernas azeitadas.../ etc.: todas as des- criçõesdodinossauro,nestepontoeadi- ante(seusmovimentos,suaferocidade), cabemaqui. c’: /...estranhos pássaros reptilianos e insetos dourados.../; /A floresta esta- va viva de novo, cheia dos estremeci- mentos e gritos de aves de antes./ c: /... uma borboleta, muito bela e muito morta./ Elementos axiológicos que correspondem à rede temática 4: Alguns elementos figurativos que correspondem à rede temática 4: /o mundo do Cretáceo/ b: /Aqueles dinossauros são famintos./ a’: /Isto faz a África pare- cer o Illinois./; /Na verda- de, não vivem muito (...) a vida é curta./ b’: /...como morcegos gi- gantescos saídos do delírio de uma noite de febre./
  • 13. 13 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória As redes temáticas mais interessantes do conto são provavelmente as relativas ao tempo (rede 1) e à oposição fascismo/democracia (rede 3). Entre- tanto, o que transforma este escrito num “conto moral” é sobretudo a segun- da das redes temáticas: norma/transgressão/punição. O culpado pela irreparável mudança no fluxo do tempo deve ser punido e o é no final do enredo, o que configura uma postura moralista bastante tradicional, que tam- bém podemos achar em muitos outros escritos de Ray Bradbury da década de 1950. Talvez seja significativo que o conto contenha uma rede temática (rede 4) relativa às características do mundo do Cretáceo, mas não permita cons- truir uma análoga para o mundo de 2055. Talvez por tal razão, a descrição do que mudou no mundo em questão, além da vitória presidencial do outro can- didato e das formas ortográficas, seja notavelmente vaga: Eckels estava parado, cheirando o ar: e havia algo no ar, um matiz químico tão ligeiro que só um fraco grito de seus sentidos subliminares o avisou de que estivesse ali. As cores – branco, cinzento, azul, alaranjado – na parede, nos móveis, no céu além da janela, estavam... estavam... E havia uma sensação. Sua carne estremeceu. Suas mãos estremeceram. Ele ficou parado, bebendo a estranheza pelos poros de seu corpo. Em algum lugar, alguém devia ter so- prado em um desses apitos que só um cão pode ouvir. Seu corpo gritava silen- ciosamente em reação. Além desta sala, além desta parede, além deste ho- mem que não era exatamente o mesmo homem sentado atrás desta escrivani- nha que não era exatamente a mesma escrivaninha... estava um mundo intei- ro de ruas e de gente. Que tipo de mundo era agora? Não havia como saber. Ele quase podia sentir as pessoas movendo-se lá, além das paredes, como peças de xadrez rodopiando num vento seco... (pp. 77-80 na edição citada) Uma passagem como esta é, no entanto, perfeitamente representativa no tocante às características mais marcantes das preferências estilísticas de Bradbury. 3.AnálisededuashistóriasemquadrinhosbaseadasnocontodeBradbury A primeira história em quadrinhos a ser considerada intitulou-se “A sound of thunder”, em forma idêntica ao conto de Bradbury. Foi desenhada em 1954 (dois anos após a publicação do conto) por Al Williamson, em preto- e-branco, como eram então elaboradas as histórias em quadrinhos, e publicada numa revista da E.C. Comics. A segunda, também com o mesmo título, é de 1993, publicada em fevereiro desse ano em revista da Topps Comics, tendo
  • 14. 14 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê “dinossauros” como tema único. O desenho (colorido) é de Richard Corben, com textos inseridos por George Roberts.10 Em ambos os casos, poder-se-ia aplicar às histórias em quadrinhos o mesmo esquema de sintaxe narrativa do conto e achar-se-iam, pela aplicação da leitura isotópica, as mesmas linhas temáticas (havendo, porém, alguns desvios de peso na versão de 1954). 