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ATENDIMENTO À GESTANTE TRAUMATIZADA
TRAUMA IN PREGNANCY
Gerson Alves Pereira Júnior1
; Luiz Fernando Haikel Júnior2
; João Marcos Camillo Atique2
;
Ernani Jodi Nakamura2
; Aníbal Basile-Filho3
& José Ivan de Andrade4
1
Médico Assistente da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas; 2
Graduandos, Membros da Liga do Trauma do Centro
Acadêmico Rocha Lima; 3
Professor Associado do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia e Chefe da Disciplina de
Terapia Intensiva; 4
Professor Doutor do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia. Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP).
CORRESPONDÊNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Júnior – Rua Iguape, 747, ap. 12 C – Jardim Paulista – CEP: 14090-000 – Ribeirão Preto
– SP. email: gersonapj@netsite.com.br
PEREIRA Jr. GA; HAIKEL Jr. LF; ATIQUE JMC; NAKAMURA EJ; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. Atendimento
à gestante traumatizada. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 282-289, jul./set. 1999.
RESUMO: Este artigo faz uma revisão das alterações anatômicas e fisiológicas que ocor-
rem durante a gestação e estabelece os princípios da abordagem à gestante traumatizada,
delineando os aspectos da monitorização materna e fetal e as patologias próprias da gestação.
Diferenciam-se os traumas contusos e penetrantes, discutindo-se o papel do lavado peritoneal
diagnóstico e da laparotomia exploradora. Discutem-se a abordagem da gestante em parada
cardiorrespiratória e as indicações de cesárea perimorte, bem como os indícios de violência
doméstica.
UNITERMOS: Lesões. Gravidez. Cesárea. Morte Fetal. Traumatismos Abdominais. Violên-
cia Doméstica.
282
ressuscitação volêmica, bem como o resultado dos
testes diagnósticos. A gestação pode afetar, também,
o padrão e a gravidade das lesões.(1)
As prioridades no atendimento e trata-
mento da gestante traumatizada são as mesmas
da paciente não grávida(1,4)
. O melhor cuidado para
com o feto é prover um tratamento adequado para a
mãe, uma vez que a vida do feto é totalmente depen-
dente da integridade anatomofisiológica materna(1,4)
.
2. ALTERAÇÕES ANATÔMICAS E FISIO-
LÓGICAS DO ORGANISMO MATERNO
DURANTE A GESTAÇÃO
O útero persiste como um órgão intrapélvico
até a 12ª semana de gestação. Está na altura do um-
bigo entre 20 e 22 semanas e do gradeado costal após
Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: TRAUMA I
32: 282-289, jul./set. 1999 Capítulo IV
1. INTRODUÇÃO
A possibilidade degravidez deve ser considera-
da em qualquer paciente do sexo feminino na faixa etá-
ria entre os 10 e 50 anos, devendo-se sempre excluir
tal possibilidade, de modo objetivo, nestes pacientes(1)
.
A incidência de trauma durante a gravidez si-
tua-se em torno de 6%(2,3)
.
A gestante traumatizada é uma paciente sin-
gular, porque são vitimadas duas pessoas simultanea-
mente. Ademais, as adaptações fisiológicas do orga-
nismo materno durante a gravidez alteram o padrão
normal de resposta frente às diferentes variáveis en-
volvidas no trauma(1/4). Estas alterações da estrutura
e função orgânicas podem influenciar a avaliação da
gestante traumatizada pela alteração dos sinais e sin-
tomas das lesões, alterar a abordagem e a resposta à
Atendimento à gestante traumatizada
283
36 semanas. Com o crescimento uterino, o intestino
delgado fica restrito ao abdome superior. Ao crescer
e ultrapassar os limites da pelve, o útero sai de um
ambiente anatomicamente “protegido”, tornando-se
mais vulnerável ao trauma(1,4)
.
O líquido amniótico protege o feto dos traumas
externos; porém, para a mãe, pode se constituir em
fonte de embolia e coagulação intravascular dissemi-
nada(1,4)
.
A falta de um tecido conjuntivo elástico na pla-
centa predispõe o seu descolamento no trauma direto
sobre o abdome(1,4)
.
As alterações hematológicas ocorrem tanto no
volume sangüíneo, quanto na sua composição.
O volume plasmático sofre um incremento pro-
gressivo, chegando a 45 a 50% por volta da 32ª se-
mana de gestação(1,4). A quantidade de hemácias au-
menta e, ao final da gestação, chega ao nível de 33%
maior do que na mulher não grávida(3)
. O maior au-
mento relativo do volume plasmático em relação à
massa de eritrócitos leva à chamada “anemia fisioló-
gica da gravidez”, cujo pico ocorre em torno da 28ª
semana de gestação(1,2,3)
. No final da gestação, o
hematócrito está em torno de 31 a 35%(1/4)
.
O aumento global, no volume sangüíneo, che-
ga a 48% e é proporcional ao número de fetos, sendo
de aproximadamente 1600 ml na gravidez única e de
2000 ml na gravidez gemelar(3)
. Na vigência de he-
morragia, uma perda de 30 a 35% do volume sangüí-
neo pode ser pouco sintomática na gestante. A hipo-
tensão arterial é, usualmente, um sinal tardio(1,4).
O número de leucócitos está aumentado no
sangue periférico, sendo comum encontrarmos valo-
res em torno de 20.000/mm3
, sem alteração na con-
tagem diferencial de glóbulos brancos(1,3,4)
.
As concentrações de todos os fatores da coa-
gulação estão aumentadas na gestação, exceto dos
fatores XI e XIII e antitrombina III. O aumento do
fibrinogênio plasmático e dos fatores VII, VIII e IX,
associado à diminuição do fator ativador do plasmi-
nogênio, atua como predisponente da coagulação (di-
minui o tempo de protrombina e o tempo de trombo-
plastina parcial ativada, mas não altera o tempo de
coagulação nem o tempo de sangramento)(1,3,4)
. Os
níveis de fibrinogênio atingem 600 mg/dL próximo ao
termo da gestação, sendo considerados anormais ní-
veis menores que 400 mg/dL. Estas alterações da
composição sangüínea resultam em um estado de
hipercoagulabilidade que, em associação com estase
venosa e trauma das paredes venosas, produzem um
risco aumentado para tromboembolismo.
A albumina sérica está diminuída (2,2 a 2,8
g/dL), levando a uma queda na proteína sérica total
em, aproximadamente, 1g/dL(1)
. A osmolaridade séri-
ca permanece em torno de 280 mOsm/L durante toda
a gestação(1)
.
O débito cardíaco materno aumenta, a partir
da 10ª semana de gestação, chegando ao auge no
final do 2º trimestre(1,3,4)
. Tal aumento, de aproxima-
damente 4,5 para 6 litros/minuto (30 a 45%), decorre
do aumento do volume plasmático e da diminuição da
resistência vascular do útero e da placenta, que du-
rante o 3º trimestre chega a receber 20% do débito
cardíaco. Este débito cardíaco elevado é mantido até
retornar aos níveis não gravídicos em torno de duas a
quatro semanas pós-parto(3). As pressões de enchi-
mento cardíaco (pressão venosa central e pressão na
artéria pulmonar) não se alteram durante a gestação.
Na posição supina, pode ocorrer uma queda de 30 a
35% do débito cardíaco, pela diminuição do retorno
venoso dos membros inferiores causada pela com-
pressão do útero sobre a veia cava inferior(1,4)
.
As alterações na resistência vascular, durante a
gestação,ocorremporfatoresmecânicosehormonais(3)
.
O desenvolvimento da circulação uteroplacentária cria
um importante circuito de baixa resistência que reduz
a pós-carga cardíaca(3)
. Os elevados níveis de estró-
geno e progesterona, bem como das prostaglandinas,
causam a vasodilatação periférica da gravidez(3).
A freqüência cardíaca materna aumenta a par-
tir da 7a
semana de gestação. Ao final do primeiro
trimestre, o aumento é da ordem de 15 a 20 batimen-
tos por minuto(1,4)
. Esta alteração deve ser conside-
rada na interpretação da taquicardia em resposta à
hipovolemia(1)
.
As pressões sistólica e diastólica diminuem
durante o 2o trimestre, quando há uma queda de 05 a
15 mmHg nos valores basais, sendo que, próximo ao
termo, a pressão arterial retorna, gradualmente, aos
níveis normais(3,4)
.
Os valores da pressão arterial são maiores em
decúbito lateral do que na posição supina. Nesta, o
útero obstrui a veia cava inferior (após 20 semanas
de gestação) e diminui o retorno venoso(2,4)
.
O eixo cardíaco está desviado para a esquer-
da em torno de 15o(1,4,5)
. A onda T está invertida em
DIII, aVF e nas derivações precordiais(1)
. A ocorrên-
cia de focos ectópicos é comum na gestação(1,4)
.
