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Zero é um número natural?
Sim e não. Incluir ou não o número 0 no conjunto N dos números naturais é uma questão de
preferência pessoal ou, mais objetivamente, de convivência. O mesmo professor ou autor
pode, em diferentes circunstâncias, escrever 0 N ou 0 N. Como assim?
Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente em todos eles encontramos N = {0, 1,
2,...}. Vejamos um livro de Análise. Lá acharemos quase sempre N = {1, 2, 3,...}
Por que essas preferências? É natural que o autor de um livro de Álgebra, cujo principal
interesse é o estudo das operações, considere zero como um numero natural pois isto lhe
dará um elemento neutro para a adição de números naturais e permitirá que a diferença x -
y seja uma operação com valores em N não somente quando x > y mas também se x = y.
assim, quando o algebrista considera zero como número natural, está facilitando a sua vida,
eliminando algumas exceções.
Por outro lado, em Análise, os números naturais ocorrem muito freqüentemente como
índices de termos numa seqüência. Uma seqüência (digamos, de números reais) é uma
função x:
N R, cujo domínio é o conjunto N dos números naturais. O valor que a função x assume no
número natural n é indicado com a notação xn (em vez de x(n)) e é chamado o “n-ésimo
termo” da seqüência. A notação (x1, x, ... xn,...) é usada para representar a seqüência. Aqui,
o primeiro termo da seqüência é x1, o segundo é x2 e assim por diante. Se fôssemos
considerar N = {0, 1, 2, ...} então a seqüência seria (x0, x1, x2,... xn,...), na qual o primeiro
termo é x0, o segundo é x1, etc. Em geral, xn não seria o n-ésimo e sim o (n+1)-ésimo
termo. Para evitar essa discrepância, é mais conveniente tomar o conjunto dos números
naturais como N = {1, 2, 3,...}.

Para encerrar este tópico, uma observação sobre a nomenclatura matemática. Não adianta
encaminhar a discussão no sentido de examinar se o número zero é ou não “natural” (em
oposição a “artificial”). Os nomes das coisas em Matemática não são geralmente escolhidos
de modo a transmitirem uma idéia sobre o que devem ser essas coisas. Os exemplos
abundam: um número “imaginário” não é mais nem menos existente do que um número
“real”; “grupo” é uma palavra que não indica nada sobre seu significado matemático e,
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