3.1.Ashistóriasemquadrinhosdeficçãocientífica:umcontexto Um primeiro auge da ficção científica nas histórias em quadrinhos pu- blicadas em revistas ocorreu no início da década de 1950. Incluiu revistas derivadas de séries de televisão, como Space Patrol (“Patrulha espacial”:1950- 1955) e Tom Corbett, Space Cadet (“Tom Corbett, cadete do espaço”: 1950- 1955), cujas personagens também freqüentavam os jornais diários. Muitas das narrativas da época refletiam o militarismo – derivado da vitória na Segunda Guerra Mundial, atribuída em boa parte pelas autoridades e pela opinião pública à intervenção, nela, dos estadunidenses, e da participação dos Esta- dos Unidos na Guerra da Coréia (1950-1953) – e a paranóia anticomunista da primeira fase da Guerra Fria. O melhor da década, entretanto, ficou por con- ta da E. C. Comics, editora responsável por numerosas revistas, de horror al- gumas, de ficção científica outras (por exemplo, Weird Science Fantasy, Incredible Science Fiction). Em tais publicações, cujo público-alvo era basicamente infanto-juvenil, entre 1950 e 1956 apareceram as melhores histórias de ficção científica em quadrinhos existentes até então, desenhadas por mestres como George Evans, Frank Frazetta, Wallace Wood, Al Williamson e outros. Várias delas foram adaptações de contos de Ray Bradbury e também de outros es- critores (como a dupla de irmãos que assinava Eando Binder). O boom da década de 1950 foi interrompido pelos resultados da cam- panha contra os quadrinhos, chefiada por um médico alemão emigrado para os Estados Unidos, Fredric Wertham (1895-1981), e da investigação das re- vistas, levada a cabo por uma subcomissão do Senado, coisas que acabaram por confluir, levando ao surgimento do Comics Code (“Código das histórias em quadrinhos”), bem como da Comics Magazine Association of America (“Associa- 10 Al Williamson, “A sound of thunder”, Weird Science-Fantasy, West Plains, E. C. Comics, Vol. 25, no 3, setembro 1954; Richard Corben e George Roberts, “A sound of thunder”, Ray Bradbury Comics: Dinosaurs, New York, Topps Comics, Vol. 1, no 1, fevereiro 1993.
  • 15. 15 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória ção das Revistas de Histórias em Quadrinhos dos Estados Unidos”) , que se encarregou da aplicação do código (1954). A campanha pública de Wertham começou em 1948, culminando no livro Seduction of the innocent (“A sedução do inocente”), de 1954, em que expunha casos de delinqüência de menores em que os culpados admitiam, invariavelmente, ter-se inspirado nas histórias em quadrinhos, assim enfocadas como um fator do aumento, percebido na época, da violência e da criminalidade, em sua modalidade infanto-juvenil. Em 1948 já haviam ocor- rido queimas públicas de revistas de histórias em quadrinhos. O Senado ins- talou em 1950 uma comissão para investigar o crime organizado, a qual, numa subcomissão específica, ouviu grande quantidade de pessoas – incluindo o Dr. Wertham e desenhistas e editores dos quadrinhos – e, em 5 de junho de 1954, concluiu pela má influência desta forma de expressão, em especial quando a temática fosse o crime ou o horror. Em tal contexto, ameaçados de extinção – a comissão senatorial reco- mendava a eliminação da produção, distribuição e venda das revistas em quadrinhos –, os editores destas revistas formaram a sua Associação já men- cionada, que adotou, em 26 de outubro de 1954, o aludido Comics Code, a ser por ela gerido, num processo de autocensura (o que a subcomissão senatorial declarou no ano seguinte ser um passo positivo). Posteriormente aplicado pela Comics Code Authority, o código foi modificado em 1971 e 1994; ainda em vigor na atualidade, na prática seu rigor diminuiu com o tempo. Mas tal código não parece ter resultado unicamente de uma reação de defesa dos editores amea- çados: houve igualmente um conluio dos outros editores contra o sucesso de público de William Gaines e sua E. C. Comics, no sentido de eliminá-los do mercado. Isto se nota, por exemplo, num dos pontos específicos do código em sua forma original: a proibição de cenas de violência associadas a licantropia, vampirismo, almas penadas, etc. A E. C. Comics tivera especial êxito com seus títulos de horror, recheados de almas do outro mundo, vampi- ros e lobisomens. E, de fato, Gaines retirou do mercado a maior parte de seus títulos pouco após a aprovação, pela subcomissão senatorial, do código e da Associação (que nomeara um administrador do código) como “passos na di- reção certa”. Seguiu-se um período de estagnação e falta de originalidade nos quadrinhos dos Estados Unidos. Nestas últimas décadas, em especial a partir da segunda metade da década de 1970, mudanças consideráveis na linguagem e nos temas chega- ram ao mundo dos quadrinhos – incluindo os de ficção científica – devido a