O volume minuto respiratório eleva-se em 50%,
como resultado do aumento do volume corrente. Isto
se deve aos elevados níveis de progesterona, que é
um estimulante do centro respiratório(1,4).
GA Pereira Jr.; LF Haikel Jr.; JMC Atique; EJ Nakamura; A Basile-Filho & JI Andrade
284
As alterações anatômicas da cavidade toráci-
ca com elevação das cúpulas diafragmáticas diminui
a capacidade residual funcional (soma dos volumes
residual e de reserva expiratória) em cerca de 25%(3)
.
A redução na capacidade residual funcional predis-
põe a paciente a ter atelectasias, se houver qualquer
patologia.
A hipocapnia (pa
CO2
em torno de 30 mmHg) é
comum no final da gestação(2,3)
. Os níveis de bicar-
bonato sérico estão diminuídos cerca de 4 mEq/ml e
o pH arterial está elevado, resultando em um estado
crônico de alcalose respiratória compensada(2,5)
. A
diminuição da capacidade tampão do sangue pode
agravar a acidose do choque circulatório(1)
.
A soma destas alterações aumenta a profundi-
dade da respiração, mas não a sua freqüência, o que
ajuda a suprir o aumento do consumo de oxigênio,
que se eleva de 20 para 40 ml/min na segunda meta-
de da gestação(3)
.
Durante a gestação, o metabolismo e o consu-
mo de oxigênio aumentam em torno de 20%. O au-
mento do consumo de oxigênio deve-se às maiores
necessidades metabólicas das mamas, do útero, da
placenta e do crescimento fetal, associado ao maior
trabalho respiratório e muscular, causado pela modi-
ficação do peso materno(6)
. Tal aumento, no consu-
mo de oxigênio, associado à diminuição na capacida-
de residual funcional, diminui a reserva de oxigênio
da mãe e, subseqüentemente, aumenta o risco de
hipóxia para o feto em resposta à hipoventilação ou
apnéia materna.
A pa
O2
normal na gestante varia de 101 a 108
mmHg no início da gravidez e cai para 90 a 100
mmHg próximo ao termo(3)
.
Em uma pessoa saudável, todas as regiões do
pulmão estão abertas no final de uma inspiração pro-
funda. Normalmente, a capacidade residual funcional
excede o volume crítico de oclusão. Durante a gesta-
ção, o volume de oclusão não se altera, mas a capaci-
dade residual funcional declina consideravelmente,
permanecendo segmentos pulmonares colabados ao
final da inspiração, o que reduz a complacência pul-
monar e aumenta o "shunt" intrapulmonar. Isto expli-
ca porque os processos pneumônicos têm maior mor-
bidade e mortalidade na gestante(3)
.
As reduções da pressão do esfíncter inferior
do esôfago e da motilidade gástrica favorecem o vô-
mito. Por isto, o estômago deve ser descomprimido
precocemente, assumindo que a gestante esteja com
o estômago cheio, diminuindo o risco de aspiração do
conteúdo gástrico(2,4,5).
O intestino delgado é deslocado para o abdo-
me superior pelo crescimento uterino, enquanto o fí-
gado e o baço permanecem em posição normal(4)
.
A placenta produz fosfatase alcalina, elevando
os níveis séricos desta enzima(5)
.
A taxa de filtração glomerular e o fluxo san-
güíneo renal estão aumentados na gestação. Há queda
dos níveis plasmáticos de creatinina e uréia, à meta-
de dos valores normais(4,5)
. Glicosúria é comum du-
rante toda a gestação.
Os cálices, a pelve renal e os ureteres estão
dilatados, podendo persistir tal dilatação por várias
semanas após o término da gravidez(5)
. Devido à fre-
qüente dextrorotação uterina, a dilatação, geralmen-
te, é mais pronunciada à direita.
O aumento do útero resulta em compressão
vesical. O tônus da bexiga diminui, aumentando sua
capacidade e retardando seu esvaziamento. A estase
urinária resultante facilita a infecção(2,5)
.
A hipófise tem seu peso aumentado em 30 a
50%(1)
. Se ocorrer choque circulatório, pode haver
necrose da porção anterior da glândula, levando ao
hipopituitarismo (Síndrome de Sheeran)(2,5)
.
A sínfise púbica se alarga a partir 07o
mês (04
a 08 milímetros), assim como as articulações sacro-
ilíacas, devendo ser consideradas tais alterações na
interpretação da radiografia simples de pelve(1).
A eclâmpsia pode simular trauma cranioence-
fálico com convulsões. A presença de hipertensão,
hiperreflexia, proteinúria e edema periférico associ-
am-se a eclâmpsia. A ocorrência de proteinúria é de-
cisiva no diagnóstico diferencial(4)
.
3. MECANISMOS DO TRAUMA
3.1. Trauma abdominal contuso
A causa mais freqüente é o acidente por veí-
culo motorizado, seguida por quedas e agressão dire-
ta sobre o abdome(3,6)
.
O uso do cinto de segurança diminui a incidên-
cia de lesões maternas e a morte por prevenir a ejeção
do veículo. Assim, as informações sobre a utilização
e o tipo de cinto de segurança usado são importantes
na avaliação global, pois os cintos de fixação abdomi-
nal ensejam maior risco de compressão uterina com
possível ruptura ou descolamento de placenta(1,7). Os
cintos de três pontos dissipam as forças numa super-
fície maior, o que os torna mais eficientes, porém, a
sua porção abdominal deve ficar abaixo das cristas
ilíacas ântero-superiores e não sobre o abdome(7,8)
.
Atendimento à gestante traumatizada
285
Hemorragias retroperitoneais graves secundá-
rias ao trauma da pelve e do abdome inferior ocor-
rem mais freqüentemente na grávida do que na paci-
ente não gestante, devido ao maior tamanho dos ór-
gãos pélvicos e ao maior fluxo sangüíneo para esta
área(3,8)
.
O trauma do intestino delgado ocorre menos
freqüentemente durante a gestação, pois as alças in-
testinais são protegidas pelo útero aumentado de ta-
manho(1,2,6).
A ruptura uterina traumática é pouco freqüen-
te. O quadro clínico varia de sinais e sintomas míni-
mos, peritonismo, até hemorragia maciça e choque
circulatório(2,8)
. A posição fetal anômala, extremida-
des estendidas ou ar livre intraperitoneal são evidên-
cias radiológicas de ruptura uterina. A suspeita de rup-
tura do útero demanda exploração cirúrgica imedia-
ta(1,3,7,8,9)
.
O descolamento da placenta após trauma con-
tuso é uma das causas de morte fetal e pode ocorrer
mesmo após pequenos traumas na gestação avança-
da. Os achados no exame físico incluem dor abdomi-
nal, hipertonia uterina, sangramento vaginal, altura ute-
rina em expansão, alterações da freqüência cardíaca
fetal e choque materno. Com o descolamento de 25%
da superfície placentária, o sangramento vaginal e o
trabalho de parto prematuro podem ocorrer(1,8,9)
.
Na vigência de embolia do líquido amniótico
e/ou coagulação intravascular disseminada, a evacu-
ação uterina deve ser imediata(1,8,9)
.
O trauma fetal direto é infreqüente, já que o
líquido amniótico amortece e dissipa as forças do trau-
ma (princípio de Pascal). A lesão craniana fetal mais
comum resulta da fratura da pelve materna no final
da gestação, quando a cabeça do feto está insinuada,
na apresentação cefálica(1,3,8)
.
3.2. Trauma abdominal penetrante
As incidências de lesões da mãe e do filho são
diametralmente opostas(3)
. Em apenas 19% de todos
os casos, ocorre lesão visceral materna. Por outro lado,
o feto é atingido em 2/3 das penetrações traumáticas
do abdome. Em conseqüência, ocorre uma diferença
significativa de mortalidade (de 41 a 71% do feto e
menos de 5% da mãe)(3). Assim como na paciente
não gestante, os ferimentos por arma de fogo devem
ser obrigatoriamente explorados. Existem autores que
adotam uma conduta seletiva nos ferimentos pene-
trantes por arma branca, explorando a lesão, sob anes-
tesia local (se necessário, amplia-se o ferimento) e
indica-se a laparotomia exploradora em todos os ca-
sos nos quais a aponeurose tenha sido violada(3)
.
Em cerca de 80% das gestantes admitidas com
choque hemorrágico que sobrevivem, o feto acaba
indo a óbito(1)
.
4. ATENDIMENTO INICIAL
Para um melhor resultado, tanto para a mãe,
quanto para o feto, recomenda-se avaliar e ressusci-
tar a mãe primeiro e, então, avaliar o feto, antes que
se proceda a avaliação secundária materna(1).
