SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
A Crise de Sentido...
Há uma parábola Taoista de Chuang Tzü, sábio chinês que ajudou a fusão do
Taoísmo com o Budismo, através de Bodhidarma, fundando assim o Zen. Ele
nos mostra através de um conto, a crise de sentido gerada por um ego carente
em ocupar-se com algo que tenha grande importância e expresse finalidade,
para poder sentir-se útil e recuperar a autoestima.
O Velho Carvalho
“Um carpinteiro ambulante chamado Stone viu ao decorrer de suas viagens,
em um campo próximo de um lar rústico, um velho e gigantesco carvalho..
Comentou então com seu aprendiz que admirava o carvalho secular: Esta
árvore não tem qualquer serventia, pois se quisermos fazer um barco com a
sua madeira, ela apodreceria, se quiséssemos utilizá-la para construção de
ferramentas e móveis de uso doméstico, elas logo se haviam de quebrar. Para
nada serve esta árvore, por isso chegou a ficar assim tão velha.
Na mesma noite, numa hospedaria, o velho carvalho apareceu em
sonho ao carpinteiro e disse: Por que você me compara às árvores
cultivadas, como a pereira, a macieira, a laranjeira e todas as outras
árvores frutíferas? Antes de amadurecerem seus frutos as pessoas já as
atacam e violentam quebrando os seus galhos, arrancando os seus
ramos e chamando isso de “poda”. As dádivas que trazem só lhes
acarretam o mal, impedindo-as de viverem como são, integralmente, até
o fim de suas existências de forma natural. É o que acontece em todos
os lugares; por isso esforço-me há tantos anos em aceitar-me como sou
aparentemente inútil aos interesses alheios. Pobre mortal!... Crês que se
tivesse servido a algum propósito humano, teria chegado até aqui com
essa altura e essa idade, vivendo tanto tempo? Além disso, tu e eu
somos ambos criaturas, como pode , uma criatura erigir-se em juiz da
outra? Mortal criatura, que sabes a respeito da inutilidade das árvores?
O carpinteiro acordou e pôs-se a meditar sobre o sonho arquetípico que tivera.
Mais tarde, quando o aprendiz perguntou-lhe: porque só aquela árvore protege
o altar rústico daquela aldeia, respondeu-lhe o carpinteiro: Cala-te! Não
falemos mais nisso! A árvore nasceu aqui propositadamente, porque em
qualquer outro lugar já teria sido derrubada. Aqui ela tem uma função junto ao
altar rustico... “É um marco espiritual”.
O carpinteiro discerniu bem a respeito desse sonho, observando que realizar
seu destino é o maior empreendimento do ser, e que o nosso utilitarismo deve
ceder às exigências da nossa psique inconsciente.
Tentar traduzir esta parábola Zen em uma linguagem psicológica é considerar
a árvore como símbolo do processo de individuação, de uma boa lição ao
nosso ego, com tão curta visão.
Sob a árvore que cumpria o seu destino, havia um altar rústico, isto é, uma
pedra bruta, sobre a qual eram oferecidos sacrifícios ao deus local,
“proprietário” natural daquele pedaço de terra. O simbolismo desse altar
significa que para realizarmos um processo de individuação e crescimento é
preciso nos submeter conscientemente ao poder do inconsciente, como
aconteceu com Jacó, em Gênesis 28:10, naquele inóspito deserto, ao invés de
pensarmos no que “devemos fazer”, ou “o que se faz habitualmente”, ou “o que
consideram melhor fazer”, etc. É preciso apenas saber ouvir-se para poder
compreender o que a sua totalidade interior quer que façamos, aqui e agora,
com essa qualidade-momento e determinada situação.
Nossa atitude deve ser como a do carvalho de que acima comentei: não se
aborrece quando na sua germinação e crescimento depara-se com alguma
pedra acima, nem faz planos para vencer os obstáculos. Tenta apenas sentir
se deve crescer à direita ou à esquerda, em direção à encosta ou afastado
dela. Assim, tal como a árvore, devemos nos entregar a esse impulso quase
imperceptível e, no entanto, poderosamente dominador – um impulso que vem
do âmago, um anseio por uma auto realização criadora e única. Talvez, você
tenha a revelação que Jacó teve, que apesar das condições externas
reinantes, Deus está exatamente ocupando o espaço interno, pouco
considerado até aqui, onde os sentimentos e as emoções foram substituídos
pela racionalidade unilateral, que apesar de terem sido colocados “para baixo
do tapete”, nunca deixaram de carecer a atenção e a importância devida para
que a vida tivesse um sentido e, não uma lógica, que é muito melhor ser feliz
do que ter razão. Felizmente, tanto o jardineiro da parábola acima, como Jacó,
consideraram conscientemente a mensagem que o inconsciente vos deu, pois
Deus nos revela exatamente aí, e de forma muito pouco ortodoxa e racional os
seus propósitos dentro das mais contraditórias situações aparentes... Não
procure o “bem de difícil alcance” nos conceitos racionais, você é uma obra
acabada, não há o que colocar e nem tirar, Ele não errou a mão...
José Alfredo Bião Oberg