  • 16. 16 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê uma enorme influência das formas da narrativa cinematográfica (em especial no tocante à montagem “nervosa” dos filmes de aventuras à maneira de In- diana Jones) e dos videoclips televisivos, mas também à junção de tradições da própria história em quadrinhos, até então separadas ou paralelas. De fato, se examinarmos títulos recentes, com freqüência se poderá notar a confluên- cia das tradições anglo-saxã (sobretudo norte-americana), franco-belga e ja- ponesa em diversos níveis: linguagem específica (no sentido semiótico do termo, isto é, verbal e não-verbal: no caso, gráfica) no uso do meio de expres- são, temáticas, desenho. É mais freqüente, agora, a publicação de histórias em quadrinhos destinadas a um público adulto.11 3.2. A história em quadrinhos de 1954 O contexto histórico norte-americano em que surge esta história em quadrinhos é similar ao do conto de Bradbury: dois anos somente separam os dois textos. No entanto, além das mudanças devidas à transcodificação – pas- sagem da literatura (que só emprega palavras) à história em quadrinhos (ima- gens e palavras, teoricamente com predomínio das primeiras) – e à condensação de conteúdos realizada, posto que se trata de material que só ocupa sete páginas, há outras que se prendem à autocensura da época no to- cante a histórias deste tipo, destinadas ao público infanto-juvenil. A mudan- ça mais significativa é, a respeito, a eliminação do episódio final da morte de Eckels por Travis. Outra mudança relativamente fácil de explicar se deve a um motivo ligado à política exterior dos Estados Unidos naqueles anos: a reaproximação com a Alemanha em função do Plano Marshall e da criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (1949). Neste contexto, o candi- dato fascista às eleições deixa de ter um nome germânico, Deutscher (que pareceria indicar alguma propensão dos alemães, como tais, ao nazismo), pas- sando a chamar-se Lyman. Já no caso de Lesperance passar a chamar-se Lesper, a razão poderia ser a complicação do nome francês para crianças de língua inglesa: Lesper seria mais fácil de pronunciar (ou de ler). As histórias em quadrinhos, na vertente norte-americana, mostravam forte influência dos estudos de Belas Artes empreendidos por seus desenhis- tas, numa tradição de representação derivada, em última análise, da arte gre- ga e sua reinterpretação renascentista (os desenhos dos quadrinhos japone- ses ou mangá foram sempre muito mais sumários, caricaturais). A linguagem 11 Ciro Flamarion Cardoso, A ficção científica, op. cit., pp. 42-47.
  • 17. 17 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória da década de 1950 é fortemente convencional, com poucas ousadias gráficas, na composição e na diagramação. O desejo de fidelidade ao original de Bradbury levou, outrossim, a uma quantidade muito grande de texto – mes- mo para aquela época – em relação às imagens. No conjunto, à parte as modi- ficações citadas e algumas outras (eliminação dos capacetes vinculados ao abastecimento de oxigênio que, no conto, se explicam pelo desejo de não contaminar com bactérias modernas a atmosfera cretácea), a adaptação é bem mais fiel do que o costumeiro nas histórias em quadrinhos. No que tange ao desenho das personagens, como no conto, mantém-se a dualidade básica Travis-Eckels. Travis, seu assistente e os outros caçadores (Billings, Kramer) têm um aspecto clean e vagamente militar (o fato de Travis aparecer fumando no primeiro quadrinho não era considerado “politicamente incorreto” em 1954). Um defeito desta produção de Williamson é a grande semelhança físi- ca entre Eckels e o funcionário da companhia de safáris no passado, que apa- rece no início e no final da história. Ambos espelham uma imagem masculina desagradável: meia idade, rosto de traços amolecidos, ventre um tanto proe- minente, bigode, início de calvície. Como no conto, os cenários em que se movem as personagens são o mundo de 2055 e o mundo do Cretáceo. Notam-se características típicas das histórias em quadrinhos da época na arquitetura (o edifício da empresa Safári no Tempo visto de longe, as colunas que sustentam