4.1. Avaliação primária
As prioridades são as mesmas da paciente não
gestante(1). Existem, todavia, algumas peculiaridades
no atendimento à gestante:
• a paciente deve, tão logo seja descartada uma lesão
da coluna cervical, ser mantida em decúbito lateral
esquerdo, para que o útero não comprima a veia
cava inferior, o que diminui o retorno venoso e pode
agravar o choque circulatório(1,4,5)
. Na suspeita de
lesão cervical, a paciente deve ser mantida em po-
sição supina, com elevação do quadril direito (6 a
10 centímetros) com o uso de coxim e o útero deve
ser deslocado manualmente para a esquerda;
• devido ao maior consumo de oxigênio pela gestan-
te, a suplementação de oxigênio deve ser pronta-
mente instituída(5);
• em conseqüência do aumento do volume intravas-
cular e da rápida contração da circulação utero-
placentária, desviando sangue do feto, a gestante
pode perder até 35% da sua volemia antes de apre-
sentar taquicardia, palidez, frialdade de extremida-
des, hipotensão e outros sinais de hipovolemia.
Assim, o feto pode estar em “choque hipovolêmi-
co”, uma vez que a diminuição abrupta da volemia
materna leva a um grande aumento da resistência
vascular uterina, reduzindo a oxigenação fetal, in-
dependentemente de sinais vitais maternos nor-
mais(1,4)
. O uso de agentes vasopressores para a
restauração da pressão arterial é contra-indicado,
pois tais drogas podem diminuir ainda mais o fluxo
sangüíneo fetal, já que a vasculatura placentária é
extremamente sensível à estimulação por cateco-
laminas, levando à hipoxia fetal(1)
. A gestante deve
ser mantida em hipervolemia relativa e, para isso,
é fundamental a monitorização precoce da pres-
são venosa central(1,5)
.
GA Pereira Jr.; LF Haikel Jr.; JMC Atique; EJ Nakamura; A Basile-Filho & JI Andrade
286
4.2. Monitorização
A mãe deve ficar em decúbito lateral esquer-
do ou em posição supina com elevação do quadril
direito e deslocamento manual do útero para a es-
querda, dependendo da exclusão ou suspeita de lesão
medular. Freqüentemente, devem ser reavaliados os
sinais vitais, pressão venosa central e, de preferên-
cia, a oximetria de pulso deve ser monitorizada conti-
nuamente(1)
.
No feto, os batimentos cardíacos fetais são
auscultados a partir da 10a
semana de gestação com
"doppler". Após 20a 24 semanas de gestação, a mo-
nitorização deve ser contínua para se detectar sofri-
mento fetal agudo precocemente. A freqüência car-
díaca fetal varia de 120 a 160 batimentos por minuto.
Uma freqüência cardíaca fetal anormal, presença de
desacelerações repetidas, ausência de aceleração ou
variabilidade dos batimentos com a contração uterina
pode ser um sinal de sofrimento fetal, necessitando
de avaliação do obstetra(1)
.
4.3. Avaliação secundária
Obedece a mesma seqüência adotada na ava-
liação da paciente traumatizada não gestante(1)
.
O exame físico deve ser completo, com a ava-
liação da cabeça aos pés. Na gestante, também é ne-
cessária uma avaliação da altura, irritabilidade e sen-
sibilidade uterinas, bem como a freqüência cardíaca e
os movimentos fetais. O exame ginecológico deve ser
completo(4)
. A presença de contrações uterinas suge-
re trabalho de parto prematuro. Contrações uterinas
tetânicas, associadas a sangramento vaginal, tradu-
zem descolamento prematuro de placenta normalmente
implantada(1,4)
.
Um monitor uterino deve ser usado precoce-
mente na avaliação da gestante.
Os sinais de alarme são: irritabilidade uterina,
diminuição da altura uterina (inconsistente com a ida-
de gestacional), sangramento vaginal, presença de lí-
quido amniótico na vagina - evidenciada por um pH
alcalino (entre 7 e 7,5) - que diagnostica ruptura da
membrana amniótica; acelerações da freqüência car-
díaca fetal em resposta a movimentos fetais e/ou
desacelerações persistentes ou tardias, em resposta
a contrações uterinas, sugerem hipoxia fetal(1,6)
.
5. EXAMES LABORATORIAIS
Amostras sanguíneas devem ser coletadas du-
rante o estabelecimento do acesso venoso e envia-
das para: tipo sangüíneo, prova cruzada e contraprova,
contagens de glóbulos brancos e plaquetas; dosagens
de eletrólitos, uréia, creatinina, fibrinogênio e deter-
minação do tempo de tromboplastina parcial ativada,
tempo de protrombina, teste de Kleihauer-Betke (de-
tecção de hemácias fetais na corrente sanguínea
materna) e exames toxicológicos(1)
.
6. EXAMES RADIOLÓGICOS
A ultrassonografia pélvica pode ser usada para
detectar os batimentos cardíacos fetais e localização
da placenta. Pode confirmar o diagnóstico de ruptu-
ra uterina ou descolamento da placenta(1,5,6)
.
A execução dos exames radiológicos, quando
estritamente necessários, não deve ser evitada. Apro-
ximadamente 30% da radiação absorvida pela mãe
é transmitida ao feto, tendo efeito cumulativo(2). O
risco teratogênico é maior durante a organogênese
(entre a segunda e oitava semanas de vida fetal)(2)
.
As radiografias da coluna cervical e tórax devem
ser realizadas com o útero protegido por avental
de chumbo(5).
A tomografia axial computadorizada pode ser
realizada satisfatoriamente, se cortes amplos e so-
brepostos forem evitados(5)
. Critério e boa técnica de-
vem ser usados para reduzir ao mínimo a dose de
radiação(5)
.
7. LAVADO PERITONEAL DIAGNÓSTICO
(LPD)
A gestação não contra-indica o LPD (1,6,8,10,11),
porém a incisão deve ser realizada na linha média
acima do fundo do útero. Recomenda-se o emprego
da técnica aberta(10,11)
.
O LPD não possibilita a avaliação de trauma
dos órgãos retroperitoneais, nem das lesões intra-ute-
rinas(10,11)
.
8. HEMORRAGIA MATERNOFETAL
A hemorragia maternofetal pode resultar em
anemia e morte do feto. Pode, ainda, ocasionar
isoimunização, se a mãe é Rh negativa, pois apenas
0,01 mL de sangue com fator Rh positivo, sensibiliza-
rá 70% das gestantes com fator Rh negativo(1,12)
.
O resultado positivo do teste de Kleihauer-
Betke indica hemorragia maternofetal. O teste nega-
tivo não a exclui(1,12)
.
Atendimento à gestante traumatizada
287
Deve-se cogitar a terapia com imunoglobulina
em todas as gestantes vítimas de trauma com fator
Rh negativo, a menos que a possibilidade de lesão
uterina seja remota, como no caso de traumatismo
isolado de extremidades. Havendo dúvida quanto à
gravidade da lesão ou à ocorrência de hemorragia
maternofetal, a gestante deve receber a imunoglobu-
lina(1,2,3)
. O tratamento deve ser instituído até 72 ho-
ras após o trauma(1,3,12)
.
9. HOSPITALIZAÇÃO
A hospitalização é obrigatória nas circunstân-
cias que se seguem: sangramento vaginal, irritabili-
dade uterina, dor e sensibilidade abdominal, evidên-
cia de hipovolemia, alterações da freqüência cardía-
ca fetal ou ausência de batimentos cardíacos do
concepto e ruptura da bolsa amniótica(1,3).
Em pacientes com trauma abdominal e, pelo
menos, 25 semanas de gestação, a monitorização fe-
tal deve ser realizada por 24 a 48 horas(5)
.
10. LAPAROTOMIA EXPLORADORA
Na gestante traumatizada, a laparotomia não
terapêutica não apresenta maior morbidade ou mor-
talidade do que na paciente não gestante. O temor de
precipitar o trabalho de parto ou causar aborto é in-
fundado(6,8,9)
.
Quando a laparotomia exploradora está indi-
cada, o feto, geralmente, tolera bem a cirurgia e a
anestesia, desde que a oxigenação materna e a per-
fusão uterina sejam satisfatórias(3,13). A realização de
laparotomia para tratamento de lesões traumáticas
não implica necessariamente em cesárea. Muitas
mães têm parto normal após a celiotomia(6,9,13)
.
Quando o útero for atingido por um ferimento
penetrante, provavelmente o feto estará lesado(3,6)
.
Se o concepto estiver vivo, a decisão de realizar a
cesária deve levar em conta a idade gestacional (ma-
turidade fetal), condições do feto avaliadas antes da
cirurgia, estabilidade fisiológica da mãe e extensão
da lesão uterina(3,13)
.