Mais conteúdo relacionado

Mais de J. Alfredo Bião

Mais de J. Alfredo Bião (20)

Obàtálà & Odùdúwà na gênese yorubá
Obàtálà & Odùdúwà na gênese yorubáObàtálà & Odùdúwà na gênese yorubá
Obàtálà & Odùdúwà na gênese yorubá
 
3. étà ògúndá
3. étà ògúndá3. étà ògúndá
3. étà ògúndá
 
3º caminho de òkànràn
3º caminho de òkànràn3º caminho de òkànràn
3º caminho de òkànràn
 
4º caminho de òkànrà1
4º caminho de òkànrà14º caminho de òkànrà1
4º caminho de òkànrà1
 
5º caminho de òkànràn
5º caminho de òkànràn5º caminho de òkànràn
5º caminho de òkànràn
 
Caminhos de odu
Caminhos de oduCaminhos de odu
Caminhos de odu
 
Candomblé
CandombléCandomblé
Candomblé
 
Cosmogonia yorubá
Cosmogonia yorubáCosmogonia yorubá
Cosmogonia yorubá
 
Iorubás e o culto aos éguns
Iorubás e o culto aos égunsIorubás e o culto aos éguns
Iorubás e o culto aos éguns
 
Iorubás
IorubásIorubás
Iorubás
 
Odús e as divindades
Odús e as divindadesOdús e as divindades
Odús e as divindades
 
Owarin caminhos de odu
Owarin   caminhos de oduOwarin   caminhos de odu
Owarin caminhos de odu
 
Verdade absoluta parábola taoista
Verdade absoluta   parábola taoistaVerdade absoluta   parábola taoista
Verdade absoluta parábola taoista
 
Os trabalhadores na vinha
Os trabalhadores na vinhaOs trabalhadores na vinha
Os trabalhadores na vinha
 
O filho pródigo
O filho pródigo O filho pródigo
O filho pródigo
 
A figueira seca
A figueira secaA figueira seca
A figueira seca
 
A parábola do mordomo infiel
A parábola do mordomo infielA parábola do mordomo infiel
A parábola do mordomo infiel
 
Nascimento da umbanda
Nascimento da umbandaNascimento da umbanda
Nascimento da umbanda
 
Parábola do banquete nupcial
Parábola do banquete nupcialParábola do banquete nupcial
Parábola do banquete nupcial
 
Causa e efeito ou meio e condição
Causa e efeito ou meio e condiçãoCausa e efeito ou meio e condição
Causa e efeito ou meio e condição
 

A crise de sentido...