a sala onde está a máqui- na do tempo) “moderna” (despojada) de então, projetada no futuro nesta história. Quanto à máquina do tempo em forma de cúpula, trata-se de um tipo de desenho muito presente nas histórias em quadrinhos desde pelo menos vinte anos antes (o Flash Gordon de Alex Raymond). A reconstituição do Cretáceo não é cuidadosa quanto à flora e ao tiranossauro, indicando pouca pesquisa prévia ao desenho. Seja como for, o dinossauro em questão, como se acreditava naqueles anos, é eminentemente reptiliano (o erro das patas dianteiras com três dedos em lugar de dois era comum nas reconstituições antigas).12 12 A discussão acerca da possível endotermia (ou homoiotermia, em oposição a poikilotermia) dos dinossauros – um assunto até hoje em dia muito controverso – chegou ao grande público nas décadas de 1970 e 1980 e foi o fator de longe mais importante na mudança que desde então se nota nas reconstituições da aparência destes animais. Ver, por exemplo, nos primórdios do debate em livros para o grande público, escritos por cientistas: Michael Allaby e James Lovelock, The great extinction, New York, Doubleday, 1983, pp. 110-112, 149-156; Alan Charig, A new look at the dinosaurs, London, Heinemann-British Museum (Natural History), 1979, pp. 129-132; Alan J. Desmond, The hot-blooded dinosaurs, London, Blond & Briggs, 1975.
  • 18. 18 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê A aplicação da leitura isotópica mostraria as mesmas redes temáticas que no conto. Enquanto, dentro das possibilidades dos quadrinhos, a primei- ra se mostra bastante fiel a como havia sido apresentada por Bradbury, há duas redes singularmente empobrecidas aqui: a que chamamos /norma-transgres- são-punição/, pela eliminação da cena final em que Travis atira em Eckels (roubando a história, além do mais, da última metáfora de um “ruído de tro- vão”); e a terceira rede, enfraquecida pela falta de ênfase e contraste na figu- ra do funcionário da companhia dos safáris temporais, no início e no fim da história: neste caso, a diferença no resultado das eleições presidenciais pare- ce só constituir uma ilustração do que se disse anteriormente acerca da pos- sibilidade de uma pequena ação ter grandes conseqüências ao longo do tem- po, sem maior importância em si mesma. Com isto, os aspectos de aventura e paradoxo passam a primar sobre o aspecto político, mais presente no conto (que é, entre outras coisas, um velado libelo contra o senador McCarthy, em seu apogeu em 1952). 3.3. A história em quadrinhos de 1993 A primeira coisa que chama a atenção na versão de 1993 é a página de título. Edifícios em mau estado, calçadas repletas de gente, ruas engarrafa- das, atmosfera sombria, contrastando com o brilho de um anúncio publicitá- rio gigantesco... Constatamos uma influência evidente da visão pessimista do futuro, presente no filme que inaugurou, em 1982, uma tendência da ficção científica, ainda vigente hoje em dia, conhecida depois como cyberpunk: Blade runner. O caçador de andróides, dirigido por Ridley Scott. Mais longa que a versão de 1954 – sem contar a página de título, onze páginas, em comparação com as sete da versão anterior –, esta aparece plas- mada em linguagem bastante diversa: há menos texto escrito em muitas pas- sagens; as imagens primam sobre as falas e legendas; a diagramação é mais “moderna” e ousada (se bem que, no contexto das histórias em quadrinhos da década de 1990, relativamente “bem-comportada”); nota-se sem dificul- dade a influência de técnicas cinematográficas (campo-contracampo, primeiro plano, etc.). A maquinaria representada é, no entanto, voluntariamente “retrô”: a máquina do tempo em forma de ovo “plúmbeo” deriva, ao que parece, da- quela do famoso conto de tema cretáceo “The sands of time” (“As areias do