As indicações de cesariana, no trauma, são:
lesão uterina extensa, requerendo histerectomia, he-
morragia uterina que não pode ser controlada, sinais
de sofrimento fetal com feto potencialmente viável,
necessidade de exposição cirúrgica para reparo de
lesões maternas, morte materna iminente, descola-
mento da placenta, ruptura uterina ou embolia de lí-
quido amniótico(5,8,9)
. Se indicada a cesariana e hou-
ver penetração uterina, o neonatologista e o cirurgião
pediátrico devem ser requisitados para avaliação es-
pecializada(3)
.
11. PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
NA GESTANTE
Todas as manobras de ressuscitação cardio-
pulmonar convencionais devem ser realizadas sem ne-
nhuma modificação(14,15,16)
. A assistência ventilatória
e a compressão torácica externa devem ser realiza-
das normalmente. As medidas farmacológicas con-
vencionais também devem ser adotadas integral-
mente e sem qualquer restrição. Não existe contra-
indicação para a desfibrilação elétrica cardíaca du-
rante a reanimação da gestante, que é empregada com
os mesmos níveis de energia empregados convencio-
nalmente(14/17).
Antes da 24a
semana de gestação, os objetivos
da ressuscitação cardiopulmonar podem ser dirigidos
exclusivamente para a sobrevivência materna, já que
não existe viabilidade fetal. Após essa idade gestacio-
nal, a orientação da ressuscitação cardiopulmonar
deve incluir considerações a respeito da possibilidade
de sobrevivência do concepto. O ideal é que seja ob-
tida a ressuscitação imediata, permitindo-se a manu-
tenção do feto. Quanto menor a idade gestacional,
maior é o risco perinatal do parto cesáreo de emer-
gência, assim, a manutenção da vida materna pode
ser importante para a sobrevivência fetal, indepen-
dentemente da condição cerebral da gestante(16,17)
.
Depois de 32 a 34 semanas de gestação, as
possibilidades de ressuscitação materna e fetal são
freqüentemente melhoradas pela realização do par-
to cesáreo de emergência, já que o esvaziamento
uterino remove a compressão da aorta e da veia
cava inferior, permitindo um retorno venoso adequa-
do(16,17,18)
.
Segundo alguns autores, se, após quatro minu-
tos de ressuscitação cardiopulmonar, não ocorrer me-
lhora evidente e existirem evidências de deterioração
fetal, é necessário um procedimento intervencionis-
ta(19)
. Se a idade gestacional for superior a 32 sema-
nas, a primeira prioridade é a realização do parto ce-
sáreo. Se a idade gestacional estiver entre 24 e 32
semanas, a toracotomia e a massagem cardíaca ex-
terna devem ser consideradas e, se depois de um a
dois minutos não houver êxito dessa manobra, o pas-
so seguinte é a realização do parto cesáreo(19)
.
GA Pereira Jr.; LF Haikel Jr.; JMC Atique; EJ Nakamura; A Basile-Filho & JI Andrade
288
12. CESÁREA PERIMORTE
A decisão de se realizar o parto cesáreo é
complexa. Devem ser levadas em consideração as
circunstâncias que precipitaram a parada cardíaca
materna, a idade gestacional, a possibilidade de
sobrevivência fetal, o intervalo entre a parada car-
díaca e o nascimento e a disponibilidade de material
e pessoal treinado para o atendimento do recém-nas-
cido(17,20,21)
.
Há poucos dados para dar suporte a cesárea
perimorte na gestante com parada cardíaca por hi-
povolemia. O sofrimento fetal pode estar presente
mesmo na gestante hemodinamicamente normal
e a progressiva instabilidade materna compromete
a sobrevivência fetal. No momento da parada car-
díaca por hipovolemia, o feto já sofreu hipóxia pro-
longada(1,20,21)
.
Para outras causas de parada cardíaca, a ce-
sárea perimorte pode ter maior sucesso(1,21).
O nascimento que ocorre após quinze minutos
da morte materna, raramente, produz recém-nascido
vivo e os sobreviventes, em quase sua totalidade,
apresentam graves seqüelas neurológicas. Por outro
lado, todas as crianças que nascem durante os pri-
meiros cinco minutos da morte materna são vivos
e saudáveis, geralmente, não apresentando qual-
quer seqüela neurológica. Para os recém-nascidos
entre seis e quinze minutos, a taxa de sobrevivên-
cia é menor e a incidência de lesões neurológicas
é de 15%(21,22).
Há relatos de casos, demonstrando que a ma-
nutenção da vida, em gestantes com morte cerebral
ou em coma, permite o parto em idade gestacional
maior e em situação mais favorável de sobrevivência
fetal(23,24)
.
13. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência doméstica é uma causa freqüente
e em ascensão de lesões nas mulheres em qualquer
fase de sua vida, independente do estado social, eco-
nômico e cultural(1,25)
.
Alguns padrões de lesões podem sugerir a pre-
sença de violência doméstica(1,26,27)
:
• gravidade das lesões inconsistentes com a história
relatada;
• depressão, diminuição da auto-estima e tentativas
de suicídio;
• procura freqüente por atendimento médico de emer-
gência;
• sintomas sugestivos de abusos de drogas;
• maridos ou companheiros que insistem em estar
presentes na anamnese e no exame físico, além de
tentar monopolizar a discussão;
• insistência em assumir a culpa pelas lesões so-
fridas.
Os casos suspeitos de tal violência devem ser
encaminhados ao serviço social e à Delegacia de De-
fesa da Mulher.
PEREIRA Jr. GA; HAIKEL Jr. LF; ATIQUE JMC; NAKAMURA EJ; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. Trauma in
pregnancy. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 282-289, july/sept. 1999.
ABSTRACT: The priorities for management of the pregnant patient are no different than
those of the nonpregnancy patient. It is important to follow a methodic evaluation that ensures
complete assessment and stabilization of the mother. The mother should be stabilized before
the stabilization of the fetus. The physiologic and anatomic changes during the pregnancy can
influence outcome. Continuous fetal and maternal monitoring may be necessary. This article
discuss about blunt and penetrating abdominal trauma, peritoneal lavage and indications of
exploratory laparotomy. Cardiopulmonary resuscitation in pregnancy and perimortem cesarean
delivery is considered. Indicators may suggest the presence of domestic violence and should
serve to initiate further investigation.
UNITERMS: Injuries. Pregnancy. Cesarean Section. Fetal Death. Abdominal Injuries. Domestic
Violence.
Atendimento à gestante traumatizada
289
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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27 - DUNNEGAN SW. Violence, trauma and substance abuse.
J Psychoactive Drugs 29: 345-351, 1997.
