1. A Parábola do TuristaPróspero
“Um dia, num velho mosteiro da China apareceu um turista milionário a
procura de dar um sentido a sua invejada vida de prosperidadematerial.
Ao bater a porta do mosteiro, mestre Sheng veio abri-la com um sorriso,
dizendo: em que posso ser útil, amigo? O forasteiro foi logo, de forma
pragmática dizendo: - vim iniciar-me, pois soubeda sua fama de mestre
iluminado, capaz de dar-me um sentido que preencha o meu interior, mas
que não esteja fora de mim mesmo. Sheng ao ouvi-lo, sorriu dizendo:-
entre, esteja de conformidadecom a sua vontade, tentarei orientá-lo a
encontrar o que nunca se perdeu. Ouvindo isso, o forasteiro foi logo
mostrando uma carroçacom uma parelha de cavalos, trazendo uma
quantidade enorme de ouro que conseguira conquistar durantea sua
jornada até o presente momento. Vendo que o mestre não dera a devida
atenção, retrucou dizendo: é ouro suficiente para que o senhor possa
ampliar o seu mosteiro, modernizá-lo e viver o resto da sua vida sem o
menor tipo de problema que possa preocupa-lo. MestreSheng, ao
perceber a insistência do turista milionário, sorriu dizendo: - pode deixar
em algum canto que esteja desocupado. Para surpresa do visitante, o
mestre não dera a verdadeira importância o que fora entregue de
presente. – Foi uma vida inteira de economias, disseo forasteiro,
enaltecendo a sua doação mais uma vez. – Então, já que vocême deu,
agora é minha, por isso posso fazer o que quiser com ela, disseo mestre.
Sugiro que vá até as margens do rio com ela, alugue um barco e vá até o
meio do rio para descartar-sedela de uma vez. Podejogá-la fora, pois
para mim não tem nenhuma utilidade. Constrangido e ao mesmo tempo
aborrecido fez o que o mestre o orientara a fazer. Passadas algumas
horas, o mestre deu-se conta que pelo tempo o forasteiro já deveria estar
de volta para a primeira aula. - Quedemora, considerou o mestre. Pediu a
um dos iniciados então, para ir até a margem do rio e ver o que
acontecera com o visitante. O iniciado, logo apareceu no mosteiro
relatando que o tal visitante estava há horas colocando peça por peça
dentro do rio, o que segundo seus cálculos, não terminaria tão cedo.
2. Ouvindo compaciência tal relato, mestreSheng resolveu intervir, dizendo;
- levem-me lá! O que foi imediatamente providenciado. Ao chegar à
margem, o mestre pediu um barco para que pudesseencostar e saltar
para o barco do forasteiro e resolver aquele impasse. Dito e feito, assim
que chegou foi logo dizendo: - que pensas que estás fazendo, ao jogar
peça por peça fora? Passastes a vida todas as juntando, uma a uma e não
conseguistes ser feliz, encontrar um sentido para viver. Agora que precisas
abandonar aquilo que não te trouxe a paz e a felicidade, o fazes com
apego à aquilo que te aprisionou durante uma vida inteira? Deu-lhe uma
tapa na cara, para a surpresa detodos, insistindo para que jogassetodos
os bens de uma só vez no rio. Essa fora a sua primeira lição. Desapego por
aquilo que não passara deum fragmento, aquilo que não trazia nenhum
sentido que pudesseser considerado libertário e sábio. “Havia agora a
necessidadede peregrinar um caminho de volta, onde a meta fosseum
encontro consigo, ao invés de conquistas materiais exteriores, tão
fragmentadas de valores profundos epersistentes”.
Por que escrevi essa parábola?
Por causa de uma abordagemcom um simpático vereador dessa cidade,
que ao brincar com ele, eu disse: - vamos até a Convenção política de
Paulo Dames!No que ele retrucou, rapidamente: - tá doido? - Eu quero o
progresso!Fomos cada qualpro seu lado após esse momento.
Como ele tem um nome bíblico, que para mim trás o significado de
renascimento, gostaria de fazer merecer essa oportunidadede contemplá-
lo com uma reflexão sobrea qualidade momento que vivenciamos.
Acho que agora que ele perdeu a possibilidadede se reeleger como
vereador, considere trocarmos algumas experiências e esclarecimentos
sobrea experiência vivenciada por mim versus suas informações.
Pergunto: você é um ser turista ou peregrino?
O sociólogo polonês Zigmunt Bauman apresentou-a sob a forma de
metáfora essa questão acima, sobreo modo de existir dentro dessa
modernidade líquida do pós-modernismo.
3. Um pensador e autor, Benjamim Disraeli possuiuma frasebem
significativa para sintetizar um modus vivendi atual: “a vida é curta demais
para ser pequena”.
Perguntei pra mim mesmo: que tipo de vida vive essemoço?
Hoje, nós somos mais peregrinos ou turistas? Quala diferença entre
ambos?
Acredito que eles passamalgo em comum, que é a ideia de viagem, porém
existem diferenças significativas entre eles. Uma delas é a utilidade dessa
viagem, sua meta.