  • 19. 19 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória tempo”), de P. Schuyler Miller, publicado pela primeira vez em 1937;13 mes- mo assim, alguns quadrinhos mostram terminais de computadores, natural- mente ausentes no conto de 1952 e na história em quadrinhos de 1954. O aspecto militarista (à maneira, desta feita, de comandos ou da SWAT) foi até mesmo fortalecido – coisa sem dúvida comum nos quadrinhos atuais – em relação a 1954; e, desta vez, os capacetes com abastecimento de oxigênio, mencionados por Bradbury, foram mantidos, o que dá um ar meio espacial às figuras em sua viagem à Pré-História. Se o aspecto de Eckels torna-se ainda mais desagradável do que em 1954 (especialmente repugnante quando caído de costas na grama, fora da trilha), o herói, Travis, tem agora cabelo relativamente longo e não cortado à escovinha. As figuras são mais caricaturais do que na versão mais antiga. Houve um esforço bem maior de construir a individualidade de cada personagem, mesmo das secundárias. Especialmente interessante é o contraste no aspec- to do funcionário da empresa de safáris temporais no fim da história com o que apresentava no inicio da mesma: corte de cabelo diferente (militarista, num estilo quase skinhead no final), roupa agora rigidamente arrumada, a ex- pressão benigna de repente substituída por um esgar digno de um fascista de folhetim. Cedendo ao politicamente correto que está na moda, as persona- gens não são todas anglo-saxões brancos: Eckels parece latino (o protagonis- ta, Travis, tem aspecto anglo-saxão; o antagonista, Eckels, aspecto latino: tal- vez a história em quadrinhos de 1993 não seja, afinal de contas, tão politica- mente correta assim...); Lesperance é negro. Continuam sendo, porém, to- das masculinas, como no conto de Bradbury. No conjunto, trata-se de versão mais fiel ao conto, não somente na ênfase que o detalhe mencionado do funcionário da empresa empresta à li- nha temática /democracia versus fascismo/, como também na manutenção do final violento da história (trata-se, agora, de história em quadrinhos para adultos e o auge do rigor do Comics Code ficou longe no passado), que preserva muito melhor a linha temática /norma-transgressão-punição/. A reconstituição da flora do Cretáceo foi mais bem pesquisada; e o tiranossauro parece, como muitos hoje em dia acreditam, um animal de sangue quente, menos reptiliano (os pterodáctilos, entretanto, têm aspecto similar ao de reconstituições já defasadas). 13 Lido em P. Schuyler Miller, “The sands of time”, in Martin Harry Greenberg, Joseph Holander e Robert Silverberg (orgs.), Dawn of time: Prehistory through science fiction, New York, Elsevier, 1979, pp. 44-78.
  • 20. 20 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê 4.Oepisódiotelevisivode1989 - Título: A sound of thunder (Um ruído de trovão) - Diretor: Costa Botes - Roteirista: Ray Bradbury, baseado em seu conto de 1952 - Estúdios envolvidos: Atlantis Films Limited, Grahame M. Lean Associates Limited, em associação com Wilcox Productions e Alarcom Incorporated (tra- ta-se de uma co- produção do Canadá e da Nova Zelândia). - Produtores: Jonathan Goodwill e Grahame McLean - Diretor de fotografia: Stuart Dryburgh - Diretor de arte: Mark Robins - Edição: John McWilliam - Efeitos especiais: Kevin Chisnall Elenco: Eckels: Kiel Martin Travis: John Bach Agente da companhia de safáris temporais: Michael McLeod Caçadores: Michael Butley e John McDavitt. O episódio que ora analisamos integrou a série antológica (ou seja, com- posta de episódios unidos somente pela introdução de cada um feita por Ray Bradbury, sem ligação ou unidade temática ou de personagens entre si) in- ternacional – envolveu Grã-Bretanha, França, Canadá e Nova Zelândia – The Ray Bradbury Theater (1985-1989), “O teatro de Ray Bradbury”.14 Apresenta as características típicas de programas de televisão dotados de orçamento baixo. Os efeitos especiais e as maquetes (da máquina do tem- po, do dinossauro), por exemplo, são canhestros a ponto de diminuir o im- pacto de um programa cujo roteiro é, no entanto, inteligente e muito bem articulado. O fato de Ray Bradbury, o autor do conto de 1952, ser o roteirista do episódio da série televisiva permite-nos observar que tratamento deu à sua própria história, num outro meio de expressão, trinta anos após a publicação do conto. O escritor foi fiel, no essencial, ao seu conto, ao adaptá-lo para um episódio curto de TV (22 minutos). A sintaxe narrativa é quase a mesma, com pequenas variações (por exemplo: Eckels, embora saia da trilha, como no 14 Robert Fulton, The encyclopedia of TV science fiction, London, Boxtree, 1990, pp. 363-365.