Recebido para publicação em 11/08/99
Aprovado para publicação em 14/09/99

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Atendimento a gestante_traumatizada

  • 1. ATENDIMENTO À GESTANTE TRAUMATIZADA TRAUMA IN PREGNANCY Gerson Alves Pereira Júnior1 ; Luiz Fernando Haikel Júnior2 ; João Marcos Camillo Atique2 ; Ernani Jodi Nakamura2 ; Aníbal Basile-Filho3 & José Ivan de Andrade4 1 Médico Assistente da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas; 2 Graduandos, Membros da Liga do Trauma do Centro Acadêmico Rocha Lima; 3 Professor Associado do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva; 4 Professor Doutor do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP). CORRESPONDÊNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Júnior – Rua Iguape, 747, ap. 12 C – Jardim Paulista – CEP: 14090-000 – Ribeirão Preto – SP. email: gersonapj@netsite.com.br PEREIRA Jr. GA; HAIKEL Jr. LF; ATIQUE JMC; NAKAMURA EJ; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. Atendimento à gestante traumatizada. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 282-289, jul./set. 1999. RESUMO: Este artigo faz uma revisão das alterações anatômicas e fisiológicas que ocor- rem durante a gestação e estabelece os princípios da abordagem à gestante traumatizada, delineando os aspectos da monitorização materna e fetal e as patologias próprias da gestação. Diferenciam-se os traumas contusos e penetrantes, discutindo-se o papel do lavado peritoneal diagnóstico e da laparotomia exploradora. Discutem-se a abordagem da gestante em parada cardiorrespiratória e as indicações de cesárea perimorte, bem como os indícios de violência doméstica. UNITERMOS: Lesões. Gravidez. Cesárea. Morte Fetal. Traumatismos Abdominais. Violên- cia Doméstica. 282 ressuscitação volêmica, bem como o resultado dos testes diagnósticos. A gestação pode afetar, também, o padrão e a gravidade das lesões.(1) As prioridades no atendimento e trata- mento da gestante traumatizada são as mesmas da paciente não grávida(1,4) . O melhor cuidado para com o feto é prover um tratamento adequado para a mãe, uma vez que a vida do feto é totalmente depen- dente da integridade anatomofisiológica materna(1,4) . 2. ALTERAÇÕES ANATÔMICAS E FISIO- LÓGICAS DO ORGANISMO MATERNO DURANTE A GESTAÇÃO O útero persiste como um órgão intrapélvico até a 12ª semana de gestação. Está na altura do um- bigo entre 20 e 22 semanas e do gradeado costal após Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: TRAUMA I 32: 282-289, jul./set. 1999 Capítulo IV 1. INTRODUÇÃO A possibilidade degravidez deve ser considera- da em qualquer paciente do sexo feminino na faixa etá- ria entre os 10 e 50 anos, devendo-se sempre excluir tal possibilidade, de modo objetivo, nestes pacientes(1) . A incidência de trauma durante a gravidez si- tua-se em torno de 6%(2,3) . A gestante traumatizada é uma paciente sin- gular, porque são vitimadas duas pessoas simultanea- mente. Ademais, as adaptações fisiológicas do orga- nismo materno durante a gravidez alteram o padrão normal de resposta frente às diferentes variáveis en- volvidas no trauma(1/4). Estas alterações da estrutura e função orgânicas podem influenciar a avaliação da gestante traumatizada pela alteração dos sinais e sin- tomas das lesões, alterar a abordagem e a resposta à
  • 2. Atendimento à gestante traumatizada 283 36 semanas. Com o crescimento uterino, o intestino delgado fica restrito ao abdome superior. Ao crescer e ultrapassar os limites da pelve, o útero sai de um ambiente anatomicamente “protegido”, tornando-se mais vulnerável ao trauma(1,4) . O líquido amniótico protege o feto dos traumas externos; porém, para a mãe, pode se constituir em fonte de embolia e coagulação intravascular dissemi- nada(1,4) . A falta de um tecido conjuntivo elástico na pla- centa predispõe o seu descolamento no trauma direto sobre o abdome(1,4) . As alterações hematológicas ocorrem tanto no volume sangüíneo, quanto na sua composição. O volume plasmático sofre um incremento pro- gressivo, chegando a 45 a 50% por volta da 32ª se- mana de gestação(1,4). A quantidade de hemácias au- menta e, ao final da gestação, chega ao nível de 33% maior do que na mulher não grávida(3) . O maior au- mento relativo do volume plasmático em relação à massa de eritrócitos leva à chamada “anemia fisioló- gica da gravidez”, cujo pico ocorre em torno da 28ª semana de gestação(1,2,3) . No final da gestação, o hematócrito está em torno de 31 a 35%(1/4) . O aumento global, no volume sangüíneo, che- ga a 48% e é proporcional ao número de fetos, sendo de aproximadamente 1600 ml na gravidez única e de 2000 ml na gravidez gemelar(3) . Na vigência de he- morragia, uma perda de 30 a 35% do volume sangüí- neo pode ser pouco sintomática na gestante. A hipo- tensão arterial é, usualmente, um sinal tardio(1,4). O número de leucócitos está aumentado no sangue periférico, sendo comum encontrarmos valo- res em torno de 20.000/mm3 , sem alteração na con- tagem diferencial de glóbulos brancos(1,3,4) . As concentrações de todos os fatores da coa- gulação estão aumentadas na gestação, exceto dos fatores XI e XIII e antitrombina III. O aumento do fibrinogênio plasmático e dos fatores VII, VIII e IX, associado à diminuição do fator ativador do plasmi- nogênio, atua como predisponente da coagulação (di- minui o tempo de protrombina e o tempo de trombo- plastina parcial ativada, mas não altera o tempo de coagulação nem o tempo de sangramento)(1,3,4) . Os níveis de fibrinogênio atingem 600 mg/dL próximo ao termo da gestação, sendo considerados anormais ní- veis menores que 400 mg/dL. Estas alterações da composição sangüínea resultam em um estado de hipercoagulabilidade que, em associação com estase venosa e trauma das paredes venosas, produzem um risco aumentado para tromboembolismo. A albumina sérica está diminuída (2,2 a 2,8 g/dL), levando a uma queda na proteína sérica total em, aproximadamente, 1g/dL(1) . A osmolaridade séri- ca permanece em torno de 280 mOsm/L durante toda a gestação(1) . O débito cardíaco materno aumenta, a partir da 10ª semana de gestação, chegando ao auge no final do 2º trimestre(1,3,4) . Tal aumento, de aproxima- damente 4,5 para 6 litros/minuto (30 a 45%), decorre do aumento do volume plasmático e da diminuição da resistência vascular do útero e da placenta, que du- rante o 3º trimestre chega a receber 20% do débito cardíaco. Este débito cardíaco elevado é mantido até retornar aos níveis não gravídicos em torno de duas a quatro semanas pós-parto(3). As pressões de enchi- mento cardíaco (pressão venosa central e pressão na artéria pulmonar) não se alteram durante a gestação. Na posição supina, pode ocorrer uma queda de 30 a 35% do débito cardíaco, pela diminuição do retorno venoso dos membros inferiores causada pela com- pressão do útero sobre a veia cava inferior(1,4) . As alterações na resistência vascular, durante a gestação,ocorremporfatoresmecânicosehormonais(3) . O desenvolvimento da circulação uteroplacentária cria um importante circuito de baixa resistência que reduz a pós-carga cardíaca(3) . Os elevados níveis de estró- geno e progesterona, bem como das prostaglandinas, causam a vasodilatação periférica da gravidez(3). A freqüência cardíaca materna aumenta a par- tir da 7a semana de gestação. Ao final do primeiro trimestre, o aumento é da ordem de 15 a 20 batimen- tos por minuto(1,4) . Esta alteração deve ser conside- rada na interpretação da taquicardia em resposta à hipovolemia(1) . As pressões sistólica e diastólica diminuem durante o 2o trimestre, quando há uma queda de 05 a 15 mmHg nos valores basais, sendo que, próximo ao termo, a pressão arterial retorna, gradualmente, aos níveis normais(3,4) . Os valores da pressão arterial são maiores em decúbito lateral do que na posição supina. Nesta, o útero obstrui a veia cava inferior (após 20 semanas de gestação) e diminui o retorno venoso(2,4) . O eixo cardíaco está desviado para a esquer- da em torno de 15o(1,4,5) . A onda T está invertida em DIII, aVF e nas derivações precordiais(1) . A ocorrên- cia de focos ectópicos é comum na gestação(1,4) . O volume minuto respiratório eleva-se em 50%, como resultado do aumento do volume corrente. Isto se deve aos elevados níveis de progesterona, que é um estimulante do centro respiratório(1,4).