Qual será a meta da viagem de um peregrino? Bem, ela relaciona-secom a
sua vida interior, seu crescimento como indivíduo, enquanto a do turista
nada tem a ver com tal coisa. É apenas um intervalo que acontece de ano
em ano na sua rotineira e cotidiana vida, um intervalo para relaxar. No
peregrino, a viagem é motivada por uma busca de si mesmo no trajeto da
vida, uma busca de identidade, enquanto o turista busca a alteridade.
No peregrino, o percurso é tão importante quanto à meta, sua chegada. Já
para o turista, a chegada ao destino é a meta, e para isso, quanto mais
rápida for essa locomoção, melhor. Uma viagem de avião seria o ideal.
O peregrino prefere ir a pé, de bicicleta, ou quando muito, de moto, pois o
tempo não importa, mas sim a experiência vivenciada no percurso, que
lhe dará o conhecimento através da experiência vivida para a busca do si
mesmo. Para o turista a viagem é negada, é tempo perdido entre a
cronologia de saída e chegada ao destino meta.
Qual será o medo do peregrino? Não ter sido enriquecido o suficiente com
a experiência vivida, o medo de não se sentir preenchido pelo significado
da experiência. Já o turista, o medo é com a qualidade da meta em si,
aquilo que é com relação com aquilo que deveria ser ou ter sido.
A grandemaioria de nós vive o turista nessemundo, principalmente nos
dias de hoje. Consideramos atraso, aquilo que nos falta materialmente.
Quando passamos a possuí-lo, já não nos falta mais, e isso significa um
vazio de expectativas que precisa ser preenchido. Observemos quea
4. depressão é a doença do pós-modernismo. Para fugir a essecaos interior,
só um medicamento moderno como um Prozac, ou se imaginar
perseguindo outro ideal maior, que dê sentido a sua rotineira e reativa
vida pouco criativa de existir e de agir a favor de algo que dê sentido a sua
existência como um todo, sem nenhuma muleta mística espiritual
transcendente.
Qual o conceito central para nos considerarmos turistas, hoje? O conceito
de fragmento.
Hojevivemos uma vida de fragmentos, pois não há um contínuo, não há
mais um todo, só ações desvinculadas entre si, como se fosseum
caleidoscópio cheio de pedaços disformes entre si que podem configurar a
cada momento coisas diferentes, sem uma referência como passado ou
uma proposta futura palpável. Segundo Bauman, é a modernidade
líquida. Nada de concretude ética conceitual, vivemos o devir, a disrupção
dos modelos sociais que nos trouxeram até aqui.
Como exemplo desses fragmentos quehabitam no nosso cotidiano, temos
como exemplo, um jornalde noticiários de TV. Logo apareceum pouco de
esporte, um pouco de política nacional, um pouca de variedades culturais,
um pouco de violência policial, e para finalizar, um pouco das notícias do
mundo, todas contadas comuma postura profissionaljornalística, que
quasenão se mostra envolvida pelo assunto em pauta que está sendo
relatado, com o mesmo diapasão vocal, do início ao fim do noticiário. Ou
seja, são tantos relatos fragmentados quenão tem tempo de se envolver
e refletir sobrequasenenhum deles em particular, pois são colocados de
forma impessoale dentro de uma cronologia curta. Logo, é assim que vive
o nosso turista naquilo que ele rotula como progresso. Uma vida
fragmentada. Vou dar outro exemplo que caracteriza o modus vivendido
nosso turista quando ele sai de férias. Digamos que ele seja um
personagemchic, culto e com bom poder aquisitivo. Ele passará no
máximo uma semana em Paris, depois, uns três dias em Londres, outros
tantos em Roma, dará uma esticada até a Grécia, visitará Veneza, voará
até Berlim e estará visando o seu passaportedevolta. O nosso amigo só
vivenciou fragmentos de tempo, guardando na memória da sua Nikon
apenas fotos de lugares e eventos passageiros. Aívem uma questão que
5. ainda não fora pensada por ele: o que é mais importante para a sua vida?
Conhecimentos ou informações?
Hojevivemos no mundo do conhecimento globalizado sem limites
imaginários, seja através de revistas, jornais, televisão e principalmente,
através da Internet, com o Google e as Redes Sociais. E o que são todas
essas informações a não serem fragmentos? Informação éfragmento. Já o
conhecimento é a experiência vivida ou vivenciada de um evento, uma
ação ou um fato.
A diferença de vida entre o turista e o peregrino é que o primeiro vive de
criar metas para o seu percurso na vida, enquanto o peregrino considera o
percurso como meta em sua vida, podendo assim conceituar a sua criativa
viagem como parte importante do acervo de experiências que geraram
em si uma temática própria a respeito do que foi vivenciado. Muito
diferente do turista, que ao concluir a sua falta de tempo e oportunidade
para formular conceitos a partir de uma experiência, prefere tomar as
informações que os meios de comunicação lhes conferem, sentindo-se
atualizado pelos “PersonalTraining” midiáticos, que acham o que você
deve achar.
Como podemos ver considerar progresso àquilo que não pode ser
avaliado, não é permanente, não merece uma conceituação em virtude da
sua liquidez, não merece realmente ser assim chamado.