  • 21. 21 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória conto, apavorado pelo tiranossauro que se aproxima, no episódio de TV, de fora dela atira, em pânico, no momento em que os outros caçadores e o guia abatem o animal, acertando as árvores à volta – portanto, interferindo no pas- sado bem mais do que no texto original e assim aumentando sua responsabi- lidade pelos efeitos sobre o século XXI de suas ações quando do safári tem- poral). O elenco foi simplificado pela eliminação do segundo guia, Lesperance, e pelo fato de serem os outros caçadores simples figurantes, sem falas. Mais interessante, no entanto, é observar o que de mais substantivo mudou. Ao adaptar seu texto para um contexto de representação dramática para grande público, que busca sublinhar os aspectos emotivos, Bradbury, inteli- gentemente, introduziu um fio condutor que atravessa todo o episódio: a antipatia, o desprezo e o antagonismo do guia Travis por Eckels manifestam- se desde que se encontram e vão aumentando sistematicamente, a custo con- tidos, até o episódio final em que o mata. Tal como nas histórias em quadrinhos, as discussões filosóficas e meta- fóricas sobre o tempo e a viagem no tempo tiveram de ser drasticamente re- duzidas e simplificadas. Também aqui, verificamos uma opção interessante de Bradbury como roteirista, ao pôr na boca de Eckels – que, nesta versão, é um escritor de obras de imaginação (incluindo uma sobre caça a dinossauros), na busca de tornar reais as suas fantasias heróicas, sem ter a fibra necessária para tanto – em duas ocasiões, considerações floridas e excessivamente lite- rárias sobre o tempo, que têm o efeito de, assim recitadas, parecer ridículas (estaria Ray Bradbury criticando sutilmente seu próprio estilo de décadas atrás?!) e alimentam o crescente desprezo de Travis por seu rico e pretensio- so cliente. Também Travis se refere ao tempo, mas é para recordar as regras impostas aos membros dos safáris temporais devido ao perigo de interferência no futuro, mediante ações no passado longínquo, em passagem com contraponto de Eckels, que segue de perto (com menos palavras) o conto de 1952. Travis, nesta versão, não é jovem. Bem entrado na meia-idade, recorda os coronéis vindos da Índia, nos romances de Agatha Christie, com sua fala em frases simplificadas de poucas palavras, no estilo que em inglês é chama- do de clipped talk (literalmente, “fala podada”) e seu sotaque britânico. Isto aumenta seu contraste como personagem com o (nesta versão) insuportavel- mente prolixo Eckels. Aliás, de modo adequado a um meio que é predomi- nantemente visual, Bradbury, mais em geral, limitou o quanto pôde os diálo- gos, em número, e encurtou as falas.