  • 3. GA Pereira Jr.; LF Haikel Jr.; JMC Atique; EJ Nakamura; A Basile-Filho & JI Andrade 284 As alterações anatômicas da cavidade toráci- ca com elevação das cúpulas diafragmáticas diminui a capacidade residual funcional (soma dos volumes residual e de reserva expiratória) em cerca de 25%(3) . A redução na capacidade residual funcional predis- põe a paciente a ter atelectasias, se houver qualquer patologia. A hipocapnia (pa CO2 em torno de 30 mmHg) é comum no final da gestação(2,3) . Os níveis de bicar- bonato sérico estão diminuídos cerca de 4 mEq/ml e o pH arterial está elevado, resultando em um estado crônico de alcalose respiratória compensada(2,5) . A diminuição da capacidade tampão do sangue pode agravar a acidose do choque circulatório(1) . A soma destas alterações aumenta a profundi- dade da respiração, mas não a sua freqüência, o que ajuda a suprir o aumento do consumo de oxigênio, que se eleva de 20 para 40 ml/min na segunda meta- de da gestação(3) . Durante a gestação, o metabolismo e o consu- mo de oxigênio aumentam em torno de 20%. O au- mento do consumo de oxigênio deve-se às maiores necessidades metabólicas das mamas, do útero, da placenta e do crescimento fetal, associado ao maior trabalho respiratório e muscular, causado pela modi- ficação do peso materno(6) . Tal aumento, no consu- mo de oxigênio, associado à diminuição na capacida- de residual funcional, diminui a reserva de oxigênio da mãe e, subseqüentemente, aumenta o risco de hipóxia para o feto em resposta à hipoventilação ou apnéia materna. A pa O2 normal na gestante varia de 101 a 108 mmHg no início da gravidez e cai para 90 a 100 mmHg próximo ao termo(3) . Em uma pessoa saudável, todas as regiões do pulmão estão abertas no final de uma inspiração pro- funda. Normalmente, a capacidade residual funcional excede o volume crítico de oclusão. Durante a gesta- ção, o volume de oclusão não se altera, mas a capaci- dade residual funcional declina consideravelmente, permanecendo segmentos pulmonares colabados ao final da inspiração, o que reduz a complacência pul- monar e aumenta o "shunt" intrapulmonar. Isto expli- ca porque os processos pneumônicos têm maior mor- bidade e mortalidade na gestante(3) . As reduções da pressão do esfíncter inferior do esôfago e da motilidade gástrica favorecem o vô- mito. Por isto, o estômago deve ser descomprimido precocemente, assumindo que a gestante esteja com o estômago cheio, diminuindo o risco de aspiração do conteúdo gástrico(2,4,5). O intestino delgado é deslocado para o abdo- me superior pelo crescimento uterino, enquanto o fí- gado e o baço permanecem em posição normal(4) . A placenta produz fosfatase alcalina, elevando os níveis séricos desta enzima(5) . A taxa de filtração glomerular e o fluxo san- güíneo renal estão aumentados na gestação. Há queda dos níveis plasmáticos de creatinina e uréia, à meta- de dos valores normais(4,5) . Glicosúria é comum du- rante toda a gestação. Os cálices, a pelve renal e os ureteres estão dilatados, podendo persistir tal dilatação por várias semanas após o término da gravidez(5) . Devido à fre- qüente dextrorotação uterina, a dilatação, geralmen- te, é mais pronunciada à direita. O aumento do útero resulta em compressão vesical. O tônus da bexiga diminui, aumentando sua capacidade e retardando seu esvaziamento. A estase urinária resultante facilita a infecção(2,5) . A hipófise tem seu peso aumentado em 30 a 50%(1) . Se ocorrer choque circulatório, pode haver necrose da porção anterior da glândula, levando ao hipopituitarismo (Síndrome de Sheeran)(2,5) . A sínfise púbica se alarga a partir 07o mês (04 a 08 milímetros), assim como as articulações sacro- ilíacas, devendo ser consideradas tais alterações na interpretação da radiografia simples de pelve(1). A eclâmpsia pode simular trauma cranioence- fálico com convulsões. A presença de hipertensão, hiperreflexia, proteinúria e edema periférico associ- am-se a eclâmpsia. A ocorrência de proteinúria é de- cisiva no diagnóstico diferencial(4) . 3. MECANISMOS DO TRAUMA 3.1. Trauma abdominal contuso A causa mais freqüente é o acidente por veí- culo motorizado, seguida por quedas e agressão dire- ta sobre o abdome(3,6) . O uso do cinto de segurança diminui a incidên- cia de lesões maternas e a morte por prevenir a ejeção do veículo. Assim, as informações sobre a utilização e o tipo de cinto de segurança usado são importantes na avaliação global, pois os cintos de fixação abdomi- nal ensejam maior risco de compressão uterina com possível ruptura ou descolamento de placenta(1,7). Os cintos de três pontos dissipam as forças numa super- fície maior, o que os torna mais eficientes, porém, a sua porção abdominal deve ficar abaixo das cristas ilíacas ântero-superiores e não sobre o abdome(7,8) .
  • 4. Atendimento à gestante traumatizada 285 Hemorragias retroperitoneais graves secundá- rias ao trauma da pelve e do abdome inferior ocor- rem mais freqüentemente na grávida do que na paci- ente não gestante, devido ao maior tamanho dos ór- gãos pélvicos e ao maior fluxo sangüíneo para esta área(3,8) . O trauma do intestino delgado ocorre menos freqüentemente durante a gestação, pois as alças in- testinais são protegidas pelo útero aumentado de ta- manho(1,2,6). A ruptura uterina traumática é pouco freqüen- te. O quadro clínico varia de sinais e sintomas míni- mos, peritonismo, até hemorragia maciça e choque circulatório(2,8) . A posição fetal anômala, extremida- des estendidas ou ar livre intraperitoneal são evidên- cias radiológicas de ruptura uterina. A suspeita de rup- tura do útero demanda exploração cirúrgica imedia- ta(1,3,7,8,9) . O descolamento da placenta após trauma con- tuso é uma das causas de morte fetal e pode ocorrer mesmo após pequenos traumas na gestação avança- da. Os achados no exame físico incluem dor abdomi- nal, hipertonia uterina, sangramento vaginal, altura ute- rina em expansão, alterações da freqüência cardíaca fetal e choque materno. Com o descolamento de 25% da superfície placentária, o sangramento vaginal e o trabalho de parto prematuro podem ocorrer(1,8,9) . Na vigência de embolia do líquido amniótico e/ou coagulação intravascular disseminada, a evacu- ação uterina deve ser imediata(1,8,9) . O trauma fetal direto é infreqüente, já que o líquido amniótico amortece e dissipa as forças do trau- ma (princípio de Pascal). A lesão craniana fetal mais comum resulta da fratura da pelve materna no final da gestação, quando a cabeça do feto está insinuada, na apresentação cefálica(1,3,8) . 3.2. Trauma abdominal penetrante As incidências de lesões da mãe e do filho são diametralmente opostas(3) . Em apenas 19% de todos os casos, ocorre lesão visceral materna. Por outro lado, o feto é atingido em 2/3 das penetrações traumáticas do abdome. Em conseqüência, ocorre uma diferença significativa de mortalidade (de 41 a 71% do feto e menos de 5% da mãe)(3). Assim como na paciente não gestante, os ferimentos por arma de fogo devem ser obrigatoriamente explorados. Existem autores que adotam uma conduta seletiva nos ferimentos pene- trantes por arma branca, explorando a lesão, sob anes- tesia local (se necessário, amplia-se o ferimento) e indica-se a laparotomia exploradora em todos os ca- sos nos quais a aponeurose tenha sido violada(3) . Em cerca de 80% das gestantes admitidas com choque hemorrágico que sobrevivem, o feto acaba indo a óbito(1) . 4. ATENDIMENTO INICIAL Para um melhor resultado, tanto para a mãe, quanto para o feto, recomenda-se avaliar e ressusci- tar a mãe primeiro e, então, avaliar o feto, antes que se proceda a avaliação secundária materna(1). 4.1. Avaliação primária As prioridades são as mesmas da paciente não gestante(1). Existem, todavia, algumas peculiaridades no atendimento à gestante: • a paciente deve, tão logo seja descartada uma lesão da coluna cervical, ser mantida em decúbito lateral esquerdo, para que o útero não comprima a veia cava inferior, o que diminui o retorno venoso e pode agravar o choque circulatório(1,4,5) . Na suspeita de lesão cervical, a paciente deve ser mantida em po- sição supina, com elevação do quadril direito (6 a 10 centímetros) com o uso de coxim e o útero deve ser deslocado manualmente para a esquerda; • devido ao maior consumo de oxigênio pela gestan- te, a suplementação de oxigênio deve ser pronta- mente instituída(5); • em conseqüência do aumento do volume intravas- cular e da rápida contração da circulação utero- placentária, desviando sangue do feto, a gestante pode perder até 35% da sua volemia antes de apre- sentar taquicardia, palidez, frialdade de extremida- des, hipotensão e outros sinais de hipovolemia. Assim, o feto pode estar em “choque hipovolêmi- co”, uma vez que a diminuição abrupta da volemia materna leva a um grande aumento da resistência vascular uterina, reduzindo a oxigenação fetal, in- dependentemente de sinais vitais maternos nor- mais(1,4) . O uso de agentes vasopressores para a restauração da pressão arterial é contra-indicado, pois tais drogas podem diminuir ainda mais o fluxo sangüíneo fetal, já que a vasculatura placentária é extremamente sensível à estimulação por cateco- laminas, levando à hipoxia fetal(1) . A gestante deve ser mantida em hipervolemia relativa e, para isso, é fundamental a monitorização precoce da pres- são venosa central(1,5) .