  • 1. A Crise de Sentido... Há uma parábola Taoista de Chuang Tzü, sábio chinês que ajudou a fusão do Taoísmo com o Budismo, através de Bodhidarma, fundando assim o Zen. Ele nos mostra através de um conto, a crise de sentido gerada por um ego carente em ocupar-se com algo que tenha grande importância e expresse finalidade, para poder sentir-se útil e recuperar a autoestima. O Velho Carvalho “Um carpinteiro ambulante chamado Stone viu ao decorrer de suas viagens, em um campo próximo de um lar rústico, um velho e gigantesco carvalho.. Comentou então com seu aprendiz que admirava o carvalho secular: Esta árvore não tem qualquer serventia, pois se quisermos fazer um barco com a sua madeira, ela apodreceria, se quiséssemos utilizá-la para construção de ferramentas e móveis de uso doméstico, elas logo se haviam de quebrar. Para nada serve esta árvore, por isso chegou a ficar assim tão velha. Na mesma noite, numa hospedaria, o velho carvalho apareceu em sonho ao carpinteiro e disse: Por que você me compara às árvores cultivadas, como a pereira, a macieira, a laranjeira e todas as outras árvores frutíferas? Antes de amadurecerem seus frutos as pessoas já as atacam e violentam quebrando os seus galhos, arrancando os seus ramos e chamando isso de “poda”. As dádivas que trazem só lhes acarretam o mal, impedindo-as de viverem como são, integralmente, até o fim de suas existências de forma natural. É o que acontece em todos os lugares; por isso esforço-me há tantos anos em aceitar-me como sou aparentemente inútil aos interesses alheios. Pobre mortal!... Crês que se tivesse servido a algum propósito humano, teria chegado até aqui com essa altura e essa idade, vivendo tanto tempo? Além disso, tu e eu somos ambos criaturas, como pode , uma criatura erigir-se em juiz da outra? Mortal criatura, que sabes a respeito da inutilidade das árvores? O carpinteiro acordou e pôs-se a meditar sobre o sonho arquetípico que tivera. Mais tarde, quando o aprendiz perguntou-lhe: porque só aquela árvore protege o altar rústico daquela aldeia, respondeu-lhe o carpinteiro: Cala-te! Não falemos mais nisso! A árvore nasceu aqui propositadamente, porque em qualquer outro lugar já teria sido derrubada. Aqui ela tem uma função junto ao altar rustico... “É um marco espiritual”. O carpinteiro discerniu bem a respeito desse sonho, observando que realizar seu destino é o maior empreendimento do ser, e que o nosso utilitarismo deve ceder às exigências da nossa psique inconsciente.
  • 2. Tentar traduzir esta parábola Zen em uma linguagem psicológica é considerar a árvore como símbolo do processo de individuação, de uma boa lição ao nosso ego, com tão curta visão. Sob a árvore que cumpria o seu destino, havia um altar rústico, isto é, uma pedra bruta, sobre a qual eram oferecidos sacrifícios ao deus local, “proprietário” natural daquele pedaço de terra. O simbolismo desse altar significa que para realizarmos um processo de individuação e crescimento é preciso nos submeter conscientemente ao poder do inconsciente, como aconteceu com Jacó, em Gênesis 28:10, naquele inóspito deserto, ao invés de pensarmos no que “devemos fazer”, ou “o que se faz habitualmente”, ou “o que consideram melhor fazer”, etc. É preciso apenas saber ouvir-se para poder compreender o que a sua totalidade interior quer que façamos, aqui e agora, com essa qualidade-momento e determinada situação. Nossa atitude deve ser como a do carvalho de que acima comentei: não se aborrece quando na sua germinação e crescimento depara-se com alguma pedra acima, nem faz planos para vencer os obstáculos. Tenta apenas sentir se deve crescer à direita ou à esquerda, em direção à encosta ou afastado dela. Assim, tal como a árvore, devemos nos entregar a esse impulso quase imperceptível e, no entanto, poderosamente dominador – um impulso que vem do âmago, um anseio por uma auto realização criadora e única. Talvez, você tenha a revelação que Jacó teve, que apesar das condições externas reinantes, Deus está exatamente ocupando o espaço interno, pouco considerado até aqui, onde os sentimentos e as emoções foram substituídos pela racionalidade unilateral, que apesar de terem sido colocados “para baixo do tapete”, nunca deixaram de carecer a atenção e a importância devida para que a vida tivesse um sentido e, não uma lógica, que é muito melhor ser feliz do que ter razão. Felizmente, tanto o jardineiro da parábola acima, como Jacó, consideraram conscientemente a mensagem que o inconsciente vos deu, pois Deus nos revela exatamente aí, e de forma muito pouco ortodoxa e racional os seus propósitos dentro das mais contraditórias situações aparentes... Não procure o “bem de difícil alcance” nos conceitos racionais, você é uma obra acabada, não há o que colocar e nem tirar, Ele não errou a mão... José Alfredo Bião Oberg