  • 22. 22 Ciro Flamarion Cardoso Dossiê Outra novidade foi a concessão ao ecologismo, forte nas décadas de 1970 e 1980 (mas não em 1952): ainda na sede da companhia de safáris no tempo, Travis volta-se contra Eckels por ter caçado, ilegalmente, animais de espé- cies africanas ameaçadas de extinção. Conclusão Hoje em dia, a crítica das pretensões cientificistas à outrance de um passado ainda próximo sublinham que, quando contamos, descrevemos ou analisamos uma obra de ficção, ao mesmo tempo a estamos interpretando, já que a reconstruímos (ou desconstruímos) pelo ato de análise e o que oferece- mos não pode ser confundido com a obra em si – uma representação, por ser representação, não é o real representado. No entanto, as conseqüências que podem ser extraídas de uma tal constatação variam muito. Podem ir, em ca- sos extremos, até a reivindicação de total liberdade para o crítico ou o analista diante do texto. Note-se, entretanto, que, nos debates, posições assim são assumidas freqüentemente em níveis filosóficos muito amplos ou no tocante à análise estética. Em nossa opinião, uma postura destas não teria sentido algum ao tratar-se de uma análise da ordem da hermenêutica histórica (no sentido da parte inicial da crítica interna) de obras a serem utilizadas, como fontes, para finalidades ligadas à ação de escrever História. Embora sejamos contrários – filosófica, política e epistemologicamente – à desconstrução num plano geral, cremos que há razões específicas para recusar suas posições mais excessivas no contexto em que estamos tratando da análise de obras ficcionais neste momento. Aqui se adota, então, a postura semiótica de Umberto Eco em Interpre- taçãoesuperinterpretação: Se há algo a ser interpretado, a interpretação deve falar de algo que deve ser encontrado em algum lugar, e de certa forma respeitado. (...) Entre a história misteriosa de uma produção textual e o curso incontrolável de suas interpre- tações futuras, o texto enquanto tal representa uma presença confortável, o ponto ao qual nos agarramos.15 Embora, semioticamente, não faça sentido reivindicar respeito às in- tenções do autor empírico, pelo contrário, o respeito ao texto é imperativo. Em suma, a semiótica textual e narrativa – quer se trate de literatura, cinema, 15 Umberto Eco, Interpretação e superinterpretação, trad. MF (sic), São Paulo, Martins Fontes, 1993, pp. 51, 104.
  • 23. 23 Umcontoesuastransformações:ficçãocientíficaeHistória TV ou história em quadrinhos – tem de se ocupar com as configurações comprovadamente presentes no texto: as opiniões sobre isto podem legiti- mamente variar segundo as teorias e, portanto, as hipóteses de trabalho que forem adotadas por diferentes analistas, mas não há dúvida de que certas análises podem ser descartadas como ilegítimas, por não encontrarem respal- do nas configurações internas do texto. Escrevendo sobre o cinema, afirmamos certa vez o seguinte: No cinema, a sociedade, mais do que mostrada, é encenada (isto, mesmo nos filmes realistas ou neo-realistas). Os filmes operam necessariamente escolhas do que mostram ou omitem, de como mostram; organizam os elementos en- tre si, recortam no real e no imaginário, constróem um mundo ficcional cujas relações com o mundo real são complexas. O filme tanto pode pretender ser reflexo quanto recusa daquilo que existe; mas será sempre um ponto de vista sobre certos aspectos do mundo em que nasceu, estruturados em sua narra- tiva de determinadas maneiras que o analista deve procurar.16 Muito mais ainda do que no caso do cinema, seria um erro metodológico de peso querer “ler” numa obra literária, ou em histórias em quadrinhos, ou num episódio de TV, a totalidade da sociedade e da História de uma época. Tentativas deste tipo, que sempre ultrapassam em muito o que a fonte per- mitiria afirmar, têm habitualmente bem mais a ver com o historiador que analisa do que com a obra selecionada como testemunho. É fácil aplicar o conhecimento post hoc retrospectivamente e atribuir poderes analíticos ou até mesmo preditivos à literatura, tanto quanto ao cinema. O antídoto para uma tal deficiência metodológica é tratar de retornar o tempo todo, incansavelmen- te, ao texto mesmo, à materialidade de seu discurso, de seus parâmetros interpretativos. Observando-se a precaução indicada, as obras geradas pela cultura de massa – com maior facilidade, talvez, do que as vinculadas a uma alta cultura intelectual e dotadas de uma rica estruturação interna de seu universo ficcional que dificulte a captação de suas relações com o social – permitem entender melhor o período que as viu nascer, ao passo que o conhecimento de tal pe- ríodo permite, reciprocamente, entendê-las melhor.17 16 Ciro Flamarion Cardoso, Ensayos, San José, Editorial de la Universidad de Costa Rica, 2001, p. 63. 17 Nossa opção metodológica, nas análises empreendidas neste artigo, não passa de uma pos- sibilidade dentre muitas possíveis; para algumas outras ver: Jenaro Talens, José Romera Castillo, Antonio Tordera e Vicente Hernández Esteve, Elementos para una semiótica del texto artístico (Poesía, narrativa, teatro, cine), Madrid, Cátedra, 1995.