  • 5. GA Pereira Jr.; LF Haikel Jr.; JMC Atique; EJ Nakamura; A Basile-Filho & JI Andrade 286 4.2. Monitorização A mãe deve ficar em decúbito lateral esquer- do ou em posição supina com elevação do quadril direito e deslocamento manual do útero para a es- querda, dependendo da exclusão ou suspeita de lesão medular. Freqüentemente, devem ser reavaliados os sinais vitais, pressão venosa central e, de preferên- cia, a oximetria de pulso deve ser monitorizada conti- nuamente(1) . No feto, os batimentos cardíacos fetais são auscultados a partir da 10a semana de gestação com "doppler". Após 20a 24 semanas de gestação, a mo- nitorização deve ser contínua para se detectar sofri- mento fetal agudo precocemente. A freqüência car- díaca fetal varia de 120 a 160 batimentos por minuto. Uma freqüência cardíaca fetal anormal, presença de desacelerações repetidas, ausência de aceleração ou variabilidade dos batimentos com a contração uterina pode ser um sinal de sofrimento fetal, necessitando de avaliação do obstetra(1) . 4.3. Avaliação secundária Obedece a mesma seqüência adotada na ava- liação da paciente traumatizada não gestante(1) . O exame físico deve ser completo, com a ava- liação da cabeça aos pés. Na gestante, também é ne- cessária uma avaliação da altura, irritabilidade e sen- sibilidade uterinas, bem como a freqüência cardíaca e os movimentos fetais. O exame ginecológico deve ser completo(4) . A presença de contrações uterinas suge- re trabalho de parto prematuro. Contrações uterinas tetânicas, associadas a sangramento vaginal, tradu- zem descolamento prematuro de placenta normalmente implantada(1,4) . Um monitor uterino deve ser usado precoce- mente na avaliação da gestante. Os sinais de alarme são: irritabilidade uterina, diminuição da altura uterina (inconsistente com a ida- de gestacional), sangramento vaginal, presença de lí- quido amniótico na vagina - evidenciada por um pH alcalino (entre 7 e 7,5) - que diagnostica ruptura da membrana amniótica; acelerações da freqüência car- díaca fetal em resposta a movimentos fetais e/ou desacelerações persistentes ou tardias, em resposta a contrações uterinas, sugerem hipoxia fetal(1,6) . 5. EXAMES LABORATORIAIS Amostras sanguíneas devem ser coletadas du- rante o estabelecimento do acesso venoso e envia- das para: tipo sangüíneo, prova cruzada e contraprova, contagens de glóbulos brancos e plaquetas; dosagens de eletrólitos, uréia, creatinina, fibrinogênio e deter- minação do tempo de tromboplastina parcial ativada, tempo de protrombina, teste de Kleihauer-Betke (de- tecção de hemácias fetais na corrente sanguínea materna) e exames toxicológicos(1) . 6. EXAMES RADIOLÓGICOS A ultrassonografia pélvica pode ser usada para detectar os batimentos cardíacos fetais e localização da placenta. Pode confirmar o diagnóstico de ruptu- ra uterina ou descolamento da placenta(1,5,6) . A execução dos exames radiológicos, quando estritamente necessários, não deve ser evitada. Apro- ximadamente 30% da radiação absorvida pela mãe é transmitida ao feto, tendo efeito cumulativo(2). O risco teratogênico é maior durante a organogênese (entre a segunda e oitava semanas de vida fetal)(2) . As radiografias da coluna cervical e tórax devem ser realizadas com o útero protegido por avental de chumbo(5). A tomografia axial computadorizada pode ser realizada satisfatoriamente, se cortes amplos e so- brepostos forem evitados(5) . Critério e boa técnica de- vem ser usados para reduzir ao mínimo a dose de radiação(5) . 7. LAVADO PERITONEAL DIAGNÓSTICO (LPD) A gestação não contra-indica o LPD (1,6,8,10,11), porém a incisão deve ser realizada na linha média acima do fundo do útero. Recomenda-se o emprego da técnica aberta(10,11) . O LPD não possibilita a avaliação de trauma dos órgãos retroperitoneais, nem das lesões intra-ute- rinas(10,11) . 8. HEMORRAGIA MATERNOFETAL A hemorragia maternofetal pode resultar em anemia e morte do feto. Pode, ainda, ocasionar isoimunização, se a mãe é Rh negativa, pois apenas 0,01 mL de sangue com fator Rh positivo, sensibiliza- rá 70% das gestantes com fator Rh negativo(1,12) . O resultado positivo do teste de Kleihauer- Betke indica hemorragia maternofetal. O teste nega- tivo não a exclui(1,12) .
  • 6. Atendimento à gestante traumatizada 287 Deve-se cogitar a terapia com imunoglobulina em todas as gestantes vítimas de trauma com fator Rh negativo, a menos que a possibilidade de lesão uterina seja remota, como no caso de traumatismo isolado de extremidades. Havendo dúvida quanto à gravidade da lesão ou à ocorrência de hemorragia maternofetal, a gestante deve receber a imunoglobu- lina(1,2,3) . O tratamento deve ser instituído até 72 ho- ras após o trauma(1,3,12) . 9. HOSPITALIZAÇÃO A hospitalização é obrigatória nas circunstân- cias que se seguem: sangramento vaginal, irritabili- dade uterina, dor e sensibilidade abdominal, evidên- cia de hipovolemia, alterações da freqüência cardía- ca fetal ou ausência de batimentos cardíacos do concepto e ruptura da bolsa amniótica(1,3). Em pacientes com trauma abdominal e, pelo menos, 25 semanas de gestação, a monitorização fe- tal deve ser realizada por 24 a 48 horas(5) . 10. LAPAROTOMIA EXPLORADORA Na gestante traumatizada, a laparotomia não terapêutica não apresenta maior morbidade ou mor- talidade do que na paciente não gestante. O temor de precipitar o trabalho de parto ou causar aborto é in- fundado(6,8,9) . Quando a laparotomia exploradora está indi- cada, o feto, geralmente, tolera bem a cirurgia e a anestesia, desde que a oxigenação materna e a per- fusão uterina sejam satisfatórias(3,13). A realização de laparotomia para tratamento de lesões traumáticas não implica necessariamente em cesárea. Muitas mães têm parto normal após a celiotomia(6,9,13) . Quando o útero for atingido por um ferimento penetrante, provavelmente o feto estará lesado(3,6) . Se o concepto estiver vivo, a decisão de realizar a cesária deve levar em conta a idade gestacional (ma- turidade fetal), condições do feto avaliadas antes da cirurgia, estabilidade fisiológica da mãe e extensão da lesão uterina(3,13) . As indicações de cesariana, no trauma, são: lesão uterina extensa, requerendo histerectomia, he- morragia uterina que não pode ser controlada, sinais de sofrimento fetal com feto potencialmente viável, necessidade de exposição cirúrgica para reparo de lesões maternas, morte materna iminente, descola- mento da placenta, ruptura uterina ou embolia de lí- quido amniótico(5,8,9) . Se indicada a cesariana e hou- ver penetração uterina, o neonatologista e o cirurgião pediátrico devem ser requisitados para avaliação es- pecializada(3) . 11. PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA NA GESTANTE Todas as manobras de ressuscitação cardio- pulmonar convencionais devem ser realizadas sem ne- nhuma modificação(14,15,16) . A assistência ventilatória e a compressão torácica externa devem ser realiza- das normalmente. As medidas farmacológicas con- vencionais também devem ser adotadas integral- mente e sem qualquer restrição. Não existe contra- indicação para a desfibrilação elétrica cardíaca du- rante a reanimação da gestante, que é empregada com os mesmos níveis de energia empregados convencio- nalmente(14/17). Antes da 24a semana de gestação, os objetivos da ressuscitação cardiopulmonar podem ser dirigidos exclusivamente para a sobrevivência materna, já que não existe viabilidade fetal. Após essa idade gestacio- nal, a orientação da ressuscitação cardiopulmonar deve incluir considerações a respeito da possibilidade de sobrevivência do concepto. O ideal é que seja ob- tida a ressuscitação imediata, permitindo-se a manu- tenção do feto. Quanto menor a idade gestacional, maior é o risco perinatal do parto cesáreo de emer- gência, assim, a manutenção da vida materna pode ser importante para a sobrevivência fetal, indepen- dentemente da condição cerebral da gestante(16,17) . Depois de 32 a 34 semanas de gestação, as possibilidades de ressuscitação materna e fetal são freqüentemente melhoradas pela realização do par- to cesáreo de emergência, já que o esvaziamento uterino remove a compressão da aorta e da veia cava inferior, permitindo um retorno venoso adequa- do(16,17,18) . Segundo alguns autores, se, após quatro minu- tos de ressuscitação cardiopulmonar, não ocorrer me- lhora evidente e existirem evidências de deterioração fetal, é necessário um procedimento intervencionis- ta(19) . Se a idade gestacional for superior a 32 sema- nas, a primeira prioridade é a realização do parto ce- sáreo. Se a idade gestacional estiver entre 24 e 32 semanas, a toracotomia e a massagem cardíaca ex- terna devem ser consideradas e, se depois de um a dois minutos não houver êxito dessa manobra, o pas- so seguinte é a realização do parto cesáreo(19) .
  • 7. GA Pereira Jr.; LF Haikel Jr.; JMC Atique; EJ Nakamura; A Basile-Filho & JI Andrade 288 12. CESÁREA PERIMORTE A decisão de se realizar o parto cesáreo é complexa. Devem ser levadas em consideração as circunstâncias que precipitaram a parada cardíaca materna, a idade gestacional, a possibilidade de sobrevivência fetal, o intervalo entre a parada car- díaca e o nascimento e a disponibilidade de material e pessoal treinado para o atendimento do recém-nas- cido(17,20,21) . Há poucos dados para dar suporte a cesárea perimorte na gestante com parada cardíaca por hi- povolemia. O sofrimento fetal pode estar presente mesmo na gestante hemodinamicamente normal e a progressiva instabilidade materna compromete a sobrevivência fetal. No momento da parada car- díaca por hipovolemia, o feto já sofreu hipóxia pro- longada(1,20,21) . Para outras causas de parada cardíaca, a ce- sárea perimorte pode ter maior sucesso(1,21). O nascimento que ocorre após quinze minutos da morte materna, raramente, produz recém-nascido vivo e os sobreviventes, em quase sua totalidade, apresentam graves seqüelas neurológicas. Por outro lado, todas as crianças que nascem durante os pri- meiros cinco minutos da morte materna são vivos e saudáveis, geralmente, não apresentando qual- quer seqüela neurológica. Para os recém-nascidos entre seis e quinze minutos, a taxa de sobrevivên- cia é menor e a incidência de lesões neurológicas é de 15%(21,22). Há relatos de casos, demonstrando que a ma- nutenção da vida, em gestantes com morte cerebral ou em coma, permite o parto em idade gestacional maior e em situação mais favorável de sobrevivência fetal(23,24) . 13. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A violência doméstica é uma causa freqüente e em ascensão de lesões nas mulheres em qualquer fase de sua vida, independente do estado social, eco- nômico e cultural(1,25) . Alguns padrões de lesões podem sugerir a pre- sença de violência doméstica(1,26,27) : • gravidade das lesões inconsistentes com a história relatada; • depressão, diminuição da auto-estima e tentativas de suicídio; • procura freqüente por atendimento médico de emer- gência; • sintomas sugestivos de abusos de drogas; • maridos ou companheiros que insistem em estar presentes na anamnese e no exame físico, além de tentar monopolizar a discussão; • insistência em assumir a culpa pelas lesões so- fridas. Os casos suspeitos de tal violência devem ser encaminhados ao serviço social e à Delegacia de De- fesa da Mulher. PEREIRA Jr. GA; HAIKEL Jr. LF; ATIQUE JMC; NAKAMURA EJ; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. Trauma in pregnancy. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 282-289, july/sept. 1999. ABSTRACT: The priorities for management of the pregnant patient are no different than those of the nonpregnancy patient. It is important to follow a methodic evaluation that ensures complete assessment and stabilization of the mother. The mother should be stabilized before the stabilization of the fetus. The physiologic and anatomic changes during the pregnancy can influence outcome. Continuous fetal and maternal monitoring may be necessary. This article discuss about blunt and penetrating abdominal trauma, peritoneal lavage and indications of exploratory laparotomy. Cardiopulmonary resuscitation in pregnancy and perimortem cesarean delivery is considered. Indicators may suggest the presence of domestic violence and should serve to initiate further investigation. UNITERMS: Injuries. Pregnancy. Cesarean Section. Fetal Death. Abdominal Injuries. Domestic Violence.
  • 8. Atendimento à gestante traumatizada 289 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - ADVANCED TRAUMA LIFE SUPPORT. Instructor Manual. Committee on Trauma. American College of Surgeons, Chicago, p. 377–387, 1997. 2 - SHAPIRO MJ; DURHAM RM & MAZUSKI JE. Abdominal and pelvic trauma. In: AYRES SM; GRENVIK A; HOLBROOK PR & SHOEMAKER WC. Textbook of critical care, 3r ed. WB Saunders, ed. Philadelphia, p. 1439-1448, 1995. 3 - HANKINS GDV; BARTH JR WH & SATIN AJ. Critical care medicine and the obstetric patient. In: AYRES SM; GRENVIK A; HOLBROOK PR & SHOEMAKER WC. Textbook of criti- cal care, 3rd ed. WB Saunders, Philadelphia, p. 50-63, 1995. 4 - ADVANCED TRAUMA LIFE SUPPORT. Instructor Manual. Committee on Trauma. American College of Surgeons, Chicago, p. 1–406, 1993. 5 - KNUDSON P. Trauma and pregnancy. Trauma manual of San Francisco General Hospital. University of California, San Francisco, 1995. 6 - ESPOSITO TJ; GENS DR; SMITH LG & SCORPIO R. Evaluation of blunt abdominal trauma occorring during pregnancy. J Trauma 29: 1628-1632, 1989. 7 - SCHOENFELD A; ZIV E; STEIN L; ZAIDEL D & OVADIA J. Seat belts in pregnancy and the obstetrician. Obstet Gynecol Surg 42: 275-282, 1987. 8 - PERLMAN MD; TINTINALLI JE & LORENZ RP. Blunt trauma during pregnancy. N Engl J Med 323: 1606-1613, 1991. 9 - SORENSEN VJ; BIVINS BA; OBEID FN & HORST HM. Management of surgical emergencies in pregnancy. Am Surg 56: 245-250, 1990. 10 - ANDRADE JI; STRACIERI LDS & MORAIS EN. Lavado peri- toneal ou punção simples? In: PAULA CASTRO L & SAVASSI ROCHA PR. Tópicos em gastroenterologia 3. Medsi, Rio de Janeiro, p. 419-430, 1992. 11 - ANDRADE JI & STRACIERI LDS. Lavado peritoneal diag- nóstico. In: SAVASSI ROCHA PR; ANDRADE JI & SOUZA C. Abdome agudo: diagnóstico e tratamento. 2a. ed. Medsi, Rio de Janeiro, p. 25-29, 1993. 12 - ROSE PG; STROHN PL & ZUSPAN FP. Fetomaternal hemor- rhage following trauma. Am J Obstet Gynecol 153: 844- 847, 1985. 13 - KISSINGER DP; ROZYCKI GS; MORRIS JA Jr; KNUDSON MM; COPES WS; BASS SM; YATES HK & CHAMPION HR. Trauma in pregnancy – predicting pregnancy outcome. Arch Surg 126: 1079-1086, 1991. 14 - SONGSTER VL & CLARK SL. Cardiac arrest in pregnancy. What to do ? Contemp Obstest Gynecol 27: 141-155, 1985. 15 - LEE RV; ROGERS BD; WHITE LM & HARVEY RC. Cardiopulmonar resuscitation of pregnant women. Am J Med 81: 311-318, 1986. 16 - ADVANCED CARDIAC LIFE SUPPORT. Special Resus- citation Situations, American Heart Association, Chicago, 10: 1-27, 1994. 17 - LICHTENSTEIN A & BORN D. Situações especiais da rea- nimação cardiorrespiratória. Rev Soc Cardiol São Paulo 8: 779–797, 1998. 18 - GOODWIN P & PEARE J. The human wedge: a maneuvre to relieve aortocaval compression during resuscitation in late pregnancy. Anaesthesia 47: 433-444, 1992. 19 - LEE RV & MEZZARDI FC. Cardiopulmonary resuscitation of pregnant women. In: ELKAYAM U & GLEICHER N, eds. Cardiac problem in pregnancy. Alan R. Liss, New York; p.307-319, 1990. 20 - KATZ VL; DOTTERS DJ & DROEGEMUELLER W. Perimortem cesarean delivery. Obstet Gynecol 68: 571-576, 1986. 21 - STRONG JR TH & LOWE RA. Perimortem cesarean sec- tion. Am J Emerg Med 7: 487-497, 1989. 22 - LOPEZ ZENO J; CARLO WA; O’GRADY JP & FANAROFF AA. Infant survival following delayed postmortem cesar- ean delivery. Obstet Gynecol 76: 991-992, 1990. 23 - DILLON WP; LEE RV; TRONOLONE MJ; BUCKWALD S & FOOTE RJ. Life support and maternal brain dath during pregnancy. JAMA 248: 1089-1091, 1982. 24 - HILL LM; PARKER D & O’NEILL BP. Management of mater- nal vegetative state during pregnancy. Mayo Clin Proc 69:469-472, 1985. 25 - ROBERTS GL; O’TOOLE BI; RAPHAEL B; LAWRENCE JM & ASHBY R. Prevalence study of domestic violence victims in an emergency department. Ann Emerg Med 27: 741- 753, 1996. 26 - OLSON L; ANCTIL C; FULLERTON L; BRILLMAN J; ARBUCKLE J & SKLAR D. Increasing emergency physi- cian recognition of domestic violence. Ann Emerg Med 27: 741-746, 1996. 27 - DUNNEGAN SW. Violence, trauma and substance abuse. J Psychoactive Drugs 29: 345-351, 1997. Recebido para publicação em 11/08/99 Aprovado para publicação em 14/09/99